segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

TEXTOS ESSENCIAIS SOBRE FÁTIMA (I)

É uma fonte de admiração para alguns que a Virgem Maria tenha aparecido em um lugar remoto como Fátima, Portugal e tenha dedicado a sua atenção a três desconhecidas e analfabetas crianças camponesas portuguesas...

O Céu não raciocina como os homens. A Palestina era também uma remota e ampla parte desconhecida do mundo, mas o Filho de Deus quis nascer, sofrer uma morte terrível e ascender à glória lá. Na verdade, Palestina e Portugal são semelhantes em forma e tamanho. A parte de Portugal que Nossa Senhora agraciou também é semelhante à Palestina: árida, rochosa, difícil de cultivar, povoada por oliveiras e figueiras e com uma abundância de uvas.

A pequena cidade de Fátima diz-se que foi nomeada com o nome de uma princesa moura que foi capturada por soldados portugueses durante a Reconquista. Seu captor, Gonçalo Hermingues, trouxe Fátima ao rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, e pediu a sua mão em casamento. Rei Alfonso concedeu o seu pedido com a condição de que Fátima se convertesse ao Cristianismo. Fátima consentiu o casamento, converteu-se ao Cristianismo e foi batizada com o nome de Oureana. Alfonso deu ao casal um feliz e generoso presente de casamento: a cidade de Abdegas, que foi renomeada como Oureana em honra da noiva.

Não foi um casamento longo, pois Fátima morreu em idade jovem e Gonçalo, com o coração partido, juntou-se a uma abadia cisterciense nas proximidades e tornou-se monge. Anos mais tarde, Padre Gonçalo foi nomeado Superior de um mosteiro vizinho. A capela foi construída lá e foi onde Gonçalo enterrou os restos mortais de Oureana. Ele chamou o lugar de Fátima, e a capela, ao longo dos séculos, tornou-se a igreja paroquial de Fátima, onde Lúcia dos Santos e os seus primos Francisco e Jacinta Marto faziam sua adoração quando crianças.

Enquanto isso, o rei Alfonso foi reconquistando Portugal para o Cristianismo. Depois de muitos anos e reversões de sucessos, Alfonso expulsou os mouros de Portugal. Sua próxima batalha era conseguir independência política da Espanha, pois Afonso de Castela reivindicou Portugal como território espanhol. Alfonso de Portugal astutamente ofereceu seu reino à Igreja, declarou-se vassalo do Papa, e prometeu um tributo anual a Roma. O Papa Lúcio II aceitou a oferta de Alfonso, tendo Portugal sob sua proteção e reconhecendo-o como um país independente da Espanha. Uma sucessão de papas confirmaram o reinado de Alfonso. 

O primeiro rei de Portugal era um guerreiro e um político conhecido por sua vida solta. No entanto, Alfonso era um homem de fé, e um amigo de São Bernardo de Claraval, a quem Portugal pagava um tributo anual. Alfonso construiu o mais famoso mosteiro em Portugal em Alcobaça, e dedicou-o à Santíssima Virgem. Ele estabeleceu o mosteiro agostiniano de Santa Cruz de Coimbra, onde Santo Antônio de Lisboa (e Pádua) estudou antes de se tornar um franciscano. Igualmente importante, Alfonso colocou o país sob a proteção da Virgem Maria. Existe uma lenda em que durante muito tempo os reis de Portugal não usavam coroa, adiando suas realezas terrenas para a celestial Realeza de Maria.

Livre agora dos mouros e da Espanha, os sucessores de Alfonso, ocasionalmente procuraram a independência de Roma. Após algumas batalhas tempestuosas, Portugal permaneceu sob obediência ao Papa. Pode ter sido um alívio para todos quando os portugueses voltaram suas energias em direção ao mar e começaram o enérgico trabalho missionário ao redor do mundo. Apesar das dores do crescimento de uma nação jovem e violenta, as crianças portuguesas aprendiam em uma idade precoce a rezar suas contas (como as do Rosário).

Eles cresceram para serem líderes, como o Rei João que lutou contra os espanhóis em Aljubarrota na vigília da Assunção (ambos os exércitos entraram na batalha em jejum). Muitos afirmaram ter visto Nossa Senhora durante a batalha, que foi vencida pelos portugueses, mesmo eles estando em grande desvantagem numérica. Depois o Rei João ergueu no local da batalha a ‘Abadia da Batalha’ em honra a Nossa Senhora da Vitória. A pedido de João, o Papa Bonifácio IX declarou que todas as catedrais de Portugal fossem dedicadas em honra de Nossa Senhora. Este decreto foi lido em Lisboa, em 13 de maio, data da primeira aparição de Fátima. 

(Excertos da obra 'Irmã Lúcia: Apóstola do Imaculado Coração de Maria', de Mark Fellows, artigo traduzido e publicado originalmente pelo blog traditio catholicae)


VIRGO FATIMAE, ORA PRO NOBIS!

domingo, 1 de janeiro de 2017

MARIA - A MÃE DE DEUS!

Páginas do Evangelho - Solenidade da Santa Mãe de Deus


Sendo este domingo o primeiro dia do Ano Novo, é o domingo da solenidade de Maria como Mãe de Deus; o calendário dos santos é aberto com a solenidade da maternidade daquela que Deus escolheu para mãe do Verbo Encarnado: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre' (Lc 1,42). Todos os títulos e todas as grandezas de Maria dependem do dogma essencial de sua maternidade divina. Porque ainda neste dia, através da maternidade de Maria, nós bendizemos e cantamos os doces mistérios do Natal.

Aqui estamos diante a grandeza de Maria, a escolha humana mais bela de Deus! Nossa Senhora uniu em si toda a plenitude das virtudes humanas, em grau muito superior aos dos grandes Padres da Igreja. E, entre estes dons, incluíam-se a ciência e a sabedoria. Assim, além de possuir em altíssimo nível o domínio e o entendimento dos evangelhos e das profecias bíblicas, ela sabia, com sabedoria profunda, que todos os eventos que a cercavam eram a ratificação daquelas profecias e revelavam os mistérios insondáveis do Pai - desde a mensagem de São Gabriel até o nascimento do Salvador numa pobre gruta de Belém - e 'guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração' (Lc 2, 19).

Sim, Maria tem privilégios extraordinários e incontáveis títulos da mais alta devoção mas, diante dos mistérios da sua maternidade divina, todos eles se tornam quase irrelevantes. Eis aqui um portento das graças e dos supremos desígnios de Deus: associado irrevogavelmente ao plano da Encarnação do Verbo, está, como um amálgama precioso, o singularíssimo privilégio da maternidade divina de Nossa Senhora. E ambos, Mãe e Filho são, por expressa vontade do Pai, estão estreitamente unidos na obra da salvação 'a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva' (Gl 4, 5).

Os pastores foram as primeiras testemunhas destes mistérios que outorgaram a todos nós esta filiação divina, tornando-os os portadores pioneiros da Boa Nova: a chegada do Menino Deus entre os homens! Embebidos pela graça, iniciaram um apostolado de herdeiros da graça pois 'todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam' (Lc 2, 18). Pela obediência aos desígnios divinos, Maria possibilitou a Encarnação do Verbo. Diante o Menino-Deus, prostremo-nos então e O glorifiquemos, implorando que a plenitude das graças do Natal possa produzir em nós abundantes frutos de conversão e de apostolado.  

GLÓRIAS DE MARIA: MÃE DE DEUS E RAINHA DA PAZ

La Pietà (1498-1499) - Michelangelo Buonarroti

No primeiro dia do Ano Novo, a Igreja exalta Maria como Mãe de Deus; o calendário dos santos é aberto com a solenidade da maternidade daquela que Deus escolheu para mãe do Verbo Encarnado. Trata-se da primeira festa mariana proposta pela Igreja Ocidental, moldada sob as palavras eternas de Isabel: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre' (Lc 1,42). Todos os títulos e todas as grandezas de Maria dependem do dogma essencial de sua maternidade divina. Desde a Antiguidade, Maria é chamada 'Mãe de Deus', do grego 'Theotokos', título ratificado pelo Concílio de Éfeso, de 22 de junho de 431. Em 1968, o Papa Paulo VI dedicou o 1° dia do ano como Dia Mundial da Paz. Assim, Maria é louvada também neste dia como Rainha da Paz. 

São Cirilo de Alexandria (370-442), na homilia pronunciada no Concílio de Éfeso contra Nestório, que negava ser Maria Mãe de Deus:

'Contemplo esta assembléia de homens santos, alegres e exultantes que, convidados pela santa e sempre Virgem Maria e Mãe de Deus, prontamente acorreram para cá. Embora oprimido por uma grande tristeza, a vista dos santos padres aqui reunidos encheu-me de júbilo. Neste momento vão realizar-se entre nós aquelas doces palavras do salmista Davi: ‘Vede como é bom, como é suave os irmãos viverem juntos bem unidos!’ (Sl 132,1). Salve, ó mística e santa Trindade, que nos reunistes a todos nós nesta igreja de Santa Maria Mãe de Deus. Salve, ó Maria, Mãe de Deus, venerável tesouro do mundo inteiro, lâmpada inextinguível, coroa da virgindade, cetro da verdadeira doutrina, templo indestrutível, morada daquele que lugar algum pode conter, virgem e mãe, por meio de quem é proclamado bendito nos santos evangelhos ‘o que vem em nome do Senhor’ (Mt 21,9).

Salve, ó Maria, tu que trouxeste em teu sagrado seio virginal o Imenso e Incompreensível; por ti; é glorificada e adorada a Santíssima Trindade; por ti, se festeja e é adorada no universo a cruz preciosa; por ti, exultam os céus; por ti, se alegram os anjos e os arcanjos; por ti, são postos em fuga os demônios; por ti, cai do céu o diabo tentador; por ti, é elevada ao céu a criatura decaída; por ti, todo o gênero humano, sujeito à insensatez dos ídolos, chega ao conhecimento da verdade; por ti, o santo batismo purifica os que creem; por ti, recebemos o óleo da alegria; por ti, são fundadas igrejas em toda a terra; por ti, as nações são conduzidas à conversão. 

E que mais direi? Por Maria, o Filho Unigênito de Deus veio ‘iluminar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte’ (Lc 1,77); por ela, os profetas anunciaram as coisas futuras; por ela, os apóstolos proclamaram aos povos a salvação; por ela os mortos ressuscitam; por ela, reinam os reis em nome da Santíssima Trindade. Quem dentre os homens é capaz de celebrar dignamente a Maria, merecedora de todo louvor? Ela é mãe e virgem. Que coisa admirável! Este milagre me deixa extasiado. Quem jamais ouviu dizer que o construtor fosse impedido de habitar no templo que ele próprio construiu? Quem se humilhou tanto a ponto de escolher uma escrava para ser a sua própria mãe? Eis que tudo exulta de alegria! Reverenciemos e adoremos a divina Unidade, com santo temor veneremos a indivisível Trindade, ao celebrar com louvores a sempre Virgem Maria! Ela é o templo santo de Deus, que é seu Filho e esposo imaculado. A ele a glória pelos séculos dos séculos. Amém.'

sábado, 31 de dezembro de 2016

ORAÇÃO PARA O ÚLTIMO DIA DO ANO

Obrigado, Senhor,
pelo ano que termina,
porque estou aqui, junto Convosco e com minha família (com meus amigos),
vivendo a alegria de ter vivido um ano mais
em Vossa Santa Presença.

Obrigado, Senhor,
por mais um ano de vida,
por ter tido ainda este tempo para viver 
as santas alegrias do Natal e deste Ano Novo.
Por estar com pessoas que amo
e que compartilham comigo
a mesma fé e o sincero propósito
de viver o Evangelho a cada dia.

Obrigado, Senhor,
por tantas graças recebidas neste ano que passa;
eu Vos ofereço hoje o meu nada
e, dentro do meu nada, todo o meu amor humano possível,
como herança de Vossa Ressurreição.
No meio das luzes do mundo nesse dia de festa,
eu me recolho à sombra da Vossa Misericórdia;
e Vos honro e Vos dou glória nesse tempo
pelos tempos que estarei Convosco para sempre.

Obrigado, Senhor,
por estar aqui na Vossa Presença,
no tempo que conta mais um ano que se vai,
na gratidão da alma confiante
que aprendeu o caminho do Pai.
Das coisas boas que fiz, dou-Vos tudo,
porque as recebi de Vosso Santo Espírito.
E Vos suplico curar com Vosso Corpo e Sangue
as cicatrizes dos meus pecados.

Obrigado, Senhor,
pela caminhada diária com Maria, 
que nos ensina no cotidiano de nossa vidas
a ir ao Vosso encontro todos os dias.
Pelo meu Santo Anjo da Guarda,
pelos meus santos de devoção, 
pelo papa, e pela Vossa Igreja,
eu Vos agradeço, Senhor, e Vos louvo, 
neste último dia do ano.

Obrigado, Senhor,
pelo ano que termina.
Que eu não me lembre nesse tempo
das dores e sofrimentos que passei,
das tristezas e angústias que vivi:
que todo mal seja olvidado agora
na alegria de eu estar aqui Convosco,
e pela resignação à Santa Vontade de Deus.

E que nesta última hora do tempo que se vai,
do ano que chega ao fim:
mais uma vez, não seja eu que viva,
mas o Cristo que vive em mim.
Amém.


(Arcos de Pilares)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (XVII)


Isto aconteceu em N., um povoado ermo localizado no interior da Hungria, durante o segundo semestre de 1956. A doutrina comunista impunha um modelo ideológico de ensino e de doutrinação baseada na perseguição à fé cristã e na difamação e ridicularização da Igreja Católica. O regime ateu buscava disseminar por todo o país o seu programa de ensino ideológico como regra geral, baseado na negação de Deus e das verdades do Evangelho e no aniquilamento de todas e quaisquer práticas cristãs.  

Na paróquia de N., entretanto, o trabalho por fazer tenderia a ser especialmente duro. Aquela comunidade mantivera intactos os fundamentos da fé cristã por gerações e fazer desaparecer as raízes de sua fé e religiosidade não seria uma tarefa simples e imediata. Era preciso adotar estratégias especiais e inocular o veneno do ateísmo em doses crescentes e sistemáticas. E era preciso cortar o mal pela raiz, solapando a religiosidade na sua escala inicial: nas crianças, mediante um propósito firme e persuasivo: arrancar a fé da alma das crianças para formar mais tarde legiões de homens desprovidos de qualquer convívio com a ideia de Deus.

Não havia pessoa melhor do que G. para cumprir esta missão diabólica: ela era a professora-modelo do regime ateu vigente. E, cheia de honrarias e galanteios, G. foi deslocada para aquele lugar do interior da Hungria para servir de referência do poder e da força do regime ateu militante para a transformação da sociedade magiar em direção ao comunismo pleno. E, ainda mais cheia de galanteios e honrarias, tomou a frente da direção da escola local e tornou-se a professora da turma dos alunos do último ano.

E não perdeu tempo para disseminar os seus venenos e desvarios em doses crescentes, a cada aula, todos os dias. Da zombaria às blasfêmias, do deboche explícito aos argumentos inventados, das mentiras à negação absoluta de quaisquer valores cristãos, a professora se impôs como um flagelo e uma bruxa demente na frente das crianças. Mas encontrou resistência. Não firmou trincheiras na consciência dos pequenos. Não intimidou as crianças pelo medo e pelas ameaças veladas. Não obscureceu a luz do dia com as trevas de sua alma vulgar.

O velho pároco da comunidade as sustentava na fé, fora dos horários da escola; ensinava-lhes os exemplos e as obras dos grandes santos e mártires da Igreja, os valores extraordinários do Evangelho, os tesouros incomensuráveis da verdadeira fé cristã. Ensinava-lhes uma, dez, cem vezes: Deus não se interessa por almas almas tíbias e acovardadas; era preciso não esmorecerem nunca para não se tornarem vassalos do exército ateu, mas perseverarem na fé cristã para serem sempre os soldados de Cristo. As crianças aprendiam muito melhor as lições do velho pároco. E, ninguém mais do que A. se alistou nesta grande resistência: a menina tornou-se rapidamente a cabeça do pequeno exército de Cristo na região erma de N. 

Os ataques aumentaram de intensidade e vigor; as ameaças se tornaram frequentes, o medo se impôs como alternativa natural. O velho pároco foi preso e mantido incomunicável, as aulas foram aumentadas, reuniões e ajuntamentos foram proibidos. O sistema fazia valer a sua teia de infâmias e perseguições. Mas G. não avançava em nada, o silêncio das crianças a atormentava, a indiferença delas diante de suas constantes ameaças a desnorteavam; seu relatório semestral ao partido não registrou nenhum ganho palpável e apenas alardeava um projeto de ineficiência crônica. E o seu ódio por A. tornou-se compulsivo e mórbido.

Em meados de dezembro, ela chegou ao paroxismo de suas intenções: algumas crianças, lideradas por A., a tinham desafiado a limites extremos: G. as ouvira entoar baixinho, durante um intervalo das aulas, uma canção que falava de Natal e do Menino Jesus! Na sala dos professores tomando o seu chá, G. ficou lívida como um cadáver e espumando de raiva feito um zumbi. O refrão da cantiga vibrava e ressoava dentro de sua cabeça: 'Vem, Menino Jesus, vem!' Gemeu entorpecida por uns 15 minutos, antes de definir a tática malévola que se esgueirou por sua mente doentia, diferente de tudo que até então tentara. Tremendo de ódio, voltou à sala de aula. 

'Crianças, vocês sabem que festa está próxima de ocorrer?' Silêncio total. 'Vamos lá, que festa é essa que vocês comemoravam nesta época todo ano?' Silêncio total. 'Muito bem, se vocês não a reconhecem, é porque ela não tinha importância nenhuma, não é?' 'É o Natal' - a vozinha de A. quebrou o silêncio seguinte. G. estremeceu, mas se conteve. 'Ah, o Natal, aquela festinha do nascimento de um menino... como é o nome dele, A.?' 'Jesus - a vozinha era suave mas firme - o Menino Jesus'. G. estremeceu com uma risada sarcástica: 'Vocês gostam de acreditar em historinhas bem contadas... quanta superstição boba... e vocês conhecem alguma cantiga que fale nesse Menino Jesus?'. Nenhuma resposta. 'Tem aquela: 'Vem, Menino Jesus, vem!'... e começou a cantar o refrão da cantiga, em tons desafinados e ares de deboche. 'Você conhece essa cantiga, A.?' 'Sim, eu a conheço'. G. estremeceu de ira interior e muito disso aflorou aos seus lábios trementes: 'Então a cante para mim, agora!'

A. sabia que tinha ido muito longe, mas o seu pensamento intimidado foi cortado de repente pela sua voz: ela começara a cantar a velha cantiga de Natal. Sua vozinha tinha a força de um sino vibrando em todas as direções da sala de aula. Ela se levantou e começou a cantar com mais força; ao chegar no refrão, a menina da segunda carteira da fila à sua direita começou a cantar junto com ela; depois, outra à sua esquerda, o menino lourinho da frente... e, um pouco depois, a sala inteira cantava, numa única voz, a velha cantiga. E um pequeno milagre já aconteceu aí: G. ficou muda e petrificada na sua cadeira até que o último som se esvaiu no ar.

A professora ficou os cinco minutos seguintes tentando entender o que tinha acontecido. Era claro que toda a escola tinha ouvido a música de Natal entoada inteira na sua classe, isto ela podia perceber pelo silêncio absoluto que reinava na sala e também fora da sala de aula. Ela buscou recompor o estado das coisas, fingindo um sarcasmo que agora parecia débil: 'Vem, Menino Jesus, vem? Vocês cantam para um fantasma, um duende, uma ficção... querem ver? Querem que eu lhes mostre como essa cantiga é tola, absurda, supersticiosa, inútil?' E, de imediato, virou-se para o menino loirinho da frente e gritou: 'Vem, Menino H. vem!' H. se levantou aterrorizado e se aproximou da professora como um autômato. 

Em seguida, abriu a porta e gritou: 'Vem, senhor D., vem!'. E quase no mesmo instante apareceu o velho bibliotecário da escola, o senhor D., muitíssimo mais vermelho do que o seu normal. E chamou em seguida a senhora L., a chefe da cantina, que apareceu às pressas, ainda atarefada em se desfazer do seu avental. A professora os despachou em seguida, fechou a porta da sala e, sarcástica como nunca, desafiou as crianças: 'Vem, Barba Azul, vem!' E, colocando a mão em concha sobre uma das orelhas, fingia esperar uma resposta. 'Vem, Pé-Grande, vem!' e, rindo sem parar, desfilou uma galeria de elfos, duendes, fadas e outros tantos seres mitológicos com o refrão da cantiga. 'E então, crianças, estão vendo? Coisas que existem vêm e vão porque existem; coisas que não existem não podem nos ouvir chamá-los e nem vir até nós porque simplesmente não existem!' O 'simplesmente não existem' foi proclamado sílaba por sílaba, numa entonação exasperada.

O sarcasmo fazia a professora salivar e desferir perdigotos como uma metralhadora líquida. E ela havia encontrado a saída para explicar depois, lá fora, a concessão à cantoria religiosa. E, quase em vertigem, desafiou as crianças: 'Chamem o Menino Jesus, chamem... quem sabe ele não aparece aqui para nos mostrar que não é uma fábula da religião de vocês? Vamos, chamem o menino de novo, chamem...'

A vozinha de A. deu início ao coro que se seguiu de imediato. As crianças se colocaram de pé e entoaram juntas, mais uma vez, a velha canção de Natal. 'Vem, Menino Jesus, vem!' 'Vem, Menino Jesus, vem!' 'Vem, Menino Jesus, vem!' Foi A. quem viu primeiro a luz nascendo de repente, no meio da parede atrás da professora, quando entoavam o refrão da música pela terceira vez. A Luz tinha a forma de uma esfera de uma brancura indescritível e, no meio da Luz, o Menino Jesus cantava o refrão da música com as crianças. As crianças ficaram totalmente imersas na luz que emanava da Luz e que se dissipava muito mais além, tornando transparentes as paredes e o teto da sala. Ninguém nunca soube precisar o tempo da aparição, pois todos tiveram a certeza de que o tempo naquele momento parou nos relógios dos homens.

A luz simplesmente dissipou e tudo voltou ao normal na sala de aula de N. As crianças lembraram-se então de olhar para a professora e não a viram mais na sala. Muitas testemunhas disseram depois que a viram passar pela parede como se esta não existisse, ao se afastar da luz que a cegava, e sair em louca disparada em direção desconhecida, gritando feito uma demente: 'Ele veio! Ele veio! Ele veio!' É fato notório que o ateísmo nunca vingou ali e o regime comunista se desfez sob a Hungria libertada. Também é fato concreto que todo Natal em N. é precedido e acompanhado por muitos e muitos coros daquela velha canção natalina. E muitos dizem que, de tempos em tempos, o Menino Jesus reaparece por lá no Natal, quando se está cantando o refrão da velha música pela terceira vez...

('Histórias que Ouvi Contar' são crônicas do autor deste blog)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O SILÊNCIO DO PRESÉPIO


Jesus, ao nascer, escolheu para ermitagem e oratório o estábulo de Belém; quis nascer fora da cidade, numa caverna solitária, para inspirar-nos o amor pela solidão e pelo silêncio. Entremos nessa gruta, lá só acharemos solidão e silêncio: Jesus conserva-se silencioso na manjedoura; Maria e José O adoram e O contemplam em silêncio. Foi revelado à Irmã Margarida do Santíssimo Sacramento, carmelita descalça, apelidada a Esposa do Menino Jesus, que tudo o que se passou na gruta de Belém, mesmo a visita dos pastores e a adoração dos Santos Reis Magos se fez em silêncio.

O silêncio das outras crianças provém da sua impotência; o de Jesus Cristo foi uma virtude. Jesus Menino não fala; mas em seu silêncio, o que Ele não diz? Ó felizes os que se entretêm silenciosamente com Jesus, Maria e José nessa santa solidão do presépio! Os pastores lá passaram poucos instantes e saíram inflamados de amor para com Deus louvando-O e bendizendo-O. Ó feliz a alma que se retira à solidão de Belém para contemplar a divina misericórdia e o amor que um Deus teve e tem para com os homens! Eu a levarei à solidão e falarei a seu coração. Lá o Divino Infante lhe falará não aos ouvidos, mas ao coração, e a convidará a amar um Deus que tão ternamente a ama.

Ao ver a pobreza desse encantador ermitãozinho que fica na gruta gelada, sem lume, tendo apenas uma manjedoura por berço e um pouco de palha por leito; ao ouvir os vagidos e ao ver as lágrimas desse Menino, a inocência mesma; ao refletir que é o seu Deus, como poderia pensar em outra coisa senão em amá-lO? O estábulo de Belém, eis a doce ermida para a alma que tem fé.

Imitemos a Maria e a José que, inflamados de amor, contemplam o adorável Filho de Deus revestido de carne e sujeito às misérias desta vida; o sábio por excelência tornado criança sem palavra; o grande feito pequeno; o Altíssimo tão rebaixado; o Riquíssimo feito tão pobre; o Todo-poderoso feito fraco. Numa palavra, vejamos a majestade divina oculta sob a forma de uma criancinha, desprezada e abandonada por todos, fazendo e sofrendo tudo para se tornar amável aos homens, e peçamos-lhe a graça de sermos admitidos nessa santa solidão; detenhamo-nos lá, lá fiquemos e de lá não saiamos mais. 'Ó bela solidão', exclama São Jerônimo, 'na qual Deus fala e conversa com as almas que ama', não como um soberano, mas como um amigo, como um irmão, como um esposo! Ó que paraíso entreter-se a sós com Jesus Menino na humilde gruta de Belém!

(Excertos da obra 'Encarnação, nascimento e infância de Nosso Senhor' por Santo Afonso Maria de Ligório)

29 DE DEZEMBRO - SÃO TOMÁS BECKET


Thomas Becket nasceu em Londres no dia 21 de dezembro de 1117 e, como cortesão da corte, conviveu intimamente com o futuro rei Henrique II que, ao se tornar rei, o nomeou como chanceler. Sob orientação de Teobald, então Arcebispo de Canterbury, foi educado na autêntica fé cristã e enviado para várias missões em Roma. Com a morte do seu preceptor em 1161, tornou-se seu substituto como Arcebispo da Canterbury e Primaz da Inglaterra, por indicação do rei Henrique II. Nesta nova função, a defesa da fé levou a um confronto continuado com o rei e o amigo íntimo dos tempos da adolescência e da juventude, o que culminou com um longo exílio na França. Após seis anos, e mediante a intervenção do papa Alexandre III para uma acordo com o rei, o arcebispo reassumiu o seu cargo, ciente dos riscos que teria de correr, por manter convictos os seus princípios cristãos em detrimento da amizade e lealdade antigas ao rei. E, com efeito, a relação entre os dois tendia a ser, cada vez mais, mais crítica e mais conflituosa.


Na noite de 29 de dezembro de 1170, Thomas (Tomás) Becket dirigiu-se à Catedral de Canterbury, para as cerimônias das Vésperas. De repente, quatro cavaleiros da corte, aparentemente convictos de estarem atendendo a uma vontade expressa do rei, irromperam o recinto sagrado, gritando: 'Onde está o arcebispo? Onde está o traidor?'. Apoiado em um altar lateral, o arcebispo respondeu: 'Aqui me tendes; sou o arcebispo, mas não um traidor'. Diante da ameaça de morte, recusou-se a fugir e enfrentou o covarde ataque. Com vários golpes de espadas, foi ferido mortalmente e, ao morrer, aos 53 anos de idade e nove de episcopado, dos quais dois terços passados em desterro na França, exclamou: 'Morro voluntariamente pelo nome de Jesus e pela defesa de sua Igreja'. 

(altar lateral da Catedral de Canterbury, local do martírio do santo)


Devido às imediatas e intensas manifestações de devoção que se seguiram, na Inglaterra e por toda a Europa, Thomas Becket foi canonizado pouco mais de dois anos após a sua morte, em 21 de fevereiro de de 1173, pelo papa Alexandre III. Em julho de 1174, o rei Henrique II se penitenciou publicamente diante do túmulo do santo, que se tornou local de grande peregrinação religiosa, até ser destruído por ordem do rei Henrique VIII, em setembro de 1538, à época da implantação do Anglicanismo como religião oficial da Inglaterra em rejeição à fé cristã.