segunda-feira, 13 de abril de 2015

ROSÁRIO DA ALMA SACERDOTAL (III)


SEXTO MISTÉRIO: O GETSÊMANI DO PADRE!

O discípulo não é maior que o Mestre; as horas amargas do Jardim das Oliveiras de Nosso Senhor Jesus Cristo estão preparadas também para o Alter Christus. O que as velhas e veneráveis oliveiras viram e ouviram, isto contem­plam — apesar de ser somente um fraco eixo, uma pequenina imagem ou cópia da crudelíssima noite do Jardim das Oliveiras — isto também contemplam e escutam os quartos solitários, o confessionário, os caminhos daqueles sacerdotes que tomam a sério a sua santa e sublime voca­ção!

O que nos anunciam as páginas dos evan­gelistas tão singela e simplesmente, isto mesmo nos deixa lançar um olhar bem profundo na ver­dadeira vida sacerdotal. Na meditação deste mistério veremos o Getsêmani do sacerdote. Contemplaremos e aprofundaremos não só os sofrimentos e a oração do Mestre, mas tam­bém do discípulo. O Mestre sofreu ao ver o pecado, prevendo as suas dores físicas, abandonado, orando e — confortado por um anjo.

Ao ver o pecado

O olhar de Deus vê claramente; nada lhe pode escapar ou fugir. Penetra até ao fundo dos mares e chega até à essência das coisas. Toda a hediondez de um pecado se desdobra diante d’Ele. E esta revoltante fealdade é somente a síntese da ingratidão, das faltas de fidelidade, de consciência e de amor. Quem jamais poderá perscrutar a profundidade desta palavra?

Santo Agostinho disto não foi capaz; ele escreveu simplesmente: Peccatum est mysterium. Para Deus, porém, não há mistério; co­mo Ele é a própria clareza, assim seus olhos perscrutam tudo. E o Filho do Homem viu a profundeza do pecado; medo e pavor O assaltaram: coepit pavere (Mc 14, 33); coepit contristari et moestus esse (Mt 26, 37). Como um fantasma olhou o pecado para Ele, sim, o pecado, este assassino das almas e mortal ini­migo de Deus. Jesus viu todo o mundo tomado e dominado pelo pecado; e então suspirava e sofria, pois Ele havia de carregar e expiar este enorme peso que é a multidão de todos os cri­mes do mundo. Isso pesava sobre Ele como o peso de um alto monte.

Sacerdotes que totalmente vivem segundo o espírito de sua vocação, assemelham-se ao Redentor. Eles penetram muita vez, juntamente com Jesus, até às negras profundezas da alma humana, aplicam seus olhares para entrar até o âmago do pecado. Neles, então, pouco a pouco cresce uma delicadeza juntamente com uma con­sciência puríssima para tudo que diz respeito ao pecado, mesmo o mais leve, tomando pro­porções de tal modo, que eles sofrem e sentem tudo que Jesus sofre e sente. Esta compaixão invade todo seu interior. Cristo, o Cristo vertendo sangue, vive neles e eles n’Ele. Ó como é sublime, como é divina e, ao mesmo tempo, cheia de vigor e força esta vida da alma, esta vida interior!

Prevendo as dores físicas

É uma coisa enternecedora assistir a um espetáculo da Sagrada Paixão. A alma sente profundamente, quando se desenrolam na tribuna as cenas sangrentas, apresentadas com majestosa religiosidade, sentidas intimamente pelo re­presentante sem frivolidade nem hipocrisia. Co­mo, porém, saltaria o coração do espectador, como correria o sangue apressado pelas veias, se ele próprio houvesse assim de findar sua vida, se a representação se tornasse realidade ... Isso já não seria mais espetáculo. Nestas condições se achava Jesus, pois Ele contemplou o primeiro drama da paixão. Cada circunstância lhe saltava aos olhos: a grossura e o comprimento dos pregos, a pesada cruz, a flagelação, os longos espinhos; tudo Ele viu e também a si mesmo no meio do povo. Tudo isso pesava-lhe;  muito tremor e medo O assaltaram.

O sangue então brotava abundante de seus poros. Ó pobre Redentor meu, como tendes padecido! É esta também a minha sorte? Devo-vos imitar também nisso, sou vosso representante também nestes sofrimentos? Sim, também nisso. Por que queres tu fruir de uma vida cômoda, meu filho? Por acaso salvam-se deste modo as almas imortais? A tua vida será sofrimento e dor, pois o amor assim o exige. E este amor te provocará a sacrificares e imolares as tuas forças em meu serviço. In labore et aerumna, in vigiliis multis, in fame et siti, in jejuniis multis, in frigore et nuditate; praeter illa, quae extrinsecus sunt, instantia mea quotidiana (2 Cor 11, 27).

Abandonado 

As dores no homem muitas vezes não suscitam compaixão. Esmolando passa a tristeza pelo mundo, a lágrima estampada nos olhos. Em súplica — ela levanta as mãos, roga e geme até comover o coração, mas muitos têm ouvidos e não ouvem, olhos e não vêem. Houve um dia em que esta mesma tristeza, esta mesma dor pas­sou pelo Jardim das Oliveiras, pelo Getsêmani personificada no Divino Redentor. Ele pro­curou consolo e não o achou, pois encontrou os seus discípulos dormindo. Três vezes fez o mesmo caminho, três vezes voltou desolado e triste; es­tava abandonado. Até o céu parecia fechado. Ser completamente só, o Divino Mestre passou por esta terrível hora.

Cenas deste gênero muitos sacerdotes tam­bém conhecem. O povo vê e presencia a sua vida de sacrifício sem entender nem ligar importância, paga até os seus esforços e trabalhos com ingratidões. Até o caminho para o altar, para a celebração da Santa Missa, o pode deixar árido, seco, sem consolação. Parece nestes momentos que Jesus retém junto de si a chave do tabernáculo para impedir ao sacerdote usufruir seu tão precioso conteúdo. 

Os bons e dedicados amigos também se retiram, os parentes estão longe ou já morreram, e o sa­cerdote está só, sem ninguém. Tudo isso ele sabe suportar, mas apesar disso o sente e sente íntima e profundamente. Isso são cópias do primeiro quadro daquela noite negra que Jesus passou no Jardim de Getsêmani, e tudo isso redunda abundantemente em bem e bênção da Santa Madre Igreja.

Orando

A oração foi para Jesus como um ar refrescante, foi para a sua alma atribulada um verdadeiro bálsamo; a oração lhe concedeu grandes forças. 'Abba, Pai, a vós tudo é possível, afastai de mim este cálice; não seja feita a minha vontade, mas a vossa' (Mc 14, 36). Jesus pediu para ser afastado esse cálice de amargura.

O seu pedido foi um grito íntimo de um coração angustiado e atribulado. Jesus procurou as consolações do céu; a sua filial confiança e seu entretimento com o Pai Celeste lhe orvalhou o seu interior. Isso sabia bem o Homem-Deus; por isso levantou seu espírito a Deus. O mesmo devemos fazer nós. As horas de amargura devemos converter em horas de oração; então o jugo do Sacerdócio far-se-á doce e seu peso leve.

Quem sabe orar, sabe também sofrer, sabe suportar. Passemos nesses transes angustiosos pela nossa memória e pelo nosso espírito os admiráveis salmos e cantos da Paixão. Nestes hinos está tão admiravelmente estampada a vida do sofrimento! O breviário educa o sacerdote para sofrer orando e orar sofrendo.

Confortado por um anjo

O céu teve o néctar confortador: Deus enviou um anjo para consolar a Jesus. Este enviado do céu mostrou a Jesus as torrentes de bênçãos que brotariam dos seus sofrimentos, mostrou-lhe o trabalho dos segadores nas messes fertilíssimas da humanidade, a conversão dos povos e das nações, a origem e o incremento da Igreja de Deus, espalhada em todo o orbe terrestre, as excelências de sua santa humanidade, gloriosa eternamente nos céus. Propter hoc laetatum est cor meum et exultavit lingua mea, insuper et caro mea requiescet in spe (Sl 15, 9).

Sigamos o ensinamento que vem do alto! Nosso olhar deve convergir para os abundantes frutos que amadurecem por entre o fogo do sofrimento, que frutificam na fornalha da amargura da dor. Desvaziemos o âmago do cálice e bebamos o seu conteúdo de um só trago, na lembrança de Jesus Crucificado. A coroa celeste, os diamantes dos nossos méritos, a fileira das almas imortais salvas por nós e nossos trabalhos, luzirão como estrelas fulgurantes ao redor da alma sofredora e amargurada. Exurge gloria mea exurge psalterium et cithara.


SÉTIMO MISTÉRIO: JUNTO À COLUNA


Cristo é o ângulo e a coluna da Igreja que sustenta este grande edifício, que jamais balançará, pois Jesus Cristo está firme, é inabalável; os seus ombros não enfraquecem. Uma vez, porém — era antes da fundação da Igreja — estava esta coluna junto a outra coluna, aí enfraqueceram-se os ombros de Jesus, que todo se enfraqueceu e caiu num mar de sangue e de seu próprio sangue: a imagem da dor! Demoremo-nos diante d’Ele.

Os duros flagelos, as cordas, os açoites e azorragues recordam à nossa alma em tons lúgubres uma triste parte da passio Domini Nostri Jesu Christi. Podemos aprender, pois, que também os sacer­dotes devem, como seu Sumo Sacerdote, Je­sus Cristo, e como os sucessores na cadeira de São Pedro, ser colunas e pedras angulares do mundo cristão. Então não podemos recuar diante à coluna tinta de sangue. Ainda que não possamos seguir a Jesus até esta altura de penitência, podemos ao menos considerar pie­dosamente os sublimes ensinamentos que Ele aí nos fornece. Jesus foi flagelado e cruelmente despido.

Cruelmente

As sagradas páginas dizem-no claramente; o flagelare dos romanos não conhe­cia comiseração. Era comumente uma cruel­dade incrível e geralmente a introdução para a crucifixão. Sem dó nem compaixão caíam os açoites sobre as pobres vítimas. Cordas com chumbo entremeado aumentavam o efeito; para mudar usavam-se então, por algum tempo, as varas, voltando de novo a empregar as primeiras.

Entretanto, nem todos os criminosos sofriam esta crueldade, pois as leis porcia e simpronias excluíam dela os cidadãos romanos. O mais puro cidadão do céu, porém, o Homem-Deus, foi posto no número dos da ínfima classe. O Redentor do mundo experimentou toda a severidade da lei. Horrível martírio! Assim padece o Grão-Sacerdote da humanidade! As suas dores nos dizem: 'Dei-vos o exemplo'.

Sim, não recuemos, examinemos as páginas da história da Igreja, que foram, por assim di­zer, regadas com o sangue de Jesus Cristo. Não achou Cristo numerosos imitadores? Sacerdotes, que entre semelhantes martírios, sofreram e morreram para o mundo? O antigo forum em Roma, o anfiteatro, os cárceres e perseguições nos contam isso. Tradent enim vos in conciliis, et in synagogis suis flagellabunt vos (Mt 10, 17).

São Paulo recebeu três vezes quarenta açoi­tes, menos um; e Deus pôs um estímulo, por longo tempo e profundamente, no fraco corpo deste Apóstolo. O mesmo caminho vemos perambular outros muitos santos sacerdotes. Além disso, os muros e as silenciosas noites escondem muitos sacerdotes penitentes e mortificados; mas saibamos esperar: Dies venit, dies tua in qua reflorent omnia... 

Sucederá a mesma coisa comigo? Esta é a pergunta importante. Não devo, nem posso como sacerdote, tratar meu corpo molemente, não posso cultivar a vida do corpo, à custa da vida da alma, da vida da graça, tão sublime e tão importante. O levantar de madrugada, o silen­cioso suportar do tempo inclemente e tempes­tuoso na igreja e nas visitas aos doentes é a tradução da doutrina que Jesus nos deu na coluna de flagelação. Quero e estou firmemente resolvido a contrariar toda a comodidade e a cortar toda a superfluidade e bem estar.

Despido

Olhos alguns eram tão puros como os olhos de Jesus. O Redentor amava a inocência. Ele era a inocência personificada. As crianças cercavam e rodeavam o bom Mestre. Sobre o es­pelho de sua alma jamais passou um sopro que turvasse o seu casto brilho. E esta pureza em pessoa estava despida e completamente nua diante do Pretório; tudo se lhe tirou. Ele que vem para vestir os nus, que ornava o lírio e a flor do campo, ficou despido diante de crueis sol­dados. Só por isso, mesmo sem a flagelação, Jesus teria sofrido muitíssimo. Quem poderá descrever o que Jesus sofreu quando a baixa soldadesca calcou aos pés a sua inocência? Ó grandiosa castidade do meu Redentor! Ó dor mil vezes bem aventurada! Como deseja­ria, ó meu Jesus, ter-te coberto com os meus próprios vestidos e olhado para o brilho en­cantador de teus inocentes olhos!

Sim, assim mesmo devo pensar. Sacerdócio e inocência devem contrair em mim núpcias. Quero portanto trabalhar em mim, mortificar o meu corpo e concentrar todos os meus sentidos até que eu neste ponto apareça diante do comovente olhar de Deus sem man­cha nem imperfeição. Mas já não sou puro? Não vivo já dia e noite na alvinitente túnica da inocência sacerdotal? Feliz de mim se trago no coração este testemunho íntimo. 

Tememos; pois levo este tesouro num vaso quebradiço. Jesus Cristo vertendo sangue junto da coluna da flagelação sempre me lembrará o enorme preço por que foi adquirida a castidade. Quando as tempestades se levantam e tudo assombram, então abraçarei a Jesus conjuntamente com a coluna ensanguentada e es­tarei salvo. Ninguém me há de roubar a minha co­roa; não, ninguém; ela é tão bela, tão linda, tão formosa: O quam pulchra!

(Excertos da obra 'A Pérola Preciosa', do Pe. Wendelin Meyer, trad. de Alberto Kolb)