quinta-feira, 2 de setembro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (94/96)

 

94. NUNCA PISAREI EM MEU DEUS

Nasceu São Dominguinho [São Domingos do Val] em Saragoça (Espanha) no ano de 1240. Quando sua mãe lhe deu o primeiro abraço, descobriu em seu ombro a marca de uma cruz e, sob os cabelos louros, um círculo encarnado, como de uma coroa de espinhos. O brasão da família, descendente de um cruzado francês, ostentava uma grande cruz sobre fundo encarnado com quatro estrelas angulares.

'Isto significa - dizia-lhe o pai - 'que nós estamos sempre dispostos a derramar o sangue por Jesus Cristo e procuramos exercitar-nos nas virtudes'. O menino foi educado no colégio da catedral. Era de se ver a piedade com que servia ao altar e a voz angélica com que entoava os cantos sacros. Os mestres elogiavam nele mormente a aplicação e a docilidade.

Os judeus de Saragoça resolveram assassinar um menino cristão para regar com seu sangue os pães ázimos da ceia pascal. Encarregado pela sinagoga, um deles sequestrou o inocente Dominguinho, quando regressava da catedral e, à noite, levou-o aos judeus.
➖Dominguinho - disse-lhe o grande rabino - não te faremos mal algum, se atirares ao chão esse crucifixo que trazes ao pescoço e se o pisares com os teus pés.
➖Ah! não; nunca pisarei em meu Deus! - respondeu o menino.

Condenaram-no, então, à morte e reproduziram com ele toda a paixão de Jesus Cristo. Açoitaram-no, coroaram-no de espinhos, pregaram-no na parede e, quando expirou, atravessaram-lhe o coração com uma enorme faca. Durante toda essa cena bárbara, Dominguinho rezava e perdoava. Uma vez recolhido o sangue da vítima, para os seus ritos, os judeus cortaram-lhe a cabeça e as mãos, arrojando-as numa cisterna e, depois, enterraram o resto do corpo. 

Eis, porém, que tudo foi descoberto. Luzes miraculosas foram vistas sobre o sítio em que jazia o cadáver. As autoridades foram avisadas. Feitas as devidas pesquisas, encontrou-se o corpinho mutilado e, depois, a cabeça e as mãos do mesmo. Presos os presumíveis culpados, um deles por nome Albaeluz  declarou-se autor do horrível crime. Foi condenado, mas, antes de morrer, converteu-se ao cristianismo e foi batizado. Certamente foi por meio de Dominguinho que ele alcançou essa graça [Sua festa litúrgica era celebrada em 31 de agosto, sendo excluída no novo calendário litúrgico oficial da Igreja].

95. SÃO GERALDO MAJELA

Nasceu este Santo na pequenina cidade de Muro, na Itália, em abril de 1726. Seu pai, que exercia a profissão de alfaiate, faleceu poucos anos depois, em 1738. Geraldo, que precisava ajudar a mãe e as irmãs, teve de abandonar o estudo e dedicar-se à aprendizagem do ofício paterno. 

Conta-se que, um dia, um pobre lhe pediu que, por caridade, lhe fizesse um terno. Entregou-lhe, para esse fim, um tecido absolutamente insuficiente. O santo não hesitou um instante. Começou a cortar o pano, o qual foi crescendo de tal modo entre as suas mãos, que chegou para o terno e ainda sobrou. Admitido na Congregação Redentorista, foi um modelo de todas as virtudes e um insigne taumaturgo. São sem conta os milagres associados a ele.

Um dia, por exemplo, entrando em uma choupana, pediu à dona que ali morava um pedaço de pão, por amor de Deus. Ora, fazia dois dias que não havia pão naquela casa. A pobre mulher tinha apenas um pouco de farinha, que, naquele instante, trouxera para ele. Desculpou-se, pois, dizendo que nada podia dar, porque nada possuía.
➖ Não tens nada? - replicou o santo - e a vossa caixa não está cheia?
➖ Pobre de mim! Ela está muito vazia, isso sim.
➖ Tende confiança em Deus, e levantai a tampa da caixa.
A mulher abriu a caixa e - ó milagre! - encontra-a cheia de pão de excelente qualidade.

Por causa de sua vida austera e penitente, grande poder tinha o santo sobre os espíritos malignos, que lhe moviam guerra sem tréguas. É notável e interessante o fato seguinte: Geraldo estava de viagem para Iliceto. Espesso nevoeiro caía sobre a terra; a noite adiantada, a cheia do rio, os abismos ocultos pelas trevas, tudo concorria para tornar muito difícil a posição de Geraldo, que, de mais a mais, perdera o caminho. De repente, um vulto sinistro avança, barra-lhe a passagem e diz em tom sarcástico: 'Chegou a hora da vingança: tenho todo poder sobre ti!' Compreendendo que aquele não podia ser outro senão o demônio, Geraldo sem perda de tempo, diz: 'Besta vil, em nome da Santíssima Trindade, eu te ordeno que tomes a rédea do meu cavalo e me conduzas direito à cidade sem me causar dano algum. E o demônio, muito constrangido, teve de obedecer.

Achando-se um dia, na praia de Nápoles, viu que um barco cheio de gente ia sendo arrastado para o alto mar e que, dentro em breve, seria engolido pelas ondas. Considerando a iminência do perigo, Geraldo gritou para a embarcação: 'Em nome da Santíssima Trindade, pára!' E o barco permaneceu imóvel. O santo, caminhando sobre as águas, sem o menor esforço, puxou o barco até à praia. '- Milagre! Milagre! É um santo!...' E Geraldo escondeu-se na oficina de um artesão e dali não saiu até que o povo se dispersasse.

A 16 de outubro de 1755, após uma vida breve mas santíssima, fechou os olhos para este mundo. Quando o médico lhe perguntou se desejava viver, respondeu: 'Nem viver e nem morrer: quero só o que Deus quiser'. E, depois, suspirou: 'Sofrer, meu Jesus, sofrer ainda; é pouca coisa, quando se sofre por vós'. Festa litúrgica em 16 de outubro.

96. O NIGROMANTE SANTO

A vida do irmão coadjutor redentorista, que veneramos em nossos altares como Geraldo Majela, está semeada de maravilhas. Regressava, um dia, ao seu convento. Sua batina muito pobre; seu chapéu muito velho. Atravessava uma floresta e, com o pensamento em Deus, murmurava atos de amor. Andava também por ali um sujeito com o péssimo intento de assaltar os viajantes para roubar-lhes o dinheiro que encontrasse. Viu o jovem religioso e ficou admirado. 'Esse homem' - dizia - 'não é um religioso, deve ser um nigromante, um desses homens que têm trato com os espíritos do outro mundo e que possuem a rara virtude de encontrar tesouros nas entranhas da terra'. E sem mais, aproxima-se do Irmão e diz: 'Não negues: li em teus olhos, todo o teu porte me diz que és um nigromante. És um feiticeiro poderoso, possui os segredos da natureza e sabes as entranhas que guardam tesouros'.

O Santo Irmão fitou nele um olhar cheio de surpresa e de bondade. Deus fê-lo compreender imediatamente que era aquele pobrezinho um salteador de estrada que assim falava, e respondeu: 'Não te enganaste. Tenho realmente o segredo de um grande tesouro. Eu lhe poderia ensinar, mas não me atrevo. Para isso seria mister que fôsses homem de muita coragem... mas não sei se o serás...
➖Sou, sim - replicou o salteador - Não tremo diante de crime algum; a mim não me espanta nem mesmo o diabo. Tenho roubado, matado, enfrentando inimigos. Nem o sangue das vítimas, nem o brilho das armas me intimida. Quando quero alguma coisa, eu a consigo, ainda que tenha que passar por cima de cadáveres.

Geraldo, o jovem taumaturgo, não se intimidou: calmo e bondoso, fixou nele os olhos e disse: 'Pois se és tão valente, segue-me. Garanto que encontrarás um grande tesouro'. Puseram-se a caminhar. Adiante ia Geraldo, atrás o sujeito. Geraldo rezava em voz baixa, o sujeito ia já devorando com os olhos da alma o ouro que via em suas mãos. 

Assim chegaram ao meio da selva, longe da estrada. Ali chegados, tirou Geraldo o capote e estendeu-o aberto no chão. O sujeito olhava assombrado. Começava a tremer. Parecia-lhe que de repente apareceria ali o diabo em pessoa. Mordia os lábios e todo o seu corpo se agitava com espantoso tremor. Geraldo olhou para ele com grande majestade e disse:
➖ Agora ajoelha-te sobre esse manto. 
O sujeito ajoelhou-se. Tremia dos pés à cabeça.
➖Agora junta as mãos! 
O sujeito juntou as mãos e cravou os olhos aterrados naquele tremendo nigromante. Naquele solene momento, São Geraldo tirou do peito o Santo Cristo, que sempre tinha consigo, e, pondo-o diante do salteador, disse:
➖ Meu irmão pecador, eu te prometi que encontrarias um tesouro sem igual nem no céu nem na terra... Não vês o Cristo? Não o conheces? É o teu Deus: morreu por ti, por tua salvação, para perdoar teus pecados, para levar-te para o céu. E tu, infeliz, que fizeste?

Naquele momento, lenta e solenemente, lhe ia recordando todos os seus pecados. E o pobre pecador chorava e soluçava... São Geraldo, chegando aquele devoto crucifixo aos lábios do pecador arrependido, disse com voz enternecedora:
➖ Beija-o, chora aos seus pés todas as tuas culpas e acharás a graça, acharás a Deus e com Deus, meu filho, possuirás todos os tesouros.
O sujeito, desfeito em lágrimas, repetia: 'Meu Jesus, perdão e misericórdia!'. Esteve, em seguida, alguns dias em retiro no convento. Fez ali uma confissão geral, encontrou a paz da alma e saiu bendizendo a hora em que se encontrara com aquele santo Irmão.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)


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