sexta-feira, 10 de maio de 2013

O LIBERALISMO E AS APARIÇÕES DE FÁTIMA

O texto abaixo é uma compilação quase integral dos capítulos II e XV da obra 'Fátima e a Redenção de Portugal', de J.M. Félix (1939) que mostra, de maneira inequívoca, que as aparições de 1917 de Nossa Senhora em Fátima constituiu a resposta divina definitiva à difusão generalizada e desenfreada dos erros heréticos do liberalismo sobre toda a humanidade. 

Capítulo II - Causas do Liberalismo

Foram muitas as circunstâncias e causas que contribuíram para o aparecimento das tendências liberais desde os fins da Idade Média. Recordemos as principais. Os excessos do feudalismo provocaram reações violentas da parte das populações tiranicamente vexadas e oprimidas. Os monarcas desse tempo, vendo na decadência do feudalismo uma condição indispensável para o revigoramento do seu poder, não hesitaram em secundar as insurreições populares contra as prepotências dos senhores feudais. A própria Igreja Católica, sempre disposta a combater as injustiças e a defender os fracos e os oprimidos, colocou-se à frente deste movimento destinado a melhorar as condições materiais, intelectuais e morais daqueles que então viviam na 'miséria imerecida'. A melhoria da situação das classes populares originou o desenvolvimento das comunas, dos municípios e das cidades burguesas.

Claro está que era justo esse movimento renovador das instituições medievais. Mas começava já a preparar-se o ambiente em que havia de intensificar-se a sede de liberdade e as tendências individualistas. Ainda em pleno século XIII aparece a Magna Carta das liberdades inglesas, e pouco depois, o Parlamento, que estava destinado a desempenhar um papel importante na marcha do liberalismo e na história da Inglaterra e das outras nações que importariam mais tarde essa instituição tão querida dos apaixonados da democracia e da liberdade.

Desde os fins do século XIII e princípios do seguinte, começa a diminuir o prestígio e a influência da Igreja. Contribuíram para isso as lutas de Bonifácio VIII com o ambicioso e avarento Felipe IV, o Belo, que, servindo-se audaciosamente da mentira, do insulto e da violência, ofendeu gravissimamente a dignidade e os direitos do Sumo Pontífice. A esses fatos lamentáveis sucederam outros acontecimentos de piores consequências para o prestígio da Santa Sé, isto é, a residência dos papas em Avignon e o Cisma do Ocidente.

A residência dos papas em Avignon, deixando o Chefe da Igreja na dependência, pelo menos aparente, do rei da França, foi ocasião de começarem a desconfiar do Sumo Pontífice os outros monarcas da cristandade. Daí nasceram os graves conflitos entre a Santa Sé e os imperadores da Alemanha, que tiveram o seu período mais agudo no reinado de Luiz da Baviera, o qual chegou a invadir a Itália, entrar em Roma e a criar um anti-papa.

O Cisma do Ocidente, que durou 39 anos, teve o triste condão de dividir a cristandade e de afrouxar consideravelmente os vínculos da obediência, do respeito e do amor à Santa Sé... As rebeliões do poder civil contra a Santa Sé eram até então fatos mais ou menos espaçados... A partir do século XIV tornam-se uma rebelião sistemática, uma epidemia permanente e universal, devido ao aparecimento de doutrinas avariadas que libertavam os príncipes da sujeição à Santa Sé e lhes atribuíam poderes maiores aos do Pontífice Romano e conferiam o direito absoluto de regularem a própria vida interna da Igreja.

... o primeiro célebre doutrinador do sistema regalista foi Marsílio de Pádua que, na luta entre o Papa e Luiz da Baviera, atacou com violência os direitos da Igreja e do Sumo Pontífice e defendeu as orgulhosas pretensões do imperador alemão. As suas péssimas teorias...tornaram-se a medula dos sistemas semelhantes que foram aparecendo, depois, com diferentes denominações: regalismo, galicanismo,  jansenismo, febronianismo, josefinismo e, finalmente, o liberalismo contemporâneo.


Para preparar o terreno e abrir o caminho ao movimento liberal concorreu também não pouco a decadência da Escolástica, iniciada no entardecer do século XIII, em consequência de circunstâncias de vária ordem ... Com a multiplicação das universidades... começam as rivalidades entre as diversas escolas filosóficas: surge o Escotismo com a sua crítica cerrada aos argumentos do Tomismo; ressurge o Nominalismo que subverte alguns fundamentos da filosofia tradicional; consomem-se as energias e perde-se muito tempo com subtilezas  dialéticas e questões de importância secundária; e, assim, vai caindo no esquecimento a doutrina fundamental dos grandes mestres... Aparecem novas tendências científicas a que a escolástica decadente não consegue opor resistência eficaz... progridem bastante as ciências naturais e fazem-se notáveis descobertas científicas que alvoroçam os espíritos e imprimem nova direção à vida da humanidade...


O relativo bem-estar do período áureo da Idade Média e os diversos acontecimentos que acabamos de referir-nos originaram uma geral e acentuada decadência dos costumes, que se agravou consideravelmente com os triunfos do Humanismo iniciado na Itália no século XIV, intensificado com a queda do império bizantino e espalhado rapidamente para todas as nações da Europa. O movimento humanista, considerado em si mesmo, nada tinha de condenável. Como sempre, a Igreja Católica colaborou eficazmente nesse movimento literário e científico. Mas a paixão com que os estudiosos começaram a cultivar as belezas artísticas e a forma literária da antiguidade clássica foi ocasião de reviverem também as antigas ideias e os velhos sistemas do mundo pagão.


Surgiu, assim, dentro em pouco, ao lado da renascença cristã, uma verdadeira renascença pagã ... Em resumo: 'A partir do século XIV, os princípios basilares em que apoiara a Idade Média começam a apresentar uma decadência manifesta: - enfraquece o vigor social da cristandade, pela debilitação da autoridade pontifícia; perde-se a noção da disciplina, pela força dissolvente do cisma ocidental; diminui a influência civilizadora da Igreja, pela negligência do clero; acentua-se o desmoronamento da filosofia escolástica, pela multiciplidade das universidades, onde passam a ensinar professores sem a competência dos do século XIII; impõe-se o domínio das forças políticas, pelo triunfo do Absolutismo; modificam-se as forças da atividade econômica, social e mental, pelo conhecimento da bússola, da pólvora e da imprensa.


É então que, no meio dessa efervescência extraordinária, começa a se esboçar uma vigorosa corrente de opinião que, tentando modificar as concepções artísticas, literárias e científicas e as bases constitutivas da sociedade, pelo abandono das fontes espirituais e cavalheirescas da Idade Média, procura, na antiguidade greco-romana, os princípios orientadores do pensamento e da vida. 'Faz-se o estudo da antiguidade pagã na sua arte e na sua literatura; imitam-se os modelos clássicos, fonte de toda a inspiração; espalha-se a afirmação de que o conhecimento das letras antigas fará a humanidade mais civilizada, mais ditosa e mais feliz; exalta-se o domínio exclusivo da razão. Estavam lançadas as bases de um movimento que em breve se espalha por toda a Europa com o nome de Renascimento. Às tradições nacionais da Idade Média, substitui-se o gosto apaixonado pela antiguidade; a alma pagã, desordenada e insubmissa, procura vencer a noção cristã da vida; a ciência e a arte tentam emancipar-se da autoridade da Igreja; e o engenho humano, conduzido pelo espírito clássico, desperta para novas concepções intelectuais, artísticas e científicas.' (A. G. Matoso, 'Compêndio de História Medieval, Moderna e Contemporânea, Lisboa, 1933). 


Capítulo XV - Esplendores de Fátima


O movimento liberal, que invadiu todos os campos da vida humana, no indivíduo e na família, nos confins de cada pátria e no mundo internacional, foi uma expansão lenta, mas persistente, do orgulho da humanidade; foi um atentado estulto contra a ordem natural e sobrenatural sapientissimamente estabelecida pela Providência de Deus Criador e Senhor de todas as coisas. Quando o liberalismo atingia o auge da loucura, da violência, da anarquia e da libertinagem; quando amadureciam os frutos mais amargos do liberalismo envenenador da humanidade; quando a avalanche libertária ameaçava subverter o mundo, a sua ordem e a sua civilização - nessa hora tremenda, em que não havia esperança de humano remédio para os graves males da humanidade, desce do Céu à Terra, em plena luz do dia, em pleno mês de maio, em plena primavera, ... a Santíssima Virgem, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Portugal ... Tal é o sentido da providencial mensagem de Fátima, tal é a resposta da Mãe de Deus à desvairada ideologia libertária que tanto mal trouxe ao mundo.


O liberalismo tentou desligar os homens de Deus. Fátima é a Mãe de Deus a chamar os homens para a ideia de Deus, para a união com Deus, para a vida em Deus. O liberalismo desviou os homens dos caminhos de Deus, dos caminhos do Céu, da ordem natural e sobrenatural, concebida por Deus desde toda a eternidade, executada no tempo pelo Divino Criador e Governador de todas as coisas, e intimada aos homens pela voz da Razão ou da Revelação. Fátima é a Mãe de Deus a convidar os homens ao arrependimento, a lembrar-lhes a ordem providencial estabelecida por Deus, e a chamar os homens ao cumprimento das leis eternas de Deus. 


O liberalismo foi um atentado contra a Religião, uma escola de indiferentismo, de descrença, de ateísmo. Fátima é uma escola de Fé, é o despertar da vida religiosa, é a conversão de tantas almas esquecidas de Deus, é a praia misteriosa aonde arribam satisfeitos e repousam tranquilamente aqueles que naufragaram no oceano da dúvida e da descrença. O liberalismo foi, para muitos, a negação da Providência de Deus, uma revolta contra o governo de Deus no mundo. Fátima é uma extraordinária manifestação da Providência divina, uma afirmação soleníssima da intervenção de Deus nos acontecimentos da história.


O liberalismo foi a negação do Sobrenatural. Fátima é a afirmação irrefutável do Sobrenatural, é a certeza e a evidência do Sobrenatural , é 'a intimidade com o Sobrenatural'. O liberalismo foi uma ofensiva de ódio e de morte contra o Cristianismo, a Religião Cristã, a vida cristã, a civilização cristã. Fátima é o rejuvenescimento cristão, é a renovação da vida cristã, é o triunfo da civilização cristã, é uma divina apologia do Cristianismo. O liberalismo foi um grito de revolta contra a Igreja Católica, pretendeu ser a morte do Catolicismo. Fátima é o triunfo da obediência à Santa Igreja, é uma vitória da Igreja Católica, é o segredo de inúmeras vitórias do Catolicismo.


O liberalismo foi a insolência, o desrespeito, o desamor, por vezes o ódio ao Sumo Pontífice. Fátima é  a plena obediência, é a profunda veneração, é o amor, é a devoção do Vigário de Cristo na Terra. O liberalismo foi o ataque furioso contra as verdades do Cristianismo, contra o magistério infalível da Santa Igreja; foi um louco semeador de dúvidas, de incertezas, de perplexidades, de negativismos destruidores das belezas da fé católica. Fátima é uma 'aula de verdades', é uma escola de certezas, é uma resposta sem réplica a todas as dúvidas e ataques que alvejaram a Verdade Católica. O liberalismo foi a negação da realidade e até da possibilidade da Revelação Divina. Fátima é, na sua essência e no conjunto dos seus efeitos admiráveis, uma autêntica revelação do Céu.


O liberalismo combateu o milagre e até a sua possibilidade. Fátima é uma 'fonte de milagres', de milagres palpáveis, de milagres incontestáveis. O liberalismo foi um escola de sensualismo, de libertinagem, de prazer imoderado. Fátima é o convite à penitência, é uma 'escola de sacrifícios', é a glória da imolação que satisfaz pelo pecado, converte os transviados e dignifica a humanidade. O liberalismo proclamou os direitos do homem, não lembrando os seus deveres; deu vivas à liberdade, não marcando os seus limites. Deste modo, perverteu a liberdade, destruiu a base dos direitos, instaurou no mundo um regime de escravidão. Fátima, lembrando os deveres, mostra a base de todo o direito e defende a única e verdadeira liberdade possível na terra para o indivíduo e para a sociedade.


... O liberalismo esqueceu o Evangelho e pretendeu ser autor de uma fraternidade universal. Mas a 'fraternidade liberal' deu em arrogâncias egoístas, em triunfos individualistas, em ódios fratricidas, em lutas partidárias, em perseguições sectárias, em antagonismos internacionais. Fátima é a família de Deus, é a solidariedade cristã, é a verdadeira fraternidade dos irmãos em Cristo, invocando em comum o mesmo Pai e a mesma Mãe dos Céus... O liberalismo pretendeu ser considerado o portador da nova luz e do verdadeiro progresso das nações. Arvorou o pendão 'iluminista' contra o 'obscurantismo' da Igreja, a bandeira do 'Progresso' contra o Cristianismo 'retrógrado'... Fátima, ao contrário, é a irradiação intensa do esplendor do Cristianismo, é o trinfo da Doutrina Católica, foi a salvação de Portugal, foi a salvação da Espanha, pode ser,s e quiserem, a salvação de todos os povos.


O liberalismo chamou ciência a todos os erros, e tornou orgulhosa essa ciência tanta vezes balofa e falsa. Fátima proclama a verdade eterna, reconhece a verdadeira ciência, e acolhe carinhosamente os desenganados e abandonados da ciência, aos quais tantas vezes dá a cura e sempre a resignação. O liberalismo foi em muitos fiéis, em alguns sacerdotes, na escola, na família e na sociedade, a derrocada da vida cristã e do espírito católico. Fátima é a Ação Católica, é a santificação do Clero, é a restauração da família e da sociedade, é a renovação da vida cristã em Portugal e no mundo. O liberalismo é a liberdade sem peias, o desprezo de todas as leis, a renúncia aos compromissos voluntários das almas generosas. Fátima é a liberdade racional, é a submissão amorosa às leis divinas e humanas, é um campo de promessas, propósitos e generosas resoluções. 


O liberalismo é o caminho da corrupção, é a ruína da virtude, é a escola de todos os vícios. Fátima é o caminho da perfeição, é o estímulo de virtudes, é a escola dos santos. O liberalismo é o pendor para a matéria, é a queda na lama, é a morte para uma vida de ideal. Fátima é a oração sentida, é ascensão para Deus, é voo das almas nobres para as altas regiões do mais sublime ideal. O liberalismo é o mau conselheiro dos filhos de Deus, que abandonaram, como o pródigo, a casa do Pai Celeste, para irem dissipar as riquezas do seu talento, das suas qualidades naturais, dos seus dons sobrenaturais, nas longínquas regiões da dúvida, da indiferença, da incredulidade, da embriaguez do vício, da tristeza e desventura. Fátima é o céu chamando os pródigos à casa paterna, ao solar do Pai divino, a  esse ambiente encantador onde vive a dignidade humana, brilha o sol da fé, aquece o calor da caridade, seduz o ideal da santidade, reina a felicidade possível no tempo e sorri a esperança da ventura eterna. 


Numa palavra: o liberalismo é a escola de todos os erros, o campo detestável onde germinam todos os vícios e crescem as plantas daninhas cujos frutos envenenados contaminam e matam as flores das virtudes sociais e individuais. Fátima, pelo contrário, é universidade do bem, a escola da verdade, o jardim abençoado onde germinam as virtudes e crescem as plantas sublimes cujos frutos dão vida, perfeição e beleza ao indivíduo, à família e à sociedade.



(Excertos da obra 'Fátima e a Redenção de Portugal', de J.M. Félix, 1939).