quinta-feira, 4 de agosto de 2016

DA CONFIANÇA EM DEUS

Deus provê às nossas necessidades: 'Não vos inquieteis, diz o Senhor. Qual será o sentido exato desse conselho? Deveremos, para obedecer a direção do Mestre, negligenciar completamente os negócios temporais? É certo que a graça pede a certas almas o sacrifício de uma pobreza estrita e de um total abandono à Providência. Entretanto, é notória a raridade dessas vocações. As outras pessoas - comunidades religiosas ou indivíduos - possuem bens: devem geri-los prudentemente.

O Espírito Santo louva a mulher forte que soube governar bem a sua casa. Ele no-la mostra, no Livro dos Provérbios, a acordar bem cedo para distribuir aos criados a tarefa cotidiana e a trabalhar também com as suas próprias mãos. Nada escapa à sua vigilância. Os seus nada têm a temer: acharão todos, graças à sua previdência, o necessário, o agradável e, até, certo luxo moderado. Os seus filhos proclamam-na bem-aventurada, e o seu marido exalta-lhe as virtudes. 

A própria Verdade não teria louvado tão calorosamente essa mulher, se ela não tivesse cumprido o seu dever. Cumpre, pois, não se afligir; ocupando-se embora razoavelmente dos seus afazeres, não se deixar dominar pela angústia de sombrias perspectivas de futuro, e contar, sem hesitações, com o socorro da Providência. 

Nada de ilusões! Uma confiança assim pede grande força de alma. Temos que evitar uma dupla escolha: a falta e a demasia. Aquele que, por negligência, se desinteressa das suas obrigações e dos seus negócios, não pode, sem tentar a Deus, esperar um auxílio excepcional. Aquele que dá às suas preocupações materiais o primeiro lugar das suas cogitações, aquele que conta mais consigo do que com Deus, engana-se ainda mais crassamente; rouba assim ao Altíssimo o lugar que Lhe compete na nossa vida. In medio stat virtus - entre esses extremos, encontra-se a virtude. Quando se cumpriu o dever com diligência, afligir-se com o futuro, é desconhecer o poder e a bondade de Deus.

Nos longos anos em que São Paulo, o eremita, viveu no deserto, um corvo trazia-lhe, cada dia, meio pão. Ora, aconteceu que Santo Antão viesse visitar o ilustre solitário. Conversaram longamente os dois santos, esquecidos nas suas piedosas meditações da necessidade do alimento. Pensava neles, porém, a Providência: o corvo veio; como de costume, trazendo, porém, desta vez, um pão inteiro! O Pai celeste criou todo o universo com uma só palavra; poderia ser-lhe difícil socorrer os seus filhos no momento da necessidade?

São Camilo de Lélis havia-se endividado para tratar dos doentes pobres. Os religiosos alarmavam-se. 'Para que duvidar da Providência?' - tranquilizava-os o santo. 'Será difícil a Nosso Senhor dar-nos um pouco desses bens de que cumulou os judeus e os turcos, inimigos uns e outros da nossa fé?'. A confiança de Camilo não foi iludida; um mês depois, um dos seus protetores legava-lhe, ao morrer, uma soma considerável.

Afligir-se com o futuro é desconfiança que ofende a Deus e provoca a sua cólera. Quando os hebreus, fugindo do Egito, se viram perdidos nas areias do deserto, esqueceram-se dos milagres que o Senhor tinha feito em seu favor. Tiveram medo, murmuraram. 'Deus poderá sustentar-nos no deserto? Poderá dar pão ao seu povo?' Estas palavras irritaram o Senhor. Contra eles lançou o fogo do céu; a sua cólera caiu sobre Israel, 'porque não creram em Deus, nem confiaram no seu socorro” (Sl 77, 19 -22). Nada de aflições inúteis: o Pai vela por nós.

(Excertos da obra 'O Livro da Confiança', do Pe. Thomas de Saint Laurent)