sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O PAI NOSSO DE SÃO CIRILO DE JERUSALÉM

Pai nosso, que estás nos céus. Ó incomensurável benignidade de Deus! Aos que o tinham abandonado e jaziam em extremos males, é concedido o perdão dos males e a participação da graça, a ponto de ser invocado como Pai. Pai nosso que estás nos céus. Os céus poderiam bem ser os que portam a imagem do celestial, nos quais Deus habita e vive.

Santificado seja teu nome. Santo é por natureza o nome de Deus, quer o digamos ou não. Mas uma vez que naqueles que pecam por vezes é profanado, segundo o que se diz: Por vós meu nome é continuamente blasfemado entre as nações, oramos que em nós o nome de Deus seja santificado. Não que por não ser santo chegue a sê-lo, mas porque em nós ele se torna santo quando nos santificamos e praticamos obras dignas de santificação.

Venha o teu reino. É próprio de uma alma pura dizer com confiança: Venha o teu reino. Quem ouviu Paulo dizer: 'Que o pecado não reine em vosso corpo mortal' (Rm 6,12) e se purificar em obra, pensamento e  palavra, dirá a Deus: Venha o teu reino.

Seja feita a tua vontade, assim no céu como na terra. Os divinos e bem-aventurados anjos de Deus fazem a vontade de Deus, como Davi dizia no salmo: 'Bendizei ao Senhor, todos os seus anjos, heróis poderosos, que executais sua palavra' (Sl 103,20). Rezando, pois, com vigor, dize isto: como nos anjos se faz a tua vontade, Senhor, assim na terra se faça em mim.

Nosso pão substancial dá-nos hoje. O pão comum não é substancial. Mas este pão é substancial, pois se ordena à substância da alma. Este pão não vai ao ventre nem é lançado em lugar escuso mas se distribui sobre todo o organismo, em proveito da alma e do corpo. O 'hoje' equivale a dizer de 'cada dia', como também dizia Paulo: 'Enquanto perdura o hoje'.

E perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Temos muitos pecados. Caímos, pois, em palavra e em pensamento e fazemos muitas coisas dignas de condenação. E se dissermos que não temos pecado, mentimos (1Jo 1,8), como diz João. Fazemos com Deus um pacto pedindo-lhe nos perdoe nossos pecados como também nós perdoamos ao próximo suas dívidas. Tendo presente, portanto, o que recebemos em troca do que damos, não sejamos negligentes, nem deixemos de perdoar uns aos outros. As ofensas que se nos fazem são pequenas, simples, fáceis de reconciliar. As que nós fazemos a Deus são enormes e temos necessidade só de sua benignidade. Cuida, então, que por faltas pequenas e simples contra ti não te excluas do perdão, por parte de Deus, dos pecados gravíssimos.

E não nos induzas em tentação, Senhor. Porventura com isto o Senhor nos ensina a pedir que de modo algum sejamos tentados? Como se encontra em outro lugar: 'Aquele que foi tentado não tem experiência' (Ecl 34,10) e ainda: 'Tende por suma alegria, meus irmãos, se cairdes em diversas provações' (Tg 1,2)? Mas jamais entrar em tentação é o mesmo que ser submerso por ela. A tentação, pois, se assemelha a uma torrente difícil de atravessar. Os que, então, não são submersos nas tentações, atravessam, como bons nadadores, sem serem arrastados pela corrente. Os que não são assim, uma vez que entram, são submersos. Assim, por exemplo, Judas, entrando na tentação da avareza, não passou a nado, mas, submergindo, afogou-se corporal e espiritualmente. Pedro entrou na tentação de negação, mas, tendo entrado, não submergiu; antes, nadando com vigor, se salvou da tentação. 

Escuta novamente, em outro lugar, o coro dos santos todos rendendo graças por terem sido subtraídos à tentação: 'Tu nos provaste, ó Deus, acrisolaste-nos como se faz com a prata. Deixaste-nos cair no laço; carga pesada puseste em nossas costas; submeteste-nos ao jugo dos tiranos. Passamos pelo fogo e pela água, mas tu nos conduziste ao refrigério' (Pv 17,10). Tu os vês falar abertamente de sua travessia sem serem vencidos? 'Tu nos conduziste ao refrigério' (Sl 19, 7). Chegar ao refrigério é ser livrado da tentação.

Mas livra-nos do mal. Se a expressão 'não nos induzas em tentação' significasse não sermos de modo algum tentados, não se diria: 'mas livra-nos do mal'. O mal é o demônio, nosso adversário, do qual pedimos ser libertos. Depois, terminada a prece, dizes: 'amém', selando com este amém, que significa 'faça-se', o que se contém na oração ensinada por Deus.

(Excertos da 'Quinta Catequese Mistagógica aos Recém-iluminados', de São Cirilo de Jerusalém )