sábado, 8 de julho de 2023

OS GRANDES SINAIS PRECURSORES DO JUÍZO FINAL (VIII/Final)

      

Et tunc parebit signum Filii hominis in cælo et tunc plangent omnes tribus terræ et videbunt Filium hominis venientem in nubibus cæli cum virtute multa et majestate

Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem. Todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu cercado de glória e de majestade' (Mt 24,30)

Segunda Parte

Esta conclusão não é minha, mas de Jesus Cristo, como Ele próprio nos diz claramente no Evangelho de São Mateus. Porque, depois de falar da incerteza do último dia e de dizer que nenhum homem ou anjo não sabe nada sobre ele, acrescenta: 'Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora virá o vosso Senhor'¹¹. Estai preparados como um pai de família que espera a entrada de um ladrão e não sabe quando ele virá. 'Vigiai, pois' - diz Ele, depois de ter predito os sinais que o precedem, 'porque não sabeis quando virá o senhor da casa: à tarde, ou à meia-noite, ou ao cantar do galo, ou de manhã e para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo'¹². E para que não se pense que esta advertência se destinava apenas aos discípulos, acrescenta as seguintes palavras: 'E o que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai'¹³; preparai-vos para a Minha vinda; fazei penitência pelos vossos pecados; ordenai as vossas vidas de modo que, quando o Juiz vier, vos encontre em estado de graça santificante; caso contrário, o fogo que consumir os vossos corpos será apenas um prelúdio das chamas eternas do inferno.

Mas, pensais, em que isso nos diz respeito? Só interessa àqueles que estarão no mundo depois de os sinais terem desaparecido; não há, portanto, receio de vivermos até ao último dia. Mas, meus caros irmãos, quem é que nos disse isso? Alguém pode apresentar um documento que o ateste? A maior parte dos presságios que anunciam o fim do mundo já não foram vistos? Não estão ainda para ser vistos? 'Levantar-se-á nação contra nação' - diz Nosso Senhor, falando dos sinais do julgamento final - 'e reino contra reino'. Não nos mostrou já a triste experiência a verdade desta profecia, e não a vemos ainda verificada? 'E haverá grandes terremotos em vários lugares, e pestes, fomes, e terrores no céu, e haverá grandes sinais'¹⁴. Não já os vê no mundo? 'E, por se ter multiplicado a iniquidade, a caridade de muitos esfriará'¹⁵. Infelizmente não é isto demasiado verdadeiro nos nossos dias para muitos católicos incluídos no povo escolhido por Deus? Onde encontramos agora alguma caraterística dos primeiros cristãos que tinham um só coração e uma só alma? O próprio nome deles era suficiente entre os pagãos para absolvê-los de qualquer suspeita de crime. O orgulho, a vaidade, a avareza, a traição, a injustiça, a intemperança, a impureza, não atingiram o seu mais alto grau? Não se iniciou já o desmembramento do Império Romano, que é um dos sinais mais próximos da aproximação do fim do mundo? Que mais esperamos? A vinda do Anticristo? Mas, tanto quanto sabemos, ele já pode estar no mundo. O seu reinado e a sua perseguição aos cristãos durarão três anos e meio; não sabemos quanto tempo haverá de intervalo entre isso e o último dia e, portanto, é perfeitamente possível que alguns de nós vejam o fim do mundo.

Mas, seja como for, talvez não vivamos até o último dia. Estar sempre preparado para esse dia significa aproveitar os sinais de alerta, a fim de estar pronto para resistir às tentações e perseguições com que o Anticristo tentará perverter a humanidade. Mas, ainda que não corramos perigo da parte dele, e que o mundo dure mais mil anos, convém que cada um de nós esteja sempre em guarda e se prepare com todo o cuidado, para que tudo nos seja favorável no juízo final. Escutai o que diz Santo Agostinho: 'Qualquer que seja o estado em que cada um se encontre no fim da vida, também nesse estado o encontrará o último dia do mundo'¹⁶; porque, assim como o homem morre, assim será julgado no último dia. Se eu morrer em estado de graça, não preciso temer o julgamento mas sim me alegrar com ele; o reino dos céus, a sociedade dos eleitos estará certamente aberta para mim. Se eu morrer no estado de pecado, não tenho nada de bom para esperar no último dia, e o fogo do inferno entre os réprobos é e será o meu destino para sempre. Portanto, o julgamento que me espera no último dia depende da minha morte e do último dia da minha vida; assim, como devo estar sempre preparado para esse dia, assim também devo estar sempre pronto para a hora da morte. Ora, quem me poderá dizer quando chegará essa hora ou onde ela me encontrará? Só Deus o sabe; de modo algum devo esperar que um mensageiro seja enviado para me avisar. Não sei se será depois de dez ou vinte anos, hoje ou amanhã, ou mesmo nesta mesma hora em que vos prego. Uma coisa eu sei, e é isso o que o Senhor me avisou e a todos os homens: 'Por isso, estai vós também preparados, porque não sabeis a que hora virá o Filho do Homem'¹⁷. Na hora em que não estiverdes a pensar nisso, a morte virá e levar-vos-á para fora deste mundo, perante o tribunal de Deus, para o julgamento particular e a sentença que receberdes então, e nenhuma outra, será a que ouvireis no julgamento final.

Portanto, meus queridos irmãos, a conclusão é evidente; cada um de nós que valoriza a sua alma e a sua salvação deve e precisa estar pronto para a vinda do Juiz. E digo 'estar pronto', porque será demasiado tarde para começar a preparar-se quando o Juiz bater à porta; e então será para sempre demasiado tarde. 'Vigiai, pois' - digo eu, ou melhor, diz Nosso Senhor - 'porque não sabeis a que hora virá o vosso Senhor'. E como não podeis sabê-lo, ficai sempre de guarda; conservai-vos na amizade de Deus; que ninguém se atreva a permanecer um quarto de hora sequer em inimizade com Ele, no estado de pecado mortal; porque talvez durante esse quarto de hora a morte venha inesperadamente e vos apresse para o tribunal. 'Se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada'¹⁸ e tomaria medidas para evitar que os seus bens fossem roubados. E, se soubéssemos a hora da nossa morte, será que algum de nós seria tão imprudente a ponto de não se arrepender antecipadamente dos seus pecados e de se reconciliar com Deus? Mas, como não sabemos essa hora e como qualquer hora pode ser a nossa última, devemos estar sempre atentos a esse importante ofício e estar prontos para a longa jornada para a eternidade.

Tende sempre presente na vossa mente a incerteza da hora da morte, na qual tereis de comparecer perante Deus para serdes rigorosamente julgados por Ele. Pois as vidas imprudentes que tantos cristãos levam podem ser atribuídas ao esquecimento do último fim, e temos a autoridade do Espírito Santo para isso: 'Lembra-te do teu último fim e nunca pecarás'¹⁹. Ouçam a estratégia astuta, mas muito santa, empregada por um certo sacerdote que era muito hábil na arte de converter almas. Um homem velho em idade e maldade veio até ele para se confessar, e contou-lhe uma longa história de iniquidade; o padre, percebendo que tinha um caso difícil para lidar, impôs-lhe como penitência um jejum de um ou dois dias. O homem exclamou: 'não posso jejuar; pois dá-me tonturas!' 'Então' - disse o sacerdote - 'use um cilício'. 'Um cilício, o que é isso?' - perguntou o homem. 'É um cinto feito de uma corda grossa que se usa no corpo junto à pele como penitência', respondeu o padre. 'Padre' - disse o homem - 'estou demasiado velho e fraco para usar uma coisa dessas!' 'Está bem, então queres experimentar uma mortificação maior e açoitar-te algumas vezes por semana?' - 'Não, isso é ainda pior para um pobre velho como eu! Por favor, me dê uma penitência mais leve'. O padre condescendeu: 'Vá e reze o terço uma vez por dia, de joelhos' - 'Não posso fazer isso porque não consigo ficar de joelhos'. 'Pois bem, já que nenhuma dessas penitências lhe convém, tudo o que lhe imponho é que se coloque diante do espelho todas as manhãs quando se levantar e todas as noites antes de se deitar, e aí acaricie a sua longa barba com a mão durante algum tempo'. O velho achou graça em tal penitência, mas aceitou-a de bom grado porque lhe parecia leve. Depois de ter acariciado a barba durante alguns dias da forma prescrita, observou que o seu cabelo estava a ficar grisalho, e era precisamente isso que o padre queria. 'Eis que o inverno já chegou para mim' - pensou o homem - 'e estou a aproximar-me da sepultura e não tarda muito! E o que será de mim depois da vida de pecado que tenho levado? E tenho feito tão pouco bem!'. A princípio, este pensamento encheu-o de desânimo, mas a graça de Deus o tocou e então ele retornou ao sacerdote com lágrimas de contrição nos olhos, repetiu a sua confissão com muitos suspiros e gemidos, e disse: 'Padre, eu posso ajoelhar-me, jejuar, usar uma cinta penitencial e tudo o mais, seja o que for, vou fazer de muito boa vontade; não há penitência demasiado dura para os meus pecados; nenhuma que eu não esteja pronto a aceitar, para que possa pelo menos começar a me preparar para a morte que agora vejo que está tão próxima de mim'. E, assim, passou a levar uma vida tão penitente que o seu confessor teve de o refrear, em vez de o incitar, na prática da mortificação.

Meus caros irmãos, não posso dar o mesmo conselho a todos os presentes, pois alguns de vós não tendes cabelos brancos para contemplar no espelho. E é precisamente isso que serve de desculpa a muitos. Oh, dizem eles, ainda não sou velho; ainda sou jovem, forte e saudável; não corro perigo de morte; não há pressa para mim; posso começar mais tarde a emendar a minha vida e a preparar-me para a morte... Ai desse miserável 'mais tarde'! Não sou velho! Ainda sou jovem! Quantos milhares de almas foram lançadas no inferno por essas desculpas! Quereis dizer, então, que os jovens não podem morrer? Mas muito poucos chegam à velhice; a maior parte das pessoas morre nos seus melhores anos; e ninguém sabe a hora em que o Senhor virá buscá-lo; de modo que tanto os jovens como os velhos devem estar sempre preparados. Mais tarde emendareis, dizeis. O quê! exclama Santo Agostinho, mais tarde? 'Quem pensa assim engana-se a si próprio e trata a sua morte como uma brincadeira'²⁰. Considerai o grande risco do último dia e o que dele depende. Nada menos que as alegrias eternas ou os tormentos eternos! Não é uma brincadeira de criança! Será que o céu é tão insignificante que se possa permitir que ele dependa de um incerto 'mais tarde'? Será o inferno uma coisa tão insignificante que a fuga dele possa ser deixada para um 'mais tarde' que se desconhece? Sabeis o que se diz daquele servo do Evangelho que adia tudo para um tempo futuro, pensando consigo mesmo: 'o meu senhor está para chegar e, enquanto isso, aproveito e divirto-me'? Mas sabeis o que acontecerá a ele? 'O senhor desse servo virá num dia em que ele não espera e numa hora que ele não conhece, e o dispensará e o mandará para o destino dos hipócritas; ali haverá choro e ranger de dentes'²¹.

Portanto, que cada um, jovem ou velho, faça diariamente esta breve meditação, como aquele ancião; não é preciso fazê-la diante do espelho (embora isso possa ser bom para alguns que passam as belas horas da manhã a cuidar dos cabelos, ou mesmo mandando-os cuidar por uma pessoa do sexo oposto - uma prática insossa que seria de boa troca por uma breve meditação); podereis dizer a vós próprios: quantos anos tenho agora? Quinze, vinte, trinta, quarenta ou mais anos. Viverei mais um ano? Não sei dizer; neste mesmo dia ou nesta mesma hora posso ser chamado ao tribunal do Todo Poderoso. Se isso me acontecesse neste dia ou nesta hora, estaria preparado? Há alguma coisa na minha consciência de que me deva arrepender e confessar primeiro? Se for esse o caso, confessa-te imediatamente! Talvez em outro dia ou em outra hora seja demasiado tarde! Disso depende toda uma eternidade, e eu não posso nem quero padecer para sempre com os demônios no inferno. Estou realmente decidido, com a ajuda de Deus, a ir para o Céu e a ser feliz lá na presença de Deus e dos seus eleitos? Ora, a minha eternidade depende da minha última hora, do estado em que ela me encontrar. Por isso, deveria estar sempre pronto para ela. Mas, pensais, estas são meditações tristes e melancólicas. De modo algum! São cheias de consolação para a alma que está decidida a realizar a sua salvação, porque deve ser uma grande consolação para essa alma encontrar-se sempre preparada para a morte. Esses pensamentos são, de fato, tristes e melancólicos para aqueles que não estão dispostos a emendar-se; mas eles deveriam pensar antes nas meditações tristes e melancólicas que um dia terão no inferno, quando pensarem: 'Eu poderia ter sido eternamente feliz, mas não quis sê-lo!'

Ó meu bom Deus, se na minha vida que já passou eu tivesse meditado seriamente durante um miserere, seria possível agir tão descuidadamente como até agora? Poderia eu ter gasto tanto tempo precioso na ociosidade, na vaidade e em companhias perigosas, e tão pouco ao vosso serviço? Poderia eu ter cometido este ou aquele pecado grave tantas vezes, e ter permanecido semanas, meses e anos inteiros no miserável estado de pecado mortal? Fico agora aterrorizado quando penso na minha negligência e no perigo contínuo de condenação eterna a que estive sujeito dia e noite. Pois poderia ter morrido a qualquer hora e ter sido chamado perante o vosso Tribunal. Graças infinitas vos dou, ó Deus de misericórdia, por me terdes poupado! Agora condeno e detesto de todo o meu coração tudo o que fiz durante a minha vida que vos possa ter desagradado!

De agora em diante, terei sempre presente em mim a minha morte e o julgamento que me espera. Isto será um freio para as minhas más inclinações e desejos; estimulará a minha vontade preguiçosa a zelar pelo serviço a Deus; desligará o meu coração e afeições dos bens e prazeres terrenos; adoçará as provações efêmeras desta vida incerta, de modo que as suportarei com paciência e resignação por Deus e pela minha salvação; direi a mim mesmo: 'esta cruz talvez dure apenas uma hora, e depois irei me encontrar com Deus e estarei com Ele nas alegrias eternas'. Diariamente, como me exorta Tomás de Kempis, viverei como se tivesse de morrer a cada dia, para comparecer perante o tribunal divino. De manhã, ao acordar, tomarei a mesma resolução que tomaria se soubesse que, ao anoitecer, o meu corpo jazeria morto num caixão; e à noite, antes de me retirar para o repouso, purificarei a minha consciência como se esperasse ser encontrado morto na minha cama na manhã seguinte. Assim, estarei pronto a qualquer momento para vos encontrar, ó meu justo Juiz, sempre que vos aprouver chamar-me deste mundo; e encontrar-vos-ei, não com medo ou terror, mas com alegria e consolação, confiante na vossa promessa de que, no julgamento final, estarei entre os vossos eleitos e à vossa direita, no vale de Josafá, e ouvirei de Vós o alegre convite: 'Vinde, benditos do meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo'²². Concedei-me essa grande graça, Senhor: 'Vinde, meus filhos, entrai comigo nas alegrias eternas!' Meus queridos irmãos, 'endireitai o caminho do Senhor' e tudo será feito como desejais. Amém.

11. Vigilate ergo, quia nescitis qua hora Dominius vester venturus sit (Mt 24,42).
12. Vigilate ergo (nescitis enim quando dominus domus veniat: sero, an media nocte, an galli cantu, an mane), ne cum venerit repente, inveniat vos dormientes (Mc 13, 35-36).
13. Quod autem vobis dico, omnibus dico: Vigilate (Mc 13, 37).
14. Surget gens contra gentem, et regnum adversus regnum. Et terrae motus magni erunt per loca, et pestilentiae, et fames, teroresque de caelo, et signa magna erunt (Lc 21,10-11).
15. Et quoniam abundavit iniquitas, refrigescet caritas multorum (Mt 24,12).
16. In quo quemque invenerit suus novissimus dies, in hoc eum comprehendetmundi novissimus dies (S. Aug. Ep. 80. ad Hesich).
17. Ideo et vos estote parati, quia qua nescities hora Filius hominis venturus est (Mt 24,44).
18. Vigilate ergo, quia nescitis qua hora Dominius vester venturus sit. Si sciret paterfamilias qua hora fur venturus esset, vigilaret utique et non sineret perfodi domum suam (Mt 24,42-43).
19. Memorare novissima tua, et in aeternum non peccabis (Eclo 7,40).
20. Ipse se seducit, et de morte sua ludit, qui hoc cogitat.
21. Moram facit dominus meus venire. Veniet dominius servi illius, in die qua non sperat, et hora qua ignorat, et dividet eum, partemque ejus ponet cum hypocritis; illic erit fletus, et stridor dentium (Mt 24,50-51).
22. Venite benedicti Patris mei, possidete paratum vobie regnum a constitutione mundi (Mt 25,34).

(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 30, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 7 de julho de 2023

DOUTORES DA IGREJA (XVI)

16São Bernardo de Claraval, Abade (†1153)

Doutor Melífluo

Concessão do título: 1830 - Papa Pio VIII

Celebração: 20 de agosto (Memória Obrigatória)

 Obras e Escritos 

  • De gradibus humilitatis et superbiae - Os Passos da Humildade e do Orgulho
  • Apologia ad Guillelmum Sancti Theoderici Abbatem - Apologia a Guilherme de São Teodorico
  • De conversione ad clericos sermo seu liber - Sobre a Conversão de Clérigos
  • De gratia et libero arbitrio - Sobre a Graça e o Livre Arbítrio
  • De diligendo Dei - Sobre o Amor de Deus
  • Liber ad milites templi de laude novae militiae - Um Elogio à Nova Cavalaria (sobre a Ordem dos Templários)
  • De praecepto et dispensatione libri - Livro de Preceitos e Dispensações (sobre as Regras de São Bento)
  • De consideratione - Sobre a Consideração
  • Liber De vita et rebus gestis Sancti Malachiae Hiberniae Episcopi - A Vida e a Morte de São Malaquias, Bispo Irlandês
  • De moribus et officio episcoporum - Sobre os Deveres dos Bispos
  • Sermões (incluindo o 'Sermão sobre o Cântico dos Cânticos')
  • Cartas

PORQUE DEVEMOS AMAR A DEUS


Queres então saber de mim por qual motivo e em que medida devemos amar a Deus? Bem, digo que o motivo de nosso amor por Deus é o próprio Deus, e que a medida desse amor é amar sem medida. Está suficientemente claro? Sim, talvez, para um homem inteligente, mas devo falar para sábios e ignorantes, e se já disse de modo claro para os primeiros, devo também considerar os segundos. É então para eles que vou desenvolver minhas ideias e procurar aprofundá-las.

Digo que temos duas razões para Deus ser amado por si mesmo: não há nada de mais justo e nada de mais vantajoso. Com efeito, esta pergunta 'por que devemos amar a Deus?' apresenta-se sob dois aspectos: por que Deus merece nosso amor, e que vantagem temos em amá-lo. Vejo uma resposta para ambas: a razão pela qual devemos amar a Deus é Ele mesmo. Do ponto de vista do merecimento, o grandioso Deus se deu a nós, a despeito de nossa indignidade. Com efeito, o que poderia nos dar que valesse mais do que Ele mesmo? Quando perguntamos quais razões temos para amar a Deus, e como adquiriu o direito ao nosso amor, constatamos que a principal é que Ele nos amou primeiro. Merece, então, nossa retribuição, sobretudo se consideramos quem é Aquele que ama, quem são os amados e como os ama. 

Quem é, com efeito, Aquele que nos ama? É Aquele a quem todo espírito presta este testemunho: 'És meu Deus, e não precisas do que tenho' (Sl 15,2). E esse amor em Deus não é a verdadeira caridade, visto que não ocorre por interesse? Mas a quem se dirige esse amor gratuito? O Apóstolo responde: 'Quando éramos inimigos de Deus é que nos reconciliamos com ele' (Rm 5,10). Deus nos amou com um amor gratuito, mesmo sendo seus inimigos. Mas como nos amou? São João responde: 'Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único' (Jo 3,16). E São Paulo continua: 'Ele não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós' (Rm 8,32). E este Filho, falando de si, disse: 'Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos' (Jo 15,13). Assim o Deus santo, soberano e poderoso tem direito ao amor dos homens pecadores, infinitamente pequenos e fracos. Mas se é assim para o homem, não o é para os anjos; concordo, mas não é preciso que seja. Aquele que resgatou os homens da miséria preservou os anjos de uma miséria semelhante, e se seu amor pelos homens lhes deu os meios de se libertarem, o mesmo amor impediu os anjos de se tornarem como nós.

(Excertos da obra 'Tratado sobre o Amor de Deus', de São Bernardo de Claraval)

quinta-feira, 6 de julho de 2023

BREVIÁRIO DIGITAL - LEGENDA ÁUREA (X)


O papa Félix, antepassado de São Gregório, mandou construir em Roma uma magnífica igreja em honra dos santos Cosme e Damião*. Nessa igreja havia um servidor dos santos mártires a quem um câncer devorara toda uma perna. Então, durante o sono de seu devoto, os santos Cosme e Damião apareceram-lhe trazendo consigo unguentos e instrumentos. Um disse ao outro: 'Onde conseguiremos com que preencher o lugar de onde cortaremos a carne pútrida?' O outro respondeu: 'No cemitério de São Pedro Acorrentado está um etíope recém-sepultado; traga sua perna para substituir esta'. Ele foi rapidamente ao cemitério e trouxe a perna do mouro. Em seguida cortaram a perna do doente, puseram no lugar a perna do mouro, ungiram a ferida com cuidado, depois levaram a perna do doente para o corpo do mouro morto. Como, ao despertar, aquele homem não sentia mais dor, levou a mão à perna e ali não encontrou nenhuma lesão. Pegou uma vela e, não vendo nenhuma ferida na perna, pensava que não era mais ele e sim um outro que estava em seu lugar. Caindo em si, saltou da cama alegre e contou a todos o que vira dormindo e como fora curado. Em seguida foi ao cemitério e encontrou a perna do mouro cortada e a outra colocada na sua sepultura.

* São Cosme e São Damião são padroeiros de várias profissões relacionadas à área da saúde

(Excertos da obra 'Legenda Áurea - Vidas de Santos, de Jacopo de Varazze)

Legenda Áurea constitui meramente um livro de devoção católica, acessível às pessoas comuns de todas as épocas, sem nenhum propósito de abordagem biográfica da vida dos santos sob o escopo da veracidade ou da confiabilidade histórica. Trata-se, portanto, de uma coletânea de fatos ficcionais e inverídicos (lendários) que, uma vez associados às virtudes heroicas específicas dos diferentes santos da Igreja, tinha por objetivo incrementar a devoção católica do leitor pelos santos para a sua própria santificação pessoal. Alguns deles serão publicados no blog. A excelência dos objetivos e resultados alcançados pela obra pode ser aferida pelo enorme sucesso das muitas e diversas versões e traduções realizadas desde a sua publicação original no século XIII. 

quarta-feira, 5 de julho de 2023

OS MAUS SACERDOTES - TRAIDORES DE DEUS!

Eu sou o Deus que em um tempo fui chamado de o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Eu sou o Deus que deu a Lei a Moisés. Esta Lei era como uma vestimenta. Assim como uma gestante prepara o enxoval de seu bebê, Deus também preparou a Lei, que foi como a vestimenta, sombra e sinal das coisas por vir. Eu me vesti e me envolvi a mim mesmo com as vestes da nova Lei. À medida que um menino cresce, suas roupas são substituídas por outras novas. Da mesma forma, quando as vestimentas da Lei Antiga estavam a ponto de serem abandonadas, Eu me vesti com a nova roupa, ou seja, com a Nova Lei e a dei a todos que quisessem ter a mim e ás minhas vestes. Esta roupa não é muito apertada, nem difícil de vestir, mas é bem proporcionada em todas as partes. Não obriga as pessoas a jejuar ou a trabalhar demais, nem a matar-se, nem a fazer nada que esteja além dos limites de suas possibilidades, mas ela é benéfica para a alma e conduz à moderação e mortificação do corpo. Pois, quando o corpo adere demais ao pecado, o pecado o consome. 

Duas coisas podem ser encontradas na Nova Lei. Primeira, uma prudente temperança e o reto uso dos bens físicos e espirituais. Segunda, uma grande facilidade para manter-se na Lei, pelo fato de que, uma pessoa que não pode manter-se em um estado, pode permanecer em outro. Nela, pode-se ver que a pessoa que não conseguia viver o celibato, podia porém, viver um matrimônio honrado, podia levantar outra vez e prosseguir. Entretanto, agora, Minha Lei é rejeitada e menosprezada. As pessoas dizem que a Lei é muito rígida, pesada e sem atrativos. Eles a chamam de rígida, porque ordena a se contentar somente com aquilo que é necessário e evitar o que é supérfluo. Porém, eles querem ter tudo além do razoável e mais do que o corpo pode suportar, como se fossem animais. É por isso que ela lhes parece ser muito rígida ou rigorosa. 

Em segundo lugar, eles dizem que é pesada, pois a Lei diz que a pessoa deve ser indulgente com os desejos de prazer submetendo-os à razão em determinados momentos. Mas, querem ceder aos seus prazeres mais do que lhes convém e além dos limites. Terceiro, dizem que ela não é atrativa, pois a Lei ordena que eles amem a humildade e atribuam todo bem a Deus. Querem ser orgulhosos e exaltarem-se a si mesmos pelos presentes bons que Deus lhes deu. É por isso que ela não é atraente para eles. Veja como eles depreciam as vestes que lhes dei! Eu acabei com as formas antigas e introduzi as novas para durarem até que Eu venha para o Juízo, pois os velhos caminhos eram muito difíceis. Porém, eles, afrontosamente descartaram as vestimentas com as quais Eu cobri a alma, ou seja, uma fé ortodoxa.

Além de tudo isso somaram pecado sobre pecado porque também querem me trair. Davi não disse no salmo: 'Aquele que comeu de meu pão tramou a traição contra mim?' Quero que percebas duas coisas nessas palavras. Primeiro, ele não diz 'trama', mas 'tramou', como se fosse algo já passado. Segundo, ele aponta somente para um homem como traidor. Da mesma forma, Eu digo que são aqueles que no presente me traem, não aqueles que foram ou serão, mas aqueles que ainda estão vivos. Também digo que não se trata de apenas uma pessoa, mas de muitas. Mas tu deves me perguntar: 'Não há dois tipos de pão, aquele invisível e espiritual, do qual os Anjos e os Santos vivem e o outro que pertence a Terra, pelo qual os homens se alimentam? Mas se os Anjos e os Santos não desejam nada que não esteja de acordo com a Tua vontade, e os homens não podem fazer nada que Tu não aceites, como, então, podem Te trair?'

Na presença de minha Corte Celestial que sabe e vê todas as coisas em mim, Eu respondo por teu bem, de forma que possas compreender: De fato, há dois tipos de pão. Um é aquele dos Anjos, que comem meu pão no meu Reino e são preenchidos com a minha glória indescritível. Eles não me traem, pois não querem nada que não seja aquilo que Eu quero. Mas aqueles que comem meu pão no altar me traem. Eu Sou verdadeiramente esse Pão. É possível perceber três coisas nesse Pão: a forma, o sabor e a circularidade. De fato, Eu sou esse Pão e, como tal, tenho três coisas em mim: sabor, forma e circularidade. Sabor, porque tudo é insípido, insubstancial e carente de sentido sem mim, assim como uma refeição sem pão não tem sabor e não é nutritiva. Eu também tenho a forma do pão enquanto me considero da terra. Vim da Virgem, minha Mãe é a de Adão, Adão é da Terra. Também tenho circularidade onde não há princípio nem fim, porque Eu não tenho princípio nem fim. Ninguém pode encontrar um fim ou um princípio na minha sabedoria, no meu poder e na minha caridade. Eu estou em todas as coisas, sobre todas as coisas e além de todas as coisas. Mesmo se alguém voasse perpetuamente como uma flecha, sem parar, nunca encontraria um final ou um limite ao meu poder e à minha força. 

Através dessas coisas, sabor, forma e circularidade, Eu sou o Pão que parece e tem sabor de pão no altar, mas que se transforma em meu corpo que foi crucificado. Do mesmo modo que qualquer madeira facilmente inflamável é rapidamente consumida quando se coloca no fogo, e não resta nada da forma da madeira, pois toda se converte em fogo, assim também acontece quando estas palavras são ditas: 'Este é o meu Corpo…'; o que antes era pão imediatamente torna-se meu corpo. Faz-se uma chama, não como o fogo com a madeira, mas pela minha divindade. Por isso, aqueles que comem meu pão me traem. Que tipo de crime pode ser mais horrível do que quando alguém mata a si mesmo? Ou que traição poderia ser pior do que quando duas pessoas unidas por um vínculo indissolúvel, como um casal, um trai o outro? O que um dos dois faz para trair o outro? Ele diz a ela enganando: 'Vamos a tal e tal lugar de forma que eu passe meu futuro contigo!' Ela vai com ele com toda simplicidade, pronta para satisfazer qualquer desejo de seu marido. Mas, quando ele encontra a oportunidade e o lugar, lança contra ela três armas traiçoeiras. Ou utiliza algo suficientemente pesado para matá-la com um único golpe, ou afiado o suficiente para cortar exatamente seus órgãos vitais, ou, algo asfixiante que sufoca diretamente nela o espírito de vida. Então, quando ela morre, o traidor pensa consigo mesmo: 'Agora eu fiz mal. Se meu crime for descoberto e tornar-se público, serei condenado à morte'. Então, ele leva o corpo da mulher em um lugar escondido, de forma que seu pecado não seja descoberto. 

Esta é a forma com que sou tratado pelos meus sacerdotes, que são meus traidores. Pois eles e Eu estamos ligados por um único vínculo quando tomam o pão e, pronunciando as palavras, o transformam em meu verdadeiro Corpo, que recebi da Virgem. Nenhum dos Anjos pode fazer isto. Eu dei somente aos sacerdotes essa dignidade e os selecionei dentre as mais altas ordens. Mas eles me tratam como traidores. Fazem uma cara feliz e complacente para mim e me levam a um local escondido onde possam me trair. Estes sacerdotes fazem cara de felicidade aparentando ser bons e simples. Eles me levam a uma câmara escondida quando se aproximam do altar. Ali Eu sou como a noiva ou a recém casada, disposta a realizar todos os seus desejos e, em vez disso, eles me atraiçoam. Primeiro, me batem com algo pesado quando o Ofício Divino, que recitam para mim, se torna triste e pesado para eles. De bom grado diriam cem palavras para o bem do mundo do que uma só em minha honra. Antes dariam cem lingotes de ouro para o bem do mundo do que um só centavo em minha honra. Trabalhariam cem vezes por seu próprio benefício do que uma só vez em meu favor. Eles me pressionam tanto com este pesado fardo que é como se eu estivesse morto em seus corações. 

Em segundo lugar, me transpassam com uma lâmina afiada que penetra em meus órgãos vitais cada vez que um sacerdote sobe ao altar, sabendo que pecou e arrependeu-se, mas está firmemente decidido a voltar a pecar, uma vez que tenha terminado seu Oficio. Este diz consigo mesmo: 'Eu de fato me arrependo do meu pecado, mas não penso deixar a mulher com a qual pequei, até que já não possa mais pecar'. Isto me corta como a mais afiada das lâminas. Terceiro, é como se eles asfixiassem meu Espírito quando pensam: 'É bom e prazeroso estar no mundo, é bom ser indulgente com os desejos e não me posso conter. Farei isto enquanto for jovem e quando me fizer mais velho, irei me abster e emendarei meus caminhos'. E, através desse perverso pensamento, eles sufocam o espírito da vida. Mas como isso acontece? Pois bem, o coração destes se torna tão frio e tíbio em relação a mim e a cada virtude que nunca mais pode ser estimulado ou renascer no meu amor. Assim como o gelo não pega fogo, mesmo quando mantido sobre uma chama, mas apenas derrete, da mesma maneira mesmo que Eu lhes dê a minha graça e eles ouçam palavras de advertência, não melhoram no modo de vida, mas apenas crescem estéreis e frouxos a respeito de cada uma das virtudes. 

E assim me traem, naquilo que fingem ser simples quando na realidade não o são, e ficam tristes e desgostosos na hora de dar-me a glória em vez de regozijar-se e também naquilo que pretendem pecar e continuam pecando até o final. Eles também me escondem, por assim dizer, e me colocam em um local oculto quando pensam: 'Sei que pequei. Mas se me abstiver de realizar o Oficio, ficarei envergonhado e todos irão me condenar'.  E assim, imprudentemente, sobem ao altar e tocam em mim, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Fico como se estivesse em um lugar escondido, uma vez que ninguém sabe e nem se dá conta de quão corruptos e sem vergonha eles podem ser. Eu, Deus, permaneço ali, diante deles, como em uma dissimulação, porque, mesmo quando o sacerdote é o pior dos pecadores e pronuncia estas palavras 'Este é o meu corpo', ele ainda consagra meu Verdadeiro Corpo, e Eu, verdadeiro Deus e Homem, permaneço ali diante dele. Quando me põe em sua boca, entretanto, Eu já não estou presente para ele na graça das minhas naturezas divina e humana - só resta para ele a forma e o sabor do pão - não porque Eu não esteja realmente presente para os maus como para os bons devido à instituição do sacramento, mas porque os bons e os maus não o recebem com o mesmo efeito. 

Olhe, estes sacerdotes não são meus sacerdotes, e sim na realidade, meus traidores! Eles também me vendem e me traem como Judas. Olho para os pagãos e judeus, mas não vejo ninguém pior que estes sacerdotes, já que caíram no pecado de Lúcifer. Agora, deixe-me dizer-te sua sentença e a quem se assemelham. Sua sentença é a condenação. Davi condenou aqueles que desobedeciam a Deus, não por ira, ou má vontade nem por impaciência, senão devido à justiça divina, pois ele era um honrado profeta e rei. Eu, também, que sou maior que Davi, condeno estes sacerdotes, não pela ira nem pela má vontade, mas pela justiça. Maldito seja tudo o que retiram da Terra para seu próprio proveito, pois eles não louvam seu Deus e Criador que lhes deu estas coisas. Maldito seja o alimento e a bebida que entra em suas bocas e que alimenta seus corpos para que se convertam em alimento dos vermes e destinem suas almas ao inferno. Malditos sejam seus corpos que se levantarão novamente no inferno para ser queimados eternamente. Malditos sejam os anos de suas vidas inúteis. Maldita seja sua primeira hora no inferno, que nunca terminará. Malditos sejam por seus olhos que viram a luz do Céu. Malditos sejam por seus ouvidos que ouviram minhas palavras e permaneceram indiferentes. Malditos sejam por seu paladar, pelo qual experimentaram meus manjares. Malditos sejam por seu tato, pelo qual me tocaram. Malditos sejam, por seu olfato, pelo qual sentiram aromas agradáveis e se descuidaram de mim, que sou o mais agradável de todos. 

Agora, como são exatamente amaldiçoados? Pois bem, sua visão está amaldiçoada porque não desfrutará da visão de Deus em si, mas apenas verão sombras e os castigos do inferno. Seus ouvidos estão amaldiçoados porque não ouvirão minhas palavras, senão somente o clamor e os horrores do inferno. Seu paladar está amaldiçoado porque não experimentarão os bens e o gozo eternos, mas sim a amargura eterna. Seu tato está amaldiçoado porque não conseguirão tocar-me, senão somente o fogo perpétuo. Seu olfato está amaldiçoado, porque não sentirão esse doce perfume do meu Reino, que supera todas as essências, mas terão apenas o fedor do inferno que é mais amargo do que a bílis e pior que o enxofre. Sejam malditos pela Terra e o Céu e por todas as feras. Essas criaturas obedecem e glorificam a Deus, enquanto que eles me evitaram. Por isto eu prometo pela verdade, Eu que sou a Verdade, que se eles morrerem assim, com essa disposição, nem meu amor nem minha virtude os salvará. Ao contrário, estarão condenados para sempre.

(Excertos da obra 'Profecias e Revelações de Santa Brígida', Livro I - Cap. 47)


terça-feira, 4 de julho de 2023

PALAVRAS ETERNAS (XVII)


'Meus filhos, esta é a última hora. Vós ouvis­tes dizer que o Anticristo vem. Eis que já há muitos anticristos, por isso conhecemos que esta é a última hora' (1Jo 2,18)

segunda-feira, 3 de julho de 2023

DECÁLOGO SOBRE A INVEJA

1. A inveja é um mal sem fim. Os outros males têm um término; porém, a inveja não o tem; é um mal que sempre é mal, é um pecado que não tem fim (São Cipriano).

2. A inveja foi o que afastou o Anjo do Céu e o homem do Paraíso terrestre; foi ela que matou Abel; que muniu aos irmãos de José; lançou Daniel na cova dos leões; crucificou a Jesus Cristo, e enforcou a Judas. Ó meus irmãos, pregai em alta voz que a inveja é o animal feroz que arrebata a fé, destrói a concórdia, aniquila a justiça, e gera todos os males. Foi ela que destruiu os muros de Jerusalém, despovoou Roma, arrasou a Cartago e devastou a cidade de Tróia (Santo Agostinho).

3. Fujamos da inveja como de um mal intolerável, como sendo o resultado da ordem dada pela Serpente, a invenção do demônio, o alimento de nosso inimigo, o penhor do castigo, um obstáculo para a piedade e o caminho do Inferno. Os invejosos convertem em vícios até as mais belas virtudes (São Basílio).

4. Ó inveja, manancial da morte, enfermidade que contém todas as enfermidades, e agudíssima lança que atravessa o coração! (São João Crisóstomo).

5. A inveja não tem perdão. O lascivo, com efeito, pode dar uma desculpa pela força da concupiscência; o ladrão, por sua vez, pode alegar a necessidade e a pobreza; o assassino pode desculpar-se com sua ira. Porém, vós, ó invejosos, dizei-me, qual desculpa podereis dar? Este vício é pior que a fornicação e até mesmo que o adultério porque o furor do vício impuro encontra limites na mesma ação; porém, o furor e os estragos da inveja destroem a Igreja e o mundo inteiro. Pela inveja, o demônio matou ao gênero humano na pessoa de Adão (São Cipriano).

6. A inveja é um açoite espantoso que se estende pelo mundo inteiro, assolando tudo. Daí, provém a injustiça, as feridas, os ódios e a avareza (São João Crisóstomo).

7. Ó inveja, tu és a mais justa e a mais injusta de todas as paixões! Injusta certamente porque afliges aos inocentes; porém, justa também, por outro lado, porque castigas os culpáveis. Injusta, porque atormentas a todo o gênero humano; porém, soberanamente justa, porque começas tua obra maligna pelo coração que te concebe (São Gregório Nazianzeno).

8. Os invejosos amam o mal, e sentem e choram o bem; ardem em inimizade gratuita, e estão plenos de hipocrisia; sempre cheios de amargura, sempre vacilantes, são os amigos do demônio, e os inimigos de Deus, da sociedade e de si mesmos; são odiosos a todos os homens, atormentam-se pelo que deveria ser seu consolo, e transbordam de alegria quando deveriam chorar amargamente. Perversos e cruéis para si mesmos, eles o são também para os demais (São Próspero).

9. A inveja excita a ambição, o desprezo de Deus e de seu serviço; excita o orgulho, a perfídia, a prevaricação, os acessos de ira, as discórdias e crueldade; a inveja não aguenta sofrer nem conter-se quando encontra a autoridade em seu caminho. Ela rompe os laços da paz e da caridade; ela corrompe a verdade, destrói a unidade, e encaminha-se diretamente ao cisma e à heresia. Que crime mais horrível por existir que ter inveja da virtude e da felicidade dos outros, e detestar neles seus méritos naturais e sobrenaturais! Que pecados converter em mal o bem dos demais, não poder suportar o progresso dos outros, e experimentar um atroz tormento pela felicidade alheia. Que loucura e que furor o dar entrada em nosso peito a tal carrasco, a um tirano que nos rasga as entranhas! (São Cipriano).

10. A inveja é a mais baixa, a mais odiosa e a mais vituperada de todas as paixões (Bossuet).