Do Livro das Cintilações*- VII/Final
LXIV - A amizade e a inimizade
213. Disse Jesus, filho de Sirach: Volta-te para teus amigos e afasta-te de teus inimigos. Um amigo fiel é uma poderosa proteção; quem o encontra, encontra um tesouro. Nada se pode comparar a um amigo fiel (Eclo 6,13-15).
214. Disse Jesus, filho de Sirach: Quando tudo corre bem, não se conhece quem é amigo de verdade; em tempos de desgraça, manifesta-se quem é inimigo (Eclo 12,8).
215. Disse Jerônimo: Nos amigos não se buscam os bens, mas o querer (Ep. 68, 1; PL 22, 651).
216. Disse Jerônimo: Não há distância que separe aqueles que estão unidos pelo amor (Epist. 71, 7, 2; PL 22, 672).
217. Disse Isidoro: O amigo é verdadeiramente amado somente se é amado, não por ele mesmo, mas por Deus. Quem não sabe amar verdadeiramente ama para seu próprio proveito e não por Deus (Sent., III, 28, 53; PL 83, 702).
218. Disse Isidoro: Há alguns que quando atingem altas posições, desdenham ter por amigos aqueles que, antes, tinham por íntimos (Sent., III, 29, 6; PL 83, 703).
LXV - Os conselhos
219. Disse Jesus, filho de Sirach: Que sejam muitas as pessoas com quem tenhas boas relações; conselho, porém, toma de uma em mil (Eclo 6,6).
220. Disse Jesus, filho de Sirach: Não faças nada sem conselho e não te arrependerás (Eclo 32,24).
221. Disse Jesus, filho de Sirach: Não dês conselho aos que te invejam (Eclo 37,7).
222. Disse Basílio: Em toda ação que pretendes realizar, antes considera atentamente diante de Deus se ela está de acordo com Deus. Se estiver, realiza-a; se não, arranca-a do teu espírito (Adm. ad fil. 12; PL 103, 694)
LXVI - Os mortos
223. Disse João Apóstolo: Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor (Apoc 14,13).
224. Disse Isidoro: O amor leva-nos a chorar pelos fiéis defuntos; a fé, porém, leva a não nos afligirmos por eles (Sent., III, 62, 12; PL 83, 738)
LXVII - O auxílio de Deus
225. Disse Paulo Apóstolo: Se Deus é por nós, quem será contra nós? (Rom 8,31).
226. Disse Paulo Apóstolo: a escolha não depende do homem que quer ou do homem que corre, mas da misericórdia de Deus (Rom 9,16).
227. Disse Jerônimo: Feliz aquele para quem a esperança é Deus e toda ação, oração.
LXVIII - Os velhos e os jovens
228. Disse o Senhor no Evangelho: Deixai vir a mim os pequeninos, pois deles é o reino dos céus (Mt 19,14).
229. Disse Salomão: A alegria dos jovens, sua força; a dignidade dos velhos, suas cãs (Prov 16,31).
LXIX - As desavenças
230. Disse Gregório: Todos os hereges, querendo agradar a Deus, ofendem-nO (Moral., 11, 1, 1; PL 75, 953).
231. Disse Isidoro: Por nenhuma razão entres em discussão, pois as discussões conduzem ao litígio. As discussões geram as rixas. A discussão deflagra o ódio e dissolve a concórdia (Syn., II, 39; PL 83, 854).
LXX - A vida alheia
232. Disse Agostinho: Ah, quão irrepreensíveis seríamos se cuidássemos de evitar nossos próprios vícios com o mesmo empenho com que bisbilhotamos os dos outros! Mas porque esquecemos dos nossos é que nos ocupamos dos defeitos alheios.
233. Disse Jerônimo: Guarda-te de cometer o mesmo erro que te propões corrigir.
234. Disse Jerônimo: Ao investirem contra os erros alheios, manifestam os seus próprios.
235. Disse Gregório: Menos devemos nos atrever a censurar o que os outros têm no coração quanto mais conscientes estamos de que nosso olhar é incapaz de penetrar na intimidade dos pensamentos alheios (Moral. I, 9,; PL 75, 533).
LXXI - A mansidão e a temeridade
236. Disse o Senhor no Evangelho: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração (Mt 11,29).
237. Disse Agostinho: Há alguns que, sendo inferiores por sua iniquidade, ainda se julgam superiores a todos os homens (En. in Ps. 124, 1; PL 37, 1648).
LXXII - Os juízes e os governantes
238. Disse o Senhor no Evangelho: Não julgueis e não sereis julgados. Pois, segundo o julgamento que julgardes, sereis julgados; e com a medida com que medirdes, sereis medidos (Mt 7,1-2).
239. Disse Jerônimo: Não nos alegremos com os elogios dos homens; não temamos as críticas dos homens.
240. Disse Jerônimo: Se queremos agradar a Deus, não temamos as ameaças dos homens.
LXXIII - A simplicidade
241. Disse o Senhor no Evangelho: Sede prudentes como serpentes e simples como pombas (Mt 10,16).93.
242. Disse Jerônimo: Que o homem rústico e simples não se julgue santo porque nada sabe; e que o homem culto e instruído não pense que a santidade consiste na erudição (Ep., 52, 9, 3; PL 22, 579).
243. Disse Jerônimo: A estrutura espiritual é a articulação de fé firme no coração, elmo da salvação na cabeça, sinal de Cristo na fronte, palavra de verdade na boca, vontade boa no espírito, amor de Deus no peito, vestimenta de pureza nas paixões, retidão no agir, sobriedade no convívio, constância na bondade, humildade no sucesso, paciência na tribulação, esperança na oração, amor à vida eterna, perseverança até o fim.
LXXIV - Os médicos
244. Disse o Senhor no Evangelho: Não os sãos, mas os doentes é que têm necessidade de médico (Lc 5,31).
245. Disse Jesus, filho de Sirach: Honra o médico, porque ele é necessário: o Altíssimo o criou. De Deus é que vem todo remédio (Eclo 38,1-2).
246. Disse Cipriano: É necessário abrir a ferida, cortá-la, expelir o pus e aplicar-lhe remédio forte. O doente, que mal suporta a dor, grita e vocifera; mas, depois, ao recobrar a saúde, agradecerá (De lapsis, 14; PL 4, 447-448).
LXXV - A ligação com Deus
247. Disse o Senhor no Evangelho: Tudo o que ligardes na terra será ligado nos céus (Mt 16,19).
248. Disse Gregório: Aqueles a quem Deus onipotente visita pela graça do arrependimento, Ele os absolve pela sentença do pastor (Hom. Ev., 26, 6; PL 76, 1200).
LXXVI - O exemplo
249. Disse Isidoro: Se temos disposição para imitar os iníquos no mal, por que a displicência para imitar os justos no bem? (Sent., II, 7; PL 83, 612).
LXXVII - Os discípulos
250. Disse Jerônimo: Guarda-te de ser mestre antes de ser discípulo; de ser soldado antes de ser recruta (Ep. 125, 8, 2; Hilberg III, 127, 10).
251. Disse Jerônimo: O homem de estudos e sábio, mesmo quando quer aprender algo, ensina pelo modo sábio com que interroga (Ep. 53, 3, 7; PL 22, 543).
252. Disse Jerônimo: Há alguns, com extrema propensão a falar, que têm o atrevimento de explicar o que eles mesmos não entenderam (Ep. 7, 1; Hilberg I, 453).
253. Disse Cipriano: Aprimora o seu ensino aquele que cada dia cresce e se aprofunda na arte de aprender o melhor (Ep. 74, 10; PL 3, 1135).
254. Disse Cipriano: O ensino é o guardião da esperança; reservatório da fé; traça o caminho da salvação; exprime e realiza uma personalidade sólida; é mestre de virtude; faz permanecer sempre em Cristo, viver para Deus e atingir as promessas celestes e as divinas recompensas (De hab. virg., I; PL 4, 440-441).
LXXVIII - A tentação e o martírio
255. Disse Jerônimo: Não é só o derramamento de sangue que tem o valor de testemunho de fé, mas a perfeição do servir com amor é também um cotidiano martírio (Ep. 108, 31, 1; PL 22, 905).
256. Disse Isidoro: O diabo é uma serpente escorregadia; se não se lhe ataca a cabeça (isto é, já à primeira insinuação), ele se infiltra inteiramente, sem que reparemos o mal no íntimo do coração (Sent., III, 5, 14; PL 83, 663).
LXXIX - As palavras ociosas
257. Disse o Senhor no Evangelho: Eu vos digo: por toda palavra ociosa proferida pelos homens dar-se-á conta no dia do juízo. Cada um será justificado ou condenado por suas palavras (Mt 12,36-37).
258. Disse Gregório: Palavra ociosa é aquela que carece da retidão que a tornaria útil ou de uma razão de justa necessidade (Hom. Ev., 6, 6; PL 76, 1098).
LXXX - A brevidade da vida presente
259. Disse Salomão: Há tempo para nascer e tempo para morrer (Ecl 3,2).
260. Disse Jerônimo: Breve é a felicidade desta vida; pobre, a glória deste mundo; caduco e frágil, o poder temporal. Diz-me: onde estão os reis; onde os príncipes, os imperadores, os ricos, os poderosos deste mundo? Sim, como uma sombra, passaram; como um sonho, desvaneceram-se; pode-se procurá-los, mas já não existem. As riquezas conduzem ao perigo, muitos ruíram por sua opulência; para muitos, as riquezas causaram a morte.
261. Disse Isidoro: O tecido desfaz-se fio a fio; a vida do homem consome-se dia a dia (Sent., III, 61, 3; PL 83, 736).
LXXXI - As leituras
262. Disse o Senhor no Evangelho: Quem lê, entenda (Mt 24,25).
263. Disse o Senhor no Evangelho: A quem muito foi dado, muito ser-lhe-á pedido (Lc 12,48).
264. Disse Isidoro: Quem quer sempre estar com Deus deve frequentemente orar e frequentemente ler. Pois, quando oramos, somos nós que falamos com Deus; quando lemos é Deus quem nos fala. Todo progresso espiritual procede da leitura e da meditação. O que ignoramos, aprendemos na leitura; o que aprendemos, conservamo-lo pela meditação (Sent., III, 8, 2; PL 83, 679)
265. Disse Isidoro: Ninguém pode conhecer o sentido das Sagradas Escrituras senão pela sua leitura frequente (Sent., III, 9, 1; PL 83, 680).
* (Liber Scintillarum, escrito por volta do ano 700, constitui uma coletânea de máximas e sentenças compiladas das Sagradas Escrituras ou proclamadas pelos Pais da Igreja, organizadas por um monge - que se autodenomina 'Defensor' - do Mosteiro de São Martinho de Ligugé; tradução de Jean Lauand)