sexta-feira, 17 de julho de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (LIV/Final)

LII

DO SUPLÍCIO ETERNO

A sentença contra os réprobos será executada pela mão dos demônios?
Sim, senhor; apenas pronunciada a sentença, ficarão relegados à ação dos demônios que, superiores a eles por natureza e acostumados a fazer-se obedecer neste mundo, continuarão, como justo castigo, exercendo sobre aqueles desditosos, durante toda a eternidade, o império de seu ominoso e tirânico poder (LXXXIX, 4)*.

É causa de novo suplício para os condenados o haverem-se unido aos seus corpos e arrastá-los ao inferno?
Sim, senhor; porque, para o futuro não só padecerão os tormentos da alma, mas também os do corpo (XCVII).

Será geral e muito intensa a tortura do corpo?
Sim, senhor; porque o lugar que ocupam estará disposto para atormentar cruelmente todos os sentidos e potências, apesar do que nem todos padecerão iguais suplícios, mas os que corresponderem ao número e gravidade dos seus pecados (XCVII, 1, 5, ad 3).

O suplício dos condenados se mitigará com o tempo?
Não, senhor; porque, dada a sua inquebrantável obstinação no mal, não diminui, nem se atenua a perversidade de ânimo em que os surpreendeu a morte e o juízo particular (XCVIII,1, 2; XCIX, 1).

A obstinação com que a sua vontade adere a todo o mal implica ódio universal ao quanto existe?
Sim, senhor; de forma que não pensarão nem em coisa nem em pessoa, seja criatura, seja o próprio Criador, sem experimentar um acesso de ódio reconcentrado e desesperada raiva; detestam tudo; quereriam ver a Deus e a todos os seus santos padecendo com eles os suplícios do inferno e, nos paroxismos ao desespero, chamarão e buscarão a morte, seguros de não alcançar tão triste consolo, pois sabem muito bem que sobre eles pesará eternamente a maldição divina, e que estão condenados, sem possibilidade de remissão, a padecer tormentos que jamais terão fim (XCVIII, 3, 4, 5).

LIII

DA VIDA ETERNA

Ao mesmo tempo que são entregues os réprobos ao poder e à ação dos demônios para que os conduzam ao seu destino, que efeito produzirá a sentença do Juiz Supremo, em favor dos justos?
O de abrir as portas do reino celestial, para eles preparado desde o princípio do mundo.

Entrarão imediatamente nele?
Sim, senhor; entrarão após Jesus Cristo, seu Rei, que consigo os levará para fazê-los participantes da glória e bem estar do seu reino.

Acrescerá a felicidade dos bem-aventurados por terem-se juntado aos seus corpos?
Sim, senhor; pois, ainda que na visão beatífica saboreavam doçuras e bem estar quase infinitos, todavia aumentarão em indizível proporção com o prazer de haverem achado de novo os seus corpos (XCIII, 1).

Haverá no céu diversos graus e categorias, e contribuirá para a beleza e harmonia do conjunto, a sua própria diversidade e perfeita subordinação?
Sim, senhor; pois que o grau de glória corresponde ao da graça e caridade; porém, a mesma caridade cuja posse, ainda que em grau mínimo, é suficiente para entrar na glória, fará que todos, de certo modo, se comuniquem e façam participantes aos outros da sua própria felicidade e que cada um se sinta mais feliz ao ver que os outros o são (XCIII, 2, 3).

Possuirão os homens alguma coisa a que os anjos não tenham idêntico direito?
Sim, senhor; visto que propriamente só aos homens compete formar a Igreja Triunfante, esposa de Jesus Cristo, com a qual celebrará, cheia de inefáveis delícias, o eterno banquete das suas núpcias espirituais (XCV, 1, 2).

Estarão excluídos os anjos deste banquete?
Certamente que não, ainda que, não fazendo parte da Igreja Triunfante, não terão com Jesus Cristo, seu Rei, as mesmas conexões que a porção desta Igreja formada pelos homens (XCV, 4).

Por que?
Porque os homens e não os anjos se assemelham com Jesus Cristo em ter a mesma natureza humana; por isso terão com Ele relações de amizade e confiança que, com igual título, não correspondem aos anjos, se bem que a intimidade com o Verbo na visão beatífica, corresponde a todos com o mesmo direito (XCV, 1, 4).

Que se segue desta doutrina?
Que, à semelhança do que ocorre nos desposórios deste mundo, no dia, em que a Igreja, esposa de Cristo, entrar no céu, a Santíssima Trindade a dotará com bens e presentes de incalculável valor para que dignamente possa apresentar-se e contrair eternas núpcias com seu Esposo Celestial (XCV, 1).

Serão estes regalos e presentes o que se conhece com o nome de dotes dos bem-aventurados?
Sim, senhor.

Quantos são?
Três, que da alma transbordarão para o corpo comunicando-lhe as quatro qualidades de que temos falado (XCV, 5).

Em que consistem?
Numa como envoltura luminosa de extremada e delicadíssima sensibilidade para gozar do bem infinito com tal intensidade, que nenhum prazer da terra pode dar ideia aproximada do delicado e supremo deleite de que se desfrutará nos atos da visão, possessão e fruição. Isto queria expressar o Apóstolo São Paulo depois de contemplar o terceiro céu, isto é, o céu dos bem-aventurados: 'nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem o coração humano jamais pôde sentir, o que Deus tem reservado para os que o amam' (Ibid).

Não se conhece também com o nome de reino dos céus o conjunto dos eleitos, e a bem aventurança de que desfrutam, comparável, como dissemos, a um banquete eterno de bodas espirituais?
Sim, senhor; e dá-se-lhe este nome para indicar que formam um congresso de reis, não só por não terem outro superior senão Deus, mas também porque cada um deles está revestido da dignidade real no sentido mais elevado da palavra (XCVI, 1).

Como é possível que se achem todos investidos da dignidade real?
Porque a visão beatífica que os une a Deus e constitui, em sentido próprio, a vida eterna, os faz participantes da Divindade e, por conseguinte, sendo Deus Rei imortal, a quem toda glória é devida, participam os justos da sua glória e realeza (Ibid).

Não se fala também de auréolas dos justos?
Sim, senhor; porém, a auréola só a alguns corresponde, ao passo que a coroa é atributo de todos.

Por que tal diferença?
Porque a coroa é o brilho ou emanação luminosa, produzida pela bem-aventurança essencial, ou visão beatífica, que a título de recompensa desfrutam todos, e a auréola é uma radiação acidental, procedente da complacência ou gozo com que Deus premia a alguns eleitos por ações meritórias especiais (Ibid).

Podem os anjos cingir auréola?
Não, senhor; porque não são do seu ministério as obras que dão direito a possuí-la (XCVI, O).

Quais são as obras meritórias que Deus recompensa com a auréola?
O Martírio, a Virgindade e o Apostolado da doutrina (XCVI, 5,6, 7).

Por que?
Porque imprimem em quem as executa especial semelhança com Jesus Cristo, perfeito e soberano vencedor dos três inimigos da alma: mundo, demônio e a carne (Ibid).

Logo a auréola é o distintivo ou condecoração dos vencedores?
Sim, senhor; e neste sentido, podemos aplicar especialmente aos mártires, virgens e apóstolos, as palavras que Deus pronunciou, falando dos predestinados em geral: 'o que vencer possuirá estas coisas, eu serei seu Deus e ele será meu filho'.

Há na Sagrada Escritura alguma frase que compendie tudo o que se refere à felicidade dos justos no céu?
Sim, senhor: aquela do Apocalipse de São João, Capítulo XX, v. 5: 'O Senhor será a sua luz e reinarão durante perpétuas eternidades'.

EPÍLOGO

Podereis, ao terminar a exposição catequética da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, ensinar-nos alguma oração para pedir a Deus que nos conceda praticar e conseguir o aprendido em tão admirável doutrina?
Sim, senhor; eis aqui uma.

ORAÇÃO A NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Ó meu Jesus, filho amoroso da Santíssima Virgem Maria e ao mesmo tempo Filho único de Deus; Deus verdadeiro e eterno, junto com o Pai que, no seio de sua natureza infinita, vos formou, dando-vos o seu próprio ser, e com o Espírito Santo, procedente do Pai e de Vós, espírito de ambos e subsistente amor vosso, eu vos adoro e reconheço por meu único e verdadeiro Deus, Criador do Universo ao qual conservais e governais com infinita sabedoria, bondade soberana e supremo poder! Suplico-vos, Senhor, pelos méritos de Vossa Sacratíssima humanidade, que me purifiqueis com o vosso sangue, de todos os meus pecados; que derrameis sobre mim a abundância do Vosso Espírito junto com as virtudes e os dons; que me concedais a graça de crer e esperar em Vós, de amar-vos sobre todas as coisas, de que todas as minhas ações sejam merecedoras de vida eterna e a graça, sobre todas apreciável, de possuir-vos eternamente na glória com os vossos anjos e santos. Amém.

(Por decreto de Santo Ofício, de 22 de janeiro de 1914, sua santidade o papa Pio X dignou conceder in perpetuum 100 dias de indulgência, aplicáveis em sufrágio às almas do purgatório, a todos os fiéis que, devotos e contritos, rezarem uma vez ao dia a oração anterior)

FINIS.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)