terça-feira, 5 de setembro de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXIII)

Capítulo LXIII

Alívio às Santas Almas pelas Orações - O Santo Rosário - Padre Nieremberg e o Terço Perdido - Madre Francisca do Santíssimo Sacramento e o Santo Rosário

Sabemos que o Santo Rosário ocupa o primeiro lugar entre todas as orações que a Igreja recomenda aos fiéis. Esta excelente oração, fonte de tantas graças para os vivos, é também singularmente eficaz para aliviar os defuntos. Temos uma prova comovente disso na vida do Padre Nieremberg, que já mencionamos em outro lugar. Este caridoso servo de Deus impunha a si mesmo frequentes mortificações, acompanhadas de devoções e orações para o alívio das pobres almas sofredoras. Não deixava de rezar o terço todos os dias em intenção delas e de lhes obter todas as indulgências ao seu alcance, oferta que recomendou aos fiéis numa obra especial que publicou sobre o assunto. O terço que usava era ornamentado com medalhas piedosas e enriquecido com numerosas indulgências. Um dia perdeu este terço e ficou inconsolável; não que este santo religioso, cujo coração não estava preso a nada na terra, tivesse qualquer apego material a essas contas, mas porque se viu privado do meio de obter o alívio que costumava dar às pobres almas. Procurou por toda a parte, tentou lembrar-se de onde poderia ter colocado o seu precioso tesouro: tudo foi inútil e, quando chegou a noite, viu-se obrigado a substituir o seu terço indulgenciado por orações comuns.


Enquanto estava assim ocupado e sozinho na sua cela, ouviu um ruído no teto semelhante ao passar de suas contas e que lhe era bem conhecido; levantando os olhos, viu na realidade o seu terço, segurado por mãos invisíveis, descer em direção a ele e cair aos seus pés. Não duvidou que as mãos invisíveis eram as das almas que foram aliviadas por este meio. Podemos imaginar com que renovado fervor recitava as suas habituais cinco dezenas e quanto este fato extraordinário o encorajava a perseverar numa prática que era tão visivelmente aprovada pelo Céu.

A Venerável Madre Francisca do Santíssimo Sacramento teve desde a sua infância a maior devoção para com as almas sofredoras e nela perseverou enquanto viveu (Sa Vie par le R. Joachim; Vid. Rossignoli, Merv., 26). Ela era toda coração e toda devoção para com aquelas pobres e santas almas. Para as ajudar, rezava diariamente o seu terço, a que costumava chamar o seu esmoler, e terminava cada dezena com o requiescant in pace. Nos dias de festa, quando tinha um maior tempo livre, acrescentava o Ofício dos Mortos. À oração juntava as penitências. A maior parte do ano jejuava a pão e água e nas vigílias praticava outras austeridades. Teve de suportar muitos trabalhos e fadigas, dores e perseguições. Todos estes trabalhos foram transformados em sufrágios para as santas almas, a quem Madre Francisca oferecia tudo a Deus para o alívio delas.

Não contente com o fato de os ajudar ela própria, na medida das suas possibilidades empenhava os outros a fazer o mesmo. Se acorriam sacerdotes ao convento, pedia missas para as almas; se eram leigos, aconselhava-os a distribuir abundantes esmolas pelos fieis defuntos. Em recompensa da sua caridade, Deus permitia frequentemente que as almas a visitassem, quer para pedir os seus sufrágios, quer para lhe agradecer. Testemunhas afirmam que, por várias vezes, certas almas a esperavam visivelmente à porta, quando ela se dirigia para o Ofício das Matinas, para se recomendarem às suas orações. Outras vezes, entravam em sua cela para lhes apresentar o seu pedido e rodeavam a sua cama, esperando que ela acordasse. Estas aparições, a que estava habituada, não lhe causavam qualquer receio e, para que não se julgasse refém de algum sonho ou vítima do demônio, diziam-lhe, ao entrar: 'Salve, serva de Deus, esposa do Senhor! Que Jesus Cristo esteja sempre contigo!' Em seguida, testemunhavam a sua veneração por uma grande cruz e pelas relíquias dos santos que a sua benfeitora guardava em sua cela. Se a encontravam a rezar o terço, acrescentam as mesmas testemunhas, tomavam-lhe as mãos e beijavam-nas carinhosamente, como fruto e instrumento da sua libertação.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog