quarta-feira, 8 de março de 2023

BREVIÁRIO DIGITAL - LEGENDA ÁUREA (III)

São Sátiro sofreu o martírio com o seu irmão Saturnino, com Revocato, com a irmã deste, Felicidade*, e com Perpétua*, mulher de linhagem nobre. Como o procônsul pediu que oferecessem sacrifício aos ídolos e eles obstinadamente se recusaram, foram colocados na prisão. Sabendo disso, o pai de Perpétua correu à prisão dizendo: 'Filha, o que você fez? Desonrou sua família, jamais alguém de nossa linhagem foi preso'. Ao saber que sua filha era cristã, pulou sobre ela e quis arrancar-lhe os olhos com os dedos, depois foi embora urrando. A bem-aventurada Perpétua teve uma visão, que relatou no dia seguinte aos seus companheiros: 

Vi uma escada de ouro de admirável grandeza e que ia até ao Céu e era tão estreita que apenas uma pessoa, e pequena, podia subir por ela. À direita e à esquerda estavam fixadas lâminas e espadas de ferro pontiagudas e brilhantes, de sorte que quem subia não podia olhar nem em volta nem para baixo, sendo forçado a manter-se sempre reto, rumo ao Céu. Sob a escada, um dragão medonho e enorme amedrontava quem queria subir. Vi também Sátiro nos degraus do alto, olhando para nós e dizendo: 'Não temam esse dragão, subam com confiança a fim de estarem comigo'.
Ao ouvir isso, todos deram graças, porque souberam que eram chamados ao martírio. Foram levados diante do juiz e, como não quiseram oferecer sacrifício, ele mandou separar Saturnino e os outros homens das mulheres, e disse a Felicidade: 'Você tem marido?' Ela: 'Tenho, mas não me preocupo com ele'. E o juiz: 'Tenha piedade de você, jovem, a fim de viver, sobretudo porque carrega um filho em seu útero'. Ela respondeu: 'Faça de mim tudo que quiser, porque jamais poderá levar-me a ceder à sua vontade'. Os pais e o marido da beata Perpétua foram até ela e levaram seu filhinho ainda na lactância. Vendo-a em pé diante do prefeito, o pai de Perpétua caiu de rosto no chão dizendo: 'Minha queridíssima filha, tenha piedade de mim, de sua infeliz mãe que aqui está e desse marido desafortunado que não poderá sobreviver a você'. Mas Perpétua permanecia imóvel. Então seu pai colocou o filho no colo dela enquanto ele próprio, a mãe e o marido, segurando-lhe as mãos e beijando-a, diziam chorando: 'Tenha piedade de nós, filha, e viva conosco'. Mas ela afastando o filho e repelindo-os disse: 'Afastem-se de mim, inimigos de Deus, pois não os conheço'.

Vendo a firmeza dos mártires, o prefeito mandou chicoteá-los duramente e depois colocá-los na prisão. Os santos, muito aflitos com Felicidade, que estava no oitavo mês de gravidez, rezaram por ela e subitamente começaram as dores do parto e ela deu à luz um filho vivo. Um dos guardas disse: 'O que você fará quando estiver na presença do prefeito, se agora já sofre tão cruelmente?'. Felicidade respondeu: 'Agora sou eu que sofro, mas lá, será Deus que sofrerá no meu lugar'. Eles foram tirados da prisão de mãos atadas às costas e levados pelas ruas despidos. Entregues às feras, Sátiro e Perpétua foram devorados por leões, Revocato e Felicidade comidos por leopardos. Quanto ao bem-aventurado Saturnino, teve a cabeça cortada por volta do ano do Senhor de 256, sob o poder dos imperadores Valeriano e Galiano.

* Santas Perpétua e Felicidade - 07 de março

(Excertos da obra 'Legenda Áurea - Vidas de Santos, de Jacopo de Varazze)

Legenda Áurea constitui meramente um livro de devoção católica, acessível às pessoas comuns de todas as épocas, sem nenhum propósito de abordagem biográfica da vida dos santos sob o escopo da veracidade ou da confiabilidade histórica. Trata-se, portanto, de uma coletânea de fatos ficcionais e inverídicos (lendários) que, uma vez associados às virtudes heroicas específicas dos diferentes santos da Igreja, tinha por objetivo incrementar a devoção católica do leitor pelos santos para a sua própria santificação pessoal. Alguns deles serão publicados no blog. A excelência dos objetivos e resultados alcançados pela obra pode ser aferida pelo enorme sucesso das muitas e diversas versões e traduções realizadas desde a sua publicação original no século XIII.