quarta-feira, 15 de setembro de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XV)

 

Capítulo XV

Dores do Purgatório - O Irmão de Santa Madalena de Pazzi - Stanislaus Chocosca - Beata Catarina de Racconigi

Santa Madalena de Pazzi, na sua célebre visão em que lhe foram mostradas as diferentes prisões do Purgatório, viu a alma do seu irmão, que morrera depois de ter levado uma vida cristã fervorosa. No entanto, esta alma foi detida em sofrimento por certas faltas, que não haviam sido suficientemente expiadas na terra. Esses - diz a santa - são os sofrimentos mais intoleráveis ​​e, no entanto, os que são suportados com mais alegria. Ah! Por que isso não é compreendido por aqueles que não têm coragem de carregar a sua cruz aqui embaixo? 

Afligida pelo espetáculo terrível que acabara de contemplar, a santa correu para junto da sua priora e, jogando-se de joelhos, gritou: 'Ó minha querida mãe, quão terríveis são as dores do purgatório! Eu nunca poderia ter acreditado nisso, se Deus não tivesse manifestado isso para mim. E, no entanto, não posso chamá-los de cruéis; em vez disso, são frutuosos pois que conduzem à felicidade inefável do Paraíso'. 

Para imprimir isso cada vez mais em nossas mentes, aprouve a Deus dar a certas pessoas santas uma pequena parte das dores da expiação, como que uma gota do cálice amargo que as pobres almas devem beber, uma centelha do fogo que as consomem. O historiador Bzovius, em sua História da Polônia, datada de 1598, relata um acontecimento milagroso ocorrido ao Venerável Estanislau Chocosca, um dos luminares da Ordem de São Domingos na Polônia (Rossign., Merv., 67). 

Um dia, enquanto este religioso, tomado de caridade para com os defuntos, recitava o Rosário, viu surgir diante dele uma alma toda envolta em chamas. Ao pedir-lhe que tivesse piedade dela e aliviasse os sofrimentos intoleráveis ​​que o fogo da Justiça Divina a fazia suportar, o santo homem perguntou-lhe se este fogo era mais doloroso do que o da terra. 'Ah!" - ela gritou - 'todos os fogos da terra comparados com o do Purgatório são como uma brisa refrescante' (Ignes alii levis aurce locum tenent si cum ardore meo comparentur). 

Stanislaus mal podia acreditar. 'Eu gostaria de ter uma prova' - disse então - 'Se Deus permitir, para o seu alívio e para o bem da minha alma, eu consinto em sofrer parte de suas dores'. 'Ai de mim! Você não poderia fazer isso. Saiba que nenhum ser humano poderia suportar tanto tormento e ainda viver. No entanto, Deus permitirá que você o possa sentir em um grau muito atenuado. Estenda sua mão'. Chocosca estendeu a mão e o falecido deixou cair sobre ela uma gota de suor, ou pelo menos de um líquido semelhante a isso. No mesmo instante, o religioso soltou um grito espantoso e caiu desmaiado no chão, tão intensa foi a sua dor. Seus irmãos acorreram em sua direção e apressaram-se em dar-lhe a assistência que a sua condição exigia. 

Quando restaurado à consciência, ele relatou o terrível acontecimento e do qual eles tinham uma prova visível. 'Ah! meus queridos padres' -  disse ele - 'se soubéssemos a severidade dos castigos divinos, nunca haveríamos de cometer pecado, nem deixaríamos de fazer penitências nesta vida, de modo a evitar a expiação na outra vida'. Stanislaus ficou confinado ao seu leito a partir daquele momento. Ele viveu mais um ano no mais cruel sofrimento causado por aquela terrível ferida; e então, pela última vez exortando os seus irmãos a se lembrarem dos rigores da Justiça Divina, ele dormiu pacificamente no Senhor. O historiador acrescenta que esse acontecimento reanimou o fervor em todos os mosteiros daquela província.

Lemos um fato semelhante na vida da bem-aventurada Catarina de Racconigi (Diario Dominicano, 4 de setembro; cf. Rossig., Merv., 63). Um dia, sofrendo tanto a ponto de precisar da ajuda de suas irmãs de religião, pensou nas almas do Purgatório e, para amenizar o calor de suas chamas, ofereceu a Deus o calor ardente de sua febre. Naquele momento, entrando em êxtase, foi conduzida em espírito ao lugar de expiação, onde viu as chamas e os braseiros nos quais as almas são purificadas sob grande tortura.

Enquanto contemplava, cheia de compaixão, este espetáculo comovente, ela ouviu uma voz que lhe disse: 'Catarina, para que possas obter o mais eficazmente a libertação dessas almas, deves participar, de alguma maneira, dos seus tormentos. Naquele instante, uma faísca se desprendeu do fogo e pousou em sua bochecha esquerda. As irmãs presentes viram a faísca nitidamente, e também viram com horror como o rosto da enferma ficou terrivelmente inchado. 

Ela passou vários dias neste estado e, como a Beata Catarina disse às suas irmãs, o sofrimento causado por aquela simples centelha superou em muito tudo o que ela havia suportado anteriormente nas doenças mais dolorosas. Até então, Catarina sempre se dedicara com caridade ao alívio das almas do Purgatório mas, a partir de então, redobrou o fervor e as austeridades para apressar a libertação delas, porque conhecia por experiência própria a grande necessidade que as almas padecentes tinham pelo seu auxílio.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)