Para atingir o estado sublime de união com Deus, é indispensável à alma atravessar a noite escura da mortificação dos apetites, e da renúncia a todos os prazeres deste mundo. As afeições às criaturas são diante de Deus como profundas trevas, de tal modo que a alma, quando aí fica mergulhada, torna-se incapaz de ser iluminada e revestida da pura e singela claridade divina. A luz é incompatível com as trevas, como no-lo afirma São João ao dizer que as trevas não puderam compreender a luz (Jo 1, 5).
A alma enamorada das grandezas e dignidades ou muito ciosa da liberdade de seus apetites está diante de Deus como escrava e prisioneira e como tal — e não como filha — é tratada por Ele, porque não quis seguir os preceitos de sua doutrina sagrada que nos ensina: 'Quem quer ser o maior deve fazer-se o menor, e o que quiser ser o menor seja o maior'. A alma não poderá, portanto, chegar à verdadeira liberdade de espírito que se alcança na união divina; porque sendo a escravidão incompatível com a liberdade, não pode esta permanecer num coração de escravo, sujeito a seus próprios caprichos; mas somente no que é livre, isto é, num coração de filho. Neste sentido Sara diz a Abraão, seu esposo, que expulse de casa a escrava e seu filho: 'Expulsa esta escrava e seu filho, porque o filho da escrava não será herdeiro com meu filho Isaac' (Gn 21, 10).
Todas as delícias e doçuras que a vontade saboreia nas coisas terrenas, comparadas aos gozos e às delícias da união divina, são suma aflição, tormento e amargura. Assim todo aquele que prende o coração aos prazeres terrenos é digno diante do Senhor de suma pena, tormento e amargura, e jamais poderá gozar os suaves abraços da união de Deus. Toda a glória e todas as riquezas das criaturas, comparadas à infinita riqueza que é Deus, são suma pobreza e miséria. Logo a alma afeiçoada à posse das coisas terrenas é profundamente pobre e miserável aos olhos do Senhor, e por isto jamais alcançará o bem-aventurado estado da glória e riqueza, isto é, a transformação em Deus; porque há infinita distância entre o pobre e indigente, e o sumamente rico e glorioso.
A Sabedoria divina, ao se queixar das almas que caem na vileza, miséria e pobreza, em consequência da afeição que dedicam ao que é elevado, grande e belo segundo a apreciação do mundo, fala assim nos Provérbios: 'A vós, ó homens, é que eu estou continuamente clamando, aos filhos dos homens é que se dirige a minha voz. Aprendei, ó pequeninos, a astúcia e vós, insensatos, prestai-me atenção. Ouvi, porque tenho de vos falar acerca de grandes coisas. Comigo estão as riquezas e a glória, a magnífica opulência, e a justiça. Porque é melhor o meu fruto que o ouro e que a pedra preciosa, e as minhas produções melhores que a prata escolhida. Eu ando nos caminhos da justiça, no meio das veredas do juízo, para enriquecer aos que me amam e para encher os seus tesouros' (Pv 8, 4-6.18-21).
A divina sabedoria se dirige aqui a todos os que põem o coração e a afeição nas criaturas. Chama-os de 'pequeninos' porque se tornam semelhantes ao objeto de seu amor, que é pequeno. Convida-os a ter prudência e a observar que ela trata de grandes coisas e não de pequenas como eles. Com ela e nela se encontram a glória e as verdadeiras riquezas desejadas, e não onde eles supõem. A magnificência e justiça lhe são inerentes; e exorta os homens a refletir sobre a superioridade de seus bens em relação aos do mundo. Ensina-lhes que o fruto nela encontrado é preferível ao ouro e às pedras preciosas; afinal, mostra que sua obra na alma está acima da prata mais pura que eles amam. Nestas palavras se compreende todo gênero de apego existente nesta vida.
(Excertos da obra 'Subida do Monte Castelo', de São João da Cruz)