terça-feira, 15 de dezembro de 2015

ASSIM FALOU O PADRE PIO


'Há, além disso, três virtudes que aperfeiçoam a pessoa devota no que diz respeito ao controle dos seus próprios sentidos. Estas são: a modéstia, a continência e a castidade. Em virtude da modéstia, a pessoa devota governa todos os seus atos exteriores. Com razão, então, São Paulo recomendou esta virtude a todos e declarou como é necessária e como se isso não bastasse, ele considera que esta virtude deveria ser óbvia para todos. Pela continência, a alma exercita a retenção de todos os sentidos: visão, tato, paladar, olfato e audição. Pela castidade, uma virtude que enobrece a nossa natureza e faz com que ela seja semelhante à dos Anjos, nós suprimimos a nossa sensualidade e a afastamos dos prazeres proibidos. Este é o retrato magnífico da perfeição cristã. Feliz aquele que possui todas estas belas virtudes, todas elas frutos do Espírito Santo que habita dentro de si. Essa alma não tem nada a temer e vai brilhar no mundo como o sol no céu'.

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Padre Pio não tolerava qualquer imodéstia no confessionário e sistematicamente despachava de imediato as mulheres que julgasse estarem indevidamente vestidas. As pessoas o censuravam, então, perguntando por que ele agia desta forma. 'Vocês não sabem', respondia ele 'a dor que me custa fechar a porta [do confessionário] a alguém. O Senhor tem me forçado a fazê-lo. Eu não chamo ninguém, nem recuso a ninguém. Existe Alguém que as chama, e que também as recusa. Eu sou apenas a Sua ferramenta inútil'.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

TEMPO DE ADVENTO - A PAZ DE ESPÍRITO

A paz, fruto do Espírito


Depois de refletir sobre a paz como dom de Deus em Cristo Jesus para toda a humanidade e sobre a paz como tarefa pela qual trabalhar, vamos agora falar da paz como fruto do Espírito. São Paulo coloca a paz em terceiro lugar entre os frutos do Espírito: 'O fruto do Espírito', diz ele, 'é amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio' (Gl 5, 22).

Descobrimos o que são os 'frutos do Espírito' ao analisar, justamente, o contexto dessa ideia. O contexto é o da luta entre a carne e o espírito, isto é, entre o princípio que regula a vida do homem velho, cheio de concupiscências e desejos terrenos, e o que regula a vida do homem novo, guiado pelo Espírito de Cristo. Na expressão 'frutos do Espírito', 'Espírito' não indica o Espírito Santo em si mesmo, mas o princípio da nova vida, ou 'o homem que se deixa guiar pelo Espírito'.

Diferentemente dos carismas, que são obra exclusiva do Espírito, que os dá a quem quer e quando quer, os frutos são o resultado de uma colaboração entre a graça e a liberdade. Eles são, portanto, o que hoje queremos dizer por virtude, se dermos a essa palavra o sentido bíblico de um agir habitual 'segundo Cristo', ou 'segundo o Espírito', em vez do sentido filosófico aristotélico de um agir habitual 'de acordo com a reta razão'. Além disso, os dons do Espírito são diferentes de pessoa para pessoa, enquanto os frutos do Espírito são os mesmos para todos. Nem todos na Igreja podem ser apóstolos, profetas, evangelistas; mas todos indistintamente, do primeiro ao último, podem e devem ser caridosos, pacientes, humildes, pacíficos.

A paz fruto do Espírito é, portanto, diferente da paz como dom de Deus e da paz como tarefa pela qual trabalhar. Ela indica a condição habitual (habitus), o estado de ânimo e o estilo de vida de quem, mediante o esforço e a vigilância, chegou a certa pacificação interior. A paz fruto do Espírito é a paz do coração. E é dessa coisa tão bela e tão desejada que vamos falar hoje. Ela é diferente, sim, da tarefa de sermos pacificadores, mas nos ajuda maravilhosamente a atingir este objetivo. O título da mensagem do papa João Paulo II para a Jornada Mundial da Paz de 1984 era 'A paz nasce de um coração novo'. E Francisco de Assis, ao mandar os seus frades para todo o mundo, lhes recomendava: 'A paz que anunciais com a boca, tende-a primeiro nos vossos corações'.

A paz interior na tradição espiritual da Igreja



Alcançar a paz interior ou do coração foi um empenho de todos os grandes buscadores de Deus ao longo dos séculos. No Oriente, a começar pelos Padres do deserto, esse empenho se concretizou no ideal da hesychia, da quietude, que ousou propor uma perspectiva altíssima, se não até sobre-humana: retirar da mente todo pensamento, retirar da vontade todo desejo, retirar da memória toda lembrança, para deixar à mente só o pensamento de Deus, à vontade só o desejo de Deus e à memória só a lembrança de Deus e de Cristo (a mneme Theou). Uma luta titânica contra os pensamentos (logismoi), não só os maus, mas também os bons. Exemplo extremo desta paz obtida com uma guerra feroz veio a ser, na tradição monástica, o monge Arsênio, que, à pergunta 'o que devo fazer para me salvar?', ouviu a resposta de Deus: 'Arsênio, foge, cala e mantém-te em quietude' [literalmente, pratica a hesychia].

Mais tarde, essa corrente espiritual dará espaço à prática da oração do coração, ou oração ininterrupta, ainda hoje amplamente praticada na cristandade oriental e da qual 'os contos de um peregrino russo' representam a expressão mais fascinante. No início, porém, ela não se identificava com essa prática. Era uma maneira de se chegar à perfeita tranquilidade do coração; não uma tranquilidade vazia, um fim em si mesma, mas uma tranquilidade plena, semelhante à dos bem-aventurados, um começar a viver na terra a condição dos santos no céu.

A tradição ocidental perseguiu o mesmo ideal, mas de outras maneiras, acessíveis tanto àqueles que praticam a vida contemplativa quanto aos que praticam uma vida ativa. A reflexão começa com Agostinho. Ele dedica um livro inteiro da Cidade de Deus a refletir sobre as diversas formas da paz, dando a cada uma delas uma definição que fez escola até a nossa época, incluindo a da paz como tranquillitas ordinis, a tranquilidade da ordem. Mas é principalmente com o que diz nas Confissões que ele influenciou os traços do ideal da paz do coração.

Ele dirige a Deus, no início do livro e como que de passagem, palavras destinadas a ter uma ressonância imensa em todo o pensamento posterior: 'Fizeste-nos para ti e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em ti'. Mais adiante, ele ilustra esta afirmação com o exemplo da gravidade. 'Na boa vontade está a nossa paz. Todo corpo, devido ao seu peso, tende ao lugar que lhe é próprio. Um peso não puxa somente para baixo, mas para o lugar que lhe é próprio. O fogo tende ao alto, a pedra ao chão, impulsionados ambos pelo seu peso a buscar o seu lugar… O meu peso é o meu amor; ele me leva para onde eu me levo'.

Enquanto estamos nesta terra, o lugar do nosso repouso é a vontade de Deus, o abandono aos seus quereres. 'Não se acha descanso se não se consente à vontade de Deus sem resistência'. Dante Alighieri resumirá este pensamento agostiniano em seu célebre verso: 'Na sua vontade está a nossa paz'. Só no céu é que esse lugar de repouso será Deus mesmo. Agostinho termina, por isto, a sua abordagem do tema da paz fazendo um elogio apaixonado à paz da Jerusalém do céu, que vale a pena ler para nos inflamarmos nós também do seu desejo: 'Há também a paz final … Naquela paz não é necessário que a razão domine os impulsos, porque eles não existirão, mas Deus dominará o homem, a alma espiritual o corpo e será tão grande a serenidade e a disponibilidade à submissão quanto é grande a delícia de viver e dominar. E então, em todos e em cada um, esta condição será eterna e teremos a certeza de que é eterna e, por isso, a paz de tal felicidade, ou seja, a felicidade de tal paz, será o sumo bem'.


A esperança desta paz eterna marcou toda a liturgia dos fiéis defuntos. Expressões como 'paz', 'na paz de Cristo', 'descanse em paz' são as mais frequentes nos túmulos dos cristãos e nas preces da Igreja. A Jerusalém celeste, com alusão à etimologia do nome, é definida como beata pacis visio, bem-aventurada visão de paz.

O caminho da paz



A concepção de Agostinho sobre a paz interior como adesão à vontade de Deus é confirmada e aprofundada pelos místicos. Meister Eckhart escreve: 'Nosso Senhor diz: ‘Somente em mim tereis a paz’ (cf. Jo 16,33). Quanto mais se penetra em Deus, mais se penetra na paz. Quem já tem o seu ‘eu’ em Deus tem a paz; quem tem o seu ‘eu’ fora de Deus não tem a paz'. Não se trata, pois, apenas de aderir à vontade de Deus, mas de não ter outra vontade senão a de Deus, de morrer de todo à própria vontade. A mesma coisa se lê, na forma de experiência vivida, em Santa Ângela de Foligno: 'A divina bondade, de duas vontades, fez só uma, de modo que não posso querer a não ser como Deus quer … Não me encontro mais na condição costumeira, mas fui conduzida a uma paz em que estou com Ele e contente de tudo'.

Outro desenvolvimento, mais ascético do que místico, é o de Santo Inácio de Loyola com a sua doutrina da 'santa indiferença'. Ela consiste em colocar-se em estado de total disponibilidade para acolher a vontade de Deus, renunciando, desde o começo, a toda preferência pessoal, como uma balança pronta a se inclinar para o lado que tiver o maior peso. A experiência da paz interior se torna assim o critério principal em todo discernimento. Deve ser considerada em conformidade com o querer de Deus a escolha que, após prolongada ponderação e oração, for acompanhada de maior paz do coração.

Nenhuma corrente espiritual saudável, porém, nem no Oriente, nem no Ocidente, jamais pensou que a paz do coração seja uma paz barata e sem esforço. A seita do 'livre Espírito' tentou argumentar o contrário na Idade Média, assim como o movimento quietista no século XVII, mas ambos foram condenados pela hierarquia e pela consciência da Igreja. Para manter e aumentar a paz do coração é preciso domar, momento a momento, em especial no início, uma revolta: a da carne contra o espírito.

Jesus tinha dito de mil maneiras: 'Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo'; 'quem ama a própria vida a perderá, mas quem perder a sua vida a encontrará' (Mc 8, 34). Existe uma falsa paz que Jesus diz que veio para tirar, e não para trazer à terra (cf. Mt 10, 34). Paulo traduzirá tudo isso em uma espécie de lei fundamental da vida cristã: 'Os que vivem segundo a carne gostam do que é carnal; os que vivem segundo o espírito apreciam as coisas que são do espírito. Ora, a aspiração da carne é a morte, enquanto a aspiração do espírito é a vida e a paz. Porque o desejo da carne é hostil a Deus, pois a carne não se submete à lei de Deus, nem o pode. Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus ... Se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras da carne, vivereis' (Rm 8, 5-13).

A última frase contém um ensinamento importantíssimo. O Espírito Santo não é a recompensa para os nossos esforços de mortificação, mas o que os torna possíveis e frutuosos; não só no final, mas também no início do processo: 'Se, mediante o Espírito, fizerdes morrer as obras do corpo, vivereis'. Neste sentido é que se diz que a paz é fruto do Espírito; é o resultado do nosso esforço, possibilitado pelo Espírito de Cristo. Uma mortificação voluntarista e confiante demais em si mesma pode se tornar, ela própria, uma obra da carne (e se tornará com frequência).

Entre aqueles que ilustraram ao longo dos séculos este caminho para a paz do coração, destaca-se, pela concretude e pelo realismo, o autor da Imitação de Cristo. Ele imagina uma espécie de diálogo entre o Divino Mestre e o discípulo, como entre um pai e seu filho: Mestre - 'Meu filho, hei de ensinar-te o caminho da paz e da verdadeira liberdade' ; Discípulo - 'Faze, Senhor, como dizes; de bom grado escutarei teus ensinamentos'; Mestre - 'Cuida, meu filho, de fazer a vontade dos outros em vez da tua própria. Escolhe sempre ter menos que mais. Procura sempre ocupar o lugar mais baixo e ser inferior a todos. Deseja sempre, e ora, para que em ti se faça inteiramente a vontade de Deus. O homem que assim procede entra no reino da paz e da tranquilidade'.

Outro meio sugerido ao discípulo é evitar a vã curiosidade: 'Filho, não sejas curioso; não te afanes inutilmente. Que te importa aquilo ou isto? ‘Tu, segue-me’ (Jo 21,22). Que te importa que tal pessoa seja assim ou diferente, ou que a outra aja e diga isso ou aquilo? Não terás que responder pelos outros, mas renderás contas de ti mesmo. Eis que eu conheço a todos, vejo tudo o que acontece sob o sol e sei a condição de cada um: o que pensa, o que quer, a que mira a sua intenção. Tudo deve ser, portanto, colocado em minhas mãos. E tu, mantém-te em paz segura, deixando os outros se agitarem a seu critério: o que eles fizerem recairá sobre eles, pois a mim não podem enganar' [Imitação de Cristo].

'Paz porque em ti tem confiança'



Sem a pretensão de substituir esses meios ascéticos tradicionais, a espiritualidade moderna enfatiza outros meios mais positivos para se manter a paz interior. O primeiro é a confiança e o abandono em Deus. 'Tu lhe assegurarás a paz, paz porque em ti tem confiança', lemos em Isaías (26, 3). Jesus, no Evangelho, motiva o seu convite a não temermos e a não nos inquietarmos com o amanhã no fato de que o Pai Celestial sabe do que precisamos, ele que alimenta as aves do céu e veste os lírios do campo (cf. Mt 6, 5).

Esta é a paz de que Santa Teresa do Menino Jesus se tornou mestra e modelo. Um exemplo heroico desta paz que vem da confiança em Deus também vem do mártir do nazismo Dietrich Bonhöffer. Preso e em aguardo da execução, ele escreveu alguns versos que se tornaram um hino litúrgico em muitos países anglo-saxônicos: 'Envoltos em maravilha por forças amigas, esperamos confiantes o porvir. Deus está conosco de noite e de manhã, estará conosco em cada novo dia'.

Um estudioso franciscano, Eloi Leclerc, em seu livro A sabedoria de um pobre, relata como Francisco de Assis encontrou a paz num momento de profunda perturbação. Ele estava entristecido com a resistência de alguns ao seu ideal e sentia o peso da responsabilidade pela numerosa família que Deus lhe tinha confiado. Partiu de Verna e foi a São Damião para se encontrar com Clara. Clara o escutou e, para dar-lhe ânimo, apresentou-lhe um exemplo: 'Suponhamos que uma de nossas irmãs viesse pedir-me desculpas por ter quebrado um objeto. Bem, eu lhe faria, sem dúvida, uma observação e lhe daria, como de costume, uma penitência. Mas se ela viesse dizer-me que havia posto fogo ao convento e que tudo foi queimado ou quase, creio que, neste caso, eu nada teria a dizer. Eu me surpreenderia perante um evento maior que eu. A destruição do convento é um fato grande em demasia para que eu possa ficar por ele profundamente perturbada. O que o próprio Deus construiu não pode basear-se na vontade ou no capricho de uma criatura humana. O edifício de Deus se alicerça em bases muito mais sólidas'.

Francisco compreendeu a lição e respondeu: 'O porvir desta grande família religiosa que o Senhor confiou aos meus cuidados constitui um fato importante demais para que possa depender de mim sozinho e das minhas frágeis forças e para que eu fique por ele perturbado. É um fato de Deus. Bem o disseste. Mas reza para que esta palavra floresça em mim como semente de paz'. O Pobrezinho retornou resserenado para junto dos seus, repetindo para si mesmo ao longo do caminho: 'Deus existe e isto basta! Deus existe e isto basta!'. Não é um episódio historicamente documentado, mas interpreta bem, no estilo dos Fioretti, um momento da vida de Francisco.

Nós nos aproximamos do Natal e eu gostaria de destacar o que considero o meio mais eficaz para conservarmos a paz do coração: a certeza de sermos amados por Deus. 'Paz na terra aos homens por Deus amados', ou, literalmente, 'Paz na terra aos homens do (divino) beneplácito (eudokia)' (Lc 2, 14). A Vulgata traduzia esse termo como 'boa vontade' (bonae voluntatis), entendendo com ela a boa vontade dos homens, ou os homens de boa vontade. Mas é uma interpretação errada, hoje reconhecida por todos como tal, embora, por deferência à tradição, o Glória da Missa continue dizendo, pelo menos em alguns idiomas, 'e paz na terra aos homens de boa vontade'. As descobertas de Qumran trouxeram a prova definitiva. 'Homens, ou filhos, da benevolência' é como são chamados, em Qumran, os filhos da luz, os eleitos da seita. Trata-se dos homens que são objeto da benevolência divina.

Para os essênios de Qumran, 'o divino beneplácito' discrimina; aplica-se somente aos adeptos da seita. No Evangelho, 'os homens da divina benevolência' são todos os homens, sem exceção. É como dizer 'os homens nascidos de mulher': não se quer dizer que alguns nasceram de mulher e outros não; o que se quer é caracterizar a todos os homens de acordo com a sua maneira de vir ao mundo. Se a paz fosse concedida aos homens pela sua 'boa vontade', seria limitada a poucos, àqueles que a merecem; mas, como ela é concedida pela boa vontade de Deus, pela graça, é oferecida a todos.

Assueta vilescunt, diziam os latinos; as coisas repetidas muitas vezes perdem vigor, e isto acontece, infelizmente, também com as palavras de Deus. Temos que fazer com que isto não aconteça neste Natal. As palavras de Deus são como fios elétricos desencapados. Se os tocamos, levamos um choque; já se não houver corrente ou estivermos de luvas isolantes, podemos manejá-los como quisermos e não receberemos choque algum. O poder e a luz do Espírito estão sempre em ato, mas depende de nós recebê-los, por meio da fé, do querer e da oração. Quanta força, quanta novidade continham aquelas palavras, 'Paz na terra aos homens amados pelo Senhor', quando foram proclamadas pela primeira vez! Devemos renovar o nosso ouvido, como o ouvido dos pastores que as ouviram pela primeira vez e, 'sem demora', se puseram a caminho.

São Paulo nos indica um modo de superar todas as nossas ansiedades e reencontrar toda vez a paz de coração, mediante a certeza de sermos amados por Deus. Escreve ele: 'Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas que por todos nós o entregou, como não nos dará também com ele todas as coisas? ... Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? ... Mas, em todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou' (Rm 8, 31-37). 

A perseguição, os perigos, a espada não são uma lista abstrata ou imaginária; são os motivos de angústia que ele experimentou, de fato, na vida; ele os descreve amplamente na segunda carta aos coríntios (2 Cor 11, 23). O apóstolo os revisa na mente e constata que nenhum é forte o suficiente para resistir à comparação com o pensamento do amor de Deus. Implicitamente, o Apóstolo nos convida a fazer o mesmo: olhar para a nossa vida tal como ela se apresenta, trazer à tona os medos e motivos de tristeza aninhados nela e que não nos deixam aceitar serenamente a nós mesmos: aquele complexo, aquele defeito físico ou moral, aquele insucesso, aquela lembrança dolorosa; expor tudo isso à luz do pensamento de que Deus nos ama e concluir com o Apóstolo: 'Em todas estas coisas, posso ser mais do que vencedor, pela virtude daquele que me amou'.

Da sua vida pessoal, o Apóstolo passa, logo em seguida, a considerar o mundo ao seu redor. Ele escreve: 'Pois estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso Senhor' (Rm 8, 37-39).

Ele observa o 'seu' mundo, com os poderes que o tornavam ameaçador: a morte com o seu mistério, a vida presente com as suas seduções, as forças astrais ou infernais que incutiam tanto terror ao homem velho. Somos convidados, nós também, a fazer o mesmo: olhar, à luz do amor de Deus, para o mundo que nos rodeia e que nos faz ter medo. O que Paulo chama de 'altura' e 'profundidade' são para nós o infinitamente grande e o infinitamente pequeno, o universo e o átomo. Tudo está pronto para nos esmagar; o homem é fraco e sozinho num universo muito maior do que ele e, além disso, ainda mais ameaçador agora, com as atuais descobertas científicas, as guerras, as doenças incuráveis, o terrorismo... Mas nada disso pode nos separar do amor de Deus. Deus existe e isto basta!

Santa Teresa de Ávila nos deixou uma espécie de testamento, que nos convém repetir toda vez que precisarmos reencontrar a paz do coração: 'Nada te perturbe, nada te assuste; tudo passa, Deus não muda; a paciência consegue tudo; a quem tem Deus, nada falta. Só Deus basta'. Que o Natal de nosso Senhor, Santo Padre, veneráveis padres, irmãos e irmãs, seja realmente para nós, como dizia São Leão Magno, 'o natal da paz'! Das três dimensões da paz: a paz entre o céu e a terra, a paz entre todos os povos e a paz em nossos corações.

(Pregações do Advento, do Pe Raniero Cantalamessa, tradução de Zenit)

domingo, 13 de dezembro de 2015

'QUE DEVEMOS FAZER?'

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo do Advento


Neste domingo, Terceiro Domingo do Advento, mais uma vez, a mensagem profética que ressoa pelos tempos vem da boca de João Batista. Em Betânia, além do Jordão, diante da expectativa da chegada do Messias e da interrogação dos sacerdotes e dos levitas sobre a sua identidade, João Batista foi sucinto e categórico em suas respostas: 'Eu não sou o Cristo'. 'Eu não sou Elias'. 'Eu não sou o Profeta'. E sintetiza tudo: 'Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias' (Lc 3, 16). Eis o primado de João: Jesus vem, a sua Vinda é iminente: alegrai-vos todos porque o céu vai tocar a terra e fazer novas todas as coisas.

Eis o Advento do Senhor: depois da vigilância e da conversão, vivenciados nos domingos anteriores, segue agora o ressoar das trombetas da legítima alegria cristã neste terceiro domingo. Sim, alegria cristã, alegria plena do amor de Cristo, proclamada nas palavras do Profeta Sofonias: 'alegra-te e exulta de todo o coração, cidade de Jerusalém!' (Sf 3, 14) e também na Carta de São Paulo aos Filipenses: 'Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos' (Fl 4, 4). Neste deleite da graça, esparge-se a luz do entendimento da fé e amolda-se suavemente a paz divina ao coração humano que palpita inquieto enquanto não repousar definitivamente em Deus.

Eis, então, a pergunta das multidões ansiosas, confiantes, vigilantes, convertidas - a João Batista: 'Que devemos fazer?' (Lc 3, 10). Assim perguntaram os levitas e os sacerdotes, assim perguntaram os soldados, assim perguntaram os cobradores de impostos. E, assim, perguntamos nós e os homens de todos os tempos, no sentido de experimentarmos verdadeiramente a alegria do Senhor, a paz definitiva, a fé que move montanhas e inquieta os corações humanos. A resposta de Jesus é essa: 'Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei' (Jo 15,12). Eis aí a alegria cristã em plenitude, porta que nunca se abre para dentro, à espera que o bem se realize e a luz de fora inunde o nosso interior de graças e bênçãos; não, esta travessia de santidade impõe abrir o nosso coração ao outro, amor de doação que se nutre do bem que se faz e não do bem que se usufrui. Conhecedores desta verdade, poderemos efetivamente compreender, nos umbrais da verdadeira alegria cristã no Senhor, as palavras testamentais de Paulo: 'não sou eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim' (Gal 2,20).

sábado, 12 de dezembro de 2015

GLÓRIAS DE MARIA: NOSSA SENHORA DE GUADALUPE

12 de dezembro - Solenidade de Nossa Senhora de Guadalupe  
Padroeira da América Latina
                      

(Arcos de Pilares)

 'Canção para Nossa Senhora de Guadalupe' (em inglês), cantada por Molly Chesna, então com 11 anos (com a melodia da música 'Pescadores de Homens'), com muitas imagens da história destas aparições.

1 - You are the fountain of my life; under your shadow, in your protection, I fear no evil… no pain no worry. 

Refrain: O Maria, O most merciful Mother, gentle Virgin with the name Guadalupe. On a mountain we find roses in winter; all the world has been touched by your love. 

2 - Here in the crossing of your arms, could there be anything... else that I need? Nothing discourage nothing depress me. 
3 - You are the star of the ocean; my boat is small and the waves are so high; but with you to guide me I’ll reach my homeland. 
4 - You are the dawn of a new day, for you give birth to the Son of the Father; all of my lifetime I’ll walk beside you.

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1 - Você é a fonte da minha vida; sob a sua sombra, em sua proteção, não temerei mal algum... nenhuma dor, nenhuma preocupação.

Refrão: Ó Maria, Mãe misericordiosa, Virgem gentil, com o nome de Guadalupe. Em uma montanha, nós encontramos rosas no inverno e todo o mundo foi tocado por seu amor.

2 - Aqui no acolhimento dos seus braços, poderia haver alguma coisa, algo mais que possa precisar? Nada a me desencorajar, nada a me deprimir.
3 - Você é a estrela do oceano; meu barco é pequeno e as ondas são tão fortes! Mas, com você para me guiar, eu vou chegar ao meu porto seguro.
4 - Você é como a aurora de um novo dia em que dá a luz ao Filho de Deus; toda a minha vida hei de caminhar ao seu lado.

Nossa Senhora de Guadalupe, rogai por nós!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

TEMPO DE ADVENTO - SÃO JOSEMARIA ESCRIVÁ

O tempo do Advento

Chegou o Advento. Que bom tempo para remoçar o desejo, o anelo, as ânsias sinceras pela vinda de Cristo, pela sua vinda cotidiana à tua alma na Eucaristia! Ecce veniet! - está a chegar!, anima-nos a Igreja. 
(Forja, 548)

Os inimigos da alma

Começa hoje o tempo do Advento e é bom que tenhamos considerado as insídias destes inimigos da alma: a desordem da sensualidade e a leviandade; o desatino da razão que se opõe ao Senhor; a presunção altaneira, esterilizadora do amor a Deus e às criaturas. Todas estas disposições de ânimo são obstáculos certos e o seu poder perturbador é grande. Por isso a liturgia faz-nos implorar a misericórdia divina: 'a ti elevo a minha alma, Senhor, meu Deus. E em ti confio; não seja eu confundido! Não riam de mim os meus inimigos' (Sl 24, 1-3), rezamos no introito. E na antífona do ofertório iremos repetir: 'espero em ti, que eu não seja confundido!' 

Agora que se aproxima o tempo da salvação, dá gosto ouvir dos lábios de São Paulo: 'depois de Deus, Nosso Salvador, ter manifestado a sua benignidade e o seu amor para com os homens, libertou-nos, não pelas obras de justiça que tivéssemos feito, mas por sua misericórdia' (Tt 3, 5).
(Cristo que passa, 7)

A contar os dias que faltam

'Olhai e levantai as vossas cabeças porque está próxima a vossa redenção', lemos no Evangelho. O tempo do Advento é o tempo da esperança. Todo o panorama da nossa vocação cristã, a unidade de vida que tem como nervo a presença de Deus, Nosso Pai, pode e deve ser uma realidade diária.

Nada mais queria dizer-vos neste primeiro domingo do Advento, quando já começamos a contar os dias que nos aproximam do Natal do Salvador. Vimos a realidade da vocação cristã, ou seja, como o Senhor confiou em nós para levar as almas à santidade, para as aproximar d'Ele, para as unir à Igreja e estender o reino de Deus a todos os corações. O Senhor quer-nos entregues, fiéis, dedicados, com amor. Quer-nos santos, muito seus.
(Cristo que passa, 11)

Para ouvir a Deus

Se recorrermos à Sagrada Escritura, veremos como a humildade é um requisito indispensável para nos dispormos a ouvir Deus. Onde há humildade há sabedoria, explica o livro dos Provérbios. A humildade consiste em nos vermos como somos, sem disfarces, com verdade. E ao compreendermos que não valemos quase nada, abrimo-nos à grandeza de Deus. Esta é a nossa grandeza.

Que bem o compreendia Nossa Senhora, a Santa Mãe de Jesus, a criatura mais excelsa de todas as que existiram e hão de existir sobre a terra! Maria glorifica o poder do Senhor, que depôs do trono os poderosos e elevou os humildes. E canta que n'Ela se realizou uma vez mais esta providência divina: porque olhou para a baixeza da sua escrava; portanto, 'eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada'.

Maria manifesta-se santamente transformada, no seu coração puríssimo, em face da humildade de Deus: 'o Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. E, por isso mesmo, o Santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus'. A humildade da Virgem é consequência desse abismo insondável de graça, que se opera com a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade nas entranhas da sua Mãe sempre Imaculada.
(Amigos de Deus, 96)

Todos esperam ser salvos

Jesus Christus, Deus Homo - Jesus Cristo, Deus-Homem! Eis uma magnalia Dei, uma das maravilhas de Deus em que temos de meditar e que temos de agradecer a este Senhor que veio trazer a paz na terra aos homens de boa vontade, a todos os homens que querem unir a sua vontade à Vontade boa de Deus. Não só aos ricos, nem só aos pobres! A todos os homens, a todos os irmãos! Pois irmãos somos todos em Jesus; filhos de Deus, irmãos de Cristo. Sua Mãe é nossa Mãe.
(Cristo que passa, 13)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

500 ANOS DO NASCIMENTO DE SANTA TERESA DE ÁVILA (II)

SANTA TERESA DE ÁVILA (1515 - 2015)

  • Que se guardem das ocasiões.
Para que vejam a sua misericórdia e o grande bem que foi para mim não ter deixado a oração e lição, direi aqui - pois importa tanto que isto se entenda - a bateria que faz o demônio a uma alma, a fim de a ganhar, e o artifício e misericórdia com que o Senhor procura chamá-la de novo a Si, e se guardem dos perigos de que não me guardei. E sobretudo, por amor de Nosso Senhor e pelo grande amor com que nos anda atraindo para que voltemos a Ele, peço que se guardem das ocasiões; uma vez metidas nelas, não há que fiar quando tantos inimigos nos combatem e tantas fraquezas há em nós para nos defendermos  (Livro da Vida, 8.10).

  • Quem deveras ama a Deus, todo o bem ama.

Quem deveras ama a Deus, todo o bem ama, todo o bem quer, todo o bem favorece, todo o bem louva, com os bons se junta sempre e os favorece e defende; não ama senão verdades e coisa que seja digna de se amar. Pensais que é possível, a quem mui deveras ama a Deus, amar vaidades, ou riquezas, ou coisas de deleites do mundo, ou honras, ou que tenha contendas ou invejas? Não, que nem pode; e tudo, porque não pretende outra coisa senão contentar ao Amado. Andam estes morrendo para que Ele os ame, e estas dariam a vida para entender como mais Lhe hão de agradar. Que o amor de Deus, se deveras é amor, é impossível que esteja muito encoberto. Senão, olhai um São Paulo, uma Madalena: em três dias um começou a dar mostras de estar enfermo de amor: foi São Paulo. Quanto a Madalena, desde o primeiro dia; e como o deu bem a entender! Que vivam o amor: há mais e há menos; e assim se dá a conhecer conforme a força que ele tem. Se é pouco, dá-se pouco a conhecer; se é muito, muito; mas pouco ou muito, caso haja amor de Deus, sempre se conhece (Caminho da Perfeição, 40.3).

  • Toda eu me perturbei por O ver assim.

Andava pois já a minha alma cansada e, embora quisesse, não a deixavam descansar os ruins costumes que tinha. Aconteceu-me que, entrando eu um dia no oratório, vi uma imagem, que para ali trouxeram a guardar; tinham-na ido buscar para certa festa que se fazia na casa. Era a de Cristo muito chagado e tão devota que, ao por nela os olhos, toda eu me perturbei por O ver assim, porque representava bem o que passou por nós. Foi tanto o que senti por tão mal Lhe ter agradecido aquelas chagas, que o coração, me parece, se me partia e arrojei-me junto d' Ele com grandíssimo derramamento de lágrimas, suplicando-Lhe me fortalecesse de uma vez para sempre para não O ofender. 

Eu era muito devota da gloriosa Madalena e muitas, muitas vezes, pensava na sua conversão, em especial quando comungava. Como sabia de certeza que o Senhor estava ali dentro de mim, punha-me a Seus pés, parecendo-me que não eram de rejeitar as minhas lágrimas; nem mesmo sabia o que dizia, que muito fazia Ele consentindo que eu as derramasse por sua causa, pois tão depressa olvidava aquele sentimento. Encomendava-me àquela gloriosa santa para que me alcançasse perdão. Mas, esta última vez, desta imagem que digo, parece-me que me aproveitou mais, porque estava já muito desconfiada de mim e punha toda a minha confiança em Deus. Penso que Lhe disse então que não me levantaria dali até que fizesse o que Lhe suplicava. Creio certamente que me aproveitou, porque fui melhorando muito desde então  (Livro da Vida, 9.1-3).

  • Comece por não se espantar com a cruz.

Assim, torno a avisar - e ainda que o diga muitas vezes nada se perde com isso - pois importa muito: de securas, de inquietação e distraimento dos pensamentos, ninguém se deprima nem aflija. Se quer ganhar liberdade de espírito e não andar sempre atribulado, comece por não se espantar com a cruz e verá como o Senhor também lha ajuda a levar, e o contento com que anda e o proveito que tira de tudo. Porque já se vê que, se do poço não mana água, nós não lha podemos por. Verdade é que não havemos de ficar descuidados para a tirar, quando a haja; porque então já Deus quer, por este meio, multiplicar as virtudes (Livro da Vida, 11.17).

  • Lembrar o pouco que tudo dura, e como tudo é nada.

Por isto e por muitas outras coisas, avisei eu no primeiro modo de oração -na primeira água - o muito que importa começarem as almas a terem oração, indo-se desapegando de todo o gênero de contentamentos e entrarem nela determinadas única e somente a ajudarem Cristo a levar a cruz, como bons cavaleiros que, sem soldo algum, querem servir a seu Rei, pois sabem que têm a paga bem segura. E olhos postos no verdadeiro e perpétuo reino que pretendemos ganhar! Grandíssima coisa é ter-se isto sempre bem presente, em especial nos princípios. Depois vê-se mui claramente que mais preciso é esquecê-lo para poder viver; do que procurá-lo: lembrar o pouco que tudo dura, e como tudo é nada e o nada em que se há-de apreciar o descanso (Livro da Vida, 15.11).