quinta-feira, 31 de julho de 2014

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS: PRINCÍPIO/EXAME DE CONSCIÊNCIA

[A. PRINCÍPIO E FUNDAMENTO DE TODOS OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS]

23 – Princípio e Fundamento. O homem é criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a conseguir o fim para que é criado. Donde se segue que o homem tanto há-de usar delas quanto o ajudam para o seu fim, e tanto deve deixar-se delas, quanto disso o impedem.

Pelo que, é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido à liberdade do nosso livre arbítrio, e não lhe está proibido; de tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que vida curta, e consequentemente em tudo o mais; mas somente desejemos e escolhamos o que mais nos conduz para o fim para que somos criados.

[...]

32 - Exame Geral de Consciência para se purificar e para melhor se confessar

[a) Elementos de discernimento]

Pressuponho haver em mim três pensamentos, a saber: um que é propriamente meu, que sai da minha pura liberdade e querer; e outros dois que vêm de fora: um que vem do bom espírito e o outro do mau.

33 – Pensamentos. Há duas maneiras de merecimento no mau pensamento que vem de fora. A primeira, vem, por exemplo, num pensamento de cometer um pecado mortal. Resisto-lhe prontamente, e fica vencido.

34 – A Segunda maneira de merecer é quando me vem aquele mesmo mau pensamento e eu lhe resisto, e torna-me a vir, uma e outra vez, e eu resisto sempre, até que o pensamento seja vencido. Esta segunda maneira é de mais merecimento que a primeira. 

35 – Peca-se venialmente, quando vem o mesmo pensamento de pecar mortalmente, e a pessoa lhe dá atenção, demorando-se um pouco nele, ou recebendo alguma deleitação sensual, ou havendo alguma negligência em rejeitar o tal pensamento.

36 – Há duas maneiras de pecar mortalmente:  a primeira é quando se dá consentimento ao mau pensamento, para o pôr logo em prática conforme consentiu, ou para o executar se pudesse.

37 – A segunda maneira de pecar mortalmente é quando se põe em ato aquele pecado; e é maior por três razões: a primeira, pelo maior espaço de tempo; a segunda, pela maior intensidade; a terceira, pelo maior dano das duas pessoas.

38 – Palavras. Não jurar, nem pelo Criador nem pela criatura, a não ser com verdade, necessidade e reverência. Necessidade entendo, não quando se afirma com juramento qualquer verdade, mas quando é de alguma importância para o proveito da alma ou do corpo ou de bens temporais. Reverência entendo, quando ao pronunciar o nome do seu Criador e Senhor, com consideração, se lhe tributa a honra e reverência devidas. 

39 – É de advertir que, ainda que no juramento em vão, pecamos mais jurando pelo Criador que pela criatura, é mais difícil jurar devidamente, com verdade, necessidade e reverência, pela criatura que pelo Criador, pelas razões seguintes: 

Primeira. Quando queremos jurar por alguma criatura, o fato de querer nomear a criatura não nos faz estar tão atentos nem advertidos para dizer a verdade ou para afirmá-la com necessidade, como ao querermos nomear o Senhor e Criador de todas as coisas. 

Segunda. É que, ao jurar pela criatura, não é tão fácil prestar reverência e acatamento ao Criador, como quando se jura pelo mesmo Criador e Senhor e se profere o seu nome; porque o fato de querer nomear a Deus nosso Senhor, traz consigo mais acatamento e reverência que o querer nomear uma coisa criada. Portanto, concede-se mais aos perfeitos que aos imperfeitos jurar pela criatura; porque os perfeitos, pela assídua contemplação e iluminação do entendimento, consideram, meditam e contemplam mais estar Deus nosso Senhor em cada criatura, segundo a sua própria essência, presença e potência; e, assim, ao jurarem pela criatura, estão mais aptos e dispostos para prestar acatamento e reverência a seu Criador e Senhor do que os imperfeitos.

Terceira. É que na frequência do jurar pela criatura, se há-de temer mais a idolatria nos imperfeitos que nos perfeitos.

40 – Não dizer palavra ociosa. Por palavra ociosa entendo a que não me aproveita a mim nem a outrem, nem se ordena a tal intenção. De sorte que falar de tudo o que é proveitoso ou com intenção de aproveitar à alma própria ou alheia, ao corpo ou a bens temporais, nunca é ocioso; nem o falar alguém de coisas que estão fora do seu estado, como se um religioso falasse de guerras e comércio. Mas, em tudo o que se disse, há mérito quando as palavras se ordenam a bom fim, e pecado, quando se dirigem a mau fim ou se fala inutilmente.

41 – Não dizer palavras para difamar ou murmurar, porque se descubro um pecado mortal que não seja público, peco mortalmente; e, se um pecado venial, venialmente; e, se um defeito, mostro o meu próprio defeito. Mas sendo reta a intenção, de duas maneiras se pode falar do pecado ou falta de outrem. 

Primeira, quando o pecado é público, como, por exemplo, de uma meretriz pública, de uma sentença dada em juízo, ou de um erro público que infecciona as almas com quem conversa. 

Segunda. Quando o pecado oculto se descobre a alguma pessoa para que ajude a levantar a que está em pecado; tendo, contudo, algumas conjecturas ou razões prováveis de que a poderá ajudar.

42 – Obras. Tomando por objeto [de exame] os dez mandamentos e os preceitos da Igreja e as disposições dos Superiores, tudo o que se põe em prática contra alguma destas três partes, conforme a sua maior ou menor importância, será maior ou menor pecado. Entendo por disposições dos Superiores, por exemplo, bulas de cruzadas e outras indulgências, como as que se concedem em ordem a obter a paz, confessando-se e tomando o Santíssimo Sacramento; porque não pouco se peca então, ao ser causa de outros agirem, ou ao agir nós contra tão piedosas exortações e disposições de nossos superiores.

[b) Método]

43 – Modo de Fazer o Exame Geral. Consta de cinco pontos: o Primeiro ponto é dar graças a Deus nosso Senhor pelos benefícios recebidos; Segundo, pedir graça para conhecer os pecados, e libertar-se deles; Terceiro, pedir conta à alma, desde a hora em que se levantou até ao exame presente, hora por hora ou período por período, primeiro, dos pensamentos, depois das palavras, e depois das obras, pela mesma ordem que se disse no exame particular; Quarto, pedir perdão, a Deus nosso Senhor, das faltas; Quinto, propor emenda, com sua graça. Pai Nosso

44 – Confissão Geral com a Comunhão. Na confissão geral, para quem voluntariamente a quiser fazer, entre outros muitos proveitos, se acharão três, fazendo-a aqui. 

Primeiro. Embora quem se confessa cada ano não esteja obrigado a fazer confissão geral, fazendo-a, terá maior proveito e mérito, pela maior dor atual de todos os pecados e faltas deliberadas de toda a sua vida. 

Segundo. Como nos exercícios espirituais se conhecem mais interiormente os pecados e a malícia deles que no tempo em que se não dava assim às coisas interiores; alcançando agora mais conhecimento e dor deles, terá maior proveito e mérito do que antes teria. 

Terceiro. É que, consequentemente, estando mais bem confessado e disposto, se acha mais apto e mais preparado para receber o Santíssimo Sacramento; cuja recepção ajuda não somente a não cair em pecado, mas ainda a conservar-se em aumento de graça [Esta confissão geral se fará melhor imediatamente depois dos exercícios da primeira semana].

(Excertos da obra 'Exercícios Espirituais', de Santo Inácio de Loyola)