terça-feira, 15 de maio de 2018

QUANDO A ALMA SE ESQUECE DE SI...

À medida que a alma avança na perfeição, a sua vida espiritual simplifica-se e acaba por resumir-se nestas palavras dirigidas a Santa Catarina de Sena: 'Pensa em mim, que Eu pensarei em ti'. Isto quer dizer: Eu pensarei na tua honra, na tua saúde, nos teus bens temporais; pensarei na tua salvação e santidade. Jesus tudo sabe e nada esquece. Quando Ele pede à alma um tão grande sacrifício como é o abandono total de si mesma, encarrega-se de por remédio aos inconvenientes que daí possam resultar humanamente.  A alma deve limitar-se a obedecer e abster-se de perscrutar o futuro.

A pobre viúva de Sarepta estava numa grande miséria quando um dia encontrou o profeta Elias. Ia consumir as suas últimas provisões, e depois só lhe restaria morrer à míngua junto com o seu filho. No entanto, a pedido daquele estranho, cedeu-lhe o último pão. Humanamente, era uma loucura, mas era também sabedoria diante de Deus, pois compelia-o a fazer um milagre.

A alma verdadeiramente simples procede assim com Deus. Só pensa nos seus deveres de estado, sempre cumpridos de olhos postos nEle. Ignora o cálculo, os rodeios, o fingimento, e, em troca, Deus tudo prevê por ela. Às vezes, sem dúvida, a astúcia julga tê-la feito cair nos seus laços. Puro engano. Um acontecimento imprevisto, uma simples palavra, um gesto, desmascaram a intriga. Quando estiveres diante dos poderosos do mundo, disse Jesus aos seus discípulos, não vos preocupeis com que ireis dizer em vossa defesa. O Espírito Santo porá nos vossos lábios as palavras que deveis pronunciar.

Se os Apóstolos, no começo da sua vida apostólica, tivessem pesado as consequências da sua arrojada empresa, jamais teriam evangelizado. Não tinham nenhuma esperança de fazer aceitar a doutrina do Crucificado e, ao fim dos seus trabalhos, esperavam-nos as torturas e a morte. Mas eles iam para onde o Espírito de Deus os levava, sem hesitações nem temor. A sua missão era pregar: 'Pregai o Evangelho a toda a criatura' (Mc 16,15). Pregariam, e Deus faria o resto; e soube fazê-lo magnificamente.

Jesus não só pensa pela alma simples, como também supre e repara o que a sua ignorância e a sua imprevidência possam ter comprometido. Nenhum homem é tão sagaz que nunca se engane ou dê passos inconsiderados. Para os mundanos, estas imprudências são motivo de grandes desgostos e acerbas humilhações. E, para os que os invejam, ocasião de mordazes zombarias e severos comentários. Para Deus, são meios de humilhar e corrigir os presunçosos.

Para com a alma simples, o proceder de Deus é diferente. Permite certas imprudências - a vida dos santos está cheias destes exemplos - mas coisa singular, ficam sem efeito ou mesmo dão lugar a um bem maior. A alma nunca perde por deixar Deus pensar por ela. Quando São Pedro no lago de Genesaré reconheceu, no 'fantasma' que o assustava, Jesus caminhando sobre as águas, teve um rasgo sublime de esquecimento próprio: 'Senhor, se és Vós, manda-me ir até onde estás por cima das águas' (Mt 14,28). Natureza espontânea, Pedro nem teve tempo de refletir, e já caminhava sobre as águas. De repente, uma onde levantada pelo vento avançou ameaçadora, e Pedro não pensou mais no Mestre que tudo pode, mas em si, na sua fraqueza. Vacilou e afundou. Felizmente, Jesus estava lá para tudo remediar.

É admirável verificar como, no Evangelho, Jesus toma sempre a defesa dos fracos, dos caluniados, mesmo que sejam pecadores. Desde que, de algum modo, lhe tenham mostrado confiança, sente-se obrigado a defendê-los. Toma, contra os seus discípulos, o partido das mães que se chegavam a Ele com os seus filhos. Defende contra os invejosos o recém-convertido Zaqueu que enfrentara o ridículo de subir a uma árvore para vê-lO passar. Toma sob a sua proteção a mulher adúltera, confunde os seus acusadores hipócritas e despede-a livre e convertida. Não permite que mandem embora em jejum o povo que O seguira ao deserto. Defende os seus Apóstolos que, impelidos pela fome, colhiam espigas num campo em dia de sábado. Toma sobretudo sob a sua proteção a pecadora. Como a defende contra os seus detratores! Não precisava ela ser defendida, ela que, levada pelo seu amor, não tomara nenhuma cautela?

Essa mulher era tida por pecadora pública e, sem que ninguém ainda tivesse conhecimento da mudança nela operada, veio fazer aos pés de Jesus, 'o Profeta', um ato de tão prodigiosa humilhação que o mundo a qualificará de extravagante. Entra numa casa estranha, penetra na sala do festim, causando perturbação entre os convivas, e cobre de confusão o dono da casa. Mas que lhe importava tudo isso, se Jesus aí estava e a esperava... pela primeira vez! O Mestre falaria por ela! Defendê-la-ia contra Judas, que a acusava de prodigalidade, e contra os indignados participantes do banquete. E iria ainda mais longe. Cuidaria de que a sua justificação ficasse consignada nos Livros Sagrados, e de que em toda a parte onde se pregasse o Evangelho se contasse e louvasse a loucura de amor imaginada por ela para agradar ao seu Senhor.

Não haverei eu também de entregar-me a Jesus e esquecer-me de mim? Jesus pensará por mim. Jamais se dirá que fraqueza ou indigência alguma se tenha refugiado no seu Coração e dali tenha sido arrancada: 'Não repelirei ninguém que venha a Mim' (Jo 6,37).

(Excertos da obra 'O dom de si, vida de abandono em Deus' do Pe. Joseph Schrijvers)

segunda-feira, 14 de maio de 2018

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Deus só perdoará àqueles que tiverem perdoado - é essa a lei. Os santos não têm em si o menor vestígio de ódio ou de fel: perdoam tudo e consideram sempre que mereciam sofrer muito mais, pelas ofensas que eles próprios fizeram a Deus. Quando alguém odeia o seu próximo, Deus devolve-lhe esse ódio: é um golpe que se volta contra nós... No Céu não existe rancor. Assim, os corações bons e humildes que recebem as injúrias e as calúnias com alegria ou indiferença dão início ao seu paraíso já neste mundo, e aqueles que guardam rancor são infelizes. A forma de afastar o demônio quando ele nos suscita pensamentos de ódio contra aqueles que nos maltratam é rezar imediatamente por eles. Desse modo, vencemos o mal com o bem. Foi assim que fizeram os santos.

(Cura d'Ars)

domingo, 13 de maio de 2018

101 ANOS DE FÁTIMA

Fátima é o acontecimento sobrenatural mais extraordinário de Nossa Senhora e a mais profética das aparições modernas (que incluíram a visão do inferno, 'terceiro segredo', consagração aos Primeiros Cinco Sábados, orações ensinadas por Nossa Senhora às crianças, consagração da Rússiamilagre do sol e as aparições do Anjo de Portugal), constituindo a proclamação definitiva das mensagens prévias dadas pela Mãe de Deus em Lourdes e La Salette. Por Fátima, o mundo poderá chegar à plena restauração da fé e da vida em Deus, conformando o paraíso na terra. Por Fátima, a humanidade será redimida e salva, pelo triunfo do Coração Imaculado de Maria. Se os homens esquecerem as glórias de Maria em Fátima e os tesouros da graça, serão também esquecidos por Deus.

'por fim, o meu Imaculado Coração triunfará'


FÁTIMA EM 100 FATOS E FOTOS

(PARTE XX /FINAL, PUBLICADA HOJE NO BLOG)

FÁTIMA EM FATOS E FOTOS (XX)

96. Como se deu a implantação e o desenvolvimento do Santuário de Fátima?

No local das aparições, foi elevada inicialmente, pelo pedreiro Joaquim Barbeiro, uma modesta capela, concluída em 15 de junho de 1919 e que ficou conhecida como Capelinha das Aparições. A Capelinha foi destruída por explosivos em 6 de março de 1922 e reconstruída no mesmo ano e, muitos anos depois, ampliada por amplas varandas laterais. Para uma melhor acolhida dos peregrinos doentes, um albergue foi construído em 1924 e, em 1926, começou a funcionar o chamado  'Serviço de Verificações Médicas', ao qual se seguiu o projeto de implantação de um hospital de grande porte, para atender a demanda crescente dos peregrinos doentes.

(primeira Capelinha das Aparições)

Em 13 de maio de 1928, foi lançada a primeira pedra para a construção da Basílica de Nossa Senhora do Rosário (projeto de autoria do arquiteto holandês Gerardus van Krieken) e, no mesmo ano, foi feita a bênção da primeira pedra para o monumento da praça central do santuário ao Sagrado Coração de Jesus. Desde então, apesar de algumas tentativas de se estabelecer um plano geral de ordenamento urbanístico e arquitetônico para a área, o complexo se desenvolveu de forma aleatória, incorporando cada vez mais estruturas e edifícios, implantados com diferentes proposições e compondo hoje o chamado 'Santuário de Fátima'. 

(atual Capelinha das Aparições - ver acesso on line neste blog)

O atual 'Santuário de Fátima' é constituído pela Capelinha das Aparições, o Recinto e a Esplanada do Rosário, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e Colunatas, a Casa de Nossa Senhora do Carmo e Reitoria, a Casa de Retiros de Nossa Senhora das Dores e o albergue para os doentes, a Praça Pio XII, o Centro Pastoral Paulo VI e a Igreja da Santíssima Trindade. Compõem ainda o espaço a Capela do Lausterene ('louvor perene'), onde está permanentemente exposto o Santíssimo Corpo  de Cristo na Hóstia Consagrada e a Capela da Reconciliação, destinada à celebração do sacramento da confissão. 

(Santuário e cidade de Fátima)

A atual Basílica de Nossa Senhora do Rosário tem 70,5m de comprimento e 37,0m de altura, sendo dotada de tribuna frontal e torre sineira de 65,0m de altura, arrematada por uma coroa de bronze e possuindo um carrilhão de 62 sinos. A Basílica da Santíssima Trindade constitui a mais recente construção do complexo do Santuário de Fátima, estando situada à entrada do complexo (e no extremo oposto à Basílica de Nossa Senhora do Rosário); com arquitetura circular, a construção ocupa uma área total de 8.700 m² e dispõe de 8.633 lugares sentados (projeto de autoria do arquiteto grego Alexandros Tombazis). Fátima é atualmente sede de freguesia na subdivisão do concelho de Ourém em Portugal e tornou-se um dos mais importantes destinos internacionais de turismo religioso do mundo, recebendo cerca de seis milhões de pessoas por ano.

97. Os castigos anunciados em Fátima serão integralmente cumpridos? 

Antes de mais nada, é importante caracterizar que a mensagem de Fátima possui atributos condicionais e incondicionais. Assim, ao discorrer sobre o advento de castigos para a humanidade pecadora, Nossa Senhora prescreve claramente que tais acontecimentos eram passíveis de ocorrer ou não, dependendo da resposta dos homens aos apelos de emenda e conversão, renúncia ao pecado e vida na graça de Deus. 

É importante compreender que Deus, independentemente de todos os seus atributos infinitos, não tem um única estratégia de atuação sobre a raça humana, pronta e fechada desde séculos imemoriais. Deus atua essencialmente em sintonia com o homem criado à sua imagem e semelhança e, assim, a sua intervenção na história humana traduz, em maior ou menor escala, a resposta concreta ou não de cada um nós, e da Igreja em particular, ao plano de salvação delineado para toda a humanidade. Deus guia a humanidade de acordo com o livre arbítrio de todos os homens e, por consequência, os planos de Deus são muitos e insondáveis ao homem. 


No contexto da grave crise moral dos nossos dias e levando-se em conta que os pedidos de Nossa Senhora não foram atendidos, pode-se então afirmar que os castigos anunciados em Fátima foram ou serão integralmente cumpridos: 'a Rússia espalhará seus erros pelo mundo... guerras e perseguições... o Papa teria muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas... a apostasia universal, a crise da Igreja, etc', eventos de longa duração e de abrangência universal. Embora estes eventos sejam hoje definitivos, nem assim são imutáveis: com certeza, a oração, a conversão e a devoção aos Imaculados corações de Jesus e de Maria por um número cada vez maior de homens e mulheres tem propiciado a mitigação e, principalmente, a abreviação de muitos destes castigos e, de uma forma mais geral, a própria abreviação deste período tenebroso da história humana. 

98. Como e em que termos Fátima foi atacada e combatida pelos inimigos da Igreja?

Pode-se dizer que a oposição a Fátima começou antes mesmo das aparições, quando o governo português, maçônico e anticlerical, já se vangloriava da missão pública de varrer a Igreja Católica do país em menos de duas gerações, como consequência óbvia da promulgação, em 1911, da famigerada Lei da Separação da Igreja e do Estado. As aparições de Fátima foram, então, um flagelo e um estorvo tremendo aos ideais maçônicos vigentes e, assim, desde o início, Fátima foi sempre alvo da ira e de ataques desvairados dos inimigos da Igreja, um sinal inequívoco da veracidade e magnitude deste evento para a história da humanidade. 

Desde as primeiras notícias das aparições, Fátima foi sempre alvo da ira e de ataques desvairados dos inimigos da Igreja, um sinal inequívoco da veracidade e magnitude deste evento para a história da humanidade. Estas manifestações tiveram inicialmente um cunho de ridicularização e de escárnio, diante de um cenário de 'obscurantismo religioso' e de divulgação de 'superstições'. Depois, os ataques ficaram mais incisivos, particularmente após o 'milagre do sol' (sexta aparição) e medidas extremas foram tomadas para cercear e prejudicar os videntes e diluir o impacto das aparições como o rapto dos videntes em agosto de 1917 e as obstruções sistemáticas do acesso de romarias à Cova da Iria, que culminaram com a explosão da capelinha das aparições, em 6 de março de 1922. 

Com o tempo, os ataques e as tentativas de desmoralização mudaram de tom, de tática e de magnitude, promovendo o descrédito da testemunha ocular ainda viva e seu confinamento completo, questionando a autenticidade dos escritos de Lúcia e das aparições e silenciando e difamando os arautos de Fátima. Esta oposição rendeu frutos também dentro da própria Igreja, de forma velada, inconsciente ou em investidas traiçoeiras, por diferentes autoridades religiosas em diferentes épocas (do infeliz pioneirismo dos ataques insidiosos do padre belga Édouard Dhanis, a partir de 1944, até a completa tentativa de prelados modernistas e maçônicos, dentro e fora do Vaticano, na desconstrução completa dos eventos de Fátima que, em vez de serem citados, merecem ser apenas literalmente ignorados). Diante destes ataques, em algumas vezes, as reações foram igualmente violentas e manipuladas, o que foi igualmente ofensivo à história de Fátima (um exemplo crasso disso é o do fantasioso e desvairado complô da Igreja em favor de uma segunda e falsa Lúcia, com base em supostas alterações nas feições do rosto da Lúcia original; a mera comparação fisionômica com parentes próximos de Lúcia, em idades próximas, mostraria a irrelevância destas suposições; por outro lado, é uma coisa bastante óbvia que uma simples camponesa de Fátima do início do século XX tivesse que se submeter a uma prótese dentária, para corrigir a evolução comprometedora da sua dentição irregular em avançada idade).

Mas, em contraposição, testemunhas fieis aos eventos de Fátima foram sistematicamente refutadas, criticadas e relevadas ao ostracismo. Um exemplo esclarecedor disso foram os ataques brutais e insidiosos contra o padre  mexicano Augustín Fuentes, postulador das causas da beatificação de Francisco e Jacinta Marto. No contexto dessa atuação, o padre Fuentes teve uma audiência particular com Lúcia em 26 de dezembro de 1957, no Convento de Coimbra. No seu retorno ao México, o padre Fuentes revelou detalhes da sua entrevista com Lúcia, que ratificavam aspectos cruciais das mensagens de Fátima: a preocupação com a proximidade do ano de 1960, indicado por Nossa Senhora como referência para a divulgação pública do Terceiro Segredo; a atuação tímida da Igreja diante das profecias reveladas; a necessidade de entendimento universal desta hora tremenda na história da humanidade, diante o embate final da Virgem contra o demônio; os últimos remédios e graças concedidas pelos Céus aos homens e a imperiosa necessidade da oração, mortificação e conversão dos pecadores. Entretanto, após a divulgação da entrevista, o padre Fuentes foi atacado ferozmente, caluniado como mentiroso e demitido da função de postulador da beatificação de Jacinta e Francisco (sendo substituído depois pelo Padre Luís Kondor).

(padre Augustín Fuentes, postulador das causas da beatificação de Francisco e Jacinta Marto)

O silêncio imposto sobre Fátima, entretanto, fica ainda mais claramente exposto pelo absurdo encobrimento da obra de revisão documental feita pelo padre Joaquín Maria Alonso, maior estudioso dos arquivos de Fátima. Nomeado para a função de escrever e sistematizar todo o acervo de documentos e arquivos de Fátima pelo bispo Dom João Venâncio, então segundo bispo de Fátima, Padre Alonso dedicou os dez anos seguintes de sua vida a estudar detalhadamente e compilar este material, trabalho que foi concluído em 1976, sob a forma de uma obra monumental, compreendendo 24 volumes de cerca de 800 páginas cada volume. O trabalho final nunca foi publicado até a morte do padre Alonso em 12 de dezembro de 1981. Somente no início dos anos 90, dois destes volumes foram publicados, após terem sido parcialmente editados; os outros 22 volumes permanecem ainda inéditos.

(Padre Joaquín Maria Alonso, arquivista oficial de Fátima)

99. O que seria e quando ocorreu (ou ainda ocorrerá) a sétima aparição de Fátima?

Logo na primeira aparição, ocorrida em 13 de maio de 1917, Nossa Senhora revelou à Lúcia que viria à Cova da Iria por seis meses seguidos, sempre no dia 13 e que depois voltaria ali uma sétima vez. Recordemos o diálogo registrado, então, entre a Mãe de Deus e a pequena vidente de Fátima:

- De onde é Vossemecê?
- Sou do Céu.
- E que é que Vossemecê quer?
- Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois, voltarei ainda aqui uma sétima vez.

Nesta ocasião, Nossa Senhora formulou a Lúcia duas promessas distintas, complementares e explícitas:

(i) seis aparições sequenciais: que venhais aqui seis meses seguidos é uma proposição que inclui as três crianças (que venhais...), que tem lugar definido (aqui e aqui é Fátima) e um tempo definido a partir da primeira aparição (sempre no dia 13 ao longo de seis meses seguidos, ou seja, no período compreendido entre 13/05 e 13/10/1917);

(ii) uma sétima aparição isolada: depois, voltarei ainda aqui uma sétima vez é uma proposição que inclui um acontecimento futuro (depois), sem sequência temporal com as aparições anteriores (voltarei) e nem com os videntes (venhais é um convite à participação das crianças nas primeiras seis aparições; voltarei ainda é um ato imperativo da Virgem na sétima aparição) e também com lugar definido (o mesmo aqui e aqui é Fátima, tal como na proposição anterior). 


Os elementos destacados nas proposições acima descaracterizam e eliminam algumas falsas suposições de que a sétima aparição de Nossa Senhora já teria ocorrido, e que são: 

(i) suposição de que a sétima aparição tenha ocorrido ou possa ocorrer fora de Fátima: aqui na mensagem de Nossa Senhora refere-se explicitamente à Fátima; a sétima aparição é um complemento (ou o fecho) das seis primeiras aparições e está inserida completamente no Segredo de Fátima;
(ii) suposição de que a sétima aparição tenha caráter privado: comumente esta 'sétima aparição' é associada àquela ocorrida à Lúcia no Convento de Tuy, na Espanha, em 10 de dezembro de 1925 (nesta ocasião, Nossa Senhora detalhou a Lúcia os termos e as condições inerentes à devoção reparadora dos Primeiros Sábados). A suposição é equivocada em termos da vidente, do lugar, da natureza da aparição e de conta, uma vez que Lúcia experimentou, durante toda a sua vida, inúmeras aparições em caráter privado e não só de Nossa Senhora (aparição de Nossa Senhora em 13 de junho de 1929; aparição de Nossa Senhora em 3 de janeiro de 1944; aparição do Menino Jesus em 15 de fevereiro de 1926; aparição e diálogo com Jesus na noite do dia 29 para 30 de maio de 1930, etc); a própria Jacinta teve diversas visões particulares de Nossa Senhora durante o período de sua doença e de sua estadia no hospital em Lisboa.
(iii) suposição de que a sétima aparição tenha que estar associada necessariamente à Lúcia como vidente: isso nunca foi explicitado pela Virgem e, claramente, o contexto da sétima aparição é bastante distinto das seis anteriores; neste sentido, tal suposição não tem consistência nem mesmo em relação às aparições precedentes, uma vez que estas incluíram as três crianças como videntes e não apenas Lúcia.

Portanto, a promessa de Nossa Senhora continua em aberto e ainda não se cumpriu e, assim, ela voltará à Fátima uma sétima vez. Talvez para falar ao mundo inteiro, talvez para dirigir-se a toda a humanidade. E, quem sabe, para a glória da cristandade, revelar ao mundo o triunfo do seu Imaculado Coração?

100. Qual é a mensagem decisiva e primordial das aparições de Fátima?

A mensagem decisiva – a definitiva e primordial mensagem de Fátima – é absoluta e celestialmente incondicional: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. É uma afirmação categórica, apaziguadora, essencial, conclusiva e extraordinariamente definitiva: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. Não existe aqui nenhuma margem para dúvidas, vacilações ou contestações, não se antepõe condição alguma e nem nenhum pré-requisito para a vitória final sobre a ação do demônio e sobre o pecado: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. Esta é a mensagem de Fátima, escrita para você e para mim, homens deste século XXI e na aurora do terceiro milênio: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. 


O triunfo do Coração Imaculado de Maria é o triunfo de Deus no mundo sob a forma de uma nova Terra, renovada e transformada como a água em vinho nas bodas de Caná, na abundância dos dons do Espírito Santo e com almas escolhidas que amarão e glorificarão Jesus Cristo com o coração de Maria. Neste tempo inserido nas mensagens de Fátima e, portanto, tão próximo de nós, estaremos vivendo o Reino de Maria, previsto por São Luís Maria Grignion de Mintfort (1673 – 1716) duzentos anos antes de Nossa Senhora ratificar definitivamente em Fátima o triunfo do seu Imaculado Coração no mundo: 'Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!'. Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariae: Que venha o Reino de Maria, para que assim venha o Reino de Jesus!
(Fim)

'IDE E ANUNCIAI O EVANGELHO!'

Páginas do Evangelho - Domingo da Festa Litúrgica da Ascensão do Senhor


Antes de subir aos Céus, Jesus manifesta aos seus discípulos (de ontem e de sempre) as bases do verdadeiro apostolado cristão, a ser levado a todos os povos e nações: 'Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado'. (Mc 16, 15 - 16). Ratificando as mensagens proféticas do Antigo Testamento, Nosso Senhor imprime diretamente no coração humano os sinais da fé sobrenatural e da esperança definitiva na Boa Nova do Evangelho, que nasce, se transcende e se propaga com a Igreja de Cristo na terra.

Antes de subir aos Céus, Jesus nos fez testemunhas da esperança. Pela ação de Pentecostes, pela efusão do Espírito Santo, pela manifestação da 'Força do Alto', os apóstolos tornar-se-iam instrumentos da graça e da conversão de muitos povos e nações: 'recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra' (At 1,8). E os apóstolos assumiram de pronto a imensa tarefa a fazer, na missão a eles confiada por Jesus: 'Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam' (Mc 16, 20).

Na mesma certeza, somos continuadores dessa aliança de Deus com os homens, na missão de semear a Boa Nova do Evangelho nos terrenos áridos da humanidade pecadora para depois colher, a cem por um, os frutos da redenção nos campos eternos da glória. Como missionários da graça, 'Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos' (Ef 1, 18). Neste propósito, nos anima e fortalece as divinas promessas da vitória antecipada da graça, na feliz espera de sermos partícipes de sua glória eterna.

Jesus se eleva diante dos seus discípulos e sobe para os Céus. Jesus vai primeiro porque é o Caminho que vai preparar, para cada um de nós, 'as muitas moradas da casa do Pai'. Na solenidade da Ascensão do Senhor, a Igreja comemora a glorificação final de Jesus Cristo na terra, como o Filho de Deus Vivo e, ao mesmo tempo, imprime na nossa alma o legado cristão que nos tornou, neste dia, testemunhas da esperança em Cristo e herdeiros da eternidade junto de Deus.

sábado, 12 de maio de 2018

O TESTEMUNHO DA CONSCIÊNCIA

É esta a nossa glória: o testemunho de nossa consciência. Há homens de juízo temerário, detratores, maldizentes, murmuradores, suspeitosos do que não vêem, procurando acusar o que nem mesmo suspeitam. Contra gente assim, o que nos resta a não ser o testemunho de nossa consciência? Mas, irmãos, também em relação àqueles a quem queremos agradar, não procuramos nossa glória nem a devemos buscar, mas a salvação deles, de modo que não se extraviem aqueles que nos seguem, se andarmos bem. Sejam nossos imitadores, se o formos de Cristo. Se não formos imitadores de Cristo, que eles o sejam! Pois o Senhor apascenta o seu rebanho e junto com todos os bons pastores, ele é o único, porque todos estão nele.

Por isso, não temos em vista nosso proveito quando buscamos agradar aos homens, mas queremos alegrar-nos com eles, alegrarmo-nos por sentirem prazer com o bem, para vantagem deles, não para nossa honra. Claramente se percebe contra quem disse o Apóstolo: 'Se quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo' (Gl 1,10). Também se percebe a favor de quem ele disse: 'Agradai a todos em tudo, assim como também eu lhes agrado em tudo'. Ambas as coisas puras, ambas sem perturbação. Quanto a ti, come e bebe tranquilamente; mas não pises os pastos, nem turves as águas.

Na verdade, também ouviste Nosso Senhor Jesus Cristo, o Mestre dos apóstolos: 'Brilhem vossas obras diante dos homens, para que vejam o bem que fazeis e glorifiquem vosso Pai que está nos céus' (Mt 5,16). Ele vos fez assim: nós, gente de suas pastagens e ovelhas de suas mãos (Mt 10,1-5). Louvor a Ele que te fez bom, se és bom, e não a ti que, por ti mesmo só poderias ser mau. Por que queres torcer a verdade, de modo que quando fazes algum bem, queres ser elogiado e, quando fazes o mal, queres que o Senhor seja criticado? De fato, aquele que disse: 'Brilhem vossas obras diante dos homens', é o mesmo que, na mesma exortação, declarou: 'Não façais vossa justiça diante dos homens '(Mt 6,1). Como no Apóstolo, também no Evangelho estes ditos te parecem contraditórios. Se, porém, não turvares a água de teu coração, aí encontrarás o acordo das Escrituras e terás paz também com elas.

Esforcemo-nos, pois, irmãos, não apenas para sermos bons, mas ainda para convivermos bem com os homens. Não procuremos apenas ter uma boa consciência, mas, na medida em que permitirem nossas limitações, vigilantes sobre a fragilidade humana, empenhemo-nos em nada fazer que levante dúvidas para o irmão mais fraco. Não aconteça que, comendo ervas boas e, bebendo águas límpidas, espezinhemos as pastagens de Deus, fazendo com isso, que as ovelhas fracas comam a erva pisada e bebam a água turva.

(Dos Sermões de Santo Agostinho)

sexta-feira, 11 de maio de 2018

SOBRE A ETERNIDADE DAS PENAS DO INFERNO


Ponderação - A eternidade das dores do inferno se opõe à justiça de Deus; é injusto punir eternamente um pecado que durou apenas alguns instantes.

Refutação - Nenhum crime é punível pelo tempo que se leva para cometê-lo, mas pela gravidade intrínseca que contém. A justiça humana, às vezes, não condena à prisão perpétua e até mesmo à pena de morte, o transgressor que cometeu um crime em um instante? Levando-se em conta que o pecado - sobretudo aquele cometido contra o próprio Deus com vontade e malícia obstinada - contém uma certa malícia infinita, por causa da distância infinita que separa o infrator da vítima, é justo que ele seja punido com uma penalidade também infinita. E esta não sendo possível pela intensidade, tem que ser pelo menos em extensão. Assim, a eternidade das dores do inferno não apenas não se opõe à justiça de Deus, mas é dela uma exigência e um postulado elementar.

P. - É muito difícil para mim conceber a infinita malícia do pecado, pois uma criatura não pode realizar um ato infinito.

R. - O ato infinito relativo ao pecado não se vincula ao ato em si mesmo ou objetivamente considerado, mas da distância infinita entre o pecador e Deus. Ao pecar livre e voluntariamente, o pecador se apega a uma criatura que o distancia ou separa de Deus. E esse afastamento é, em si mesmo, infinito e naturalmente irreparável.

P. - O pecador não comete seu pecado prevendo e aceitando essa projeção eterna; a maioria dos homens peca simplesmente 'por um tempinho', esperando se arrepender mais tarde.

R. - Essa esperança em um futuro arrependimento é uma ilusão tão vã quanto imoral. Vã porque o pecador não poderá abandonar seu pecado sem a graça do arrependimento, que Deus não está obrigado a lhe conceder e que pode inclusive negá-la como castigo de tanta ingratidão. Aquele que se enfia em um poço não pode sair sem ajuda de cordas e corre o risco de lá ficar se os que se encontram do lado de fora - que não têm a obrigação de ajudar um tal desmemoriado - não o ajudarem de fato. E é também imoral, porque o pecador se apega precisamente à misericórdia de Deus para ofendê-lo com maior comodidade.

P. - De qualquer forma, o pecador peca por um tempo, por que então puni-lo na eternidade?

R. A partir do momento que o pecador coloca realmente seu fim último em uma criatura, renunciando ao seu fim sobrenatural eterno, mostra muito claramente que se entregaria ao pecado com maior consentimento se pudesse desfrutar eternamente o prazer momentâneo que este lhe oferece. Se por um momento de alegria, fugaz e passageiro, aceita a possibilidade de ficar sem o seu fim sobrenatural, quanto mais seria tentado a cometer esse pecado se pudesse permanecer nele impunemente por toda a eternidade! Neste sentido, São Tomás de Aquino disse, com muita profundidade, que o pecador, ao se separar de Deus, peca em sua eternidade subjetiva. Portanto, se o pecador ofendeu a Deus em sua eternidade, é justo que Deus o castigue na sua, como disse Santo Agostinho. Eis as palavras de São Tomás: 'Dizemos que alguém peca em sua eternidade, não somente pela continuação do ato que perdura toda a sua vida, mas porque, pelo simples fato de ter posto fim ao pecado, tem a vontade de pecar eternamente. Como disse São Gregório (Los Morales c.19: ML 76, 738), 'os ímpios querem viver para sempre para permanecer sem fim em suas iniquidades' (I-II, 87, 3 ad 1; ver Supl., 99, I).

Em sua magnífica Suma contra os Gentios, São Tomás insiste no mesmo argumento com as seguintes palavras: 'Antes do julgamento divino, a vontade é consignada pelo fato porque o homem só vê o exterior, mas Deus olha o coração (Reg 16, 7). Agora, quem em troca de um bem temporal se desviou do último fim, que se possui por toda a eternidade, antepôs o usufruto temporal do dito bem ao usufruto eterno do último fim, que teria sido muito melhor desfrutar do que um bem provisório. Então, de acordo com o julgamento de Deus, ele deve ser castigado como se tivesse pecado eternamente. E não há dúvida de que um pecado eterno deve receber uma pena eterna. Portanto, quem se desvia do fim último do homem deve receber um castigo eterno' (Suma contra os Gentios, III, 144.)

P. - Mas a malícia subjetiva do pecado não depende do grau de conhecimento e voluntariedade com que procedeu o pecador?

R. - Certamente que sim.

P. - E que pecador se dá conta, quando comete o pecado, do alcance e da transcendência do seu ato? Seria necessário para ele ter uma ideia muito clara da grandeza de Deus e da incomensurável eternidade.

R. - O pecado cometido nestas condições seria de uma malícia verdadeiramente satânica. Esse foi o pecado dos anjos rebeldes, cuja malícia foi tal que Deus negou-lhes para sempre o benefício da redenção, que ele ofereceu, porém, ao homem pecador.

P. - Então você mesmo confessa que o pecado do homem não possui a malícia satânica de demônios e, portanto, ...

R. - Portanto, Deus se compadeceu dele e lhe ofereceu o benefício da redenção, que negou os anjos rebeldes. Exatamente por isso, a reincidência voluntária do homem no pecado, mesmo depois do derramamento de sangue do Filho de Deus encarnado para a sua redenção, assume um elevado grau de ingratidão, e uma maior malícia subjetiva. E isto basta para que este pecado, cometido livre e voluntariamente, tenha força suficiente para separar o pecador eternamente de Deus como seu último fim sobrenatural.

Além disso, como disse com muita propriedade um teólogo dos  nossos dias: 'o homem que suspeita e insiste em desconhecer a grandeza misteriosa do Pai e do sacrifício incomparável do Filho em nosso favor, não se torna muito responsável por isso? Nós que conhecemos a grandeza incomensurável do nosso Deus, da sua ternura infinita e da sublimidade do sacrifício da cruz, podemos nos desculpar de que não somos responsáveis ​​diante do mistério da graça, sob o pretexto de que, no momento do pecado, nossa imaginação e nossa inteligência não tinham plenamente este conhecimento?'.

P. - Mas por que Deus então cria aqueles que Ele sabe que vão ser condenados?

R. - Entre outras razões que transcendem infinitamente a pobre inteligência humana, deve-se dizer que, de outro modo, ter-se-ia uma grande imoralidade, o que é repugnante à infinita santidade de Deus. Com efeito, se Deus, imbuído de sua infinita misericórdia, não criasse apenas os homens que haveriam de se salvar, estes poderiam zombar impunemente de Deus, conspurcando um por um todos os mandamentos da lei divina. Não seria necessário nem que eles se prestassem a arrepender pelos seus pecados, pois Deus teria que perdoá-los forçosamente mais cedo ou mais tarde. Assim, um pecador, mesmo depois de sofrer na vida após a morte um castigo temporal mais ou menos longo, poderia adentrar o Céu sem ter-se arrependido do seu pecado, sem ter pedido perdão a Deus. Quem não vê que isso seria uma monstruosidade escandalosa, mil vezes mais inconcebível do que o fato de Deus criar um homem sabendo que ele há de se condenar?

Além disso, uma coisa é bastante clara na teologia da salvação, seja qual for a escola teológica a que pertença: Deus não cria nem nunca criará qualquer pessoa para ser condenada haja o que houver, mas somente, a despeito de saber disso, que a pessoa se condene voluntariamente (como punição ao pecado voluntariamente cometido). De quem é a culpa, portanto, se o pecador é condenado? Seria o cúmulo da imoralidade pedir contas a Deus por punir com justiça um crime que foi livre e voluntariamente cometido por exclusiva culpa do pecador.

P. - Mas por que a pena do pecado deve ser eterna? Não bastaria um castigo temporário - ainda que muito duradouro - para satisfazer as exigências da justiça divina?

R. - De modo nenhum. A obstinação do pecador, perpetuamente apegado ao seu pecado, obriga a uma pena mantida eternamente. O pecador não se arrepende e nem se arrependerá jamais e, nestas condições, a punição tem que ser necessariamente eterna. Enquanto permanecer a culpa, não se pode desfazer a pena, como exposto por São Tomás de Aquino: 'A culpa permanece eternamente, uma vez que não pode ser remediada sem a graça, que homem algum pode adquirir após a morte. Portanto, a pena não deve cessar enquanto a culpa persistir' (Suppl., 99, 1).

P. - Por que aquele que morre no pecado não pode mais se arrepender?

R. - Porque, com a morte, o tempo do arrependimento termina. Tempo que o pecador teve por toda a vida e que, teimosa e obstinadamente, rejeitou até o último suspiro. A culpa é exclusivamente sua. O que Deus poderia fazer mais do que fez? Não derramou o sangue por ele na cruz e não lhe ofereceu sua graça redentora até o momento da morte?

P. - A misericórdia de Deus é infinita e, portanto, parece absurdo estabelecer um limite determinado a partir do qual ela não pode mais ser exercida.

R. - A misericórdia de Deus é infinita, certamente. Porém, a sua atuação e manifestação estão regulados pelos outros atributos de Deus, especialmente por sua santidade, sua justiça e sua sabedoria. A santidade exige que não se dê ao pecador oportunidade de continuar zombando perpetuamente da misericórdia de Deus; a justiça clama pela punição inexorável do pecador definitivamente obstinado no seu pecado. A sabedoria divina impõe um marco limite para o pecador corrigir-se de suas culpas e nenhum limite é mais oportuno que o da hora da morte.

P. - Por quê?

R. - Porque com a morte tem fim a nossa condição de peregrinos - a viagem da nossa vida - e nós penetramos no estado final da eternidade imutável. É natural que o destino final que o pecador escolheu livremente, no último segundo de sua vida de viajante, permaneça para sempre na imutável eternidade.

P. - E por que o pecador não continua sendo livre?

R. - Para escolher o seu destino, não. A morte para sempre lhe arrebatou o estado de livre arbítrio e definitivamente o fixou - o fossilizou, poderíamos dizer - no fim que ele escolheu livremente.

P. - E por que o espírito pode mover-se nesta vida entre o bem e o mal e não poderia fazê-lo no outro?

R. - Porque assim o exigem, em comum, a psicologia da alma separada do corpo e a justiça de Deus.

P. - Por favor, explique melhor esse mistério.

R. - Não é tão difícil como você pensa. A simples filosofia nos diz que a alma separada não está mais sujeita à oscilação das paixões e às impressões caprichosas do mundo material e sensível. Desligada por completo da matéria, a alma age tal como os espíritos puros, anjos e demônios. Ela não apreende nada por meio do discurso, mas pela intuição e, assim, o que o entendimento lhe apresenta como conveniente e bom, ela o quer uma vez e para sempre. Na eternidade, ninguém corrige o bem ou o mal.

P. - E por que Deus não nos coloca novamente em uma posição de poder escolher outra vez?

R. - Porque o impede sua justiça divina e sua infinita seriedade. A justiça divina estabeleceu um prazo definido para o exercício incontido e transbordante da misericórdia divina: a hora da morte. E a infinita seriedade de Deus não O faz voltar atrás e oferecer ao pecador uma nova oportunidade para se converter, depois de ter definitivamente zombado dEle.

P. - Mesmo que o pecador não mereça, não seria isso um transbordamento de amor e da misericórdia digno da grandeza soberana de Deus?

R. - De jeito nenhum. Pelo contrário, seria um grande escândalo, que deixaria sem sentido a infinita santidade de Deus.

P. - Por quê?

R. - Porque seria o mesmo que autorizar o pecador a zombar eternamente de Deus.

P. - Eu não entendo.

R. - É muito simples. Se, apesar de continuar obstinadamente no pecado e de não merecer, portanto, o perdão, o pecador fosse perdoado por Deus, ele poderia se deleitar eternamente no pecado, zombando de Deus.

P. - Houve um Santo Padre, favorável a uma bela opinião de Orígenes, que imaginou o perdão final para o próprio Satanás e todos os seus seguidores angélicos e humanos.

R. - O apocatástase [restauração final de todas as coisas em Deus] de Orígenes de Alexandria foi expressamente condenado pela Igreja (Denz., 211) e tal hipótese, além de não ser bonita, constitui uma monstruosidade inconcebível.

P. - Faça o favor de provar isso.

R. - Escute, pois, o que seria o discurso que Satanás, anunciando o perdão de Deus, pronunciaria a todos os demônios e condenados do inferno: 'Amigos: eu já sabia que este final assim teria que vir algum dia. Por isso me rebelei resolutamente contra Deus e os arrastei a todos nesta minha rebelião. E como o meu orgulho não podia sofrer a humilhação de pedir perdão a Deus, nunca o pedi e nem o farei agora. Foi Ele quem teve que se render à inflexibilidade da minha atitude. Eu não me curvei nem me prostrarei jamais diante dele; Ele é quem teve de se submeter a mim. Tenho certeza de que todos vocês, meus súditos e amigos fiéis, compartilham plenamente estes meus sentimentos. Nenhum de vocês jamais pedirá perdão a Deus ou acatará as suas ordens. Eu sou o seu único chefe. E agora - e então Satanás deixará escapar uma gargalhada sarcástica - vamos ir para o Céu e sentar sobre os tronos de glória junto à Santa Mãe de Deus, eternamente rindo dEle por nos ter acessado o Céu sem que tenhamos arrependido dos nossos pecados e sem necessidade de prostrarmos diante a sua Divina Majestade'.

P. - Baseado em que se afirmaria que Satanás pronunciaria este discurso?

R. - Na sua obstinação diabólica. Ouvi o diálogo travado entre o demônio - que falava pela boca de um energúmeno [possuído pelo demônio] de Paris - e o padre que o exorcizou em nome da Igreja:

Sacerdote: qual é o seu nome?
Energúmeno: legião, porque somos muitos.
Sacerdote: vocês gostariam de ser aniquilados por Deus?
Energúmeno: não!
Sacerdote: entendo; se Deus os aniquilassem, vocês deixariam de sofrer e isso seria um grande bem a vocês.
Energúmeno: deixaríamos de sofrer, é verdade; mas deixaríamos também de odiar a Deus e, então, preferimos continuar a odiá-lO eternamente.
[Arrighini, Credo in vitam aeternam; Turim 1935, p. 280]. 

P. - Este diálogo tem algum registro histórico?

R. - Isto é para mim completamente indiferente. Eu não a reproduzi como prova histórica, mas apenas como exemplo, para expressar uma realidade indiscutível. Seja histórica ou não, a verdade é que o ódio e a obstinação contra Deus constituem as disposições habituais de Satanás e de todos os condenados. Estes fatos são expressos categoricamente pela teologia, uma vez que incorporam uma consequência inevitável de um estado de condenação.

P. - Por que ser assim e não simplesmente aniquilar as criaturas perversas, em vez de conservá-las eternamente em existência?

R. - Este aniquilamento - como já o dissemos - implicaria uma reordenação da obra de Deus, e é a criatura culpada e não o Criador que deve se retificar. Além disso, Deus não pode estabelecer uma mesma punição para todos os condenados que pecaram, em graus muito diferentes do mal. Finalmente, o aniquilamento impediria a manifestação permanente e eterna da justiça vingativa de Deus, instrumento também da sua glória diante toda a criação.

(Excertos da obra 'Teologia da Salvação', do Pe. Royo Marín, tradução do autor do blog)