XXXIII
EFEITOS DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA
Produz efeitos especiais e característicos o Sacramento da Eucaristia?
Sim, Senhor; pois que, como nenhum outro, enriquece a alma com tesouros de vida eterna.
Por que tem tanta eficácia?
Em primeiro lugar porque, real e verdadeiramente, contém o próprio Jesus Cristo, princípio e autor da graça; além disso, porque é o sacramento da sua paixão, cujos méritos vai distribuindo e aplicando a gerações sucessivas, visto que nele se nos dá em alimento o mesmo corpo e, em bebida, o próprio sangue do Redentor; e, finalmente, porque a eficácia dos sacramentos corresponde ao seu simbolismo e este representa a unidade formada por Jesus Cristo e o seu corpo místico, a Igreja (LXXIX, 1)*.
Fundamentados nestas razões, podemos assegurar que a entrada no reino dos céus é efeito especialíssimo deste sacramento?
Sim, Senhor; por ser uma prenda da glória que Cristo com sua morte nos mereceu (LXXIX, 2).
Tem eficácia para perdoar os pecados mortais?
Indubitavelmente que tem, porque contém Jesus Cristo em pessoa; atendendo, porém, a que está em forma de alimento espiritual, e que, para poder alimentar-se, é preciso viver, não pode experimentar os seus efeitos reparadores o que está morto pelo pecado. Sem embargo disso, quando alguém o recebe, crendo-se de boa fé na graça de Deus, ainda que assim não seja, a boa fé o salva e o sacramento lavará as culpas não perdoadas (LXXIX, 3).
Perdoam-se com este sacramento os pecados veniais?
Sim, Senhor; porque a graça que infunde é uma graça destinada a reparar as perdas e desperdícios da vida cotidiana, e a vigorar e dar fervor que compense a falta do ato de caridade que o pecado venial implica sempre (LXXIX, 4).
Perdoa-se na Eucaristia toda a pena devida pelos pecados?
Na qualidade de alimento espiritual, não tem por objeto remitir [perdoar] penas, mas reparar forças e estreitar os laços que unem cada membro da Igreja com os demais e com Jesus Cristo, sua cabeça; mas, por concomitância, remite-as, não na sua totalidade, mas na proporção com o fervor e devoção com que nos acercamos dele. Pelo contrário, considerado como sacrifício, em que se oferece a Deus a vítima do Calvário, é sacramento satisfatório, se bem que em seu poder de satisfação influi mais a devoção dos oferentes que o valor do sacrifício e, portanto, ainda que, como sacrifício, tem valor infinito, não remite toda a pena mas somente a parte correspondente ao fervor e devoção do sacerdote oferente e daqueles por quem se aplica (LXXIX, 5).
Preserva, além disso, de cometer novos pecados?
Sim, Senhor; e este é o efeito mais imediato e admirável porque, como sacramento de nutrição, tonifica e revigora o organismo espiritual para a luta contra os agentes que alteram ou minam a vida cristã e, como recordação da paixão do Redentor, põe em fuga os demônios vencidos por Cristo na Cruz (LXXIX, 7).
Pode a eficácia deste sacramento aproveitar a quem o não recebe?
Como alimento da alma, não Senhor; pois a comida só aproveita a quem a toma; porém, como sacrifício, pode e, em realidade, estende a sua ação a todos aqueles por quem se oferece se, unidos a Cristo e aos demais membros da Igreja pela fé e pela caridade, estão em disposição de aproveitar-se dos seus frutos (LXXIX, 7).
São compatíveis os frutos da Eucaristia com os pecados veniais?
Se se cometem no ato de receber o sacramento, por exemplo, no caso de chegar-se a comungar distraído ou dissipado ou com o espírito em pensamentos ou afetos impertinentes, priva necessariamente do gosto ou doçura, suavidade e deleite que produz aquele manjar divino, ainda que não prive do aumento da graça habitual; porém, se se trata de pecados veniais anteriormente cometidos, em nada estorvam o fruto do sacramento, contanto que se receba com o devido fervor (XXIX, 1).
XXXIV
DA RECEPÇÃO DA EUCARISTIA
De quantos modos se pode receber o sacramento da Eucaristia?
De dois: espiritual ou sacramentalmente (LXXX, 1).
Em que se diferenciam?
Em que, na recepção exclusivamente sacramental, os frutos e o proveito da comunhão não a acompanham e, na espiritual, sim — ou parcialmente, quando só se recebe com o desejo e a esta chamamos comunhão espiritual, ou plena e totalmente, quando a recepção efetiva do sacramento acompanha o desejo (Ibid).
É o homem o único habitante da terra que pode receber a Eucaristia?
Sim, Senhor; por ser o único que pode crer em Jesus Cristo e desejar recebê-lo conforme está no sacramento (LXXX, 2).
Comete falta grave o que recebe com consciência de pecado mortal?
Comete um sacrilégio porque, ao receber um sacramento que contém o próprio Filho de Deus feito homem e simboliza a unidade vital que forma com o seu corpo místico, despossuído e privado da única coisa que pode incorporá-lo e unificá-lo com Cristo, viola e atenta contra a própria natureza do sacramento, falseando o seu simbolismo e significação (LXXX, 4).
Logo, este é um pecado gravíssimo?
Sim, Senhor; porque com ele se injuria e escarnece a humanidade de Cristo no sacramento do seu amor (LXXX, 5).
É tão grave como a profanação do sacramento?
Não, Senhor; porque este pecado supõe intenção formal de injuriar a Cristo e isto aumenta a sua gravidade (LXXX, 11).
Que disposições se requerem para receber dignamente a Eucaristia?
Ter uso de razão, achar-se em estado de graça e ter veemente anelo de receber os seus frutos (LXXX, 9, 10).
Pode alguém considerar-se desobrigado de recebê-la?
Fora do caso de impossibilidade, não, Senhor; porque ninguém pode salvar-se se não tem a graça especial que ela confere, graça que ninguém pode possuir se, ao menos, não tem desejo de receber sacramentalmente a Eucaristia quando possa (LXXX, 11).
Há dias assinalados pela Igreja em que os cristãos têm obrigação de recebê-la?
Sim, Senhor; tem-na todos, depois de convenientemente instruídos, quando cheguem ao uso da razão, uma vez no ano durante o tempo pascal e, em forma de viático, sempre que se achem em perigo de morte (Código Canônico, cânons 354, 859 e 864).
[O Cânon 920 do atual Código Canônico (1883) prescreve que todo fiel, depois que recebeu a sagrada Eucaristia pela primeira vez, tem a obrigação de receber a sagrada comunhão ao menos uma vez por ano (§1) e que esse preceito deve ser cumprido no período pascal, a não ser que, por justa causa, sejam confortados com a sagrada comunhão como viático (§2)].
É permitido recebê-la com mais frequência e até mesmo diariamente?
Sim, Senhor; e, além de permitido, é muito recomendável e proveitoso, se se levam as devidas disposições. (LXXX, 10).
Há obrigação de recebê-la sob as duas espécies?
Somente está obrigado o sacerdote celebrante. Quanto aos fiéis, devem conformar-se e obedecer ao disposto pela Igreja; e, de fato, na Igreja latina, somente sob a espécie de pão se administra (LXXX, 12).
Qual é habitualmente o tempo mais a propósito para recebê-la?
Durante a celebração da missa, depois de o sacerdote consumir, por ser o momento da consumação da imolação sacramental de Jesus Cristo, em cujo sacrifício intervém e participam quantos se chegam para recebê-lo.
Que disposições se requerem por parte do corpo?
Estar em jejum desde a meia noite (Ibid).
[O Cânon 919 (§1) do atual Código Canônico (1983) prescreve que quem vai receber a sagrada Eucaristia deve abster-se de qualquer comida ou bebida, excetuando-se somente água e remédio, no espaço de ao menos uma hora antes da sagrada Comunhão (com exceção para pessoas idosas e enfermas e para quem cuida delas (§3)].
Logo, nunca pode receber-se sem este requisito?
Exceto quando, em perigo de morte, se toma em forma de viático, não, Senhor. Sem embargo disso, a Igreja tem concedido aos enfermos que levam um mês de cama, sem esperança fundada de próximo restabelecimento, e com anuência de prudente confessor, o privilégio de receberem a sagrada comunhão uma ou duas vezes por semana, ainda que depois da meia-noite tenham tomado remédio ou alimento líquido (Código Canônico, cânon 858).
[O Cânon 921 (§1) do atual Código Canônico (1983) prescreve que, no caso de fieis em perigo de morte, proveniente de qualquer causa, sejam confortados com a sagrada comunhão como viático: mesmo que já tenham comungado nesse dia, recomenda-se vivamente que comunguem de novo aqueles que vierem a ficar em perigo de morte (§2) e, persistindo o perigo de morte, recomenda-se que seja administrada a eles a sagrada comunhão mais vezes em dias diferentes (§3)].
XXXV
DO MINISTRO DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA
Quem pode consagrar o sacramento da Eucaristia?
Somente os sacerdotes validamente ordenados segundo o rito da Igreja Católica (LXXXII, 1).
Quem pode distribuí-la aos fiéis?
Por lei ordinária, os mesmos sacerdotes; e, onde a Igreja permitir a comunhão sob as duas espécies, os diáconos distribuem o precioso sangue contido no Cálice; podem também administrá-la estes últimos em toda a Igreja sob a espécie do pão, em caso de necessidade e com delegação do sacerdote (LXXXII, 3).
Pode qualquer sacerdote, ainda que esteja em pecado mortal, consagrar e administrar o sacramento da Eucaristia?
Validamente e sem diminuir a eficácia do sacramento, sim, Senhor; comete, porém, gravíssimo pecado (LXXXII, 5).
Diminui o valor e eficácia da missa quando a celebra um sacerdote pecador e indigno?
O valor e eficácia da missa, quando é comemoração sacramental do sacrifício do calvário, em nada depende da santidade do celebrante. Porém, como diversas orações acompanham o sacrifício, alcançarão estas tanto maior grau de eficácia, quando maior for a devoção de quem as recite; todavia, ainda que o celebrante não tivesse nenhuma devoção, sempre ficará em pé a eficácia apoiada na devoção da Igreja em cujo nome se proferem (LXXXII, 6).
Podem consagrar os hereges, cismáticos e excomungados?
Licitamente, não Senhor; mas validamente, sim, contanto que estejam ordenados e tenham intenção de fazer o que faz a Igreja Católica (LXXXII, 7).
Pode consagrar validamente um sacerdote degradado?
Sim, Senhor; porque a degradação não pode lavar o caráter indelével do sacramento da Ordem (LXXXII, 8).
É lícito ouvir missa e receber a sagrada comunhão das mãos de um sacerdote herege, cismático, excomungado ou notoriamente pecador e indigno?
Está absolutamente proibido, sob pena de pecado mortal, ouvir missa ou receber a sagrada comunhão das mãos de um sacerdote herege, cismático ou excomungado. Quanto ao indigno, se a sua indignidade é pública e notória por sentença da Igreja, privando-o das faculdades de celebrar, está compreendido na proibição anterior; no caso contrário, não senhor (LXXXII, 9).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)