quinta-feira, 1 de setembro de 2016

DA EXPLICAÇÃO DO MAGNIFICAT (I)


A minha alma glorifica o Senhor

Esse primeiro versículo, em latim Magnificat anima mea Dominum, contém quatro palavras apenas, mas cheias de grandes mistérios; considere­mo-las atentamente e com espírito de humildade, respeito e piedade, para que nos animemos a glorificar a Deus com a Bem-aventurada Virgem, pelas grandes e maravilhosas coisas que operou nela, por ela, para ela e também para nós.

A minha alma glorifica o Senhor: observai que a Bem-aventurada Virgem não diz Eu glorifico, mas minha alma glorifica o Senhor, para demonstrar que Ela O glorifica do mais íntimo do seu coração e com toda a extensão de suas possibilidades. Não O glorifica somente com os lábios e a língua, mas emprega todas as faculdades de sua alma, o entendimento, a memória, a vontade e todas as forças de sua alma.

E não O glorifica somente em seu nome particular, nem para satisfazer às infinitas obrigações que tem de fazê-lo pelos inconcebíveis favores que recebeu de sua divina bondade; mas glorifica-O em nome de todas as criaturas e por todas as graças que Ele concebeu a todos os homens, fazendo-se homem para salvar a todos, se quiserem corresponder aos desígnios do inconcebível amor que tem por eles. A minha alma glorifica o Senhor: qual é esta alma que a Bem-aventurada Virgem chama a sua alma? Respondo, em primeiro lugar, que acho num grande autor, o Cardeal Marcos Vigier, a opinião de que essa alma da Bem-aventurada Virgem, é o seu Filho Jesus, que é a alma de sua alma.

Em segundo lugar, respondo que essas palavras, anima mea, compreendem primeiro, a alma própria e natural que anima o corpo da sagrada Virgem; segundo, a alma do Divino Menino que ela traz no seio, alma unida tão estreitamente à sua que ambas formam, de certo modo, uma só alma, pois a criança que se acha em suas entranhas maternais é um só com a sua mãe. Terceiro, que essas palavras, anima mea, assinalam e compreendem todas as almas criadas à imagem e semelhança de Deus, que existiram, existem e existirão em todo o universo. 

Se São Paulo nos assegura que o Pai eterno 'nos deu, com seu Filho, todas as coisas', é evidente que deu também todas as coisas à sua Divina Mãe. Razão pela qual todas as almas lhe pertencem. E como a Virgem não ignora, e conhece também perfeitamente a sua obrigação de utilizar tudo quanto Deus lhe deu para honrá-lo e glorificá-lo, quando pronuncia as palavras A minha alma glorifica o Senhor, está considerando todas as almas que existiram, existem e existirão como almas que lhe pertencem. Ela a todas abrange para uni-las à alma de seu Filho, para empregá-las no louvor, exaltação e glorificação daquele que desceu do Céu e se encarnou em seu seio virginal para operar a grande obra da Redenção.

A minha alma glorifica o Senhor: qual é este Senhor? É o Senhor dos senhores, e o Senhor soberano e universal do céu e da terra. Este Senhor é o Pai eterno, este Senhor é o Filho, este Senhor é o Espírito Santo, três Pessoas divinas que são um só Deus e Senhor, e que têm uma só e mesma essência, poder, sabedoria, bondade e majestade. A Santíssima Virgem louva e glorifica o Pai eterno por havê-la associado a si em sua divina paternidade, tornando-a mãe do mesmo Filho de quem é o Pai. Ela glorifica o Filho de Deus por ter sido de sua vontade escolhê-la por mãe e ser o seu verdadeiro Filho. Glorifica o Espírito Santo, por ter querido realizar nela a maior de suas obras, isto é, o mistério adorável da Encarnação. Ela glorifica o Pai, o Filho e o Espírito Santo pelas infinitas graças que fizeram e têm o desígnio de fazer a todo o gênero humano.

(Da Explicação do Magnificat, de São João Eudes)