sábado, 13 de setembro de 2014

DEPOIS DA MINHA MORTE


Amar o mundo é realmente uma loucura. Se o mundo se recordasse de mim depois da minha morte, se mostrasse algum pesar de me haver perdido, seria caso para eu sentir alguma pena ao ter de abandoná-lo. Mas, como me tratará o mundo, quando eu deixar de existir?

Fará comigo como tem feito com todos os outros: não se incomodará absolutamente com a minha sorte. Parece-me vê-lo a prosseguir o seu caminho, exatamente como faz agora, sem pensar sequer em que eu já estarei debaixo da terra. A cova, que há de acolher o meu cadáver, será comigo bem mais benévola que o mundo, porque, quando este já não conservar de mim a menor recordação, a cova conservará ainda os meus ossos... Coisa singular! O sepulcro causa-me agora horror, mas um dia será o único a ocupar-se de mim; e o mundo, que me fascina e tenta seduzir-me, dentro em breve me tratará como se eu nunca tivesse existido.

Como são bem punidos os idólatras do mundo! Este mundo, do qual tantos procuram as honras, o afeto e o reconhecimento, não lhes conservará no coração o mais pequenino posto; quando muito lhes inscreverá os nomes num registro, que abandonará depois à poeira dos arquivos. Não há um lugar onde se morra duma maneira tão perfeita, irrevogável e definitiva como na memória e no coração dos pândegos e senhores deste mundo. É positivo que naqueles cérebros e naqueles corações não se ressuscita jamais. E poderia eu, portanto, esperar depois da minha morte alguma coisa dum mundo que, por minha causa, não suspenderá um só minuto os seus costumes, não se privará do mais insignificante dos seus prazeres, não me conservará o mais exíguo dos seus afetos? Se ele esquece com tanta facilidade e com a mais abominável frieza os homens mais ilustres e benemerentes, que fará de mim, pobre grãozinho de areia?

E tu, ó meu Jesus, como me tratarás quando eu já não existir? Ah! Como és diverso do mundo! Como é diverso o teu Coração do coração dos homens! Tu me recordarás certamente e para sempre; recordarás que vim tantas vezes encontrar-te; recordarás as batalhas que travei comigo mesmo para dar-te um pouco de oração recolhida e um pouco de amor; recordarás a tua pobre criatura que, ignorada de todos, estava junto do Tabernáculo a chorar culpas em segredo, a esperar perdões e a invocar misericórdias; recordarás que terei consumado o meu longo sacrifício, sem dizer nada a ninguém, mas confiando a ti somente todas as minhas penas; recordarás toda a minha obscura existência, desde o primeiro instante em que saí das tuas mãos, até o último em que expirei sobre o teu Coração. E, recordando-me, continuarás a amar-me como antes, ou ainda mais; recordando-me, tomarás cuidado daqueles que ficarem chorando junto do meu cadáver e, pelas vias admiráveis da Providência, as conduzirás à salvação; recordando-me, ordenarás à Igreja que faça memória perene de mim no Santo Sacrifício da Missa, e que todos os dias recite uma oração pelo eterno descanso da minha alma.

A minha alma! Eis o que é mais importante! Que vale elevar monumentos e até pirâmides para honrar quatro ossos descarnados, se nada se faz em favor da alma? Que diferença entre mim e os grandes conquistadores e perturbadores do mundo! Aqueles terão os seus nomes esculpidos sobre o granito e o corpo deposto numa urna de pórfiro; e eu terei o meu nome escrito na memória de Jesus, e a minha alma repousará no seu Coração.

Portanto, a um mundo que fará comigo como tem feito e fará sempre com os outros; que continuará a rir, a gozar e a pecar, mesmo quando o meu esquife lhe passar vizinho a caminho do cemitério; que por mim não verterá uma lágrima, não terá uma palavra de compaixão, nem sequer a recordação de vinte e quatro horas; a este mundo com todas as suas lisonjas, com as suas efêmeras promessas, com todas as suas delícias e todas as suas culpas, a este mundo eu voto o meu desprezo mais profundo, o meu abandono mais resoluto, a minha mais cordial aversão! 

E a Jesus!... A Jesus eu consagro a minha fé mais viva na grandeza eterna e imensa da sua divindade, a minha esperança mais inabalável na fidelidade às suas promessas e na grandiosidade infinita das suas recompensas, a minha caridade mais ardente pela sua bondade tão grande e tão terna, que o fez descer à terra para unir-se a mim, e que me conduzirá um dia ao Paraíso para me ter sempre unido a Ele. Depois da morte, portanto, o mundo abandonará para sempre os seus adoradores; Jesus terá sempre no próprio coração os seus amantes. Portanto, ó mundo, adeus... ó Jesus, eis-me aqui, que estarei sempre contigo.

(Excertos da obra 'Centelhas Eucarísticas', de original italiano, 1906; trad. de Adolfo Tarroso Gomes, 1924)