segunda-feira, 18 de julho de 2016

INVOCAÇÃO À NOSSA SENHORA

Se o vento das tentações se levanta, se o escolho das tribulações se interpõe em teu caminho, olha a estrela, invoca Maria. 

Se és balouçado pelas vagas do orgulho, da ambição, da maledicência, da inveja, olha a estrela, invoca Maria.


Se a cólera, a avareza, os desejos impuros sacodem a frágil embarcação da tua alma, levanta os olhos para Maria.

Se, perturbado pela lembrança da enormidade de teus crimes, confuso à vista das torpezas de tua consciência, aterrorizado pelo medo do Juízo, começas a te deixar arrastar pelo turbilhão da tristeza, a despenhar no abismo do desespero, pensa em Maria.


Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria. 

Que o seu nome nunca se afaste de teus lábios, jamais abandone teu coração; e para alcançar o socorro da intercessão dela, não negligencieis os exemplos de sua vida.


Seguindo-a, não te transviarás; rezando a ela, não desesperarás; pensando nela, evitarás todo erro. 

Se ela te sustenta, não cairás; se ela te protege, nada terás a temer; se ela te conduz, não te cansarás; se ela te é favorável, alcançarás o fim.


E, por fim, verificarás por tua própria experiência com quanta razão foi dito: 'E o nome da Virgem era Maria'.


(São Bernardo)

domingo, 17 de julho de 2016

SÓ UMA COISA É NECESSÁRIA

Páginas do Evangelho - Décimo Sexto Domingo do Tempo Comum


Em meio às suas muitas viagens e peregrinações, em certa ocasião, Jesus parou para descansar na pequena comunidade de Betânia e ali se hospedou numa casa de propriedade de Marta. Marta era irmã de Maria e Lázaro, família religiosa e de posses, pela qual Jesus nutria grande apreço e amizade. Desta feita, aparentemente já se passara algum tempo sem Jesus ter estado com eles, pois, diante de sua chegada, Maria não arredava pé de sua Santa Presença, ouvindo com admiração e profunda alegria as palavras do Mestre.

Tão absorta e tão entretida estava Maria com a chegada do Senhor, que relegara ao completo esquecimento quaisquer outras tarefas ou atribuições, ainda que motivadas pela chegada de visitante de tal honra. Honra maior do que servi-lO ou preparar-Lhe a refeição, era amá-lO, era estar envolvida pela sua presença, era encher o coração de graça e de se deleitar na graça do Senhor. Atitude diversa tivera a sua irmã Marta. Na praticidade e nas exigências das ações humanas, movia-se de esforços concentrados em dar ao Mestre a refeição mais ligeira e mais substanciosa. E, nesse intuito, estava imersa por completo em mil afazeres e preparativos, moldada pelo intento de oferecer uma generosa hospitalidade e propiciar uma acolhida calorosa ao Senhor em sua casa. Santas e gratas intenções do coração humano!

Foi, pois, movida por tais preocupações imediatas, que Marta abordou Jesus, buscando a sua intervenção em induzir Maria a ajudá-la nas tarefas a cumprir: 'Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!' (Lc 10, 40). A hospitalidade e a docilidade da acolhida são afligidas pelas queixas e uma certa admoestação a Jesus no pedido de Marta: 'não importas?';  'manda'... Diante de Deus, Maria se alimenta do Verbo Encarnado; diante de Deus, Marta se apequena nas suas próprias tribulações humanas.

Jesus vai conduzi-las ambas a Si. Com Maria, mediante as palavras e os ensinamentos que o Evangelho não transcreveu. Com Marta, com as palavras que ressoam para todos nós: 'Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária' (Lc 10, 41-42). Todas as ações humanas podem ser belas e santas, desde que comecem no espírito da Santa Presença de Deus. Por Cristo, com Cristo, em Cristo: tudo em Cristo para a glória de Deus! Maria escolheu a melhor parte porque fez a acolhida do Senhor Que Vem primeiro na alma. E esta escolha, ratificada por Jesus, é outra verdade que ressoa para cada um de nós, no agora da vida humana e no depois da eternidade: a melhor parte definitivamente 'não lhe será tirada' (Lc 10, 42).

sábado, 16 de julho de 2016

GLÓRIAS DE MARIA: MÃE E FORMOSURA DO CARMELO


No dia 16 de julho de 1251, São Simão Stock suplicava a intercessão de Nossa Senhora  para resolver problemas da Ordem Carmelita quando teve uma visão da Virgem que, trazendo o Escapulário nas mãos, lhe disse as seguintes palavras:

"Filho diletíssimo, recebe o Escapulário da tua Ordem, sinal especial de minha amizade fraterna, privilégio para ti e todos os carmelitas. Aqueles que morrerem com este Escapulário não padecerão o fogo do Inferno. É sinal de salvação, amparo e proteção nos perigos, e aliança de paz para sempre". 



Imposição e Uso do Escapulário

- Qualquer padre pode fazer a bênção e imposição do Escapulário à pessoa.

2 - A bênção e a imposição valem para toda a vida e, portanto, basta receber o Escapulário uma única vez.

- Quando o Escapulário se desgastar, basta substituí-lo por um novo.

- Mesmo quando alguém tiver a infelicidade de deixar de usá-lo durante algum tempo, pode simplesmente retomar o seu uso, não sendo necessária outra bênção.

5 - Uma vez recebido, o Escapulário deve ser usado em todas as ocasiões (inclusive ao dormir), preferencialmente no pescoço.

6 - Em casos de necessidade de retirada do Escapulário, como no caso de doenças e/ou internações em hospitais, a promessa de Nossa Senhora se mantém, como se a pessoa o estivesse usando.

7 - Mesmo um leigo pode fazer a imposição do Escapulário a uma pessoa em risco de morte, bastando recitar uma oração a Nossa Senhora e colocar na pessoa um escapulário já bento por algum sacerdote.

8 - O Escapulário pode ser substituído por uma medalha que tenha, de um lado, o Sagrado Coração de Jesus e, do outro, uma imagem de Nossa Senhora (por autorização do Papa São Pio X).
Oração a Nossa Senhora do Carmo
     Ó Virgem do Carmo e mãe amorosa de todos os fiéis, mas especialmente dos que vestem vosso sagrado Escapulário, em cujo número tenho a dita de ser incluído, intercedei por mim ante o trono do Altíssimo. 

          Obtende-me que, depois de uma vida verdadeiramente cristã, expire revestido deste santo hábito e, livrando-me do fogo do inferno, conforme prometestes, mereça sair quanto antes, por vossa intercessão poderosa, das chamas do Purgatório.

        Ó Virgem dulcíssima, dissestes que o Escapulário é a defesa nos perigos, sinal do vosso entranhado amor e laço de aliança sempiterna entre Vós e os vossos filhos. Fazei, pois, Mãe amorosíssima, que ele me una perpetuamente a Vós e livre para sempre minha alma do pecado. 

       Em prova do meu reconhecimento e fidelidade, ofereço-me todo a Vós, consagrando-Vos neste dia os meus olhos, meus ouvidos, minha boca, meu coração e todo o meu ser. E porque Vos pertenço inteiramente, guardai-me e defendei-me como filho e servidor vosso. Amém.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

QUANDO O INFERNO É AQUI...

Nice, França, 14 de julho de 2016. Num atentado insano, um terrorista tunisiano investiu um grande caminhão contra uma multidão em festa, que comemorava o feriado nacional na principal avenida à beira mar da cidade de Nice, no sul da França. 84 mortos confirmados, dezenas de feridos em estado grave, o terrorista morto pela polícia francesa. Corpos atropelados e esmagados ao longo de quase dois quilômetros, corpos de crianças mortas ao lado dos seus brinquedos, corpos de franceses e de turistas cobertos pelas toalhas brancas das mesas dos restaurantes da orla. Consternação e dor diante do inexplicável, tangida pela maldade sórdida e demoníaca do inferno quando ele é aqui... 


quinta-feira, 14 de julho de 2016

O SÍMBOLO ATANASIANO

O Símbolo Atanasiano (ou Credo de Atanásio), embora atribuído a Santo Atanásio de Alexandria (295-373), foi escrito bem mais tarde, já no século VI, provavelmente por São Cesário, bispo de Arles. Escrito originalmente em latim, constitui uma síntese da doutrina cristã, centrada particularmente nos dogmas da Santíssima Trindade e da Encarnação, pelo que constitui uma oração de especial devoção à Trindade Santa. Infelizmente, no rito litúrgico atual, é utilizado tão somente no domingo dedicado à solenidade da Santíssima Trindade e em ritos de exorcismo, conforme especificação expressa da carta Summorum Pontificum do Papa Bento XVI.

Antífona. Glória a Vós, Trindade igual, única Divindade, antes dos séculos, e agora e sempre (T. P. Aleluia).
  1. Quem quiser salvar-se deve antes de tudo professar a fé católica.
  2. Porque aquele que não a professar, integral e inviolavelmente, perecerá sem dúvida por toda a eternidade.
  3. A fé católica consiste em adorar um só Deus em três Pessoas e três Pessoas em um só Deus.
  4. Sem confundir as Pessoas nem separar a substância.
  5. Porque uma só é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo.
  6. Mas uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, igual a glória, coeterna a majestade.
  7. Tal como é o Pai, tal é o Filho, tal é o Espírito Santo.
  8. O Pai é incriado, o Filho é incriado, o Espírito Santo é incriado.
  9. O Pai é imenso, o Filho é imenso, o Espírito Santo é imenso.
  10. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno.
  11. E contudo não são três eternos, mas um só eterno.
  12. Assim como não são três incriados, nem três imensos, mas um só incriado e um só imenso.
  13. Da mesma maneira, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente.
  14. E contudo não são três onipotentes, mas um só onipotente.
  15. Assim o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus.
  16. E contudo não são três deuses, mas um só Deus.
  17. Do mesmo modo, o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, o Espírito Santo é Senhor.
  18. E contudo não são três senhores, mas um só Senhor.
  19. Porque, assim como a verdade cristã nos manda confessar que cada uma das Pessoas é Deus e Senhor, do mesmo modo a religião católica nos proíbe dizer que são três deuses ou senhores.
  20. O Pai não foi feito, nem gerado, nem criado por ninguém.
  21. O Filho procede do Pai; não foi feito, nem criado, mas gerado.
  22. O Espírito Santo não foi feito, nem criado, nem gerado, mas procede do Pai e do Filho.
  23. Não há, pois, senão um só Pai, e não três Pais; um só Filho, e não três Filhos; um só Espírito Santo, e não três Espíritos Santos.
  24. E nesta Trindade não há nem mais antigo nem menos antigo, nem maior nem menor, mas as três Pessoas são coeternas e iguais entre si.
  25. De sorte que, como se disse acima, em tudo se deve adorar a unidade na Trindade e a Trindade na unidade.
  26. Quem, pois, quiser salvar-se, deve pensar assim a respeito da Trindade.
  27. Mas, para alcancar a salvacão, é necessário ainda crer firmemente na Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
  28. A pureza da nossa fé consiste, pois, em crer ainda e confessar que Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e homem.
  29. É Deus, gerado na substância do Pai desde toda a eternidade; é homem porque nasceu, no tempo, da substância da sua Mãe.
  30. Deus perfeito e homem perfeito, com alma racional e carne humana.
  31. Igual ao Pai segundo a divindade; menor que o Pai segundo a humanidade.
  32. E embora seja Deus e homem, contudo não são dois, mas um só Cristo.
  33. É um, não porque a divindade se tenha convertido em humanidade, mas porque Deus assumiu a humanidade.
  34. Um, finalmente, não por confusão de substâncias, mas pela unidade da Pessoa.
  35. Porque, assim como a alma racional e o corpo formam um só homem, assim também a divindade e a humanidade formam um só Cristo.
  36. Ele sofreu a morte por nossa salvação, desceu aos infernos e ao terceiro dia ressuscitou dos mortos.
  37. Subiu aos Ceus e está sentado a direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
  38. E quando vier, todos os homens ressuscitarão com os seus corpos, para prestar conta dos seus atos.
  39. E os que tiverem praticado o bem irão para a vida eterna, e os maus para o fogo eterno.
  40. Esta é a fé católica, e quem não a professar fiel e firmemente não se poderá salvar.
Glória ao Pai, ao Filho, e ao Espírito Santo. Assim como era no princípio, agora e sempre, por todos os séculos dos séculos. Amém.

Antífona. Glória a Vós, Trindade igual, única Divindade, antes dos séculos, e agora e sempre (T. P. Aleluia).

V. Senhor, escutai a minha prece.
R. E chegue até Vós o meu clamor.

Oremos. Ó Deus todo-poderoso e eterno, que com a luz da verdadeira fé destes aos vossos servos que conhecessem a glória da Trindade eterna e adorassem a Unidade no poder de vossa majestade: fazei, Vos suplicamos, que, pela firmeza dessa mesma fé, sejamos defendidos sempre de toda a adversidade. Por Jesus Cristo Nosso Senhor. Amém.


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Antíphona. Glória tibi, Trínitas æquális, una Déitas, et ante ómnia saécula, et nunc, et in perpétuum (T. P. Allelúia).

1. Quicúmque vult salvus esse, ante ómnia opus est, ut téneat cathólicam fidem:
2. Quam nisi quisque íntegram inviolatámque serváverit, absque dúbio in ætérnum períbit.
3. Fides autem cathólica hæc est: ut unum Deum in Trinitáte, et Trinitátem in unitáte venerémur.
4. Neque confundéntes persónas, neque substántiam separántes.
5. Alia est enim persóna Patris ália Fílii, ália Spíritus Sancti:
6. Sed Patris, et Fílii, et Spíritus Sancti una est divínitas, æquális glória, coætérna maiéstas.
7. Qualis Pater, talis Fílius, talis Spíritus Sanctus.
8. Increátus Pater, increátus Fílius, increátus Spíritus Sanctus.
9. Imménsus Pater, imménsus Fílius, imménsus Spíritus Sanctus.
10. Ætérnus Pater, ætérnus Fílius, ætérnus Spíritus Sanctus.
11. Et tamen non tres ætérni, sed unus ætérnus.
12. Sicut non tres increáti, nec tres imménsi, sed unus increátus, et unus imménsus.
13. Simíliter omnípotens Pater, omnípotens Fílius, omnípotens Spíritus Sanctus.
14. Et tamen non tres omnipoténtes, sed unus omnípotens.
15. Ita Deus Pater, Deus Fílius, Deus Spíritus Sanctus.
16. Et tamen non tres dii, sed unus est Deus.
17. Ita Dóminus Pater, Dóminus Fílius, Dóminus Spíritus Sanctus.
18. Et tamen non tres Dómini, sed unus est Dóminus.
19. Quia, sicut singillátim unamquámque persónam Deum ac Dóminum confitéri christiána veritáte compéllimur: ita tres Deos aut Dóminos dícere cathólica religióne prohibémur.
20. Pater a nullo est factus: nec creátus, nec génitus.
21. Fílius a Patre solo est: non factus, nec creátus, sed génitus.
22. Spíritus Sanctus a Patre et Fílio: non factus, nec creátus, nec génitus,sed procédens.
23. Unus ergo Pater, non tres Patres: unus Fílius, non tres Fílii: unus Spíritus Sanctus, non tres Spíritus Sancti.
24. Et in hac Trinitáte nihil prius aut postérius, nihil maius aut minus: sed totæ tres persónæ coætérnæ sibi sunt et coæquáles.
25. Ita ut per ómnia, sicut iam supra dictum est, et únitas in Trinitáte, et Trínitas in unitáte veneránda sit.
26. Qui vult ergo salvus esse, ita de Trinitáte séntiat.
27. Sed necessárium est ad ætérnam salútem, ut incarnatiónem quoque Dómini nostri Iesu Christi fidéliter credat.
28. Est ergo fides recta ut credámus et confiteámur, quia Dóminus noster Iesus Christus, Dei Fílius, Deus et homo est.
29. Deus est ex substántia Patris ante saécula génitus: et homo est ex substántia matris in saéculo natus.
30. Perféctus Deus, perféctus homo: ex ánima rationáli et humána carne subsístens.
31. Æquális Patri secúndum divinitátem; minor Patre secúndum humanitátem.
32. Qui, licet Deus sit et homo, non duo tamen, sed unus est Christus.
33. Unus autem non conversióne divinitátis in carnem, sed assumptióne humanitátis in Deum.
34. Unus omníno, non confusióne substántiæ, sed unitáte persónæ.
35. Nam sicut ánima rationális et caro unus est homo: ita Deus et homo unus est Christus.
36. Qui passus est pro salúte nostra: descéndit ad ínferos: tértia die resurréxit a mórtuis.
37. Ascéndit ad cælos, sedet ad déxteram Dei Patris omnipoténtis: inde ventúrus est iudicáre vivos
et mórtuos.
38. Ad cuius advéntum omnes hómines resúrgere habent cum corpóribus suis: et redditúri sunt de factis própriis ratiónem.
39. Et qui bona egérunt, ibunt in vitam ætérnam: qui vero mala, in ignem ætérnum.
40. Hæc est fides cathólica, quam nisi quisque fidéliter firmitérque credíderit, salvus esse non póterit.

Glória Patri...

Antíphona: Glória tibi, Trínitas æquális, una Déitas, et ante ómnia saécula, et nunc, et in perpétuum (T. P. Allelúia).

V. Dómine, exáudi oratiónem meam.
R. Et clamor meus ad te véniat.

Orémus. Omnípotens sempitérne Deus, qui dedísti fámulis tuis, in confessióne veræ fídei, ætérnæ Trinitátis glóriam agnóscere, et in poténtia maiestátis adoráre unitátem: quaésumus; ut eiúsdem fídei firmitáte, ab ómnibus semper muniámur advérsis. Per Dóminum nostrum Iesum Christum Fílium tuum; qui tecum vivit et regnat in unitáte Spíritus Sancti, Deus, per ómnia saécula sæculórum. Amen.

O CÉU É AQUI...

segunda-feira, 11 de julho de 2016

DOS CUIDADOS COM OS MORTOS (VI)

SANTO AGOSTINHO


PARTE IV

CAPÍTULO XVI

Tudo o que foi escrito até agora serve para resolvermos esta questão: 'como os mártires que se interessam pelas coisas humanas se manifestam, atendendo as nossas orações, uma vez que os mortos ignoram o que fazem os vivos?' Com efeito, sabemos, não por vagos rumores, mas por testemunhas dignas de fé, que o confessor Félix - cujo túmulo tu veneras piedosamente como santo asilo - deu não apenas mostras de seus benefícios, mas até de sua presença, ao aparecer aos olhos dos homens durante o cerco da cidade de Nola pelos bárbaros.

Esses fatos excepcionais acontecem graças à permissão divina e estão longe de entrar na ordem normalmente estabelecida para cada espécie de criatura. Não podemos concluir pelo fato da água ter se transformado em vinho pela palavra do Senhor (Jo 2,9), que a água tenha poder de operar por si mesma essa transformação pela propriedade natural de seus elementos, visto que tratou-se de uma operação divina excepcional e até única! Também o fato de Lázaro ter ressuscitado (Jo 11,44) não significa que todo morto possa se levantar quando quiser ou que possa ser normalmente acordado como qualquer homem adormecido. Uns são os limites do poder humano; outras são as marcas do poder divino. Uns são fatos naturais; outros, miraculosos, ainda que Deus esteja presente na natureza para a manter na existência e a natureza tenha seu lugar inclusive para os milagres.

Assim, é necessário não crer que todos os defuntos - sem exceção - podem intervir nos problemas dos vivos apenas pelo fato de que os mártires tenham obtido curas ou prestado outros socorros. É preciso compreender, ao invés, que é por causa do poder de Deus que os mártires intervêm nos nossos interesses, pois os mortos não possuem tal poder por sua própria natureza.

Há, porém, uma questão que ultrapassa os limites da minha inteligência: como os mártires, que sem sombra de dúvida socorrem seus devotos, aparecem em pessoa e no mesmo momento? Em vários lugares e afastados uns dos outros? A sua ação se faz notar apenas onde se encontra o seu túmulo ou em qualquer outro lugar? Se permanecem confinados na morada reservada aos seus méritos, longe de qualquer relacionamento com os mortais, contentam-se em interceder pelas necessidades daqueles que lhes suplicam? Oram da mesma forma que nós oramos pelos mortos, sem estar presentes e sem saber onde estão e o que fazem?

Não será Deus, o Deus onipotente e onipresente, que não se acha confinado em nós e muito menos afastado de nós, que atende as orações dos mártires, servindo do ministério dos anjos, cuja ação se estende sobre todas as coisas, para distribuir o consolo aos homens que Ele julga ser necessário para enfrentar as misérias da vida presente? Não será Ele que, com poder admirável e infinita bondade, faz resplandecer os méritos dos mártires onde Ele o quer, quando quer, como quer, especialmente nos locais onde se ergueram suas sepulturas, por saber que a lembrança dos sofrimentos suportados em confissão a Cristo, nos é útil para nos confirmar na fé?

Repito: esta é uma questão muito elevada e complexa para mim, de forma que não a posso explicá-la a fundo. Dessas duas hipóteses que indiquei, qual será a verdadeira? Talvez os dois processos sejam empregados em conjunto, de maneira que, às vezes, os mártires nos atendem com sua presença pessoal, e, às vezes, por intermédio dos anjos que tomam a sua forma. Não ouso decidir e preferiria esclarecer-me junto a homens sábios que conheçam o assunto. Não digo que ignore ou imagine que saiba pois é impossível que não haja alguém que saiba porque Deus, em suas liberalidades, concede certos dons a alguns e outros dons a outros, conforme o ensino do Apóstolo que diz que a ação do Espírito Santo manifesta-se em cada um de acordo com uma utilidade comum. 

Eis o que diz Paulo: 'Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para utilidade de todos. A um, o Espírito dá a mensagem da sabedoria; a outro, a palavra da ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro, ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro, ainda, o dom de as interpretar. Mas tudo isso é realizado pelo único e mesmo Espírito, que distribui os seus dons a cada um conforme lhe apraz ' (1Cor 12,7-11). Ora, entre todos esses dons elencados pelo Apóstolo, quem recebeu o dom do discernimento dos espíritos é que conhece essas questões - que agora tratamos - da forma como é necessário conhecer.

CAPÍTULO XVII

Creio que esse é o caso do famoso monge João, a quem o imperador Teodósio Magno consultou a respeito de uma guerra civil. De fato, ele possuía o dom da profecia. Mas eu não duvido que os dons sejam distribuídos um por pessoa, isto é, acho que é possível a uma mesma pessoa receber diversos dons.

Certa vez, esse monge João soube que uma mulher muito piedosa desejava vê-lo. Então, através de seu marido, ela insistiu em marcar uma entrevista, mas ele recusou, como costumava a fazer quando se tratava de mulheres. Contudo, disse ao marido: 'Ide e dize à tua esposa que ela me verá esta noite durante o sono'. E, de fato, ela o viu dando-lhe conselhos convenientes a uma mulher cristã casada. Quando acordou, essa mulher contou tudo a seu marido, que conhecera pessoalmente esse homem de Deus e o reconheceu tal como ela o descreveu. O casal, então, revelou esse fato a um senhor que me comunicou, senhor esse sério, nobre e digno de fé.

Ora, se me fosse possível encontrar esse santo monge que, como me disseram, se deixava interrogar pacientemente, sabendo responder tudo com grande sabedoria, perguntar-lhe-ia algo que nos interessa aqui: se ele realmente se apresentou a essa mulher que dormia, pessoalmente, sob os traços aparentes do seu corpo, tal como os nossos corpos se apresentam a nós mesmos durante nossos sonhos; ou se a visão ocorreu pelo ministério dos anjos ou outra modalidade, enquanto ele mesmo fazia outra coisa ou até mesmo dormia, tendo seus próprios sonhos. E, caso confirmasse esta segunda hipótese, perguntar-lhe-ia se foi por uma revelação do Espírito de profecia que pôde prometer sua aparição naquela noite, durante o sonho da mulher.

Ora, se ele se apresentou pessoalmente em sonho à mulher, ele o fez por uma graça extraordinária e não por meios naturais, isto é, por um dom de Deus e não por seu próprio e natural poder. Mas, se essa mulher o viu enquanto ele fazia uma outra coisa (por exemplo: estivesse ele dormindo e tendo seus próprios sonhos), o fato se assemelhará ao que lemos nos Atos dos Apóstolos, quando o Senhor Jesus, falando a Ananias sobre Saulo, revela-lhe que Saulo vê Ananias ir até ele, ao passo que este nada sabia sobre isso ( At 9,12).

Porém, qualquer que fosse a resposta dada pelo monge João, esse homem de Deus, às minhas perguntais, eu ainda o teria questionado sobre os mártires. Perguntar-lhe-ia se eles aparecem pessoalmente durante o sono ou outro modo, sob figura que lhes apraz. E perguntaria, principalmente, como explicar o fato de demônios que habitam pessoas possessas queixarem-se de ser atormentados pelos mártires, a ponto de suplicarem que sejam poupados. Ainda lhe perguntaria se a sua intervenção se produz por ordem de Deus e pelo ministério dos anjos, para a glorificação dos santos e utilidade dos homens, já que os mártires encontram-se em repouso, longe de nós, em visões mais altas, contentando-se em orar por nossa intenção. 

De fato, em Milão, junto à sepultura de Gervásio e Protásio, quando se pronunciava os nomes desses heróis e dos falecidos comemorados com eles, os demônios gritavam o nome de Ambrósio, que ainda era vivo, suplicando-lhe que os poupasse. E o bispo encontrava-se longe dali, ignorando o que se passava e entretido com outras ocupações. Será que podemos pensar que os mártires às vezes agem por presença efetiva e outras vezes pelos ministérios dos anjos? Podemos discernir o modo empregado por eles? Sob quais sinais podemos reconhecer isso? Somente quem recebeu esse dom do Espírito Santo é que pode discernir, pois é o Espírito que distribui os favores particulares a cada um, conforme lhe apraz.

Creio que o monge João, a meu pedido, poderia me esclarecer sobre essas dificuldades. Em sua escola eu poderia aprender o verdadeiro e correto conhecimento, ou até mesmo poderia crer - mesmo sem o compreender - naquilo que me afirmasse saber com certeza. Talvez até ele me responderia com as seguintes palavras da Escritura: 'Não procures saber o que excede a tua capacidade e não especules o que ultrapassa as tuas forças; mas creia sempre no que Deus te mandou (Ecl 3,22). Com gratidão, eu também acolheria esse conselho, pois não é de pouco proveito, nas coisas obscuras e incertas - e que não podemos compreender, adquirir a convicção clara e correta de que elas não devem ser investigadas, ou seja, convencer-se de que não é nocivo ignorar aquilo que se quer saber, imaginando que poderíamos tirar proveito em o saber.

PARTE V

CAPÍTULO XVIII

Conforme o que expomos anteriormente, eis o que devemos pensar a respeito dos benefícios prestados aos mortos a quem dedicamos os nossos cuidados: nossas súplicas só lhes serão proveitosas se forem oferecidas de modo conveniente, no sacrifício do altar, em nossas orações e esmolas. Também é necessário dizer que [nossas súplicas] não serão proveitosas a todos a quem pretendemos ajudas, mas tão somente àqueles que tornaram-se dignos, durante a vida, de receber tal benefício. 

Contudo, como não podemos discernir quem sejam, convém apresentar súplicas a todos os regenerados, para que não venhamos a omitir alguém entre aqueles que possam se servir desses benefícios. Melhor ainda é que haja sobras dessas boas obras, mesmo oferecidas para aqueles que não podem se beneficiar delas, para que não venham a faltar para aqueles que podem tirar proveito. Entretanto, é mais natural que sejam oferecidas pelos amigos, a fim de que tais cuidados também sejam prestados mais tarde a nós.

Tudo o que se faz quanto ao sepultamento digno dos falecidos não é para obter a sua salvação, mas para cumprir um dever de humanidade, conforme o sentimento natural de que 'ninguém odeia a sua própria carne' ( Ef 5,29). Portanto, é certo que se tenha pelo corpo do próximo o cuidado que ele próprio não pode mais se dar por ter deixado esta vida. E, já que esse cuidado é tido até mesmo por aqueles que negam a ressurreição da carne, nada mais justo que aqueles que creem [na ressurreição] o façam ainda com maior solicitude. Assim, que o cuidado tributado a esse corpo sem vida - mas que haverá de ressuscitar e permanecer por toda a eternidade - se constitua no testemunho claro dessa mesma fé. Quanto à sepultura próxima ao túmulo dos mártires, eis a única utilidade que me parece trazer para o defunto: colocando-a sob a proteção dos mártires, ela torna mais viva a caridade daqueles que oram por ele. 

Tais são as respostas que posso apresentar às tuas questões. Desculpa-me se me estendi por demais, mas isso decorre do prazer e afeição que sinto ao conversar contigo. Peço-te que me escrevas, para que eu possa conhecer as impressões que Vossa Venerável Caridade sentiu ao ler este trabalho. Sem sombra de dúvida, o portador desta carta torna-la-á mais agradável. Trata-se do nosso irmão no sacerdócio, Candidiano, que conheci por ter-me trazido as tuas cartas. Acolhi-o de coração e vejo-o partir com pesar, pois sua presença na caridade de Cristo foi grande consolo para mim. Graças à sua insistência - devo confessar - vi-me obrigado a responder-te, pois o meu coração está sobrecarregado por muitas e muitas preocupações; se ele não me lembrasse frequentemente, certamente teria me esquecido e o teu pedido ficaria sem resposta.

('De Cura pro Mortuis Gerenda' - O Cuidado Devido aos Mortos, de Santo Agostinho - Parte VI e Final)