quinta-feira, 7 de agosto de 2025

TESOURO DE EXEMPLOS II (27/30)

 

27. VINDE E VEDE

Este fato passou-se em Milão, na Itália. Alguns estudantes riam-se de um de seus colegas que acabara de comungar na igreja de Santo Ambrósio. Diziam que aquilo nao passava de uma superstição, de um costume tolo de velhas e camponeses ignorantes.

O moço católico, sem se zangar, convidou os colegas a comparecerem no domingo seguinte na igreja de Santo Ambrósio, pois poderiam assistir a um fato muito raro, isto é, à comunhão de dois famosíssimos ignorantes. 

Chegados à igreja, o moço católico apontou para os bancos da frente e disse: 
➖ Estão vendo lá ajoelhados aqueles dois velhinhos?
➖ Sim; quem são? - perguntaram os outros. 
Aproximai-vos deles para reconheçê-los e perguntai-lhes se a missa vai começar logo. 

Os estudantes aproximaram-se dos dois velhos, que rezavam devotamente, e fizeram-lhes a pergunta. Ficaram, porém, mudos e estupefatos. Aqueles dois velhos, que acabavam de comungar, eram Alexandre Manzoni e César Cantu, dois grandes sábios.

28. DUAS PEQUENAS HEROÍNAS

Este fato é contado por um missionário que estava visitando as numerosas ilhas da sua missão na Oceania. Visitada e evangelizada uma ilha, tinha de partir para outra. A despedida era sempre dolorosa porque sabia que, por muito tempo, não poderia voltar e nem rever os seus caros filhos. 

Numa dessas excursões, deu a primeira Comunhão a duas meninas, que se tinham preparado com grande fervor e que a custo se separariam do bom missionário. O que mais as afligia era o pensamento de que, por muito tempo, não poderiam mais comungar. nem ouvir a palavra do missionário. Uma tarde, desejosas de receber em seus coraçõezinhos o Hóspede Divino, conceberam um projeto perigosíssimo e logo o puseram em prática. Entraram em sua barquinha de pesca e, encomendando-se à boa Mãe de Jesus, começaram a remar com força, esperando chegar de manhã, para a missa, até a ilha em que se encontrava o missionário. 

Aquela noite foi de vento impetuoso, as ondas estavam furiosas e a distância até a ilha era de quinze milhas! Quando arribaram à suspirada ilha, estavam ofegantes, assustadas e num estado que causava dó. Correram à igrejinha improvisada, onde o missionário celebrava o Santo Sacrifício e tomaram parte no banquete dos anjos. Com lágrimas nos olhos, o sacerdote deu a hóstia divina àquelas duas heroínas, bendizendo a Deus por lhe ter reservado tamanha consolação. No dia seguinte, viajando em sua barquinha toda enfeitada de folhagens e flores, as duas meninas chegaram à sua ilhazinha natal, acompanhada de muitas outras embarcações.

29. MUITO BEM, CARO PRÍNCIPE!

Certo dia, estavam à mesa de Frederico, o Grande, numerosos convidados. A conversa versava sobre Jesus Cristo. O rei, cada vez que pronunciava esse nome, acrescentava uma blasfêmia. 

O príncipe Carlos de Hesse, neto de Jorge II da Inglaterra, que estava presente, baixou os olhos e permaneceu silencioso. Quando o rei percebeu isso, interpelou-o com vivacidade: 
➖ Diga-me, meu caro príncipe, você acredita nessas coisas?
➖ Majestade - replicou o príncipe - estou certo de que Jesus Cristo morreu na cruz como meu Salvador, como estou certo de falar neste momento com Vossa Majestade. 

O rei ficou algum tempo absorto em seus pensamentos e depois, abraçando a Carlos, lhe disse:
➖ Muito bem, caro príncipe, você é o primeiro homem inteligente que encontrei nessa ilusão.
➖ Majestade - respondeu o príncipe - mesmo que seja eu o último, morrerei feliz nesta minha crença inabalável!

O resto da refeição decorreu em silêncio. À noite, quando Carlos de Hesse passava por um corredor do castelo, o general Tanenzien, o homem mais corpulento e musculoso do seu tempo, pôs as mãos sobre os seus ombros e, cobrindo-se de lágrimas, exclamou:
➖Bendito seja Deus que me deu vida bastante para ver um homem de coração confessar o Cristo perante o rei. 

Carlos de Hesse, que narrou essa passagem, acrescentou: as lágrimas e as felicitações daquele nobre ancião recordam-me um dos mais belos instantes de minha vida. Ó se todos tivessem a fé e a intrepidez desse principe! 

30. A CAÇA DO PARAÍSO

O eremita Santo Macedônio foi um dia surpreendido, na sua solidão, por um príncipe que, com um séquito numeroso, andava caçando na floresta vizinha.
➖ Que fazeis aqui nesta solidão, neste deserto? - perguntou o príncipe ao eremita.
➖ Permiti-me - replicou o eremita - que vos pergunte primeiro: que fazeis vós aqui?
➖ Como vedes, eu vim à caça.
➖ E eu também - disse o eremita - eu também vim à caça. O que eu procuro, porém, é um bem eterno: ando à caça do Paraíso. 

O príncipe despediu-se e partiu, meditando seriamente naquelas estranhas palavras do santo eremita: 'ando à caça do Paraíso!'

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos' - Volume II, do Pe. Francisco Alves, 1960; com adaptações)

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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

JESUS É A PONTE PARA O CÉU

Por não estar em mim, o pecado não merece amor. Quem o faz, ofende toda criação e me odeia. O homem tem obrigações de me querer bem. Sou imensamente bom, dei-lhe o ser, numa chama de caridade. Todavia, os maus fogem de mim. Mas, por justiça ou misericórdia, ninguém escapa das minhas mãos.

Eis o meu plano: criar o homem à minha imagem e semelhança para que alcançasse a vida eterna, participasse do meu Ser, experimentasse a minha suma, eterna e doce bondade. O pecado veio impedir-lhe de atingir essa meta. O homem deixava de realizar o meu plano, pois a culpa lhe fechara o Céu e a porta da minha misericórdia. O pecado fez germinar na humanidade espinhos e sofrimentos, tribulações numerosas, rebelião interna.

Ao revoltar-se contra mim, o homem criou a rebelião dentro de si. Em conseqüência da perda do estado de inocência, a carne se revoltou contra o espírito. Imediatamente brotou um rio tempestuoso, cujas ondas continuam a açoitar a humanidade. São as misérias e males provenientes do próprio homem, do demônio e do mundo. Nele todos se afogavam; ninguém mais, graças a virtudes pessoais, atingia a vida eterna. Para remediar tantos males, construí a ponte no Meu Filho, que permitiria a travessia do rio sem perigo de afogar-se. O rio é o tempestuoso mar desta tenebrosa vida.

Quero que contemples a ponte que é o meu Filho, que vejas sua grandiosidade. Ela se estende do céu à terra, pois nela a terra da vossa natureza humana está unida à divindade sublime, graças à encarnação que realizei no homem. Todos vós deveis passar por esta ponte, louvando-me através do trabalho pela salvação dos homens e tolerando muitas dificuldades, a exemplo do meu doce e amoroso Verbo Encarnado. Não há outro modo de chegar até mim.

Dizia o Meu Filho: 'Eu sou a videira verdadeira e vós os ramos; Meu Pai é o agricultor' (Jo 15,5). Sim, Eu sou o agricultor, de mim se originam todos os seres. Tenho um poder incalculável, pelo qual governo o universo; nada me escapa. Fui eu o agricultor que plantou a verdadeira vinha, Cristo, no chão da humanidade, para que vós, unidos a Ele, possais frutificar. Quem não produzir ações santas e boas, será cortado da videira; e secará. Separado, perderá a vida da graça e irá para o fogo eterno.

Sabes que os mandamentos da Lei se reduzem a dois sem eles, nenhum outro é observado. São eles: amar-me sobre todas as coisas e amar o próximo como a ti mesmo. Eis o começo, o meio e o fim dos mandamentos da lei.  Todavia esses dois não se reúnem em mim sem os três, ou seja, sem a unificação das três faculdades da alma:  memória, inteligência e vontade. A memória há de recordar-se dos meus beneficios e da minha bondade; a inteligência pensará no amor inefável revelado em Cristo, pois Ele se oferece como objeto de reflexão, para manifestar a chama do meu amor; a vontade, unindo-se às faculdades anteriores, me amará e desejará como seu fim.

O coração humano, ao ser atraído pelo amor, leva consigo todas as faculdades da alma: Quando são harmonizadas e reunidas tais faculdades, todas as ações humanas - corporais ou espirituais - ficam-me agradáveis, pois unem-se a mim na caridade. Foi exatamente para isso que meu Filho se elevou na cruz, trilhando o caminho do amor cruciante. Ao dizer, 'Quando Eu for elevado, atrairei a mim todas as coisas', ele queria significar: quando o coração humano e as faculdades forem atraídas, todas as demais faculdades e suas ações também o serão.

Ninguém pode vir a mim, senão por meio de Cristo. Esta a razão pela qual fiz d'Ele uma ponte de três degraus. Esses três degraus representam os três estados espirituais do homem. O pavimento desta ponte é feito de pedras, a fim de que a chuva (da justiça divina) não retenha o caminhante. As pedras são as virtudes verdadeiras e reais. Antes da Paixão do meu Filho, elas ainda não tinham sido assentadas, motivo pelo qual os antigos não atingiam o céu, mesmo que vivessem piedosamente. O Paraíso ainda não fora aberto com a chave do Sangue e a chuva da justiça divina impedia a caminhada.

Quando aquelas pedras foram assentadas no Corpo do Meu Filho - por mim comparado a uma ponte - foram embebidas, amalgamadas e assentadas com sangue. Em outras palavras: o sangue (humano) foi misturado com a cal da divindade e fortemente queimado no calor da caridade. Tais pedras foram postas em Cristo por mim, mas é n'Ele que toda virtude é comprovada e vivificada. Fora de Jesus ninguém possui a vida da graça. Ocorre estar n'Ele, trilhar suas estradas, viver a sua mensagem. Somente Ele faz crescer as virtudes, somente Ele as constrói como pedras vivas, cimentando-as com o próprio Sangue. Nele, todos os fiéis caminham na liberdade, sem o medo da justiça divina, pois vão cobertos pela misericórdia, descida do céu no dia da encarnação. 

Foi a chave do Sangue de Cristo que abriu o céu. Portanto, esta ponte é ladrilhada; e seu telhado é a misericórdia. Possui também uma despensa, constituída pela hierarquia da Santa Igreja, que conserva e distribui o Pão da Vida e o Sangue. Assim, as minhas criaturas, viandantes e peregrinas, não fraquejam de cansaço na viagem. Para isto ordenei que vos fosse dado o Corpo e o Sangue do Meu Filho, Homem Deus.

Disse Jesus: 'Eu sou o caminho, a verdade, e a vida; quem vai por mim não caminha nas trevas, mas na luz' (Jo, 8,12). Quem vai por tal caminho é filho da verdade, atravessa a ponte e chega até mim, verdade eterna, oceano de paz. Quem não trilha esse caminho, vai pela estrada inferior, no rio do pecado. É uma estrada sem pedras, feita somente de água, inconsistente; por sobre ela ninguém vai sem afundar. É o caminho dos prazeres e das altas posições, daqueles cujo amor não repousa em mim e nas virtudes, mas no apego desordenado ao que é humano e passageiro. Tais pessoas são como a água sempre a escorrer. À semelhança daquelas realidades, vão passando.

Com o retorno de Meu Filho ao céu, enviei o Mestre, o Espírito Santo. Ele veio no meu poder, na sabedoria do Filho, e na própria clemência. É uma só coisa comigo e o Filho. Por sua vinda, fortaleceu o caminho - mensagem deixado no mundo por Jesus. O Espírito Santo é qual mãe a nutrir no Divino Amor. Ele liberta o homem, torna-o dono de si, isento da escravidão e do egoísmo. A chama da minha caridade (o Espírito Santo) não sobrevive junto ao egoísmo. Assim, todos os homens, recebem luzes para conhecer a verdade. Basta que cada um o queira, que não destrua a luz da razão, pelo egoísmo desordenado.

A mensagem de Jesus é verdadeira e ficou no mundo qual pequena barca para retirar os pecadores do rio do pecado e conduzi-os ao porto da salvação. Primeiro, coloquei o meu Filho como ponte - pessoa, a conviver com os homens; após a sua morte, ficou a ponte - mensagem, possuindoo meu poder, a sabedoria do Filho e o amor do Espírito. O poder fortifica os caminhantes, a sabedoria ilumina e ajuda a reconhecer a Verdade, o Espírito Santo infunde o amor que aperfeiçoa, que destrói o egoísmo e conserva no homem o apego ao bem.

O Verbo encarnado, meu Filho único e ponte de glória, deu aos homens vida e grandeza. Eram escravos do demônio e Ele os libertou. Para que cumprisse tal missão, tornei-o servo; para cobrir a desobediência de Adão exigi que obedecesse; para confundir o orgulho, humilhou-se até a morte na cruz. Por sua morte, destruiu o pecado. No intuito de livrar a humanidade da morte eterna, fez do seu Corpo uma bigorna. No entanto os pecadores desprezam p seu Sangue, pisoteiam-no com um amor desordenado. Esta é a injustiça, este o julgamento falso a respeito do qual o mundo é e será repreendido até o dia do juízo final. Tal repreensão começou quando enviei o Espírito Santo sobre os apóstolos. São três estas repreensões: a voz da Igreja, o Juízo Particular e o Juízo Final.

(Excertos do Livro 'Revelações de Santa Catarina de Sena')

terça-feira, 5 de agosto de 2025

PALAVRAS ETERNAS (XXIII)

  

'Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, não entrareis no reino dos céus'

(Mt 18,3)

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

04 DE AGOSTO - SÃO JOÃO MARIA VIANNEY (CURA D'ARS)

   

A mais difícil, extraordinária e espantosa obra 
feita pelo Cura d’Ars foi a sua própria vida

Existem vidas extraordinárias entre os santos da Igreja. Mas poucas delas foram tão cingidas pela pequenez, pela humildade e pelo aniquilamento interior como a do pobre cura de Ars, São João Batista Maria Vianney (nascido em 08 de maio de 1786, em Dardilly, na França). Ordenado sacerdote em 1815, aquele que teria o dom extraordinário de ler consciências foi proibido inicialmente de atender confissões, 'porque não teria capacidade para guiar consciências'. Três anos depois, aceitou ser o vigário do minúsculo povoado de Ars, situado ao norte de Lyon, na época com pouco mais de 200 habitantes e nenhuma prática religiosa. Ali chegou em fevereiro de 1818, ali construiu uma santidade ímpar entre os padres da Igreja, ali se tornou um santuário de peregrinação de toda a Europa. Ali viveu incansavelmente a fadiga das confissões intermináveis (geralmente 17 horas diárias), da oração constante, da devoção incondicional à pequenez e à pobreza, até a sua morte, em 04 de agosto de 1859, aos 73 anos de idade. 

São João Batista Vianney foi canonizado em 1925 pelo Papa Pio XI e seu corpo incorrupto encontra-se depositado na igreja da paróquia de Ars. Foi proclamado Padroeiro dos Sacerdotes e no dia de sua morte, 4 de agosto, celebra-se o Dia do Padre

'Nós devemos nutrir um grande amor por todos os homens, pelos bons e pelos maus. Quem tem o amor não pode querer que alguém faça o mal, 
porque o amor perdoa tudo'

Corpo Incorrupto do Santo em Ars

Conta-se que, indo em direção a ArsSão João Batista Vianney perguntou a um menino a direção a seguir para se chegar ao povoado. Diante da orientação recebida, o santo respondeu a ele: 'já que você me ensinou o caminho para Ars, eu lhe ensinarei o caminho para o céu'. Que, no dia de hoje, os sacerdotes de Cristo reflitam sobre esta mensagem do Cura D'Ars e assumam incondicionalmente esse caminho de vida religiosa para a salvação de muitos homens.

OS PAPAS DA IGREJA (XXVI)

 


Nesta sequência, tem-se um registro claro da fragilidade humana na história do papado: Inocêncio IV tornou-se papa após quase dois anos de vacância da Santa Sé, enquanto Celestino IV teve apenas 16 dias de pontificado.

domingo, 3 de agosto de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós'
(Sl 89)

Primeira Leitura (Ecl 1,2.2,21-23) - Segunda Leitura (Cl 3,1-5.9-11) -  Evangelho (Lc 12,13-21)

  03/08/2025 - DÉCIMO OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM

A VERDADEIRA RIQUEZA ESTÁ EM DEUS


'Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo' (Lc 12,13). Alguém, no meio da multidão, fez este pedido a Jesus. Um pedido movido por razões absolutamente terrenas e dirigido a alguém que era julgado apenas na dimensão da sabedoria humana. Um apelo, potencialmente justo, afeto às demandas de um juiz dotado de isenção e discernimento, bastava ao postulante. Mas, diante dele, estava Deus entre os homens e não um mero sábio das contendas humanas. Àquele homem, Jesus destinou então um ensinamento muito mais profundo, muito além da busca desenfreada da aquisição de bens materiais, mas centrado num caminho de heranças eternas.

É preciso primeiro buscar as coisas do Alto. Os legítimos interesses humanos devem ser pautados pelo equilíbrio e pela moderação, para não ser instrumentos de afeições desmedidas e descontroladas, sementes de ganância. Jesus é enfático neste conselho: 'Tomai cuidado contra todo tipo de ganância' (Lc 12, 15). A abundância de bens é uma fonte de preocupações contínuas e a soberba do possuir é mera vaidade: 'Tudo é vaidade' como diz o Livro do Eclesiastes (Ecl 1,2).

Para ilustrar a insensatez do homem que busca acumular tesouros na terra, Jesus apresenta, então, a parábola do homem rico. Entusiasmado por uma farta colheita, planeja em detalhes multiplicar sua riqueza com a construção de celeiros muito maiores, armazenar grandes quantidades de trigo, viver uma vida de gozo e tranquilidade. Mas, tolo entre tolos, não cuida que seus dias estão contados e não terá usufruto algum de tanta riqueza acumulada: 'Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo' (Lc 12, 21). A ganância de querer sempre mais e a ânsia de ser ainda mais rico aviltam a legitimidade do bem possuído aos domínios da cobiça mórbida.

Deus não tem lugar no coração abrasado de poder de tal homem porque o nosso coração permanecerá inquieto enquanto não repousar em Deus. A paz interior nasce da partilha, no ato de compartilhar os bens e os dons disponíveis com todos. Dispor o que se recebe, repartir o que se tem: eis a regra de ouro para se almejar as heranças eternas e acumular tesouros nos Céus. A verdadeira riqueza é aquela que se guarda no Coração de Deus.

sábado, 2 de agosto de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XXVII)

  

124. A humildade do afeto consiste em reconhecer que somos mais miseráveis do que qualquer outra pessoa e em amar ser considerado assim pelos outros. Ser vil e abjeto aos nossos próprios olhos, através do conhecimento que temos de nós mesmos, é a humildade da necessidade, à qual somos compelidos pela verdade óbvia disso; mas ter um desejo sincero de ser considerado vil e abjeto pelos outros, isso é a verdadeira e virtuosa humildade do coração. 'Isso é por necessidade, isso é por vontade' - diz São Bernardo, e acrescenta: 'Temo que, sob alguns aspectos, aquele que a verdade humilha, a vontade exalta' [Serm. 42 in Cant.] Cuidado para que, ao não se estimar a si mesmo, você ainda tenha o desejo de ser estimado pelos outros. Isso seria amar algo que não existe, amar uma mentira.

Quão longe você está dessa humildade de afeto! Como você teme que alguma de suas faltas seja revelada e quantas desculpas e justificativas você inventa para que essa imputação de uma falta que você realmente cometeu não diminua a estima que os outros têm por você. Para ser mais estimado, você tenta mostrar sua habilidade e talento, e se você tem pouca habilidade e pouco talento, quantas vezes você finge ter mais, na esperança de ser ainda mais estimado! E como, longe de amar a humildade, você tem tanto desejo de ganhar a estima dos outros, você pertence verdadeiramente àqueles filhos orgulhosos de Adão, dos quais o Profeta clamou: 'até quando tereis o coração endurecido, no amor das vaidades e na busca da mentira?' [Sl 4,3]. Confesse a verdade à sua própria consciência, que você tem mais orgulho do que humildade e que ama mais a vaidade do que a verdade.

125. É essa humildade de afeto, essa humildade de coração que nos ensinou Jesus Cristo, que nos torna como crianças pequenas e nos permite entrar no reino dos céus. Mas que vergonha para você se, ao examinar-se, descobrir que não tem nem mesmo a sombra dessa humildade! Se por acaso você ouvir que outros falaram mal de você e o difamaram, você não fica perturbado, inquieto, triste, descontente, angustiado? Como você se ressente quando pensa que alguém lhe fez injustiça ou não o tratou com o devido respeito! Você é desconfiado, se ofende facilmente e é meticuloso com tudo o que diz respeito à sua honra e dignidade? Não estou falando agora da honra que se baseia na virtude, mas daquela honra desprezível que depende da opinião do mundo. Que valor você dá a essa honra? Você se ofende facilmente, considerando-se ferido por cada pequena palavra adversa, cada desprezo que recebe dos outros, ficando zangado e irritado, alimentando aversão e rancor, exigindo desculpas humildes e satisfação, e mostrando-se implacável e irreconciliável com eles: temendo perder sua dignidade, se consentisse em fazer as pazes como um bom cristão? Se for esse o caso, onde está sua humildade, seja de conhecimento ou de afeto, que é necessária para a sua salvação?

126. Para saber até que ponto lhe falta humildade, examine-se sob este ponto de vista. O homem humilde não só não se irrita com aqueles que o ofendem, mas os ama e retribui o mal com o bem. Sim, é verdade, porque ele os considera instrumentos da misericórdia e da justiça de Deus, e também está convencido de que seus pecados e ingratidão para com a Bondade Divina merecem um castigo muito pior. E você? O homem humilde, quando ouve que as pessoas estão falando mal dele, não se perturba, mas aprende silenciosamente a corrigir seus caminhos, mesmo que não tenha cometido as faltas das quais foi acusado. Ele não se lamenta, como se fosse perseguido: não diz que aqueles que falam assim dele são rivais malignos e invejosos; mas acredita que eles o conhecem melhor do que ele mesmo. Você faz isso?

O homem humilde, quando é repreendido, recebe a correção de bom grado e agradece àquele que teve a bondade e a gentileza de lhe dar. Ele não julga nem fala mal de ninguém, porque acredita que todos são melhores do que ele e porque sabe que é capaz de fazer coisas ainda piores. Ele vive em paz com todos e respeita a todos e, sem esperar ser honrado, é o primeiro a honrar os outros, como os santos apóstolos Pedro e Paulo ordenaram: 'vivei em paz com todos os homens' [Rm 12,18]; 'glória, honra e paz a todo o que faz o bem' [Rm 2,10] ou 'honrai e amai todos os homens' [1Pd 2,17]. E você... o que pode dizer de si mesmo?

Talvez imagine que estas coisas são pontos de perfeição; mas são pontos de humildade que, no que lhe diz respeito, podem ser preceitos. Quando se trata de humildade, não gostaria que imaginasse que só precisa de atingir o ponto que é absolutamente necessário para si, sem ir um milímetro além disso. Quando você diz a si mesmo: 'Não sou obrigado a fazer este ou aquele ato de humildade' pode ser que esteja cometendo um grande erro. Por mais que sua humildade exterior deva ser dirigida pela prudência, você certamente não pode dispensar a humildade interior do coração.

127. Se o homem humilde percebe que ofendeu ou prejudicou o próximo, imediatamente se humilha, pede desculpas e pede perdão, manifestando pesar pela ofensa que causou. O homem humilde sempre teme ser ditatorial quando se deixa levar pelo zelo e, por isso, age com muita circunspecção, exercendo seu zelo mais sobre si mesmo do que sobre os outros. Ele dá sua opinião com modéstia e a submete à dos outros sem obstinação. E você?

O homem humilde respeita e reverencia aqueles que estão acima dele e é gentil e cortês com os mais pobres entre os pobres; e nisso ele apenas segue o ensinamento do Pregador: 'Torna-te afável na assembleia dos pobres, humilha tua alma diante de um ancião' [Eclo 4,7]. É assim que você geralmente se comporta? O homem humilde não procura parecer humilde por afetação; pelo contrário, se sabe que os outros o consideram humilde, sente uma confusão dolorosa. Sua natureza é ser sincero, simples e direto. Ele tem uma postura humilde e também mantém humildes seus caprichos humanos e seu orgulho. Ele não é duro e altivo, mas gentil, reverente e obediente. E você?

Ah, tente perceber também o quanto você está atrasado na escola de Jesus Cristo! Ele veio para lhe ensinar uma única lição, a da humildade: 'Aprenda comigo, pois sou manso e humilde de coração'. E como você se beneficiou dessa lição até agora? Você responderá que muitas dessas práticas lhe parecem muito difíceis; mas diga a si mesmo: 'Os impuros acham difícil viver em castidade, os avarentos acham difícil dar esmolas e, da mesma forma, o homem orgulhoso acha difícil praticar a humildade'. Não é que a humildade seja difícil em si mesma, mas é o seu orgulho que a torna difícil, e podemos dizer com Eusébio: 'Vocês tornam pesado para vocês mesmos o jugo do Senhor' [Hom. de Machab.].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)