Questão 17: Por que pecamos?
Tentação é a situação em que a vontade tem de escolher entre duas opções, sabendo que uma delas é boa e que a outra é má e tende a escolher a opção má. Sabe que essa é a opção má mas, por alguma razão, sente-se impelido a escolhê-la. O erro de cair em tentação não é um erro de inteligência, não é um problema de debilidade da razão. Pois, se não se soubesse que essa opção é má, pecaria por ignorância ou simplesmente por erro e, portanto, não pecaria de fato. Para pecar, há que se saber que se está escolhendo a opção má. Não há pecado sem má consciência.
Isso é que faz o pecado ser tão interessante do ponto de vista intelectual: por que escolhemos o mal sabendo que é o mal? Eis um verdadeiro mistério. Uma resposta simples, que não é falsa mas que tampouco explica a questão, é admitir que pecamos por fraqueza. Isto não deixa de ser verdadeiro, mas também é certo que não somos tão fracos que não possamos resistir. Se não fôssemos capazes de resistir, não haveria pecado, pois não haveria opções; existe o pecado porque podemos escolher. E, sabemos por experiência, escolhemos o que queremos. Se queremos fazer algo, nada nem ninguém nos pode obrigar a querer outra coisa. Assim, por mais fracos que sejamos, sempre podemos resistir. Desta forma, não podemos nos eximir de responsabilidade em nome da inteligência ou da vontade. Fazemos o mal porque o queremos.
Poderíamos dizer que fazemos o mal em nome do bem que obtemos por meio dele. Mas, devemos nos lembrar que a inteligência tem a exata percepção de que este bem é como uma maçã envenenada, um bem falso, um bem que produz mais males do que o bem que possa conter. Por isso, por mais atraente que nos pareça tal bem, a consciência nos alerta a não escolher essa opção. Assim como dizer que fazemos o mal porque nos parece ser um bem, também é igualmente certo que sabemos que, na verdade, este bem não passa de mais um outro mal. Assim a justificativa de que se possa fazer o mal para se obter o bem, embora adequada em termos de compreender o pecado cometido, não explica tudo. E é mesmo provável que esse mistério da maçã envenenada que comemos, apesar de sabermos que está envenenada. não se possa explicar nunca enquanto estivermos neste mundo.
Questão 18: Quantas tentações procedem dos demônios?
Não há ninguém que possa dizer quantas tentações podem proceder dos demônios e quantas de nosso próprio interior. Parece razoável, porém, pensar que a maioria das tentações procedem de nós mesmos. Não necessitamos de ninguém para sermos tentados, nos basta a liberdade para usá-la mal. Basta termos que tomar uma decisão entre diferentes opções para escolher conscientemente a opção errada. Conscientemente, sem paliativos, sem poder transferir nossa culpa a ninguém mais do que a nós mesmos. É certo que o demônio tentou a primeira mulher. Porém, mesmos em o demônio, poderíamos ter pecado igualmente. A tentação não depende do demônio, basta-se por si mesma. Se não fosse assim, quem teria tentado o demônio?
Questão 19: Podemos ser tentados além de nossas possibilidades?
O ser humano é fraco, de modo que Deus cuida de nós como crianças. Por isso, a Bíblia diz: 'Fiel é Deus que não permitirá que sejais tentados além de vossas forças, mas com a tentação os tornará capazes de vencê-las' (1 Cor 10,13). Que a tentação possa ser permitida por Deus é algo que aparece de forma claríssima no Livro de Jó. E também em outra passagem das Escrituras quando, um pouco antes de sua Paixão, Jesus disse a Pedro: 'Simão, Simão! O Adversário te reclamou para te peneirar como o trigo' (Lc 22, 31). 'Te reclamou', ou seja, a peneira da tentação deve ser permitida.
Não afirmar essa doutrina significaria que estamos nas mãos de um destino cego e que qualquer um, por mais fraco que seja, poderia ser tentado com um poder e uma magnitude acima das forças que possui. Portanto, a mensagem é clara e tranquilizadora. Deus, como Pai que é, vela para que nenhum dos seus filhos seja pressionado além do que possa suportar. De tudo isso se confirma a sabedoria do velho ditado: 'Deus aperta, mas não enforca!'
Questão 20: Por que o Diabo tentou a Jesus?
O Diabo sabia que Jesus era Deus; sabia, portanto, que era impossível que pecasse. Por que, então, O tentou? E mais, sabendo que qualquer tentação seria resistida por Jesus, que O santificaria ainda mais como homem. E que, assim, ao tentar o Senhor, o demônio se converteria em instrumento de santificação do próprio Jesus. Por que, então, fazer algo inútil e que, além disso, serviria para um bem? A resposta é simples: o Diabo não pode resistir [ao impulso de tentar]. A tentação foi demasiado grande até para o Diabo: tentar o próprio Deus! Não podia deixar escapar aquela ocasião.
Sabia que era impossível fazê-lO pecar, mas não pôde resistir à tentação de tentá-lO. A situação era tal qual a do fumante que sabe os danos do ato de fumar mas não consegue deixar de fazê-lo. Assim, o Diabo sabia que tentar Jesus era um erro, mas sucumbiu à tentação maior de tentá-lO. A criatura tentando o próprio Deus! Era lógico que era um erro tentar Jesus, mas para resistir a tal tentação, seria preciso que o demônio possuísse a virtude da fortaleza. E qualquer coisa pode advir do demônio, menos virtude. Da mesma maneira, os demônios fazem coisas que, a longo prazo, os prejudicam ainda mais, mas não resistem ao impulso de fazer o mal agora, ainda que, contendo-se, pudessem lograr um mal ainda maior depois. Desta forma, conclui-se que até mesmo os demônios sofrem tentações; tentações estas que procedem do seu próprio interior.
(Excertos da obra 'Summa Daemoniaca', do Pe. Jose Antonio Fortea, tradução do autor do blog)