terça-feira, 21 de julho de 2015

O TRIUNFO DA CRUZ


I. É a Cruz, sobre a terra, mistério profundíssimo, que não se conhece sem muitas luzes. Para compreendê-lo, é necessário um espírito elevado. Entretanto, é preciso entendê-la para que nos possamos salvar.

II. A natureza a abomina, a razão a combate; o sábio a ignora e o demônio a aniquila. Muitas vezes o próprio devoto não a tem no coração e, embora diga que a ama, no fundo é um mentiroso.

III. A cruz é necessária. É preciso sofrer sempre: ou subir o Calvário ou perecer eternamente. E Santo Agostinho exclama que somos réprobos se Deus não nos castiga e nos prova.

IV. Vai-se para a Pátria pelo caminho das cruzes, que é o caminho da vida e o caminho dos reis; toda pedra é talhada proporcionalmente para ser colocada na Santa Sião.

V. De que servirá a vitória ao maior conquistador, se não tiver a glória de vencer-se sofrendo, se não tiver por modelo Jesus morto na Cruz, se, como um infiel, o lenho repelir?

VI. Jesus Cristo por ela acorrentou o inferno, aniquilou o rebelde e conquistou o universo; e Ele a dá como arma aos seus bons servidores; ela encanta ou desarma as mãos e os corações.

VII. 'Por este sinal vencerás', disse Ele a Constantino. Toda vitória insigne se encontra nela. Lede, na história,seus efeitos maravilhosos, suas vitórias estupendas na terra e nos céus.

VIII. Embora contra os sentidos e a natureza, a política e a razão, a verdade nos assegura que a cruz é um grande dom. É nesta princesa que encontramos, em verdade, graça, sabedoria e divindade.

IX. Deus não pôde defender-se contra sua rara beleza. A Cruz o fez baixar à nossa humanidade. Ao vir ao mundo, Ele disse: 'Sim, quero-a, Senhor. Boa Cruz, coloco-vos bem dentro do coração'.

X. Pareceu-lhe tão bela que nela pôs a sua honra, tornando-a a sua eterna companheira e a esposa de seu Coração. Desde a mais terna infância, seu Coração suspirava unicamente pela presença da cruz que amava.

XI. Desde a juventude, ansioso a procurou. De ternura e de amor, em seus braços morreu. 'Desejo um batismo', exclamou Ele um dia: 'a Cruz querida que amo, o objeto de meu amor!'

XII. Chamou a São Pedro Satanás escandaloso, quando ele tentou desviar seus olhos da Cruz aqui na terra. Sua Cruz é fruto de adoração, sua mãe não o é. Ó grandeza inefável, que a terra desconhece!

XIII. Esta cruz, dispersa por tantos lugares da terra, será ressuscitada e transportada para os Céus. A cruz, sobre uma nuvem cheia de brilho rutilante, julgará, por sua visão, os vivos e os mortos.

XIV. Clamará vingança contra seus inimigos, alegria e indulgência para todos os seus amigos. Dará glória a todos os bem-aventurados e cantará vitória na terra e nos céus.

XV. Durante sua vida, os santos só procuraram a cruz, seu grande desejo e sua escolha única. E, não contentes de ter as cruzes que lhes dava o céu; a outras, inteiramente novas, cada um se condenava.

XVI. Para São Pedro, as cadeias constituíam honra maior do que ser o vigário de Cristo na terra. 'Ó boa Cruz', exclamava, cheio de fé, Santo André: 'Que eu morra em ti, para que me dês a vida!'

XVII. E vede, São Paulo esquecia seu grande êxtase para se glorificar tão somente na cruz. Sentia-se mais honrado em seus cárceres horrendos que no êxtase admirável que o arrebatou aos céus.

XVIII. Sem a cruz, a alma se torna lenta, mole, covarde e sem coração. A cruz a torna fervorosa e cheia de vigor. Permanecemos na ignorância quando nada sofremos. Temos inteligência quando sofremos bem.

XIX. Uma alma sem provações não tem grande valor. É a alma nova ainda, que nada aprendeu. Ah! que doçura suprema goza o aflito que se rejubila com sua pena e dela não é aliviado!

XX. É pela Cruz que se dá a bênção, é por ela que Deus nos perdoa e nos concede remissão. Ele quer que todas as coisas tragam este selo, sem o qual nada lhe parece belo.

XXI. Colocada a cruz em algum lugar, torna-se sagrado o profano e desaparecem as manchas, porque Deus delas se apodera. Ele quer a Cruz em nossa fronte e em nosso coração, antes de todos os atos, para que sejamos vencedores.

XXII. Ela é nossa proteção, segurança, perfeição e única esperança. É tão preciosa que uma alma que já está no céu voltaria alegremente à terra para sofrer.

XXIII. Tem este sinal tantos encantos que, no altar, o sacerdote não se vale de outras armas para atrair Deus lá do céu. Faz sobre a hóstia vários sinais da Cruz e, por esses sinais de vida, dita-lhe suas leis.

XXIV. Por este sinal adorável, prepara-se um perfume cujo odor agradável nada tem de comum; é o incenso que se dá a Ele uma vez consagrado, e é com esta coroa que Ele desejaria ser ornado.

XXV. A Eterna Sabedoria procura, ainda hoje, um coração bem fiel e digno deste presente. Quer um verdadeiro sábio, que goste apenas de sofrer e, com coragem, leve a sua cruz até morrer.

XXVI. Devo calar-me, ó Cruz, rebaixo-te ao falar. Sou um temerário e um insolente; já que te recebi de coração constrangido e não te conheci, perdoa meu pecado!

XXVII. Ó Cruz querida, já que nesta hora te conheço, faze de mim tua morada e dita-me tuas leis. Cumula-me, ó princesa minha, com teus castos amores, e faze que eu conheça os teus mais secretos encantos!

XXVIII. Ao ver-te tão bela, bem queria possuir-te, mas meu coração infiel me prende ao meu dever; se queres, Senhora minha, animar meu langor e sustentar minha fraqueza, dou-te o meu coração.

XXIX. Tomo-te para minha vida, meu prazer e minha honra, minha única ventura. Imprime-te, eu te rogo, em meu coração e no meu braço, na minha fronte e na minha face. Não me envergonharei de ti!

XXX. Tomo, para minha riqueza, tua rica pobreza, e, por ternura, tuas doces austeridades. Que tua prudente loucura e tua santa desonra sejam toda a glória e grandeza de minha vida!

XXXI. Minha vitória estará em ser derrotado por tua virtude e para tua maior glória. Não sou, porém, digno de morrer sob teus golpes, nem de ser contrariado por todos.

(Excertos da obra 'Carta aos Amigos da Cruz', de São Luís Grignion de Montfort)