XVII
DO NOME DE JESUS CRISTO IMPOSTO AO VERBO ENCARNADO
Quando se impôs ao Filho de Deus o nome de Jesus?
Conforme o que o Anjo do Senhor havia ordenado a Maria e a José, foi-lhe imposto, no oitavo dia do seu nascimento, na cerimônia da circuncisão (XXXVII, 2)*.
O que significa o nome de Jesus imposto por ordem do Céu ao Filho de Deus feito homem?
Designa a sua qualidade característica na ordem da graça, a de Salvador do gênero humano.
Por que ao nome de Jesus se ajunta o de Cristo?
Por que a palavra Cristo, que significa Ungido, dá a entender a unção divina que o converte em Santo, Sacerdote e Rei dos domínios sobrenaturais (XXII, 1 ad 3).
Logo, qual é o seu significado integral e a quem designamos em concreto ao pronunciar o nome de Jesus Cristo?
Designamos ao Filho de Deus, coeterno e consubstanciai com o Pai e o Espírito Santo, Criador, conservador e governador supremo do universo; queremos dizer que este Verbo divino se revestiu da natureza humana e, sem deixar de ser Deus, se fez homem; que, com o dote de tão inefável união, obteve, enquanto homem, graças e privilégios de valor quase infinito, entre os quais sobressai a qualidade de Salvador dos homens, em virtude da qual é, por direito próprio, Mediador único junto de Deus, Pontífice Soberano, Rei Supremo, Profeta sem igual, chefe e cabeça dos eleitos, quer sejam homens ou anjos, pois uns e outros completam o seu corpo místico.
XVIII
DO BATISMO DE JESUS CRISTO
Por que, sendo Jesus Cristo o que acabamos de dizer, quis ser batizado com o batismo de São João ao começar a sua vida pública?
Porque assim convinha que inaugurasse a sua missão na terra. Era esta a de remir-nos; a Redenção consiste em perdoar os pecados, e esta remissão se efetuaria, por sua vez, mediante o batismo que ia promulgar e inaugurar. O batismo de Jesus Cristo é batismo de água, administrado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Todos os homens, sem exceção, devem recebê-lo, visto que todos são pecadores: por isso, querendo o divino Redentor dar a entender a sua imprescindível necessidade, solicitou Ele, que só a aparência tinha de pecador, o batismo de São João, simples figura do seu; e recebeu-o para santificar a água com o seu contato e dispô-la para ser a matéria do Sacramento. No seu batismo se revelaram e manifestaram as três Pessoas da Santíssima Trindade. Ele, na natureza humana; o Espírito Santo, na forma de pomba; e o Pai, na voz que se ouviu, como vinda do céu, dando-nos com isso a entender qual seria a forma do Sacramento. Por último, se declarou ali o seu efeito quando se abriu o céu sobre a cabeça do Salvador, pois também ao receberem a água batismal, o céu se abre para os homens, em virtude do batismo de Sangue com que Cristo havia de lavar em sua própria pessoa os pecados do mundo (XXXIX, 1-8).
XIX
DA VIDA PUBLICA DE JESUS CRISTO - DA TENTAÇÃO, PREGAÇÃO, MILAGRES E TRANSFIGURAÇÃO
Foi a vida pública de Jesus Cristo digna da sua concepção e nascimento e do batismo com que a inaugurou e, além disso, conforme com a sua missão e dignidade?
Sim, Senhor; porque levou uma vida modesta, simples e de extrema pobreza, pelo que preparou os ânimos para receberem a Nova Lei, fazendo que na sua própria pessoa acabasse o império da Antiga (XL, 1-4).
Por que quis Jesus Cristo ser tentado depois do batismo?
Para ensinar-nos a maneira como devemos resistir aos assaltos do inimigo e para subjugar, com a sua vitória, a audácia do demônio, ensoberbecido com a derrota que fez sofrer aos nossos primeiros pais no Paraíso (XLI, 1).
Pregou e ensinou Jesus Cristo da maneira mais convincente?
Sim, Senhor; porque percorreu pessoalmente todo o território do povo escolhido, a quem seu Pai o havia enviado e, em três anos de vida pública, não teve um momento de repouso, na empresa de ensinar aos homens, acomodando à sua capacidade os mistérios do reino dos céus (XLII, 1-4).
Foram convenientes e oportunos os milagres que fez?
Sim, Senhor; pois, com eles, deu provas irrefragáveis de quem era e de como dava aos homens meios infalíveis para reconhecê-lo, demonstrando a sua superioridade e onipotência sobre os espíritos, os corpos siderais, as enfermidades e misérias humanas e até sobre os próprios seres irracionais e insensíveis (XLIII, XLIV).
Fez algum que, por sua natureza e pelas circunstâncias que a rodearam, tivesse particularíssima e excepcional importância?
Sim, Senhor; o da Transfiguração (XLV).
Por que?
Porque, tendo revelado aos discípulos o mistério da sua paixão e morte ignominiosa num patíbulo e prognosticado como os seus sequazes haviam de acompanhá-lo no caminho do padecimento e da dor, quis que os três discípulos privilegiados vissem, na sua pessoa, a finalidade a que o padecimento conduz aos que têm a valentia de arrostá-lo por seu amor; e como esta doutrina e experiência eram o ponto culminante dos seus ensinos, aproveitou aquele momento solene para que proclamassem e dessem testemunho da sua autoridade e da veracidade das suas palavras, de um lado a Lei, personificada em Moisés e os Profetas, representados por Elias, e de outro, O Pai Celestial que deixou ouvir a sua voz, declarando-o Filho muito amado, a quem era necessário ouvir (XLV, 1-4).
Por que declarou o Pai a filiação divina do Filho por ocasião do Batismo e da Transfiguração?
Porque a filiação natural de Jesus Cristo é o modelo com que deve conformar-se a nossa filiação adotiva, e esta começa com a graça do batismo e consuma-se na glória da bem aventurança (XLV, 4 ad 2).
De que falavam Moisés e Elias com Jesus Cristo quando se apresentaram envoltos em resplendores de glória, no monte Tabor?
Do mistério da paixão e morte de Cristo, ou como disse São Lucas, com frase gráfica, da saída de Jesus de Jerusalém (XLV, 3).
XX
DE COMO JESUS CRISTO DEIXOU ESTE MUNDO; DA PAIXÃO, MORTE E SEPULTURA
Que causas compreende a saída de Jesus, verificada em Jerusalém?
Quatro coisas: a paixão, a morte, a sepultura e a descida aos infernos (XLVI-LII).
Por que quis Jesus Cristo padecer as torturas da paixão, antes de padecer a morte na cruz?
Primeiramente para obedecer aos mandatos do Pai que assim o havia determinado nos seus decretos eternos e, além disso, porque Jesus Cristo, profundo conhecedor do plano divino, sabia que a Paixão era a obra prima da sabedoria e amor de Deus, planejada para levar ao fim, com a maior eficácia, a redenção do gênero humano, além de confundir o demônio, nosso mortal inimigo, e oferecer aos homens o testemunho supremo do grande amor com que Deus os amou (XLVI, 1).
Os tormentos que Jesus Cristo padeceu, na sua paixão, excedem em conjunto a quanto se há padecido e se há de padecer?
Sim, Senhor; porque o seu corpo, cuja sensibilidade foi a mais delicada e perfeita que pode haver, foi torturado com toda a diversidade de suplícios, os quais não deixaram órgão nem sentido que não atormentassem, sem que a parte superior do espírito, que desfrutava o pleno gozo da visão beatífica, viesse em auxílio do corpo, ou mitigasse os tormentos da dolorosa sensibilidade; e a sua alma, ao tomar sobre si a responsabilidade e a obrigação de satisfazer por todos os pecados do mundo, quis experimentar torturas e dores proporcionadas àquele objeto (XLI, 5, 6).
De que modo levou ao fim a paixão de Cristo a obra da nossa salvação?
Considerada a paixão de Cristo em relação com a divindade, da qual a humanidade paciente era instrumento, é causa eficiente de nossa Salvação; se a consideramos como livremente aceita por sua vontade humana, é causa meritória; tomada em si mesma, como padecimento e suplício da parte sensível do Redentor, obrou-a por modo de satisfação, já que os seus tormentos compensaram os que mereciam os nossos pecados; por modo de Redenção, se atendermos a que, por ela, nos resgatou da escravidão do pecado e do demônio; e por modo de Sacrifício, se considerarmos que nos reconciliou com Deus e voltamos a achar graça diante dos seus olhos (XLVIII, 1-4).
É próprio e exclusivo de Cristo o atributo de Redentor do gênero humano?
Sim, Senhor; porque foi Ele quem, para partir as cadeias com que nos tinham algemados o demônio e o pecado, ofereceu e entregou ao Pai o sangue e a vida, como preço do nosso resgate e liberdade. Não obstante isto, tendo em conta que a humanidade do Salvador havia recebido sangue e vida da Santíssima Trindade, e que o movimento que impeliu a vontade humana a oferecer semelhante preço por nossa redenção, partiu, em sua origem, da Divindade, causa primeira de todo bem, segue-se que a obra da redenção se atribui à Santíssima Trindade, como causa primeira e ao Filho de Deus, enquanto homem, como causa imediata (XLVIII, 5).
Logo, a paixão de Cristo remiu-nos da escravidão do demônio, arrancando-nos do seu poder?
Sim, Senhor; porque destruiu o pecado com que o homem, cedendo às sugestões do demônio, tinha merecido ficar sujeito ao seu domínio, e nos reconciliou com Deus, a quem havíamos ofendido, cuja justiça havia abandonado o homem ao poder do demônio, e utilizou até o poder tirânico de Satanás, permitindo-lhe enfurecer-se contra o Filho de Deus, até fazê-lo condenar à morte, sendo inocente (XLIX, 1-4).
Podemos considerar, como efeito especial da paixão de Cristo, o de abrir-nos as portas do céu?
Sim, Senhor; porque dois eram os obstáculos que impediam a entrada no céu ao gênero humano: o pecado original, comum a todos os homens como descendentes, por via de geração de Adão pecador e os pecados pessoais; ambos estes obstáculos se destruíram com a paixão de Cristo (XLIX, 5).
Foi conveniente que a paixão do Redentor terminasse com a morte?
Sim, Senhor; porque foi o meio mais adequado e apropriado para que o homem sacudisse o jugo e a servidão com que o tinham cativo a morte espiritual do pecado e a física imposta como castigo da culpa original; e com efeito, ao morrer Cristo pelos homens, venceu a morte e logrou que nós triunfássemos também dela, perdendo o horror natural que ela inspira, pois sabemos que morremos para ressuscitar, e sobretudo, para que, como membros seus, morramos com as mesmas disposições com que Ele morreu e consigamos sobre a morte o triunfo que Ele alcançou (L, 1).
Por que quis ser sepultado depois de morrer?
Primeiramente, para demonstrar que realmente estava morto, pois, de ordinário, a ninguém se sepulta antes de comprovar suficientemente a morte real; em segundo lugar, para confirmar, com a sua ressurreição, o dogma da ressurreição universal; e por último, para ensinar-nos que, se queremos morrer para o pecado, temos que nos despedir da vida turbulenta, em que imperam o desregramento e a paixão, e abandoná-la para levar uma vida escondida e oculta em Deus (LI, 1).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)