segunda-feira, 12 de maio de 2014

O SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Se o Santíssimo Sacramento é a obra-prima de Deus, a mais perfeita imagem dEle mesmo, a completa representação de Jesus, há que se concluir que nEle reside a vida da Igreja, pois que o Sacramento não é um dom concedido por Jesus, mas o próprio Jesus. Isto é verdade, quer consideremos o Santíssimo Sacramento em nossas relações com Ele, quer o consideremos em Suas relações conosco; em outros termos, quer o consideremos como devoção ou como um poder. Considerado sob um ou outro destes dois aspectos, o Santíssimo Sacramento tem dupla missão, sendo que é, ao mesmo tempo, um sacrifício e um sacramento.

A devoção do Santíssimo Sacramento é a rainha das devoções. É um centro, em torno do qual todas as outras devoções vêm se reunir e se agrupar, quais outros tantos satélites. Umas se destinam a celebrar os seus mistérios; mas a Eucaristia tem por fim celebrar ao próprio Jesus. É a devoção universal. Ninguém a pode dispensar, se quer ser cristão. Como poderá ser cristão, quem não adore a viva Presença de Cristo?

É a devoção de todos os países, de todos os séculos e de todas as idades. O caráter nacional não deixou nela nenhuma impressão, está alheia a qualquer influência de país, sangue ou governo; convêm igualmente a todas as classes, a todas as profissões, a todos os estados, a todos os temperamentos individuais. E assim deve ser, pois que é o culto de Deus convertido em devoção pela adição dos véus sacramentados. Ademais, é uma devoção cotidiana.

Todos os instantes lhe pertencem. Como sacrifício, a Eucaristia é uma expiação de todos os dias; como Sacramento, é o pão de cada dia dos fieis. É a razão de ser e o objeto de numerosas ordens religiosas, cuja vida toda e toda a energia vão se concentrar nela. A adoração Eucarística nunca se suspende um só momento no seio da Igreja. Há cidades, onde, em acontecendo cessar o culto do Santíssimo Sacramento numa igreja, logo se apressam os fieis em oferecer-lhe em outra igreja; e dia e noite, os habitantes velam e oram em Sua presença. Em inumeráveis conventos, ternas vítimas de reparação consagram o silêncio das noites a chorar e gemer perante o Seu Tabernáculo solitário.

Há países, onde piedosos seculares, homens e mulheres, se reúnem em associações para se revezarem, umas às outras, nas sucessivas horas de adoração. Em nosso hemisfério, como nos antípodas, se abrangermos em nossos piedosos cálculos toda a extensão da terra, acharemos que as Missas se sucedem sem interrupção durante as vinte e quatro horas diurnas. Que dizemos das inumeráveis preparações que precedem a Missa ou a santa Comunhão, e das ações de graças que a seguem? Se, em determinada hora, nos fosse possível contemplar o mundo inteiro ao mesmo tempo, veríamos multidões sem fim, absorvidas de coração e pensamento no Santíssimo Sacramento.

A poderosa influência da Eucaristia sobre a vida privada não é menos admirável. Achamo-la sem cessar contribuindo a fazer os homens mais felizes, desviando-os do pecado, adoçando o que era amargo, apaziguando o que estava irritado, vertendo o bálsamo salutar sobre as chagas do coração e dando ocasião a uma multidão de obras de misericórdia. A vida social, com o seu casamento e instituições domésticas, ressente-se constantemente da sua influência benéfica; e, no mundo político, quantas vezes não tem servido para reanimar a paz entre o governo e os súditos?

Ela mesma tem o poder de atrair os heréticos por uma espécie de encanto e, nestes corações puros e honestos, onde o erro se insinuou despercebido, ela faz ouvir sem ruído a sua doce voz; e assim tem recolhido mais almas ao rebanho de Pedro, do que os raciocínios cerrados dos mais hábeis controversistas ou a influência das palavras ardentes do homem piedoso que prega sinceramente por Jesus Crucificado. Nada poderá quebrar a aliança que existe entre o Santíssimo Sacramento e a vida espiritual das almas interiores: Ele as conduz para as alturas onde se aprendem a renúncia de si mesmo e as maravilhas da oração sobrenatural.

Quanto ao mundo ordinário, ao mundo moral, social, político, literário, devoto, eclesiástico e místico, o Santíssimo Sacramento paira por sobre eles, desde vinte séculos, com o seu poder fecundo, pacífico e criador. Ó turbilhão silencioso do amor divino! com que forças, a um tempo calma e irresistível, atrais as Vossas criaturas ao seio da Vossa amável influência e aos círculos interiores onde ela se exerce! Ah! em Vossa misericórdia dignai-Vos de nos atrair pelo caminho mais curto e mais seguro às profundezas do amor eterno, a estes abismos, a que enche a Visão Beatífica da Santíssima Trindade!

Sim, o Vosso nome é Jesus, porque salvareis o Vosso povo do pecado! Mas o Santíssimo Sacramento não constituí somente a vida devocional da Igreja; é por si mesmo um poder vivificante. Realmente Ele como que abrange a Igreja inteira e se multiplica para satisfazer a todas as necessidades da humanidade, redimida sem dúvida, mas ainda condenada aos rigores do exílio. Esta missão Ele a preenche de sete modos diferentes: pela Missa, pela Comunhão, pela Bênção, pela Residência no Tabernáculo, pela Exposição, pelo Viático e pela Procissão. São estes os sete mistérios principais de nosso Deus, oculto sob os véus sacramentais: cada um deles é animado de um espírito que lhe é próprio e opera de um modo particular que o distingue dos outros; é assim que os diversos mistérios da vida mortal de nosso Senhor diferenciam-se todos, um do outro. 

(Excertos da obra 'O Santíssimo Sacramento ou As obras e vias de Deus' do Pe. Frederick Faber, 1929).