sexta-feira, 24 de março de 2017

MEDITAÇÕES PARA A QUARESMA (III)

MEDITAÇÃO PARA A TERCEIRA SEMANA DA QUARESMA

A DEVOÇÃO DAS CINCO CHAGAS


PRIMEIRO PONTO - NADA MAIS JUSTO DO QUE A DEVOÇÃO DAS CINCO CHAGAS

Não seria encarado como um homem, mas como um monstro sem coração, um filho que fosse capaz de contemplar com indiferença e sem qualquer emoção de compaixão, gratidão e amor, as feridas recebidas pelo seu próprio pai para salvá-lo de grande desgraça e, ao mesmo tempo, assegurar-lhe as maiores bênçãos. 

Tal seria, e pior ainda, o cristão que ficasse indiferente às chagas do Salvador, porque Jesus Cristo recebeu estas chagas sagradas para nos salvar do inferno e abrir-nos o Céu, para nos oferecer nestas chagas outras tantas fontes de salvação, de onde podemos haurir graça, força e consolação. 'Ó alma cristã', exclama São Boaventura, 'como a lembrança destas chagas pode moderar os teus ímpetos de amor?

O nosso Jesus abriu grandes feridas nos pés e nas mãos para te acolher nelas e tu não te apressas a refugiar ali? Ele abriu o seu lado a fim de dar-te o coração, e tu não corres a unir com ele coração com coração? E quanto a mim' - continua o santo doutor - 'é aí que me deleita habitar, é aí que eu vou fazer três moradas: a primeira nos pés de Jesus; a segunda, em suas mãos; a terceira, em seu sagrado lado. É daí que eu quero tirar o meu descanso, daí velar, ler e conversar'.

'Ó chagas amabilíssimas! Os olhos do meu coração estarão sempre fixos em vós: durante o dia, desde o nascer do sol até o seu ocaso, e à noite, tantas vezes quantas o sono não dominar as minhas pálpebras. Vou me manter sobretudo na chaga do sagrado lado, para falar daí com o coração do meu Mestre e obter tudo o que desejo'. 'Ó Jesus' - diz no mesmo contexto São Bernardo - 'vosso lado foi aberto para dar entrada ao vosso coração; para nos revelar, por meio dessa ferida visível, a chaga invisível do vosso amor. Vou deitar nela os meus lábios e beber o mel do amor e da unção das dádivas divinas'. Seremos os herdeiros dos santos se, depois de tais exemplos, não tivermos uma terna devoção para com estas cinco chagas?

SEGUNDO PONTO - GRAÇAS PRÓPRIAS DA DEVOÇÃO DAS CINCO CHAGAS

A alma encontra nestas chagas tudo o que é necessário e útil para a salvação. 'Em nenhum outro lugar' diz Santo Agostinho, 'encontrei remédio tão eficaz para todos os males da alma'. 'Quaisquer que sejam nossos males espirituais', acrescenta São Bernardo, 'uma meditação assídua sobre as chagas do Salvador irá curá-los'. 'Olhem para a minhas chagas e se converterão', diz o próprio Jesus Cristo pelo seu profeta [Zacarias]. 'O coração de Jesus é um oceano e suas chagas são os canais por onde fluem as águas da graça e da misericórdia', diz ainda São Bernardo.

Com efeito, são nestas chagas que se forma uma fé viva; é daí que se agiganta a confiança em Deus; é daí, sobretudo, que a caridade se sacia de sua mais verdadeira fonte. Ao se dar conta do zelo de tanto amor que abriu essas feridas para nós, criaturas vis e miseráveis ​​pecadores, o coração todo se inflama e não pode mais viver a não ser por amor. 

Por isso Santo Agostinho chama estas chagas 'seu refúgio nos problemas, seu abrigo nas tribulações, seu remédio para as enfermidades da alma!'; foi daí que São Tomás de Aquino adquiriu toda a sua ciência; daí, que São Francisco de Assis, a fortaleza da meditação, chegando a ser, por meio dos ardores seráficos de sua caridade, um milagre de semelhança com Jesus Crucificado; daí São Boaventura hauriu em plenitude o espírito de piedade que conforma todos os seus escritos; este digno discípulo de São Francisco degastou os pés do seu crucifixo de tanto beijá-los e não cansou de exortar a todos os seus fieis a desfrutar das delícias inefáveis ​​da unção de graças e de piedade associada à devoção das sagradas chagas.

'Se não podeis', diz a Imitação de Cristo, 'elevar-vos às mais sublimes contemplações, permanecei humildemente nas chagas do Salvador e aí encontrareis força e consolação'. Serão estas realmente as nossas disposições?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).