terça-feira, 29 de dezembro de 2020

TESOURO DE EXEMPLOS (40/42)

 

40. O MEDO DO COROINHA

São Pedro de Alcântara, nascido em 1499, entrou na Ordem dos Franciscanos com a idade de 16 anos. Foi um dos santos mais penitentes e favorecidos de Deus em seu tempo. Santa Teresa de Ávila, que o conhecia de perto, conta-nos que São Pedro passara 40 anos sem dormir mais de hora e meia por dia. O santo não se deitava, mas ficava assentado com a cabeça encostada a uma viga de madeira da parede. Essa foi a penitência que mais sacrifícios lhe custou.

Além disso, usava terríveis cilícios e passava três dias, às vezes até oito dias, sem outro alimento que a Sagrada Comunhão. Em vista de tudo isso, não é de estranhar que se tenha elevado à mais alta contemplação e Jesus o tenha favorecido com inefáveis carícias, mormente na missa e na sagrada comunhão.

Conta-se que, em um certo convento, o coroinha, que ajudava a missa do santo, era um menino inocente e bonzinho. Um dia, ao regressar da igreja, o menino procurou a sua mãe e lhe disse:

➖ Mamãe, eu não quero mais ajudar à missa do Padre Pedro.

➖ Mas por que, meu filho, não hás de ajudar o Padre Pedro, que é um padre tão santo?

➖ Mamãe, ao ajudar-lhe a missa, várias vezes tenho visto um menino lindo, muito lindo, nas mãos dele; e, na hora da comunhão, ele come aquele menino. Mamãe, tenho medo que ele me coma também.

A mãe, que conhecia a santidade do Padre Pedro, compreendeu logo o mistério e disse ao filho:

➖ Não temas, meu filho; é o Menino Jesus que está na Hóstia... Que feliz és tu, que o vês com teus olhos inocentes!

Daí em diante o menino não teve mais medo e ajudava à missa do santo com muito gosto e devoção.

41. ESTE MENINO SERÁ PADRE

O que vamos narrar é um episódio da vida de São João Bosco. Um certo dia, foi procurá-lo a Condessa D. Z. para suplicar-lhe que abençoasse os seus quatro filhinhos. Dom Bosco, sempre amável e amigo das crianças, com muito afeto deu uma poderosa bênção aos pequeninos.

A Senhora Condessa, que também se ajoelhara, levantou-se certa de que a bênção daquele sacerdote, que ela considerava um santo, atrairia sobre toda a família graças copiosas de Deus. Depois, apertando a si os filhos e sabendo, como era notório, que Dom Bosco via o futuro, perguntou-lhe:

➖ Dom Bosco, o que será dos meus filhos?

Dom Bosco, gracejando, referiu-se a cada um, a começar pelo mais velho, profetizando o bem a todos. Quando chegou ao último, pôs-lhe a mão sobre a cabeça, contemplando-o com particular interesse.

➖ Qual será a sorte desse, Dom Bosco?

➖ Da sorte deste último não sei, senhora condessa, se ficarás muito contente...

➖ Diga, pois, o que lhe parece.

➖ Bem! deste menino digo que será um ótimo padre!

A estas palavras, a cena transformou-se de repente; a nobre dama empalideceu, apertou a si o menino como para livrá-lo de uma desgraça, e fora de si exclamou:

➖ Meu filho, um padre? Antes peço a Deus que lhe tire a vida!

Dom Bosco, que tinha pelo sacerdócio a mais alta estima, sentiu dolorosamente aquelas palavras e, erguendo-se pesaroso, despediu a condessa. Poucos meses depois, de fato, o filho mais novo da condessa lhe foi arrebatado por uma doença fulminante.

42. O AMOR DE UM VELHINHO

Um dia São Afonso Rodríguez, irmão leigo jesuíta, muito bom e muito santo, estava rezando diante de uma imagem de Maria. Já era velhinho e passava longas horas aos pés de sua boa Mãe do Céu. Às vezes, punha-se a chorar como uma criança; às vezes, sorria como um anjo. Tinha algum sofrimento? Lá ia logo comunicá-lo a Nossa Senhora. Sentia alguma alegria? Depressa, ia contá-la à Mãe do Céu. Tentavam-no os demônios? Corria aos pés da Imaculada e pedia-lhe que não o desamparasse nem na vida e nem na morte.

Num certo dia, estava ele a dizer a Nossa Senhora que a amava muito, muitíssimo, com toda a sua alma e com todo o seu coração. E parecia ao santo velhinho que a Virgem Santíssima lhe sorria amavelmente. Ouviu, enfim, ou pareceu-lhe ouvir do fundo de sua alma uma voz que dizia:

➖ Afonso, quanto me amas?

E o bom velhinho respondeu:

➖ Olha, minha boa Mãe do Céu: amo-te tanto, tanto, que é impossível que me possas amar tanto como eu te amo.

A Senhora, ouvindo isso, levantou a mão amorosa, deu-lhe uma leve bofetada e lhe disse: 

➖ Cala-te, Afonso, cala-te!... o que estás a dizer? Eu te amo imensamente mais do que tu serias capaz de me amar.

Eis por que devemos amar a Maria: ama-nos tanto que jamais poderemos compreender toda a grandeza do seu amor.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

ver PÁGINA: TESOURO DE EXEMPLOS


segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

28 DE DEZEMBRO - SANTOS INOCENTES


Santos Inocentes de Deus,
almas cristalinas,
pousai vossos ternos anelos
nas sombras das colinas;
não inquieteis com vosso pranto
as feras sibilinas,
fitai o esgar dos carrascos
com doces retinas;
que a vida que foge breve,
em adagas repentinas,
renasça em eternos louvores
nas glórias divinas.
(Arcos de Pilares)

Santos Inocentes de Deus, rogai por nós!

IMAGEM DA SEMANA

'Deus de Deus, Luz da Luz, Deus Verdadeiro de Deus Verdadeiro, gerado e não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas'

(do Credo niceno-constantinopolitano)

domingo, 27 de dezembro de 2020

EVANGELHO DE DOMINGO

  

'Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!' (Sl 127)

 27/12/2020 - Festa da Sagrada Família

5. SAGRADA FAMÍLIA


Neste último domingo do ano, o Evangelho evoca o culto à Sagrada Família, síntese da vida cristã autêntica e primeira igreja na terra. Na humilde casa de Nazaré, três pessoas: pai, mãe e filho, viviam em natureza sobrenatural exatamente inversa à ordem natural: São José, patriarca e pai de família devotado, com direitos naturais legítimos sobre a esposa e o filho, era o menor em perfeição; Nossa Senhora, esposa e mãe, era Mãe de Deus e de todos os homens; Jesus, a criança indefesa e submissa aos pais, é o Deus feito homem para a salvação do mundo. Portentoso mistério que revela a singular santidade da família humana, moldada sobre clara hierarquia divina, moldada por Deus para ser escola de santificação, amor, renúncia e salvação. 

Neste modelo de submissão perfeita ao amor de Deus e em obediência estrita à Lei de Moisés, 'quando se completaram os dias para a purificação da mãe e do filho' (Lc 2, 22), José e Maria se dirigem ao Templo de Jerusalém para a consagração do seu primogênito e oferenda do sacrifício penitencial. E será ali, apenas 40 dias após o nascimento de Jesus, que Nossa Senhora vai experimentar, pela profecia do velho Simeão, a primeira grande ferida de sua alma imaculada nesta terra, que a tornaria Nossa Senhora de todas as dores: 'Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma' (Lc 2, 35).

O velho Simeão, sacerdote piedoso e justo, dirigiu-se ao Templo por um impulso sobrenatural e, para se cumprir plenamente a grande promessa que recebera de que não morreria sem ter contemplado o Messias, agora O tinha entre os braços: 'Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meu olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel' (Lc 2, 29 - 31). Eis que se conclui naquele momento o tempo dos profetas, nas palavras do velho Simeão e da profetisa Ana: Deus se fez homem e a redenção e a salvação da humanidade estava entre nós!  Nesta sagrada família, Jesus 'crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele' (Lc 2 , 40).

Eis o legado da Sagrada Família às famílias cristãs: a oração cotidiana santifica os pais e os filhos numa obra incomensurável do amor de Deus e a fortalece contra todos as tribulações. Sim, que os maridos amem profundamente suas esposas, que as esposas sejam solícitas a seus maridos, que os pais não intimidem os seus filhos, que os filhos sejam obedientes em tudo a seus pais. Mas que rezem juntos, que louvem a Deus juntos, que se santifiquem juntos, como família de Deus. Em Nazaré, Deus tornou a família modelo e instrumento de santificação; que em nossas casas e em nossas famílias, a Sagrada Família seja o modelo e instrumento para a nossa vida e para nossa santificação de todos os dias!

sábado, 26 de dezembro de 2020

DICIONÁRIO DA DOUTRINA CATÓLICA (XVIII)


QUARENTA HORAS

É uma devoção que consiste em passar 40 horas em oração diante do Santíssimo Sacramento exposto, desde o domingo da Quinquagésima [primeiro domingo que precede a Quaresma] até a terça-feira seguinte. Esta devoção, ordenada pela Igreja, tem por finalidades: (i) aplacar a justiça divina, gravemente ofendida pelas desordens nos dias chamados de carnaval; (ii) desviar das loucuras e dos grosseiros e impuros divertimentos desses dias, aqueles que poderiam ser arrastados na corrente dos maus costumes; (iii) afervorar os fieis no amor a Jesus, recordando as 40 horas que decorreram desde a sua condenação à morte até à sua ressurreição. Nas igrejas onde é feita a solenidade das Quarenta Horas, e durante a mesma, todos os altares são privilegiados. 

RACIONALISTA

É aquele que rejeita toda a sujeição da razão humana a Deus e que proclama que a mesma razão é a fonte única de toda a verdade especulativa e prática; exclui, assim, toda a revelação; nega a ordem sobrenatural e despreza a autoridade da Igreja.

REDENÇÃO DO GÊNERO HUMANO

Por causa do pecado original sob o qual todos os homens são concebidos, ninguém poderia conseguir a salvação eterna por méritos próprios. O Filho de Deus fez-se Homem, padeceu e morreu por amor aos homens, oferecendo ao seu eterno Pai a sua Vida, Paixão e Morte, como sacrifício para remir os homens do pecado e fazê-los entrar no Céu. Deste modo foi feita a redenção do gênero humano.

REGULARES

São os religiosos que fizeram votos em alguma Ordem Religiosa. São obrigados à clausura papal e estão isentos da jurisdição episcopal, exceto nos casos expressos no Direito.

REINO DE DEUS

Na terra, é a Igreja Católica, com a sua vida social, sob o regime espiritual da hierarquia, de que é Chefe visível universal o Romano Pontífice. A Igreja, reino de Deus exterior, está encarregada de manter e propagar o reino de Deus interior, ou reinado de Deus nas almas neste mundo. Na eternidade, o Reino de Deus é o Céu, onde entram os homens que na terra fizeram parte da Igreja Católica. Ao Reino de Deus na terra podem pertencer todos os homens, sem distinção de raça, de nacionalidade, de condição, mas não devem procurar nele bens materiais; encontrarão, porém, a paz, a justiça e a alegria de uma vida virtuosa. Assim escreveu o Apóstolo São Paulo: 'O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas é justiça, paz e alegria no Espírito Santo' (Rm 14,17).

RELÍQUIAS DOS SANTOS

São restos dos corpos dos santos ou objetos de que fizeram uso. São classificadas em duas categorias: insignes ou grandes, que são o corpo, a cabeça, o braço, a perna, ou a parte do corpo em que o santo sofreu o martírio, o antebraço, a mão, a língua e o coração. A segunda categoria é formada pelas relíquias pequenas. O Santo Lenho, ainda que seja uma pequenina parte, é sempre considerada como relíquia insigne, por ser uma parte da cruz em que Jesus Cristo morreu. A Igreja aprova e recomenda o culto das relíquias, e mais um culto relativo à pessoa ou ao santo a que as relíquias pertencem. A qualquer relíquia de santo é devido o culto de veneração com uma inclinação de cabeça e é incensada com dois duetos. O Santo Lenho tem o culto de veneração de joelhos e é incensado com três duetos. As relíquias insignes não podem conservar-se em casas ou oratórios particulares, sem expressa licença do bispo do lugar. As relíquias não insignes podem conservar-se em casas particulares, sendo tratadas com honra. Não podem as relíquias ser expostas ao culto público, sem estarem autenticadas em documentos por algum cardeal ou pelo bispo do lugar, ou por algum Eclesiástico com faculdades especiais. As relíquias, quando são expostas, devem estar encerradas numa cápsula. A relíquia do santo Lenho nunca deve estar exposta à veneração pública na mesma cápsula com relíquias de santos. As relíquias dos beatos, sem indulto especial, não devem ser levadas nas procissões, nem expostas na igreja, a não ser naquela onde se celebra Ofício e Missa por concessão da Sé Apostólica. As santas relíquias não são objeto de comércio e não se podem vender.

REMISSÃO DOS PECADOS

A remissão dos pecados foi confiada à Igreja por Jesus Cristo, quando disse aos seus Apóstolos: 'Àqueles a quem perdoardes os pecados serão perdoados» (Jo 20,23). A remissão dos pecados é fruto da Paixão e Morte de Jesus Cristo, como se lê no Santo Evangelho: 'Importava que Cristo padecesse e que ressurgisse dos mortos ao terceiro dia e que em seu nome se pregasse a penitência e a remissão dos pecados em todas as Nações' (Lc 24, 46-47). Pela remissão dos pecados somos justificados, isto é, recebemos a graça de Deus e ficamos na sua amizade, capazes de viver virtuosamente e de gozar a bem aventurança celeste. A remissão dos pecados faz-se por meio dos sacramentos, particularmente pelo Batismo e pela Penitência ou Confissão Sacramental.

RESPEITO HUMANO

É um sentimento produzido pelo temor de desagradar ao mundo, quando há um dever religioso a cumprir. É uma fraqueza na Fé, é uma covardia na ação. A Religião de Jesus Cristo não exige de nós coisa alguma de que tenhamos de nos envergonhar. Pelo contrário, todos os atos da Religião têm por fim levar-nos à prática da virtude, elevar-nos para Deus. Ter respeito humano é ter vergonha de servir a Deus, é preferir a estima dos homens à graça de Deus. Que nos importa o que digam de nós, se Deus aprova as nossas ações? E que dirá Deus e que fará Deus se nos envergonharmos de servi-Lo? A resposta é dada por Jesus Cristo, dizendo: 'Se alguém se envergonhar de Mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na sua majestade e na de seu Pai e na dos Anjos' (LC 9, 26).

RESSURREIÇÃO DA CARNE

É a união da alma separada ao seu corpo, no fim do mundo, para uma nova vida, que será eterna. É uma verdade ensinada por Jesus, dizendo: 'Todos os que se acham nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que obraram bem neste mundo sairão para a ressurreição da vida, mas os que obraram mal sairão ressuscitados para a condenação' (Jo 5, 28-29). E o Apóstolo São Paulo escreveu: 'Todos ressuscitaremos num abrir e fechar de olhos; porquanto, é necessário que este corpo mortal se revista da imortalidade' (I Cor 15, 51-53). A ressurreição não é natural, é miraculosa. Deus criou o homem, infundindo no pó da terra uma alma imortal e espiritual, que lhe deu a vida. Deus tira a vida ao homem separando a alma do seu corpo. Deus dá novamente vida ao homem, unindo novamente a alma ao pó que foi o seu corpo, pois a Deus nada é impossível.

RETIRO ESPIRITUAL

É a suspensão, por alguns dias, da vida habitual, para os consagrar a um trabalho interior mais intenso e preparar o futuro, estudando em melhores condições a vontade de Deus sobre nós e renovando o fervor da alma para uma vida mais cristã, mais sobrenatural. O isolamento durante o retiro deve ser o mais completo possível, para que todo o tempo seja aplicado à meditação, aos exames de consciência, à oração, às resoluções e à organização da vida para o futuro.

REVELAÇÃO

É a manifestação de alguma verdade feita por Deus iluminando sobrenaturalmente a nossa inteligência. Deus revelou as verdades da Religião aos judeus, por meio dos Profetas; as verdades da Religião Cristã foram reveladas por Jesus Cristo, Deus Filho feito homem. A nossa Fé fundamenta-se nas revelações feitas por Jesus Cristo e escritas nos Santo Evangelhos, nas Epístolas dos Escritores Sagrados e na Tradição conservada na Igreja Católica. O Apóstolo São Paulo escreveu: 'Deus, tendo falado muitas vezes e de muitos modos, em outros tempos aos nossos pais pelos Profetas; nestes dias nos falou pelo seu Filho' (Hb 1, 1-2).

ROMANO PONTÍFICE

É o sucessor do Apóstolo São Pedro, o Vigário de Jesus Cristo na terra. Tem, não só o primado de honra, mas também o supremo e o pleno poder de jurisdição sobre toda a Igreja, tanto nas coisas que dizem respeito à Fé e aos costumes, como nas coisas que se referem à disciplina e regime da Igreja, espalhada por todo o mundo. Este poder é independente de toda a autoridade humana. Todos os fieis devem obedecer ao papa como ao próprio Jesus Cristo. É infalível quando ensina, como Chefe da Igreja, doutrina revelada sobre a Fé e a Moral.

RUBRICAS

São indicações nos livros litúrgicos para dirigirem os clérigos na recitação das orações e cerimônias litúrgicas. Devem ser cuidadosamente observadas na administração dos sacramentos e, principalmente, na celebração da Missa. Reprovado qualquer costume em contrário, o sacerdote celebrante não deve acrescentar, por seu próprio arbítrio, outras cerimônias ou preces às que estão designadas nas rubricas dos seus livros rituais.

(Verbetes da obra 'Dicionário da Doutrina Católica', do Pe. José Lourenço, 1945)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

FELIZ E SANTO NATAL EM CRISTO!

Desejo a todos os nossos amigos e visitantes um Santo e Feliz Natal! 

IGREJA CATÓLICA: ALMA DO NATAL
(Luís Dufaur)


CÂNTICO DE NATAL


Ó meu Menino Jesus, 
sede a minha esperança!
Que na gruta da vossa Belém 
eu possa renascer também
como uma outra criança!  

Ó meu Menino Jesus,  
sede minha santa alegria!
Que o meu presépio se faça 
banhando minha alma na graça
de uma pobre estrebaria!

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha força e minha fé!
Que a mãe que me vela agora
seja a mesma Nossa Senhora 
da família de Nazaré!

Ó meu Menino Jesus, 
sede farol e minha luz!
Que este Natal de abraços,
se faça caminho de passos
que passam diante da Cruz! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede a alma do meu viver!
Que este Natal me converta
em dom, partilha e oferta
para os que vão renascer!
E em dom, oferta e partilha,
onde ainda hoje não brilha
a luz do vosso nascer! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha paz e todo bem!
Que eu viva a bem aventurança 
de adorar Deus feito criança
numa gruta de Belém!

(Arcos de Pilares)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

O NASCIMENTO DE JESUS

Maria sentiu um leve estremecimento no ventre. Estremecimento e não dor. Percebera-o nitidamente em meio ao movimento harmônico do trote do burrico pela estrada poeirenta. No recolhimento de sua oração profunda, sua mão busca tocar levemente o ventre como uma resposta imediata da Mãe ao sinal enviado pelo Filho: a longa preparação do Tempo dos Profetas há de ser realidade em breve naquele tempo da história e Deus feito homem vai nascer no mundo. É o primeiro sinal. Suave estremecimento, perceptível apenas por Maria, naquele momento da longa travessia que perpassa agora os campos abertos que levam mais adiante à Belém de todas as profecias.


José, puxando o burrico, olha para trás e se preocupa. O vento começa a soprar mais forte e mais frio e a jornada agora é mais lenta e penosa, nos declives mais acentuados da estrada que serpenteia pelo vale e pelos contrafortes de formações rochosas. E há muitas pessoas e alarido em torno deles. De tempos em tempos, são obrigados a parar e dar passagem a outros viajantes em marcha mais apressada ou para superarem com extremo cuidado os trechos mais íngremes. Quase todos os peregrinos têm o mesmo destino e o mesmo objetivo: apresentarem-se às autoridades em Belém e cumprirem as normas do novo recenseamento imposto pelas autoridades romanas. 

Em meio a um acontecimento regional e específico da história humana, está prestes a ocorrer o mais extraordinário evento da humanidade. Em meio ao burburinho e à agitação de toda aquela gente, Maria recebeu o primeiro sinal da manifestação da vinda do Messias prometido. Um murmúrio de humanidade no sagrado ventre consubstancia em definitivo o Mistério da Anunciação. Um leve estremecimento acaba de prenunciar o nascimento de Deus. 


As ruas estreitas se consomem de tanta gente. Há um cenário de mercado livre por toda a Belém daqueles dias. Eles acabaram de cumprir os registros formais do recenseamento e agora buscam ansiosamente uma pousada para o pernoite. Não é apenas o albergue principal da cidade que está com a lotação esgotada; as casas se transformaram em emaranhados de pessoas e utensílios, num entra e sai sem fim de gente ruidosa e apressada. Há o burburinho comum das crianças e o festim grotesco das ofertas gritadas e dos negócios de ocasião. No vaivém das ruas apinhadas e confusas, Maria e José buscam refúgio fora da cidade, além das casas mais ermas e mais afastadas. Aqui e ali ainda se veem acampamentos rústicos, improvisados, à guisa de refúgio de grupos mais ou menos numerosos. Além, mais além, as formações calcárias formam reintrâncias e cavernas, que muitas vezes são utilizadas como estrebarias pelos mercadores das grandes rotas até Jerusalém.

José leva o burrico na direção destas cavernas. Ele não sente no rosto o vento frio da tarde que se desvanece, nem o cansaço da longa jornada. Seu pensamento é todo, totalmente por Maria. A preocupação em encontrar um lugar digno para ela o consome por completo. A ânsia de dar descanso e refúgio a Maria tolhe todos os seus sentidos e atividades. A dimensão do mistério insondável o atordoa e o aniquila: a humanidade de José sente o peso incomensurável dos desígnios da Providência.

Passa adiante da primeira entrada, que não passa de um buraco estreito e irregular na rocha. A seguinte é pouco melhor do que isso. As demais mostram-se maiores e limpas, mas já estão todas ocupadas. As pessoas amontoam-se nos espaços exíguos em silêncio, homens na sua grande maioria, cercados por animais, feno e capim. São estrebarias que agora acomodam pessoas. José se inquieta ainda mais. Não há possibilidade aparente de privacidade para o nascimento de Jesus, não há lugar nenhum para um abrigo ainda que provisório. 

Avançado o paredão rochoso, José agora se depara com um cinturão de amendoeiras que margeiam o caminho adiante, que se abre, então, para campos e vales ao longe. Bem distante, na encosta suave do outro lado do vale, consegue divisar um pastor empurrando o seu rebanho. Nesse momento, sente os ombros dolorosamente pesados e seu andar vacilante. Seu olhar havia percorrido cada entrada rochosa e cada rosto humano em busca de recepção e de um gesto de boa vontade. E nada. Agora volve o seu olhar para Maria, como que pedindo perdão pela sua incapacidade e incerteza daquele momento. A humanidade inteira geme as suas ânsias pelo olhar desconsolado de José. 

Ao passar pela terceira gruta, Maria sentiu, como uma vibração percorrendo todo o seu corpo, o sopro do Espírito de Deus. Desde o primeiro sinal, recolhera-se, ainda com maior devoção, à oração de dar glórias ao Pai pelo que estava prestes a acontecer. Como serva da Anunciação, era agora a mesma serva como Mãe de Deus. E, nesse momento, pressentira o segundo sinal. A Divina Promessa iria dispensar a Redenção em breve à humanidade pecadora. Ao olhar para José, compreendendo a sua aflição e seu desapontamento, fitou-o com os olhos da perseverança e da fé inquebrantáveis e o brilho deste olhar emanava a própria luz de Deus.

Diante do olhar de Maria, a humanidade de José se detém e suas dúvidas se dissipam. Então, ele avança mais vinte, mais cinquenta metros, contorna as árvores e avista a gruta que emerge da continuação do maciço rochoso à esquerda. É e será sempre a visão do paraíso. Não é exatamente uma gruta, mas uma escavação que avança em profundidade na rocha e é protegida por uma murada frontal de pedras mal alinhadas, trançadas com restos de vigas de madeira, espalhados em desordenada profusão, que fecham de maneira irregular a entrada do lugar, protegendo-o dos ventos e das intempéries. Escondida, erma, isolada, bendita seja a gruta de Belém! 

Ela está suja, úmida, mal cuidada, mas não de todo desconhecida ou abandonada, porque um boi ali se encontra, com bastante feno e água. Há sujeira e palha solta em todos os lugares. Num canto, um arranjo de pedras enegrecidas indica o lugar de costume de se acender o fogo. Aliviado e feliz, José se consome nos arranjos práticos do refúgio improvisado. Ajuda Maria a entrar na gruta e se apressa a alimentá-la e a acomodá-la o melhor possível; dá feno e água ao burrico que é levado para junto do boi, monta um tablado de feno no chão, dispondo cuidadosamente os fardos; com paus e pedras, faz um arremedo de cercado em torno de Maria e o cobre com a sua manta grossa de viagem; empilha num canto os troncos e os pedaços de madeira espalhados; limpa as pedras e o chão com feixes de palhas e, com gravetos e pedaços de madeira seca, acende o fogo. A pequena luz se espalha pela escondida, erma, isolada, bendita gruta de Belém! 


O silêncio da gruta é quebrado apenas pelo crepitar das últimas chamas. O fogo aqueceu o espaço limitado e agora existe mais penumbra do que claridade. O fogo emoldura em repentes luminosos o rosto de José enquanto, pelas aberturas das muradas de pedras, o luar desenha feixes de luzes prateadas que cortam a escuridão que envolve toda a gruta. De repente, Maria põe-se de joelhos em contrita oração. Prostra-se com o rosto no chão e José percebe, apesar de toda a escuridão, o que está para acontecer. Coloca-se também de joelhos, também em fervorosa oração, louvando a Deus por ser testemunha e personagem de mistério tão extraordinário. Em muda expectativa, contempla o perfil de Maria apenas esboçado na escuridão da gruta.

A princípio, supõe ver os feixes de luar convergirem para o rosto de Maria ou auréolas de luz provenientes do fogo a envolverem completamente. Mas sabe que é muito mais que isso: uma luz, de claridade e brilho espantosos, nasce, emana e flui dela, enchendo a gruta de uma tal iridescência, que todas as coisas perdem a forma, o volume e a natureza material. Maria não se transfigura em luz, ela é a própria luz! O rosto de Maria é luz, as vestes de Maria são luz, as mãos de Maria são luz. Mas não é uma luz deste mundo, nem o brilho do cristal mais polido, nem o resplendor do diamante mais lapidado, nem a etérea luminosidade dos átomos em fissão; tudo isso seria uma mera pátina de luz. Maria torna-se um espelho do próprio Deus, da qual emana a luz do Céu!

José se transfigura neste redemoinho de luz sem ser a luz. Seus olhos puderam contemplar o terceiro e definitivo sinal da Natividade de Deus. E trêmulo, mudo, pasmado, contempla o recém-nascido acolhido entre os braços de Maria, recebendo o primeiro carinho e o primeiro beijo da Mãe Imaculada. Pressuroso e em êxtase, prepara a humilde manjedoura, o primeiro altar de Jesus na terra. O Filho do Deus Vivo já habita entre nós!

(Adaptação livre do autor do blog sobre os eventos prévios ao nascimento de Jesus)