segunda-feira, 25 de maio de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (LI)

XLIV

DO ESTADO INTERMEDIÁRIO DAS ALMAS ANTES DA RESSURREIÇÃO UNIVERSAL: O PURGATÓRIO

Para onde guia e conduz Jesus Cristo, por meio dos sacramentos e das inspirações do Espírito Santo com que governa a sua Igreja, a espécie humana redimida com o preço do seu sangue?
Ao reino da glória imorredoura.

É suficiente que a ação redentora de Jesus Cristo atinja os homens, para que instantaneamente e sem transição consigam a vida eterna?
Não, senhor; porque, se bem que os méritos de Jesus Cristo e os sacramentos, por cuja virtude se aplicam aqueles méritos aos homens, têm bastante eficácia para consegui-lo, dispôs a divina Sabedoria que não fosse plenamente restaurada em seus indivíduos a natureza humana, condenada como pecadora a expiar a culpa original, até o término da sua peregrinação na terra. Esta é a razão porque os batizados e os que recebem os sacramentos, ainda que pessoalmente santificados, continuam sujeitos às penalidades da vida presente e à mais terrível de todas, a morte (LXIX, 1).

Logo, só quando acabem as gerações, será completa e definitiva a vitória sobre a morte, e só então poderão ressuscitar os homens e gozar em corpo e alma as delicias da glória celeste?
Só então, e, até que aquele dia chegue, permanecerão, desde o dia da sua morte, num estado intermediário.

Que entendeis quando afirmais que permanecerão num estado intermediário?
Que, ou não recebem total e imediatamente o seu merecimento ou que, se bem que os justos alcançam o prêmio e os réprobos o castigo, devidos pelas respectivas obras que praticaram neste mundo, nem a recompensa dos primeiros é plena, nem o castigo dos segundos alcança a intensidade que há de ter eternamente, até que chegue o dia da ressurreição universal (LXIX, 2).

Como se chama o lugar intermédio onde moram os que não alcançam imediatamente a recompensa dos seus méritos?
Chama-se Purgatório (LXXI, 6; Apêndice, II).

Quais são as almas que vão para o Purgatório?
As dos justos que morrem em graça, porém, no instante de falecer não satisfizeram plenamente a pena temporal devida pelos seus pecados (Ibid).

Logo, o Purgatório é lugar de expiação destinado a satisfazer á Justiça divina antes de entrar no Céu?
Sim, senhor; e não há nada mais conforme com a Misericórdia e Justiça de Deus.

Como e em que resplandece no Purgatório a Misericórdia de Deus?
Primeiramente, em que Deus se digna conceder aos justos, ainda depois da morte, tempo e meios para satisfazer pelos seus pecados e para que, plenamente absolvidos no tribunal divino, se preparem para entrar no céu. Em segundo lugar, porque, mediante a comunhão dos santos, estabeleceu um meio para que os fiéis da Igreja militante possam auxiliá-los e apressar a sua entrada na glória, oferecendo, em compensação pelo que eles devem satisfazer, o valor satisfatório das suas obras e aplicando-lhes, por meio das indulgências, os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Santíssima Virgem e de todos os Santos (LXXI, 6).

Qual é o meio mais eficaz de que dispõem os justos da terra para mitigar os tormentos das almas do Purgatório?
O de oferecerem por elas o Santo Sacrifício da Missa.

Quando se oferece o sacrifício da missa pelas almas do Purgatório, tem grande importância e especialíssima eficácia o fervor e devoção do oferente, seja este o sacerdote que a celebra ou o simples fiel que a faz celebrar?
Sim, senhor; porque, tratando-se do valor satisfatório de uma obra boa, se bem que Deus atenda ao seu mérito intrínseco (e neste sentido o valor da missa é infinito), olha e atende mais ao fervor e boas disposições de quem o faz (LXXI, 9; Terceira Parte, LXXIX, 5).

Logo, Deus taxa o fruto aplicável da missa conforme a devoção de quem pede que se celebre?
Sim, senhor; e por aqui verão quanto lhes importa ter devoção.

Quando um justo oferece obras satisfatórias em sufrágio pelas almas do Purgatório em geral, por um grupo determinado, ou por alguma em particular, aplica Deus o sufrágio conforme o pede o oferente?
Sim, senhor (LXXI, 6).

Podem, também aplicar-se às almas do Purgatório em geral, ou a algumas em particular, as indulgências, quando a Igreja o autoriza?
Sim, senhor; já que neste caso, tudo depende da intenção de quem as ganha e das condições que a Igreja estabelece nos termos da concessão (Ibid.; Código cânon 930).

Entram no céu as almas detidas no Purgatório no momento em que completam a satisfação?
Sim, senhor (LXIX, 2; Apêndice, II, 6).

XLV

O CÉU

Que entendeis por Céu?
O lugar onde, desde o princípio do mundo, moram os anjos bem-aventurados e, desde o dia da gloriosa ascensão de Cristo, os justos redimidos com o seu Sangue.

Que condições hão de reunir os justos para entrar no Céu?
Ter terminado a sua vida mortal e satisfeito à Justiça divina pelos seus pecados (LXIX, 2).

Pode entrar no Céu alguma alma, imediatamente depois da morte?
Sim, senhor; entram as dos justos que, além de morrer incorporadas a Cristo mediante a graça, satisfizeram plenamente neste mundo a pena correspondente aos seus pecados (Ibid).

Entram também no Céu, imediatamente depois da morte, os meninos batizados que falecem antes do uso de razão?
Sim, senhor; porque no batismo se lhes perdoou o pecado original, único que podia impedi-los.

Sucede o mesmo aos que, já adultos e com pecados pessoais, recebem com as devidas disposições o batismo e morrem antes de cometer novas culpas?
Sim, senhor; porque o batismo, recebido com as disposições convenientes, tem eficácia para aplicar-lhes em toda a sua plenitude, os méritos da paixão de Cristo (Terceira Parte, LXIX.1, 2, 7, 8).

E os que, depois do batismo, cometeram pecados mortais ou veniais e não fizeram a penitência suficiente para a remissão da pena temporal, podem entrar imediatamente no Céu, se entregam o espírito a Deus num ato de caridade perfeita?
Sim, Senhor; e especialmente se este ato é o martírio (2.a, 2.a, CXXIV, 3).

Em que se ocupam os bem aventurados no Céu?
Em gozar, desde o primeiro momento, da felicidade quase infinita, que é a visão de Deus (l.a, XII, 11).

Podem os justos no Céu ver a essência divina por virtude própria ou necessitam que Deus lhes infunda uma qualidade nova, ou perfeição intelectual distinta das que já possuíam, originadas na graça, nas virtudes e nos dons?
Necessitam que Deus lhes conceda a perfeição suprema da ordem sobrenatural (Ibid., XII,5).

Como se chama?
A luz da glória (Ibid).

Que entendeis por luz da glória?
Uma qualidade produzida por Deus na mente dos bem aventurados, que lhes permite unirem-se à essência divina, como a princípio do ato da visão intelectual (Ibid).

Que se segue da união da essência divina com a inteligência dos justos, provida da luz da glória?
Que vêem e contemplam a Deus como Deus é em si mesmo (Ibid).

É este modo de ver o que se procura fazer compreender com as palavras: 'ver a Deus face a face'?
Sim, senhor; tal é a visão prometida nas Sagradas Escrituras, última e mais nobre perfeição da obra divina, pois que faz o homem semelhante a Deus, na medida em que pode sê-lo uma criatura.

Logo, a visão da essência divina é o fim que Deus se propõe ao criar, conservar e reger o universo?
Sim, senhor; e quando, devido ao seu governo providencial, se tenha santificado o último eleito, e com sua entrada no céu se complete o número dos predestinados, terminará a evolução e a marcha do mundo atual e começará a que corresponde ao estado da ressurreição.

Podemos saber quando sucederá isto?
Não, senhor; porque depende da ordem da predestinação, que é o segredo mais impenetrável do plano divino.

Interessa aos bem aventurados saber a vida dos homens e os sucessos do mundo em que viveram?
Sim, senhor; porque no mundo continua desenrolando-se o mistério da predestinação, cujo cumprimento há de coincidir com a sua ressurreição gloriosa e com a absoluta plenitude da sua felicidade.

Sabem e vêem o que sucede na terra?
Vêem no mesmo Deus os sucessos que particularmente dizem respeito a cada um, na ordem da predestinação.

Chegam ao seu conhecimento as orações que se lhes dirigem, e conhecem as necessidades espirituais ou temporais de quem lhes toca mais de perto?
Certamente que sim e estão sempre dispostos a atender as orações e prover às necessidades, interpondo a sua valiosa influência junto de Deus (LXXII, 1).

Logo, por que nem sempre experimentamos os efeitos da sua intercessão?
Porque no Céu se julga das coisas com critério divino, e pode suceder que não se ache bom, nem conforme com o plano da providência o que, visto com critério humano, assim nos parece (LXXII, 3).

Logo, pode haver comunicação permanente entre nós que vivemos desterrados no mundo e os que gozam a segurança da pátria celestial?
Sim, senhor; pois que consiste em lembrarmo-nos deles, congratularmo-nos da sua ventura, e pedir-lhes que nos ajudem com a sua intercessão a alcançá-la também.

XLVI

DO INFERNO

Existe algum lugar de condições diametralmente opostas às do Céu, e que nome tem?
Sim, senhor; existe e recebe o nome de Inferno (LXIX, 2).

Que é o Inferno?
O lugar onde padecem horríveis tormentos todos os que se rebelaram contra a ordem da divina providência e predestinação, e em seus pecados e crimes se obstinaram para nunca mais se converterem.

Quais são os que se acham em tão miserável estado?
Os anjos rebeldes e os homens que morreram em impenitência final (Ibid).

Que se segue do fato dos condenados jamais poderem arrepender-se das suas culpas?
Que serão eternos os tormentos que por elas padecem.

Não poderia Deus por limites a tais suplícios?
De modo absoluto, sim, senhor, já que é Onipotente; porém, não o fará, porque Ele mesmo decretou (e as suas determinações são irrevogáveis) que os seres racionais, chegados ao termo da sua peregrinação, sejam confirmados para sempre no bem ou no mal e, enquanto dure o pecado, durar deve o seu castigo (XCIX, 1, 2).

Logo, os condenados padecerão eternamente as penas do inferno?
Sim, senhor (Ibid).

Quais são essas penas?
Há penas de duas classes: a pena de dano e a do sentido (XCVIII 1, 2).

Em que consiste a pena de dano?
Em ver-se privado da posse do Bem infinito que os justos contemplam na glória.

É esta a maior pena dos condenados no Inferno?
É e será eternamente o seu tormento mais cruel.

Por que?
Porque, chegados ao seu estado de finalidade, têm noção exata da grandeza do Bem que perderam, por terem corrido atrás de outros bens cuja pequenez agora compreendem, e pela convicção profundíssima que têm de havê-lo perdido exclusivamente por sua culpa. 

Logo, o remorso da consciência e a convicção da sua responsabilidade na perda do Bem infinito, é o que o Evangelho designa com o nome de verme roedor que nunca morre?
Sim, senhor; porque o tormento mais atroz para um ser consciente é este verme roedor, cujas mordeduras seriam suficientes para matá-lo mil vezes se pudesse morrer (Ibid).

Entende-se também em sentido metafórico e puramente espiritual a outra pena do Inferno que o Evangelho chama fogo que não se apaga?
Não, senhor; este é um fogo material, visto que o Evangelho fala da pena do sentido (XCVII, 5 ad 3).

Mas como pode o fogo material atormentar os espíritos e as almas separadas dos seus corpos?
Porque Deus lhe comunica a virtude preternatural para que sirva de instrumento à sua justiça (LXX, 3).

Atormenta por igual a todos os condenados?
Não, senhor; porque, como instrumento da divina justiça, a sua ação será proporcionada à espécie, número e gravidade dos pecados de cada réu (XCVII, 5 ad 3).

Cresce o suplício dos condenados com a companhia e horrível sociedade de todos os criminosos e malfeitores do gênero humano, misturados com os demônios cujo fim é atormentá-los, às ordens do seu príncipe e rei das trevas?
Sim, senhor, e isto parece significar o Evangelho quando fala das trevas exteriores onde só se ouvem prantos e ranger de dentes (XCVII, 3, 4).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)