terça-feira, 12 de setembro de 2023

QUANDO OS SINOS TOCAM...


A origem do sinos é muitíssimo remota, uma vez que o som de um metal ressoando foi sempre um artifício ou um sinal de chamamento ou de comunicação às comunidades sobre épocas de festas, eventos públicos ou aberturas de mercados. Na Igreja Católica, com o edito de Constantino (ano 313), os sinos assumiram um papel fundamental para a divulgação e assimilação dos novos cultos religiosos. Mas foi apenas no século VI que os sinos assumiram definitivamente o caráter de objetos litúrgicos, passando a ser automaticamente incorporados à arquitetura religiosa, comumente encravados no cimo de torres elevadas (chamadas torres sineiras), na forma de campânulas percutidas por badalos internos ou martelos externos. Como sinalizador das cerimônias cristãs e oficializados como elementos fundamentais ao contexto do culto católico, os sinos são formalmente entronizados nos ritos litúrgicos da Igreja por meio de bênçãos especiais com uso dos santos óleos. 

Existe, portanto, uma relação extremamente particular entre os repiques dos sinos e os ritos litúrgicos da Igreja. Existem dezenas de toques distintos (muitos hoje absolutamente relegados ao esquecimento) associados às diferentes naturezas das festas litúrgicas (que podem ser toques mais vibrantes, toques mais concatenados, dobrados mais tristes e solenes). Em geral, o sino menor (ou garrida) é mais agudo para fazer tipicamente a marcação sonora; o sino médio ou meião é destinado à transição e ao repique dos diversos timbres, ao passo que o sino maior (som grave) é o definidor do diapasão sonoro final. A harmonização e as inúmeras variações rítmicas proporcionadas por este arranjo geral de sinos (que pode incluir ainda um quarto sino, chamado contra-meião) constituem um acervo de complexidade única ao código sonoro dos sinos.

Para que os sinos dobram nas igrejas? Pelas mesmas razões de sempre: chamar ou convocar o povo cristão para as missas, para as festas litúrgicas, para acontecimentos singulares para a comunidade local ou para a Igreja universal. Os sinos tocam para serem ouvidos pelo povo de Deus, como sinal inequívoco de um chamamento espiritual, para uma fuga ainda que passageira das coisas mundanas. Os toques podem incluir de simples badaladas a dobres mais requintados, sejam picados, encadeados ou  repenicados, mas constituem sempre uma linguagem sonora perfeitamente compreendida pelas comunidades cristãs, que sabem diferenciar muito bem os repiques festivos de uma dada festa litúrgica dos chamados 'dobrados fúnebres' indicativos dos funerais de alguma pessoa. 

Para a Igreja, em termos universais, há apenas uma restrição ao toque dos sinos, que compreende o período desde Quinta-Feira Santa até à Vigília Pascal. Até os sinos se calam durante o tempo da Paixão de Jesus. É a sua forma de dizer e proclamar que se associam também às dores e sofrimentos da morte do Redentor.

Diante o avanço de tantas tecnologias dos meios de comunicação atuais, os sinos se calam cada vez mais. A linguagem e o código dos sinos se fragmentam, perdem espaço, tendem ao esquecimento. Quando muito, são apenas ouvidos; o som repicado do metal não evoca quase nunca algum eco nas almas dos ouvintes. Infelizmente. O antiquíssimo repertório sonoro dos sinos, na sua exponencial dimensão, é somente preservado ainda em algumas poucas cidades do interior do Brasil. Ali, sim, é possível ainda a harmonia do som e da alma: quando os sinos tocam, as almas se tocam. As almas se calam. As almas se excluem por instantes do mundo à sua volta e se voltam para Deus.