sábado, 8 de junho de 2013

POEMAS PARA REZAR (XI)


Omayra Sánchez. Treze anos. Em 1985, o vulcão Nevado del Ruiz arrasou o povoado de Armero, na Colômbia, onde ela vivia, matando mais de 25.000 pessoas. Nos escombros da tragédia, Omayra ficou presa dentro de um poço inundado, esmagada da cintura para baixo por uma combinação estranha dos destroços, que não permitiam o resgate sem uma amputação mortal do seu corpo. Um processo para a drenagem e rebaixamento do nível da água no poço, embora possível, embora demorado, nunca foi feito. A agonia de Omayra, registrada na foto impactante do fotógrafo francês Frank Fournier, que correu o mundo, drama que foi acompanhado também por dezenas de testemunhas oculares e pelas câmeras de televisão, durou 60 horas. Em nenhum momento, a menina chorou, lamentou, desesperou-se; ao contrário, suportou o enorme sofrimento com enorme serenidade e aceitação. Na madrugada do seu terceiro dia de martírio, começou a delirar; pela manhã, pronunciou as suas últimas palavras: 'Acho que já vou, o Senhor está me esperando'; pouco depois, pendeu a cabeça e faleceu, por efeitos extremados de gangrena e hipotermia. Omayra foi enterrada ali mesmo, permanecendo na morte na mesma posição em que deixou o mundo para encontrar-se com Deus. 

UMA PRECE POR OMAYRA

Façamos um minuto de silêncio
pensemos na dor, vivamos a dor,
como se a dor não fosse apenas fruto da nossa imaginação ou um sentimento;
por um minuto que seja, vivamos a dor,
a dor que não tinha nome até agora,
a dor de Omayra.

Que não é apenas a dor física e brutal da carne esmagada,
de ossos quebrados,
de feridas que gangrenam,
da ação da água fria e barrenta congelando o sangue das veias.
Que não é apenas a dor de membros que se entorpecem,
do ar que queima em pulmões enrijecidos 
de olhos que se vitrificam,
da falência lenta e gradual dos sentidos e dos pensamentos.

Todas estas dores têm um nome,
são conhecidas,
são de todo dia. 
Falo de uma dor que não pode nascer apenas da carne humana,
uma dor que nela cabe o mundo,
falo da dor de Omayra.

Que não é apenas a dor que nasce da desesperança,
que se alimenta de toda a maldade,
que se embrutece com o abandono,
que se locupleta com a violência, 
que enlouquece com o desespero.
Que não é apenas a dor que plasma todos os sentidos,
que condiciona todos os instintos,
que se avilta na miséria,
que se embriaga de malícia,
que se conspurca pelo ódio.

Não são destas dores que falo,
dores que moram em qualquer esquina,
vestidas de todas as cores e ensandecidas de todos os mimos.
Falo de uma dor que atravessa os muros,
soma de todos os flagelos,
falo da dor de Omayra.

Que não é apenas a dor que punge e que lateja,
a dor que se irrompe repentina,
a dor que pulsa e se refaz em fluxos e refluxos,
a dor lancinante, a dor física.
Que não é apenas a dor que transpassa o coração,
que rasga músculos ou membranas,
que é feita pelo delírio dos nervos
ou tangidas pelos espasmos do parto.

Não são destas dores que falo,
um mundo de dores físicas cruentas,
pálidas e tênues dores dos homens.
Falo de uma dor que não tem neste mundo,
que Deus sussurrou a uma menina:
falo da dor de Omayra.

Façamos um minuto de silêncio
pensemos na dor, na dor que não tinha nome até agora,
a dor de Omayra.
Para que sejam estas as dores de nossas cruzes,
os despojos suaves de nossas santas dores,
quando Deus nos sussurrar pela eternidade.