Porque olhou para sua humilde serva (em latim, quia respexit humilitatem ancillae suae): qual é essa humildade de que fala a Bem-aventurada Virgem? A esse respeito, não são unânimes os pensamentos dos santos Doutores. Dizem alguns que, entre todas as virtudes, a humildade é a única que não se contempla e não se conhece a si mesma; pois o que se julga humilde é soberbo. Razão pela qual, ao dizer que Deus olhou a sua humildade, a Bem-aventurada Virgem não se refere à virtude da humildade, mas à sua baixeza e abjeção.
'Há duas espécies de humildade' - diz São Bernardo - ' a primeira é a filha da verdade, é fria e sem calor. A segunda é a filha da caridade, e nos abrasa. A primeira consiste no conhecimento, e a segunda na afeição. Pela primeira, conhecemos que nada somos, e este conhecimento, tomamo-lo de nós mesmos e de nossa própria miséria e enfermidade. Pela segunda, calcamos aos pés a glória do mundo, e aprendemo-la daquele que se aniquilou a si mesmo, e que fugiu quando O procuraram para elevá-lO à glória da realeza; e que, em vez de fugir, ofereceu-Se voluntariamente quando O procuraram para crucificá-lo e mergulhá-lo em um abismo de opróbrios e ignomínias'.
Se perguntardes porque Deus considerou antes a humildade da Santíssima Virgem que a sua pureza e suas outras virtudes, se todas nela se achavam em grau elevadíssimo, responder-vos-á São Alberto Magno, com Santo Agostinho, que considerou antes a sua humildade, porque lhe era mais agradável que sua pureza.
'A virgindade é muito louvável' - diz São Bernardo - 'mas a humildade é necessária. Aquela é de conselho, esta, de mandamento. Podeis ser salvo sem a virgindade, mas sem humildade não há salvação. Sem a humildade de Maria, ouso dizer que não teria sido agradável a Deus a sua virgindade. Se Maria não fora humilde, o Espírito Santo não teria descido a ela; e se não houvera descido a ela, ela não seria Mãe de Deus. Ela agradou a Deus pela virgindade, mas concebeu o Filho de Deus pela humildade. Donde é necessário concluir que foi a humildade que tornou a sua virgindade agradável à divina Majestade'.
Quem não possui humildade, nada possui; e quem possui humildade, possui todas as outras virtudes. Daí, resulta parecer, segundo as palavras do Espírito Santo, pela boca da Igreja, que o Pai eterno só enviou seu Filho a este mundo, para encarnar-se e ser crucificado, a fim de ensinar-nos a humildade com o seu exemplo. 'O que o demônio destruiu pela soberba' - diz um santo Padre - 'o Salvador restabeleceu pela humildade'.
(Da Explicação do Magnificat, de São João Eudes)