quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A BÍBLIA EXPLICADA (XIV)

A HERESIA DA 'MALDIÇÃO HEREDITÁRIA'

A chamada 'maldição hereditária' ou 'pecados de descendência' é uma proposição herética bastante recente, oriunda da interpretação descuidada ou maliciosa de excertos isolados de textos bíblicos do Velho Testamento. Neste contexto formal, os pecados dos nossos ancestrais poderiam ser transmitidos (tal como alguma doença infecciosa) até nós, ao longo de gerações. Assim, tal como o pecado original da herança adâmica, existiria também um pecado de descendência gerado pela herança genealógica. Ao batismo, impor-se-ia, então, a necessidade de uma chamada 'cura de gerações' para nos livrar do lastro dos pecados e maldições impostas aos nossos antepassados diretos. Manifestações públicas destas curas têm sido eventos comuns e bastante ruidosos em muitos ritos de diferentes seitas neopentecostais. No testemunho de tais preceitos, são comumente explicitados os seguintes trechos bíblicos:

Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniquidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Ex 20, 5 - 6).

O Senhor passou diante dele, exclamando: 'Javé, javé, Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera, rico em bondade e em fidelidade, que conserva sua graça até mil gerações, que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado, mas não tem por inocente o culpado, porque castiga o pecado dos pais nos filhos e nos filhos de seus filhos, até a terceira e quarta geração' (Ex 34, 6-7).

O Senhor é lento para a cólera e rico em bondade; ele perdoa a iniquidade e o pecado, mas não tem por inocente o culpado, e castiga a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e a quarta geração (Num 14, 18).

Não te prostrarás diante delas para render-lhes culto, porque eu, o Senhor, teu Deus, sou um Deus zeloso, que castigo a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e a quarta geração daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Deut 5, 9 - 10).

Todas estas proposições, consideradas isoladamente do contexto original, fazem a mesma referência quanto a um castigo divino pela iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira ou quarta geração. Na verdade, todas são repetições do seguinte trecho original do Êxodo, num contexto mais abrangente: 

'Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face. Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, obre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniquidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos. Não pronunciarás o nome de Javé, teu Deus, em prova de falsidade, porque o Senhor não deixa impune aquele que pronuncia o seu nome em favor do erro. Lembra-te de santificar o dia de sábado... (Ex 20, 2 - 8).

A proposição está inserida no contexto de uma aliança com um povo, o povo judeu, e na rejeição explícita , nos termos desta aliança, em relação à idolatria a outros deuses. Neste contexto, incluem-se a santificação do dia do sábado, o culto das imagens e, portanto, a maldição hereditária. A raiz dessa concepção herética é, portanto, a mesma da santificação do sábado ou a indefectível postulação de que 'os católicos veneram imagens'. Deus não está pregando o pecado da descendência, tal como não está proibindo taxativamente a confecção de imagens. Deus está aqui condenando a idolatria como pecado gravíssimo, que inclui a transgressão ao dia destinado ao Senhor, a produção de imagens de ídolos que roubam a adoração devida somente a Deus, bem como as repercussões tremendas deste pecado abominável tanto nos ímpios que os praticaram como na sociedade como um todo na qual este clã ou povo está inserido, e isso por muito tempo. Numa livre abordagem de cunho generalista, como se explicaria, então, o preceito claramente extrapolado da infinita misericórdia que Deus concede aos seus filhos que O amam e que guardam os seus mandamentos pela expressão 'até a milésima geração'?

O pecado é inerente ao próprio pecador e somente a ele, assim ensina a autêntica fé cristã. A salvação eterna de cada homem é fruto do livre arbítrio e de suas escolhas pessoais, não sendo afetada pelo reflexo do destino ou de um viés de fatalidade, imposto pelos pecados dos nossos antepassados diretos. A misericórdia de Deus é o fruto das sementes que plantamos e que cultivamos, ao longo de nossas vidas, no caminho da graça, sem repercussões de pecados alheios, como tão claramente explicitado em Ez 18 (ver o texto por inteiro):

É o pecador que deve perecer. Nem o filho responderá pelas faltas do pai nem o pai pelas do filho. É ao justo que se imputará sua justiça, e ao mau a sua malícia (Ez 18, 20).

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS (IV)

Da Quarta Carta de Consolação

Reconhecimento dos parentes ou da família no Céu

II - A segurança de se reconhecerem os parentes no Céu tem consolado todos os santos – O Beato Henrique Suso – São Tomás de Aquino – São Francisco Xavier – Santa Tereza – O seu pensar a respeito da felicidade de uma mãe – Felizes são os pais que têm filhos religiosos.

Esta certeza de uma especial união com os nossos parentes na eterna bem-aventurança é uma consolação tão pura e tão doce que tem chegado a fazer as delícias dos próprios santos. Por todos os ventos do Céu, do Oriente, do meio dia, do Ocidente e do Setentrião, nos chegam vozes que testemunham esta verdade. A Alemanha apresenta-nos, entre muitos outros, o Beato Henrique Suso, religioso da Ordem de São Domingos. O seu nome era Henrique Besg, mas preferiu o nome de Suso, que era o de sua mãe, para honrar a sua piedade e recordar-se dela incessantemente. Esta virtuosa mãe morreu numa sexta-feira santa, à mesma hora em que Nosso Senhor foi crucificado. Henrique estudava então em Colônia. 

Ela apareceu-lhe durante a noite, toda resplandecente de glória: 'Meu filho', lhe disse, 'ama com todas as tuas forças o Deus onipotente, e fica bem persuadido de que ele nunca te abandonará em teus trabalhos e aflições. Deixei o mundo; mas isto não é morrer, pois que vivo feliz no Paraíso, onde a misericórdia divina recompensou o imenso amor que eu tinha à Paixão de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo' – 'Ó minha santa mãe, ó minha terna mãe' exclamou Henrique, 'amai-me sempre no Céu, como fizestes na Terra, e não me abandoneis jamais nas minhas aflições!' A bem-aventurada desapareceu, mas seu filho ficou inundado de consolação. Em outra ocasião viu a alma de seu pai, que tinha vivido muito apegado ao mundo. Apareceu-lhe cheia de sofrimentos e aflições, fazendo-lhe assim compreender os tormentos que sofria no Purgatório, e pedindo-lhe o socorro das suas orações. Henrique derramou tão ferventes lágrimas que alcançou quase logo a sua entrada no Paraíso, donde ele veio agradecer-lhe a sua felicidade.

A alma de São Tomás de Aquino não estava absorvida pela ciência, mas a caridade conservava em seu coração um lugar distinto para seus irmãos e irmãs segundo a natureza. Durante a sua estada em Paris, uma de suas irmãs lhe apareceu para dizer-lhe que estava no Purgatório. Pediu-lhe que dissesse um certo número de missas, esperando que a bondade de Deus e a intercessão de seu irmão a livrariam das chamas. O santo pediu aos seus alunos que orassem e dissessem missas pela alma de sua irmã. Depois disto, quando ele estava em Roma, tornou-lhe a aparecer, dizendo que estava livre do Purgatório e já gozava da glória do Céu, por virtude das missas que ele tinha dito ou feito dizer. 'E quanto a mim, minha irmã, exclamou o Santo, nada sabeis?' – 'Quanto a vós, meu irmão, sei que a vossa vida é agradável ao Senhor. Vireis muito breve reunir-vos a mim; mas o vosso diadema de glória será muito mais belo do que o meu' – 'E onde está meu irmão Landulfo?' – 'Está no Purgatório' – 'E meu irmão Reinaldo?' – 'Está no Paraíso entre os mártires, porque morreu pelo serviço da Santa Igreja'.

Na Espanha, encontramos São Francisco Xavier, partindo para as Índias, e passando perto do castelo de seus pais. Excitaram-no para que entrasse em casa de sua família, representando-lhe que, deixando a Europa para talvez nunca mais a ver, não podia honestamente dispensar-se de visitar os seus naquela ocasião, e de dizer um último adeus a sua mãe que ainda vivia. Não obstante todas estas solicitações, o santo seguiu caminho direto, e somente respondeu que se reservava para ver seus pais no Céu, não de passagem e com o pesar que os adeuses causam ordinariamente, mas para sempre e com uma alegria verdadeiramente pura.

Encontramos a ilustre reformadora do Carmelo, a seráfica Teresa de Jesus. Dentro das grades do seu convento, apesar da austeridade da sua vida, cultivava em seu coração as puras afeições da família; e esperava que Deus, que promete o cêntuplo a quem deixar tudo pelo seu nome (Mat 19, 29), lhe restituiria centuplicado o amor dos seus parentes no Céu. Uma tarde, Teresa, encontrava-se tão incomodada e aflita que julgava não poder fazer oração, e tomou o seu Rosário para orar verbalmente sem algum esforço de espírito. Que fez Nosso Senhor para a consolar? Ela mesma no-lo diz por estas palavras: 'Tinham decorrido apenas alguns instantes, quando um arrebatamento veio, com irresistível impetuosidade, roubar-me a mim mesma. Fui transportada em espírito ao Céu, e as primeiras pessoas que vi foram meu pai e minha mãe'.

Sabeis, Senhora, que uma igual graça foi concedida à Senhora Acaria, que depois veio a ser carmelita no mesmo convento de Pontoise, onde uma de vossas irmãs ora por vós e se santifica entre as filhas de Santa Teresa, e que é agora honrada sob o nome de Beata Maria da Encarnação? Ela viu um dia seu esposo, um ano depois dele ter falecido, no meio dos santos do Paraíso. Deus compraz-se em tomar o coração da esposa cristã, como recebeu em suas mãos o pão no deserto (Mc 6, 41), para o multiplicar, abençoando-o tantas vezes quantas lhe dá filhos, que estão esfaimados do seu amor, aos quais ela deve saciar, não só para glória do Senhor, mas também para a sua própria felicidade. Santa Teresa louva uma piedosa senhora que, para ter posteridade, praticava grandes devoções e dirigia ao Céu ferventes súplicas. 'Dar filhos à luz que, depois da sua morte, pudessem louvar a Deus, era a súplica que incessantemente dirigia ao Céu. Sentia muito não poder, depois do seu último suspiro, reviver em filhos cristãos, e oferecer ainda por eles ao Senhor um tributo de bênçãos e de louvores'. A austera carmelita diz de si mesma: 'Penso algumas vezes, Senhor, que vos comprazeis em derramar sobre aqueles que vos amam a preciosa graça de lhes dar, em seus filhos, novos meios de vos servir'.

Disse ainda: 'Demoro-me muitas vezes neste pensamento: Quando estes filhos gozarem no Céu das eternas alegrias, e conhecerem que as devem a sua mãe, com que ações de graças lhe não testemunharão o seu reconhecimento, e com que reduplicada ventura se não sentirá palpitar o coração desta mãe em presença da sua felicidade!'. Eis o que pensaram, eis o que disseram, a respeito da família recomposta no Céu, santos que têm direito à auréola da virgindade, e que passaram nalguma ordem ou comunidade religiosa quase toda a sua vida. Livrai-vos, pois, de acreditar que o filho que, desde seus primeiros anos, se consagra a Deus para sempre, olvide seu pai, sua mãe e seus irmãos. Pelo contrário, o seu coração torna-se o depósito da caridade. 

Se, pelas fendas das paixões, ela se escapasse de todos os outros para só deixar neles a indiferença e o esquecimento, o seu guardaria este precioso tesouro para incessantemente o derramar por todos os canais da virtude. Tanto o religioso ancião, como o jovem, é ouvido muitas vezes pelo seu bom anjo durante o silêncio do sacrifício ou da oração, dizendo ao Senhor: 'Memento, lembrai-vos de meus parentes que ainda vivem; memento, lembrai-vos de meus parentes que já morreram; e abençoai uns e outros para além de quanto o meu coração pode desejar'. Feliz mãe que tivestes a ventura de poder dar a Jesus dois filhos e duas filhas para glória do seu nome e amor do seu Coração; não temais que estes filhos sejam infieis ao quarto preceito da lei divina. Frutos separados da família, os religiosos, voltam-se muitas vezes, pela mesma força da sua tendência à perfeição da caridade, para a árvore que os produziu, a fim de a louvar e abençoar. Todas as bênçãos, temporais ou espirituais, que lhe obtêm de Deus, serão conhecidas somente no Céu.

(Excertos da obra 'No Céu nos reconheceremos', do Pe. F. Blot, 1890)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS (III)

Da Quarta Carta de Consolação

Reconhecimento dos parentes ou da família no Céu

I - Reflexo dos três principais mistérios da nossa religião na família cristã – A família recomposta no Céu – Palavras de Tertuliano – Exemplo de Nosso Senhor – Tocante espetáculo que oferecerá o Paraíso – Jesus e Maria reconhecem-se – Maria tem cuidado de Jesus no Sacramento do seu amor – Ela conserva sobre o seu Coração um soberano poder.

Desejaríeis saber, particularmente, o que acontece à família no Céu, isto é, se Deus ali a recompõe, e se a esperança de possuir vossos parentes na pátria celeste é uma consolação de que possais gozar sem receio, sem escrúpulo e sem imperfeição. Podereis duvidá-lo, quando tantos santos personagens vô-lo afirmam, tanto por seus exemplos como por suas palavras? Deus coroou de glória e honra a família cristã, e faz brilhar em sua fronte o reflexo dos três principais mistérios da nossa religião. Vede por onde ela começa: por um Sacramento que é o sinal sagrado da união do Verbo de Deus com a natureza humana, da união de Jesus Cristo com a sua Igreja, e da união do mesmo Deus com a alma justa.

Quem o disse? Um grande Papa, Inocêncio III. Vede por onde continua: 'Maridos, amai vossas mulheres como Jesus Cristo amou a sua Igreja e se entregou por ela; mulheres, amai vossos maridos como a igreja ama a Jesus Cristo e se entrega por Ele'. Quem o disse? O grande apóstolo São Paulo (Ef 5, 25). Vede por onde acaba: pelas relações de origem que os anjos nos enviam, tanto elas nos recordam as da Trindade e nos procuram alegrias; porque o homem é do homem como Deus é de Deus. Homo est de homine, sicut Deus de Deo. Assim o disse um grande doutor, São Tomás de Aquino.

Mas teria mais poder o sopro da morte para destruir esta obra prima, do que a virtude da força para lhe conservar o esplendor? E visto que o amor é forte como a morte (Cant 6, 6), dar-se-á que a caridade de Deus, que criou a família, que a caridade do homem que lhe santifica o uso, não queira ou não possa refazer eternamente no Céu o que a morte desfez temporariamente na terra? Tertuliano dizia: 'Na vida eterna, Deus não separará aqueles que unira na terra, cuja separação também não permite nesta vida inferior. A mulher pertencerá a seu marido, e este possuirá o que há de principal no matrimônio – o coração. A abstenção e ausência de toda a comunicação carnal, nada lhe fará perder. Não será tanto mais honrado um marido quanto mais puro for?'

Aquele que nos deu este preceito: 'Não separe o homem o que Deus uniu' (Mat 19, 6), deu-nos também o exemplo. O Verbo contratou com a humanidade um divino desponsório: repudiou ele porventura a sua esposa subindo ao Céu? Pelo contrário, fê-la assentar consigo à direita do seu Eterno Pai. O Homem Deus tem uma Mãe que é bendita entre todas as mulheres: abdicou-se Ele de fazê-la participante da sua glória? Depois de associá-la à sua Paixão na terra, fê-la gozar das alegrias da sua Ressurreição e dos esplendores do seu triunfo, atraindo ao Céu, após de si, o seu corpo e sua alma. 

Jesus Cristo tinha dado a alguns homens o nome de irmãos: desconhecê-los-ia mais tarde? Não. Reconheceu os seus Apóstolos no martírio que sofreram por Ele, e fez-se reconhecer por eles no esplendor de que os cerca na Corte Celeste. Mas o Filho de Deus que assim se dignou recompor, em redor de si, a sua família por natureza e por adoção, não quereria recompor da mesma forma, no Paraíso, esta cristã e religiosa família, que é a vossa e também a sua? Quer, sim, e o Céu oferecerá um espetáculo não menos tocante do que admirável. Assim como a primeira pessoa da Augustíssima Trindade, dirigindo-se à segunda, lhe diz: 'Tu és meu Filho, eu hoje te gerei' (At 13, 33); e a segunda diz à primeira, com o acento da piedade filial: 'Meu Pai, Pai justo, Pai santo, guarda aqueles que me foram dados em teu nome para que sejam um, como nós somos um, vós em mim e eu neles' (Jo 17, 11, 22-25): assim também uma criatura humana se voltará para outra e lhe dirá com ternura: 'Meu filho, minha filha!' E do coração desta subirá para aquela, esta exclamação de amor: 'Meu Pai!' Assim como o único Filho de Deus se regozija de poder dizer a uma mulher: 'Vós sois minha Mãe'; também inumeráveis escolhidos exultarão de alegria dizendo igualmente a uma mulher: 'Minha mãe!'

Ora, se fosse verdade que os membros da mesma família se não reconhecessem no Céu, Jesus não reconheceria já sua Mãe nem seria reconhecido por ela. Não será horrível pensar nisto e muito mais dizê-lo? Um piedoso autor estava por certo mais bem inspirado, quando escrevia: 'A Santíssima Virgem conserva intacta a sua autoridade maternal sobre o corpo do seu Filho, Nosso Senhor, mesmo depois da Ressurreição e Ascensão; porque o seu direito é perpétuo e inalienável. Depois de se ter deleitado, durante a sua vida mortal, na submissão a Maria, Jesus compraz-se ainda em mostrar-se seu filho na bem-aventurada imortalidade, e em reconhecê-la por sua Mãe. Temos a prova disto nessas numerosas aparições, em que ele se tem feito ver sob a forma de um menino entre os braços de sua Mãe, e se tem mesmo dado a alguns santos por suas virginais mãos. Na glória, os parentes conservam um contínuo cuidado de seus próximos, e particularmente dos filhos, que são uma parte deles mesmos, e por assim dizer, outros eles. É, pois, indubitável que a Mãe de Jesus tem sempre o pensamento unido a tudo o que toca ao corpo do seu querido Filho, tanto na obscuridade do Sacramento como nos esplendores da glória. Segue-o, do alto do Céu, com a vista e com o coração em todos os lugares em que se encontra presente na terra, pela consagração eucarística'. 

A eterna duração desta maternal ternura e desta filial piedade explica e justifica o belo titulo de Nossa Senhora do Sagrado Coração, dado a Maria pelos nossos contemporâneos. 'Tomando a natureza humana', disse o sr. Bispo de Rodes, 'o Verbo Divino apropriou-se de todos os elementos que a compõem, no estado de perfeição a que a elevou a união hipostática – Debuit per omnia fratribus similiari (Heb 2, 17). Nosso Senhor possui no mais alto grau o sentimento do amor filial, um dos mais nobres do coração humano, e longe de se despojar dele depois da ressurreição e da sua gloriosa ascensão, tê-lo-ia dilatado, fortificado e elevado no seu mais sublime poder, se fora permitido dizê-lo, no seu estado de bem-aventurada transfiguração, em que está assentado à direita de seu Pai. Daqui é fácil de concluir que a augusta Virgem Maria possui sobre o seu divino Coração um soberano poder, de que ela é verdadeiramente a Senhora ou a Rainha'.

(Excertos da obra 'No Céu nos reconheceremos', do Pe. F. Blot, 1890)

domingo, 8 de fevereiro de 2015

SOFRIMENTO, APOSTOLADO E ORAÇÃO

Páginas do Evangelho - Quinto Domingo do Tempo Comum


No Evangelho deste Quinto Domingo do Tempo Comum, Jesus manifesta aos homens três grandes pilares da fé cristã: o sofrimento, o apostolado e a oração. Todos eles estão intrinsecamente associados, todos eles são essenciais no plano salvífico do Pai: a saúde do corpo e da alma (cura) implica o apostolado (a necessidade de servir ao outro) e a força de ambos emana e se alimenta da oração, fruto da intimidade do homem com si mesmo e diante de Deus.

Jesus, assim que chegou à casa de André e Simão, sanou de imediato a febre alta que prostrava na cama a sogra de Pedro. Na febre desta mulher, estão representados todos os males físicos e e espirituais da humanidade, que constituem os sofrimentos e as tentações inevitáveis à condição humana e que somente podem ser curados em nome do Senhor. Naquele dia exaustivo, 'Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios' (Mc 1, 34).

'Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los' (Mc 1, 31). A alma, consolada em Deus sente, então, o impulso imperativo de praticar o bem, de acolher e de servir. O homem incensado por Deus tem alma de apóstolo e sua ação se transforma em missão: levar o Evangelho aos que o cercam e levar a todos ao Senhor da Vida. Jesus demonstra isso, ainda no início de sua pregação pública, indo a todos os lugares e andando por toda a Galileia, para proclamar a Boa Nova: 'Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim' (Mc 1, 38). A semente deve ser lançada pela terra inteira, e dará fruto ou não, se for ou não for aceita, se for ou não acolhida.

A saúde do corpo e da alma e a vocação para o apostolado emanam da oração nascida da sincera entrega do homem diante de sua consciência, na intimidade com Deus. Os Evangelhos descrevem muitas situações em que Jesus está em oração em um lugar retirado, como esta de hoje: 'De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto' (Mc 1, 35). Nestes momentos de profunda meditação, Jesus vai buscar consolo e alento no diálogo amoroso com o Pai e nos revela, com soberana clareza, que a superação de todos os nossos sofrimentos e mazelas, de corpo e de alma, tem como única fonte e remédio a oração profunda com Deus nos mistérios da graça. 

Ver os comentários de todos os evangelhos deste ano (Ano C) no link 'Páginas do Evangelho (2015)', na Biblioteca Digital do SENDARIUM.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

BREVIÁRIO DIGITAL - CATECISMO ILUSTRADO DE 1910 (X)





(Catecismo Ilustrado de 1910, parte X)

PRIMEIRO SÁBADO DE FEVEREIRO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem*, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
* Com base em aparições posteriores, esclareceu-se que a confissão poderia não se realizar no sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A BÍBLIA EXPLICADA (XIII)


(Mc 15, 1 - 15):

Logo pela manhã se reuniram os sumos sacerdotes com os anciãos, os escribas e com todo o conselho. E tendo amarrado Jesus, levaram-no e entregaram-no a Pilatos. Este lhe perguntou: 'És tu o rei dos judeus?' Ele lhe respondeu: 'Sim'. Os sumos sacerdotes acusavam-no de muitas coisas. Pilatos perguntou-lhe outra vez: 'Nada respondes? Vê de quantos delitos te acusam!'

Mas Jesus nada mais respondeu, de modo que Pilatos ficou admirado. Ora, costumava ele soltar-lhes em cada festa qualquer dos presos que pedissem. Havia na prisão um, chamado Barrabás, que fora preso com seus cúmplices, o qual na sedição perpetrara um homicídio. O povo que tinha subido começou a pedir-lhe aquilo que sempre lhes costumava conceder.

Pilatos respondeu-lhes: 'Quereis que vos solte o rei dos judeus?' (Porque sabia que os sumos sacerdotes o haviam entregue por inveja.) Mas os pontífices instigaram o povo para que pedissem de preferência que lhes soltasse Barrabás. Pilatos falou-lhes outra vez: 'E que quereis que eu faça daquele a quem chamais o rei dos judeus?' Eles tornaram a gritar: 'Crucifica-o!' Pilatos replicou: 'Mas que mal fez ele?' Eles clamavam mais ainda: 'Crucifica-o!' Querendo Pilatos satisfazer o povo, soltou-lhes Barrabás e entregou Jesus, depois de açoitado, para que fosse crucificado.

Barrabás significa literalmente 'filho do pai' (bar significa 'filho de' e abba significa 'pai'). Diante da escolha proposta por Pilatos, o povo judeu optou pela libertação do 'filho do pai' gerado nas hostes do mal, um ladrão e um assassino, e condenou à morte, e morte de cruz, o verdadeiro 'Filho do Pai', o próprio Filho do Deus Vivo, nascido e sacrificado como vítima inocente para a salvação dos homens. Esta escolha incisiva pelo falso 'filho do pai', em um momento crucial, impactou para sempre a história do povo judeu e de toda a humanidade.