segunda-feira, 6 de julho de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (LIII)

L

DA RESSURREIÇÃO

Que sucederá depois ou ao mesmo tempo em que o mundo esteja sendo reduzido a cinzas?
Ouvir-se-á, em todos os âmbitos da terra, o som da trombeta de que fala o Apóstolo São Paulo na sua primeira epístola aos Tessalonicenses; à sua voz se levantarão os mortos das suas sepulturas e, por ela chamados, comparecerão na presença do Juiz Supremo que, para julgá-los, descerá do céu sobre nuvens de glória e revestido de soberana majestade (LIXXV, 1)*.

Quais são os que ressuscitarão?
Imediatamente, os que morreram no transcurso do tempo desde o princípio do mundo e, além disso, todos os que se acharem vivos, no momento de Jesus Cristo descer e de soar a trombeta do Juízo final.

Ressuscitarão estes últimos no sentido de passar da morte para a vida?
Sim, senhor; porque, ainda que todos estes acontecimentos sejam instantâneos, como parece indicar São Paulo na primeira epístola aos Coríntios (Cap. XV, v. 51), sucederá que os homens, vivos um momento antes, passarão por uma morte instantânea e imediatamente irão ocupar o lugar que por suas obras lhes corresponda (LXXVIII, 1, 2).

Logo ressuscitarão em estado glorioso os corpos de todos os santos, vindos do céu, saídos do purgatório ou surpreendidos na vida mortal pelos últimos acontecimentos?
Sim, senhor, e todos juntos comparecerão diante da humanidade gloriosa de Jesus Cristo, cuja vinda será a causa da sua ressurreição.

Ressuscitarão os justos com os mesmos corpos que neste mundo tiveram?
Sim, senhor; com a diferença de que então não terão deformidade, nem imperfeição, nem estarão sujeitos a debilidade alguma, mas que, pelo contrário, possuirão qualidades e dotes que os converterão, de certo modo, em espirituais (LXXXI).

Quem será capaz de efetuar tão nobre transformação?
A Onipotência divina que, assim como tirou do nada todos os seres, pode transformá-los à sua vontade.

Quais serão os dotes dos corpos gloriosos?
Os de impassibilidade, subtileza, agilidade e claridade.

Em que consiste a impassibilidade?
No domínio e senhorio absolutos da alma sobre o corpo, em virtude dos quais este, sob a tutela daquela, estará isento e livre de toda debilidade e padecimento LXXXII, 1).

Alcança este dote o mesmo grau de perfeição nos corpos de todos os bem-aventurados?
No sentido de que a nenhum alcançará a dor por falta de submissão da alma, sim, senhor; porém, as faculdades e atribuições senhoriais da alma guardarão proporção com a glória de que desfruta que, por sua vez, depende do grau de intensidade, na visão beatífica (LXXXII, 2).

Se os corpos gloriosos são impassíveis, serão, também insensíveis?
Não, senhor; pois têm uma sensibilidade rara e delicadíssima. Assim os olhos possuirão uma agudeza visual penetrantíssimo, o ouvido finíssima audição e assim os demais sentidos perceberão os objetos próprios e os comuns com uma intensidade e perfeição impossível de compreender nem imaginar, sem que o objeto produza jamais doenças nem ofenda à sensibilidade, limitando-se a cumprir a sua 
missão que é prover de matéria as percepções mais delicadas (LXXXII, 3, 4).

Em que consiste a subtileza dos corpos gloriosos?
No dote mais peregrino que possuir podem, pois, mercê da união e sujeição à alma glorificada, sem perder a sua qualidade de verdadeiros corpos, sem transformar-se em corpos aéreos ou fantásticos, se tornarão puros e etéreos, sem coisa alguma das que agora os fazem toscos e espessos (XXXIII, 1).

Logo, perdem a propriedade física da impenetrabilidade e podem, por consequência, dois ocupar o mesmo lugar ou subtrair-se às condições do espaço e não o ocupar nenhum?
Não, senhor; conservarão todas as dimensões e ocupará cada um o seu próprio lugar (LXXX, 2).

Foi em virtude da subtileza que o corpo glorioso de Cristo penetrou no cenáculo com as portas fechadas?
Não, senhor; mas por virtude divina de Jesus Cristo, e da mesma maneira como nasceu das puríssimas entranhas da Santíssima Virgem, sem destruir a sua virgindade (LXXXIII, 2 ad 1).

Que entendeis por agilidade dos corpos gloriosos?
Um dote que consiste em sujeitá-los tão plena e absolutamente aos impulsos motores da alma, que os obedecerão com uma prontidão e rapidez maravilhosas (LXXXIV, 1).

Utilizarão os santos esta qualidade?
Desde logo se servirão dela para ir ao encontro de Jesus Cristo quando venha a julgar o mundo, e para subir ao céu com Ele. É possível que desde logo empreendam voluntárias e agradáveis excursões, já para exercício de uma qualidade em que tão maravilhosamente resplandece a sabedoria divina, já também para recrear-se, contemplando as belezas e encantos do universo, pregoeiros da glória de Deus (LXXXIV, 3).

É instantâneo o movimento dos corpos gloriosos?
Não, senhor; pois ainda que imperceptível (tal será a sua rapidez), necessita de algum tempo para efetuar-se (LXXXIV, 3).

Que entendeis ao dizer que os corpos gloriosos possuem o dote da claridade?
Que o resplendor das almas glorificadas comunicará e infiltrará nos corpos uma claridade que os tornará luminosos e radiantes como o sol, e transparentes como o mais puro cristal; apesar disso, a luminosidade não apagará as cores naturais; pelo contrário, se amoldará às suas distintas tonalidades para realçá-los, embelezá-los e comunicar-lhes uma formosura mais divina de que humana (LXXXVI, 1).

Possuirão todos os corpos o mesmo grau de claridade?
Não, senhor; porque a claridade dos corpos é o reflexo da alma e, portanto, proporcional ao grau de glória de que esta desfruta. Por isso, querendo São Paulo dar-nos a entender algo destas verdades sublimes, nos disse que serão os corpos gloriosos como os astros do firmamento, entre os quais um é o brilho do sol, outro o da lua e outro o das estrelas, e ainda, umas estrelas diferem das outras em brilho e claridade (l Cor 15, 41).

Logo. o conjunto dos corpos gloriosos, formará um quadro vistosíssimo e de incomparável formosura?
Tão grandioso, sugestivo e embelezador que os mais belos panoramas do céu e da terra não poderão dar-nos dele sequer uma ideia aproximada.

Poderão ver com os olhos carnais a claridade dos corpos gloriosos, aqueles que não possuem a glória?
Sim, senhor; e assim a verão os próprios condenados (LXXXV, 2).

Será facultativo à alma glorificada deixar ver ou ocultar a claridade do seu corpo?
Sim, senhor; porque provém dela e aos seus mandatos se sujeita (LXXXV, 3).

De que idade ressuscitarão os corpos dos justos?
Da que corresponde à plenitude do desenvolvimento e energia vital (LXXXI, 1).

Ressuscitarão no mesmo estado os corpos dos condenados?
Sim, senhor; porém, desprovidos em absoluto das qualidades dos gloriosos (LXXXVI, 1).

Logo, serão corruptíveis?
Não, senhor; porque então terá terminado o reinado da morte e da corrupção (LXXXVI, 2).

Logo serão ao mesmo tempo passiveis e imortais?
Sim, senhor, pois Deus, justiceiro e onipotente, dispôs as coisas de maneira que nenhum agente exterior possa alterá-los e muito menos destruí-los, e que, apesar disso, todos, e particularmente o fogo do inferno, lhes inflijam formidável tormento e dor (LXXXVI, 2, 3).

Em que estado ressuscitarão as crianças mortas sem batismo?
No de inteira perfeição natural, diferenciando-se dos justos, em que não possuirão os dotes do corpo glorioso, e dos condenados, em que jamais experimentarão enfermidades nem dor (Apêndice, 1, 2).

LI

DO JUÍZO FINAL

Depois da ressurreição, comparecerão todos os homens na presença do Juiz Supremo?
Sim, senhor (XXXIX, 5).

De que forma se apresentará o Juiz?
Aparecerá a sua humanidade sacratíssima revestida da glória e majestade a que lhe dá direito a sua união pessoal com o Verbo, e o triunfo alcançado sobre os poderes do mal (XC, 1, 2).

Verão todos os homens a glória do Redentor quando aparecer para julgá-los?
Sim, senhor (Ibid).

Verão também todos a sua glória como Deus?
Somente a verão os eleitos (XC, 3).

Serão julgados quantos comparecerem na presença do Juiz?
Não, senhor; somente serão submetidos a Juízo os que neste mundo tiveram uso de razão.

E os que não o tiveram?
Não serão julgados, e se, como os demais, são conduzidos ao tribunal divino, vão ali para ver e admirar a glória de Cristo, e a tremenda justiça e absoluta imparcialidade dos juízos de Deus (LXXXIX, 5 ad 3).

Logo, serão julgados, absolutamente, todos os homens que neste mundo foram senhores dos seus atos?
Se por juízo entendemos a separação entre os bons e os maus e a colocação dos primeiros à direita do Juiz, para ouvirem como os convida a tomar posse do reino dos céus, e dos segundos à esquerda para escutarem a sentença de eterna condenação, sim, senhor; porém, se por juízo entendemos o processo, e pública e convincente demonstração do mal obrar, somente os réprobos serão julgados (LXXXIX, 6,7).

Produzirá nos réprobos grande confusão e vergonha o ver como se descobrem e publicam à face dos céus e da terra os seus crimes e pecados?
Isso lhes causará confusão suprema e tortura horrível porque, no fundo de todo pecado, principalmente se é grave, aninha-se o mais inconfessável orgulho, e naquele tremendo dia passarão pela vergonha de presenciar como o Juiz Supremo, a cujo olhar nada se oculta, põe a descoberto os seus atos, projetos e maquinações, e os segredos mais ocultos do seu orgulho e soberba, pai de todos os vícios e pecados.

Logo, no dia do Juízo, se publicarão à face do mundo inteiro quantos atos reprováveis fizeram durante a sua vida?
Sim, senhor; ali se publicarão os pecados da vida privada, os cometidos como membros da família e da sociedade, conjuntamente com as consequências mais ou menos lamentáveis que de sua intervenção nos negócios públicos se tivessem seguido, quer seja no exercício do poder ou por meio da palavra falada ou escrita; e quanto mais neste mundo tivessem colhido louros, alcançado mais favor público e obtido maiores triunfos, mercê das intrigas dos inimigos de Deus, de Cristo e da sua Igreja, mais esmagados se sentirão, sob o peso da reprovação universal (LXXXVIII 1,2, 3).

De que mais se servirá Deus para por as suas vidas no conhecimento do mundo inteiro?
Da própria ilustração e iluminação do Juízo particular, com a diferença de que nesta assembléia, única em que se acharão presentes quantos homens existiram desde o princípio até ao fim do mundo, não somente verá cada um a sua própria consciência, mas também a de todos os outros (Ibid).

Logo, também estará patente aos olhos de todos a consciência dos justos?
Sim, senhor; e isso constituirá a mais consoladora e sublime compensação da sua humildade e voluntário obscurecimento na terra, porque só então se realizará plenamente a promessa de Jesus Cristo no Evangelho: 'o que se exalta será humilhado, o que se humilha será exaltado' (LXXXIX, 6).

Podemos dizer que não se discutirão as ações dos justos, e, neste sentido, que não serão julgados?
Tratando-se daqueles cuja vida é inteiramente santa e sem mistura notável do mal, como a dos que, olhando as vaidades do mundo, põem todo o seu afã em servir a Deus, sim, senhor; porém, quanto aos outros, isto é, aqueles que, sem amarem as criaturas mais do que a Deus até ao extremo de perdê-lo, viveram afeiçoados às coisas do mundo e com elas mais ou menos transigiram, verão expostas diante dos olhos dos demais as duas facetas de sua vida com o fim de que todos contemplem a preeminência do bem sobre o mal, pois assim o requer a escrupulosidade do Juízo divino (Ibid).

Logo, publicar-se-ão todas as suas faltas, apesar do arrependimento e da penitência?
Sim, senhor, pela razão referida; porém esta manifestação, em vez de ser para eles vergonhosa, será motivo de glória, pois conjuntamente com a culpa se publicará a penitência, e tanto maior será a satisfação, quanto mais a penitência tenha sido fervorosa e generosa (LXXXVII, 2 ad 3).

Haverá justos que, em lugar de réus, serão juízes, e como tais tomarão assento com o Juiz supremo?
Sim, senhor; os que, a exemplo dos Apóstolos, abandonaram tudo para seguir a Cristo, e cuja vida foi, poderemos dizer, a perfeição evangélica encarnada e viva (LXXXIX, 1, 2).

Naquele dia serão juízes também os anjos do Senhor?
Não, senhor; porque os adjuntos daquele tribunal devem ser semelhantes ao Juiz, e este será o Verbo divino enquanto homem. Logo, só os homens podem ser seus assistentes (LXXXIX, 7).

Se não são Juízes serão réus?
Propriamente também não, porque o juízo da sua causa se celebrou no princípio do mundo, quando os que permaneceram fiéis entravam na glória, e os rebeldes foram precipitados no inferno. Sem embargo disso, atenta a parte que os anjos bons tomam na santificação dos justos e considerados os obstáculos e tropeços que lhes põem os maus, encontram-se indiretamente envoltos no Juízo, os primeiros para receberem um prêmio acidental, e os segundos, um aumento de pena e suplícios (LXXXIX, 3).

Como terminará o Juízo final?
Com o Juiz pronunciando a sentença definitiva.

Sabeis qual será?
Sim, senhor; pois Ele mesmo a revelou.

Quais serão os seus termos?
Ei-los aqui como se leem no Evangelho: 'Então dirá o Rei aos que estão à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde a formação do mundo. E dirá aos que se acham à sua esquerda: Ide, malditos, ao fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos.

Qual será o efeito desta sentença?
Que 'os maus irão para o suplício eterno e os justos para a vida eterna'.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)