quinta-feira, 18 de junho de 2015

NOSSA SENHORA DE TODOS OS NOMES (4)

4. NOSSA SENHORA DO SORRISO

Quando Santa Teresa de Lisieux, a Teresinha do Menino Jesus, tinha quatro anos, a sua mãe - Zélia Guerin - adoeceu subitamente e morreu poucos meses depois. Teresinha foi, então, criada por sua irmã Paulina. Quando Paulina ingressou no Carmelo de Lisieux, em  outubro de 1882, Terezinha perdeu a sua 'segunda mãe' e entrou, então, em tristeza profunda. Na angústia que se seguiu a estas duas perdas dolorosas, a menina desenvolveu um quadro de regressão emocional que culminou em profunda depressão motivada por frustração afetiva. Paulina e o pai intercederam com orações e súplicas à Virgem pela cura de Teresinha. E é ela quem nos conta como esta cura ocorreu no seu livro autobiográfico ‘História de uma alma’:

'No dia 13 de maio de 1883, festa de Pentecostes ... do leito, ao desviar meu olhar para a imagem de Nossa Senhora [que ficava ao lado do seu leito], eis que a Santíssima Virgem me apareceu, tão bonita cmo nunca vira algo semelhante; seu rosto exalava uma bondade e uma ternura inefáveis, mas o que me calou fundo na alma foi o ‘sorriso encantador da Santíssima Virgem’. Todas as minhas penas se foram naquele momento, duas grossas lágrimas jorraram das minhas pálpebras e rolaram pelo meu rosto, como lágrimas de pura alegria... Ah! pensei, a Santíssima Virgem sorriu para mim, estou feliz… por causa das orações [feitas por intenção de sua cura], eu tive a graça de receber o sorriso da Rainha do Céu'.

À imagem, Santa Teresinha deu o título de ‘Virgem do Sorriso’ e, com esta invocação, deu origem à essa devoção a Nossa senhora na sua família e no Carmelo de Lisieux, onde ingressou mais tarde; daí, após a sua morte, a devoção foi propagada para o mundo inteiro pelas ordens carmelitas. Por meio dessa devoção, muitos doentes de depressão e outras síndromes psicossomáticas foram curados. A imagem de Nossa Senhora do Sorriso, de Santa Teresinha, tem menos de noventa centímetros de altura, e atualmente é venerada na Capela do Carmelo de Lisieux, logo acima da cripta de vidro que guarda as relíquias da santa.

Nossa Senhora do Sorriso, rogai por nós!

terça-feira, 16 de junho de 2015

SOBRE O MATRIMÔNIO CRISTÃO


O casamento é um grande sacramento; eu digo que, em Jesus Cristo e na sua Igreja, que é honroso para todos, em todos, e em tudo, isto é, em todas as suas partes. Para todos: porque as próprias virgens o devem honrar com humildade. Em todos: porque é tão santo entre os pobres como é entre os ricos. Em tudo: porque a sua origem, o seu fim, as suas vantagens, a sua forma e matéria são santas. É o viveiro do Cristianismo, que enche a terra de fiéis, para tornar completo no céu o número dos eleitos: de sorte que a conservação do bem do casamento é sobremaneira útil para a república; porque é a raiz e o manancial de todos os seus arroios.

Prouvera a Deus que o seu Filho muito amado fosse chamado para todas as bodas como o foi para a de Caná; nunca faltaria lá o vinho das consolações e das bênçãos; porque se não as há senão um pouco ao princípio, é porque, em vez de Nosso Senhor, se fez vir a elas Adônis e, em lugar de Nossa Senhora, se faz vir a Vênus. Quem quer ter cordeirinhos bonitos e malhados, como Jacó, precisa como ele de apresentar às ovelhas quando se juntam para conceber umas lindas varinhas de diversas cores; e quem quer ser bem-sucedido no casamento, deveria em suas bodas representar a si mesmo a santidade e dignidade deste sacramento; mas, em lugar disso, dão-se aí mil abusos e excessos em passatempos, festins e palavras. Não é pois de admirar que os efeitos sejam desordenados.

Exorto sobretudo aos casados ao amor recíproco que o Espírito Santo tanto lhes recomenda na Sagrada Escritura: ó casados, não se deve dizer: amai-vos um ao outro com o amor natural, porque os casais de rolas fazem isto muito bem. nem se deve dizer: amai-vos com amor humano, porque também os pagãos praticaram esse amor; mas digo-vos escoltado ao grande Apóstolo: Maridos, amai as vossas mulheres, como Jesus Cristo ama a Igreja; ó mulheres, amai vossos maridos, como a Igreja ama o seu Salvador. Foi Deus quem levou Eva ao nosso primeiro pai Adão, e lha deu por mulher; foi também Deus, meus amigos, que com sua mão invisível fez o nó do sagrado laço do vosso matrimônio, e que vos deu uns aos outros: por que não haveis então de amar-vos com amor todo santo, todo sagrado, todo divino?

O primeiro efeito deste amor é a união indissolúvel dos vossos corações. Se se grudam duas peças de pinho, uma vez que a cola seja fina, a união fica tão forte, que será mais fácil quebrar as peças noutros sítios do que no sítio da junção; mas Deus junta o marido e a mulher em seu próprio sangue: e, por isso, é que esta união é tão forte que antes se deve separar a alma do corpo de um e de outro do que separar-se o marido da mulher. Ora esta união não se entende principalmente do corpo, mas sim do coração do afeto e do amor.

O segundo efeito deste amor deve ser a fidelidade inviolável de um ao outro: antigamente gravavam-se os selos nos anéis que se traziam nos dedos, como a própria Santa Escritura testifica. Aqui está o segredo da cerimônia que se faz nas bodas: a Igreja pela mão do sacerdote benze um anel, e dando-o primeiramente ao homem, dá a entender que sela e cerra seu coração por este sacramento, para que nunca mais nem o nome, nem o amor de qualquer outra mulher possa nesse coração entrar, enquanto viver aquela que lhe foi dada: depois o esposo coloca o anel na mão da própria esposa, para que ela, reciprocamente, saiba que nunca o seu coração deve conceber afeto por qualquer outro homem, enquanto viver sobre a terra aquele, que Nosso Senhor acaba de lhe dar.

O terceiro fruto do casamento é a geração e a legítima criação e educação dos filhos. Grande honra é esta para vós, ó casados, que Deus, querendo multiplicar as almas que possam bendizê-lO e louvá-lO por toda a eternidade, vos torna cooperadores de obra tão digna, por meio da produção dos corpos, em que Ele reparte, como gotas celestes, as almas, criando-as e infundindo-as nos corpos.

Conservai pois, ó maridos, um terno, constante e cordial amor às vossas mulheres: por isto foi a mulher tirada do lado mais chegado ao coração do primeiro homem, para que fosse amada por ele cordial e ternamente. As fraquezas e enfermidades de vossas mulheres, quer do corpo, quer do espírito, não devem provocar-vos nenhuma espécie de desdém, mas antes a uma doce e amorosa compaixão, pois Deus criou-as assim para que, dependendo de vós, vos honrem e vos respeitem mais, e de tal modo as tenhais por companheiras que contudo sejais os chefes e superiores. E vós, ó mulheres, amai ternamente, cordialmente, mas com um amor respeitoso e cheio de reverência, os maridos que Deus vos deu: porque realmente por isso os criou Deus de um sexo mais vigoroso e predominante, e quis que a mulher fosse uma dependência do homem, e osso dos seus ossos, e carne da sua carne, e que ela fosse produzida por uma costela deste, tirada debaixo dos seus braços, para mostrar que ela deve estar debaixo da mão e governo do marido; e toda a Escritura Santa vos recomenda severamente esta sujeição, que aliás a mesma Escritura vos faz doce e suave, não somente querendo que vos acomodeis a ela com amor, mas ordenando as vossos maridos que a exerçam com grande afeto, ternura e suavidade.

Maridos, diz São Pedro, portai-vos discretamente com vossas mulheres como com um vaso mais frágil, honrando-as. Mas assim como vos exorto a afervorar cada vez mais este recíproco amor que vos deveis, estai alerta para que não se converta em nenhuma espécie de ciúme: porque acontece muitas vezes que, como o verme se cria na maçã mais delicada e madura, também o ciúme nasce no amor mais ardente e afetuoso dos casados, cuja substância aliás estraga e corrompe; porque pouco a pouco acarreta os desgostos, desavenças e divórcios. Por certo que o ciúme nunca chega aonde a amizade está de parte a parte fundada na verdadeira virtude: e eis a razão por que ela é um sinal indubitável de um amor sensual, grosseiro, e que se dirigiu ao objeto em que encontrou uma virtude defeituosa, inconstante e exposta a desconfianças. É pois uma pretensão tola querer dar a entender com os zelos a grandeza amizade: porque o sinal na verdade é um sinal da magnitude e corpulência da amizade, mas não da sua bondade, pureza e perfeição; pois que a perfeição da amizade pressupõe a firmeza da virtude da coisa que se ama, e o ciúme pressupõe a incerteza.

Se quereis, maridos, que as vossas mulheres vos sejam fiéis, ensinai-lhes a lição com o vosso exemplo: Com que cara, diz São Gregório Nazianzeno, quereis exigir honestidade de vossas mulheres, se vós próprios viveis na desonestidade? Como lhes pedis o que não lhes dais? Quereis que elas sejam castas? Vivei castamente com elas, e, como diz São Paulo, saiba cada um possuir o seu vaso em santificação. Mas, se pelo contrário vós mesmos lhes ensinais as dissoluções, não é de admirar que sofrais a desonra da sua perda.

Mas vós, ó mulheres, cuja honra está inseparavelmente aliada com a pureza e honestidade, conservai zelosamente a vossa glória, e não permitais que nenhuma espécie de dissolução empane a brancura da vossa reputação. Temei toda a sorte de ataques, por pequenos que sejam: nunca permitais que andem em volta de vós os galanteios. Todo aquele que vem elogiar a vossa formosura e a vossa graça deve ser-vos suspeito. Porque quem gaba uma mercadoria que não pode comprar, ordinariamente é muito tentado a roubá-la. Mas se ao vosso encômio alguém adicionar o desprezo de vosso marido, ofende-vos sobremaneira, porque a coisa é clara, que não somente quer perder-vos, mas já vos tem na conta de meio perdida, pois que metade do contrato é feito com o segundo comprador, quando se está desgostoso do primeiro. 

As senhoras, tanto antigas como modernas, acostumaram-se a levar pendentes das orelhas muitas pérolas, pelo prazer, diz Plínio, que têm em as ouvir tilintar e chocalhar, tocando umas nas outras. Mas quanto a mim, que sei que o grande amigo de Deus, Isaac, enviou à casta Rebeca pendentes de orelhas como os primeiros penhores do seu amor: eu creio que este ornamento místico significa que a primeira coisa que um marido deve ter de uma mulher, e que a mulher lhe deve fielmente guardar, é a orelha, para que nenhuma linguagem ou ruído possa aí entrar, senão o doce e amigável gorjeio das palavras castas e pudicas, que são as pérolas orientais do Evangelho. Porque é preciso lembrar-se sempre de que as almas se envenenam pelo ouvido, como o corpo pela boca. 

O amor e a fidelidade juntos trazem sempre consigo a familiaridade e a confiança; é por isso que os santos e as santas usaram de muitas carícias recíprocas em seu matrimônio, carícias verdadeiramente amorosas, mas castas; ternas, mas sinceras. Assim Isaac e Rebeca, o casal mais casto dos casados do tempo antigo, foram vistos à janela a acariciar-se de tal sorte que, embora nada nisso houvesse de desonesto, Abimelec conheceu bem que eles não podiam ser senão marido e mulher. O grande São Luís, tão rigoroso com a sua carne, como terno amor à sua mulher, foi quase censurado de ser pródigo em tais carícias: embora na verdade antes merecesse encômio por saber despojar-se do seu espírito marcial e corajoso para praticar estas ligeiras obrigações necessárias para a conservação do amor conjugal; porque ainda que estas pequenas mortificações de pura e franca amizade não prendam os corações, contudo aproximam-nos, e servem de agradável isca para a mútua conversação.

Santa Mônica, estando grávida do grande Santo Agostinho, consagrou-o com repetidos oferecimentos à religião cristã, e ao serviço da glória de Deus, como ele próprio testifica, dizendo: que já no ventre de sua mãe tinha provado o sal de Deus. É um grande ensinamento para as mulheres cristãs oferecer à Divina Majestade o fruto de seus ventres, mesmo antes que deles tenham saído: porque Deus, que aceita as oblações de um coração humilde e bem formado, ordinariamente favorece os bons desejos das mães nessa circunstância: sejam disso testemunhas Samuel, São Tomás de Aquino, Santo André de Fiesole, e muitos outros. A mãe de São Bernardo, digna mãe dum tal filho, tomando seus filhos e filhas nos braços apenas nasciam, oferecia-os a Jesus Cristo; e desde logo os amava com respeito como coisa sagrada, e que Deus lhe tinha confiado: o que lhe deu tão feliz resultado, que todos os seus sete filhos foram muito santos. 

Mas uma vez vindos os filhos ao mundo, e começando a ter uso da razão, devem os pais e mães ter um grande cuidado de lhes imprimir o temor de Deus no coração. A boa rainha Branca desempenhou fervorosamente este encargo com o rei São Luís, seu filho, porque lhe dizia a cada passo: 'Antes quero, meu caro filho, ver-te cair morto na minha presença do que ver-te cometer um só pecado mortal'. O que ficou de tal modo gravado na alma deste santo filho, que, como ele próprio contava, não houve dia da sua vida em que disso se não lembrasse, esforçando-se o quanto lhe era possível por observar à risca esta santa doutrina. 

Na nossa linguagem chamamos casas às linhagens e gerações; e os próprios hebreus chamam a geração dos filhos como edificação de casa. Porque foi neste sentido que se disse que Deus edificou casas para as parteiras do Egito. Ora é para mostrar que não se faz uma boa casa por provê-la de muitos bens mundanos: mas por educar bem os filhos no temor de Deus e na virtude. Nisto não devemos esquivar-nos às penas nem trabalhos, pois os filhos são a coroa do pai e da mãe. Assim, Santa Mônica combateu com tanto fervor e constância as más inclinações de Santo Agostinho que, tendo-o seguido por mar e por terra, o tornou mais felizmente filho de suas lágrimas, pela conversão da sua alma, do que o tinha sido do sangue pela geração do seu corpo.

São Paulo deixa como incumbência às mulheres o governo da casa; e por isso muitos seguem esta verdadeira opinião que a sua devoção é mais frutuosa para a família que a dos maridos, que, não tendo uma residência tão continuada entre os domésticos, não pode, por conseguinte encaminhá-los tão facilmente para a virtude. Segundo esta consideração Salomão nos seus provérbios faz depender a felicidade de toda a sua casa do cuidado e esmero da mulher forte que descreve.

Diz-se no Gênesis que Isaac, vendo a esterilidade de sua esposa Rebeca, rogou ao Senhor por ela: ou segundo o texto hebraico, rogou ao Senhor em frente dela, porque um orava de um lado do oratório e outro do outro lado; e a oração do marido feita deste modo foi ouvida. A maior e mais frutuosa união do marido e da mulher é a que se faz na devoção, à qual se devem excitar à perseverança um ao outro. Frutos há, como o marmelo, que, pela aspereza do seu suco, não são agradáveis senão postos em conserva. Há outros que, pela sua brandura e delicadeza, não se podem conservar senão também postos em doce, como as cerejas e os damascos: assim as mulheres hão de desejar que os seus maridos estejam em conserva no açúcar da devoção. Porque o homem sem devoção é um animal severo, áspero e duro; e os maridos devem desejar que as suas mulheres sejam devotas; porque sem a devoção, a mulher é, em extremo, frágil e sujeita a cair ou embaciar a sua virtude.

São Paulo disse que o homem infiel é santificado pela mulher fiel e a mulher infiel pelo homem fiel, porque nesta estreita aliança do casamento um pode facilmente puxar o outro à virtude. Mas que grande benção há quando o homem e a mulher fiéis se santificam um ao outro num verdadeiro temor de Deus! Além disso, hão de ter tanta condescendência um com o outro, que nunca se aborreçam e irritem ambos ao mesmo tempo e de repente, para que entre eles não se note dissensão nem disputa. As abelhas não podem estar em lugar onde se ouvem ecos e estrondos, e onde soa a voz repetida: nem o Espírito Santo pode demorar numa casa onde há disputas, réplicas e repetição de vozes e altercações. 

São Gregório Nazianzeno diz que, no seu tempo, os casados faziam festa no aniversário dos seus casamentos. E eu por certo aprovaria que se introduzisse este costume, contanto que não fosse com aparatos de diversões mundanas e sensuais, mas que os maridos e mulheres, tendo-se confessado e comungado nesse dia, recomendassem a Deus, mais fervorosamente que de costume, o progresso do seu matrimônio, renovando os bons propósitos de o santificar cada vez mais por uma recíproca amizade e fidelidade, e cobrando alento em Nosso Senhor, para arcar com os encargos desta sua vocação.

(Excertos da Obra 'Filoteia ou Introdução à Vida Devota', de São Francisco de Sales)

segunda-feira, 15 de junho de 2015

'NÃO IMPORTA' NÃO É DOWN

Louise tem quatro meses, é filha da francesa Caroline Boudet* e tem síndrome de Down

*Para Caroline Boudet, que escreveu em seu facebook:

'Aqui está a minha garotinha, Louise. Ela tem quatro meses de idade, duas pernas, dois braços e um cromossomo extra ... não diga para alguém sobre mim e minha Louise: 'Ela é seu bebê, não importa'. Não, ela é meu bebê e ponto final. E mais: 'não importa' é um nome muito feio para um bebê. Eu prefiro chamá-la de Louise'.

Para Louise

Há um cromossomo 21 a mais no seu olhar
que faz o seu sim, verdadeiro sim
e  seu não, um pouco naum
Se o amor pode ter um nome humano, 
ele é down.

Seu sim traduz o amor que não comporta palavras,
nem imagens que possam existir:
filhão, filhinha, irmã, irmãozaum
Se o amor pode ter um nome humano, 
ele é down

Seu não é naum, não carinhoso, puro, sobrenatural,
a tudo que é pecado, malícia, escravidão
a tudo que os normais vivem intaum
Se o amor pode ter um nome humano, 
ele é down

Essa gente tem o cromossomo do amor no coração
e, por isso são tão especiais e diferentes,
incomensuravelmente feitos anjo baum 
Pois se o amor pode ter um nome humano, 
ele é down

(Arcos de Pilares)

domingo, 14 de junho de 2015

O REINO DE DEUS

Páginas do Evangelho - Décimo Primeiro Domingo do Tempo Comum


No Evangelho deste Décimo Primeiro Domingo do Tempo Comum, Jesus utiliza-se de duas parábolas para explicitar às multidões o sentido maior do Reino de Deus no mundo, consubstanciadas na mesma ideia central do trabalho fecundo e silencioso das boas sementes lançadas em terra fértil que se desenvolvem para produzir muitos frutos. A semente do Evangelho deve ser convertida em apostolado e no reino militante da Santa Igreja Católica pelos caminhos do mundo.

A primeira parábola compara o Reino dos Céus à boa semente lançada em terra fértil: 'O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra' (Mc 4, 26). Na terra que é o campo do Senhor, ou seja, o mundo, Deus planta sempre a boa semente, plena de fertilidade e capaz de produzir muitos frutos. E, enquanto todos dormem e se entregam aos seus afazeres cotidianos, a boa semente 'vai germinando e crescendo', produzindo folhas e grãos, e frutos que amadurecem e que geram outras muitas sementes. E eis que a terra boa de plantar torna-se então farta na colheita: pelas mãos dos homens e pela graça divina escondida no ventre da terra. 

A segunda parábola compara o Reino dos Céus a uma minúscula semente de mostarda: 'O Reino de Deus é como um grão de mostarda que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes da terra' (Mc 4, 31). De fertilidade ímpar, a pequena semente produz um vigoroso arbusto, tão alto que as aves podem fazer ninhos em seus ramos: 'Quando é semeado, cresce e se torna maior do que todas as hortaliças, e estende ramos tão grandes, que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra' (Mc 4, 32). O Reino de Deus se desenvolve tal como a pequena semente: no escondimento, quase imperceptível na sua evolução, mas vigoroso e extraordinário na grandeza e dimensão dos seus frutos! O caminho da santificação é essencialmente simples e tranquilo, mas sempre impelido por uma torrente de bênçãos e graças.

O Reino de Deus é obra única e exclusiva do Pai. Nos mistérios insondáveis dos seus divinos desígnios, Deus arma a teia da vida e da propagação da civilização cristã através de um mundo conturbado que parece, por muitas vezes, querer abortar a semente lançada e conspurcar os seus frutos. Mas Deus utiliza de suas graças abundantes para fazer jorrar a água viva do Evangelho do chão rude e pedregoso talhado por uma humanidade pecadora e licenciosa das verdades eternas. Que o nosso propósito seja o de mostrar-nos ao Pai, não escondidos atrás das muralhas do nosso orgulho e das nossas vaidades, mas como frágeis vasos de argila, expostos como instrumentos dóceis à ação da graça divina para praticarmos sempre o bem, de forma generosa e perseverante. Supliquemos a Deus a graça de sermos fecundos nesta semeadura, deixando a Ele, e somente a Ele, a tarefa de colher os frutos dos nossos pequenos trabalhos e obras, de acordo com a sua Santa Vontade.  

sábado, 13 de junho de 2015

13 DE JUNHO - SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA



SÍNTESE BIOGRÁFICA

1195: Nasce em Lisboa, filho de Maria e Martinho de Bulhões. É batizado com o nome de Fernando. Reside na frente da Catedral.

1202: Com sete anos de idade, começa a frequentar a escola, um privilégio raro na época.

1209: Ingressa no Mosteiro de São Vicente, dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, perto de Lisboa. Torna-se agostiniano. 

1211: Transfere-se para Coimbra, importante centro cultural, onde se dedica de corpo e alma ao estudo e à oração, pelo espaço de dez anos.

1219: É ordenado sacerdote. Pouco depois conhece os primeiros franciscanos, vindos de Assis, que ele recebe na portaria do mosteiro. Fica impressionado com o modo simples e alegre de viver daqueles frades.

1220: Chegam a Coimbra os corpos de cinco mártires franciscanos. Fernando decide fazer-se franciscano como eles. É recebido na Ordem com o nome de Frei Antônio, enviado para as missões entre os sarracenos de Marrocos, conforme deseja.

1221: Chegando a Marrocos, adoece gravemente, sendo obrigado a voltar para sua terra natal. Mas uma tempestade desvia a embarcação arrastando-a para o sul da Itália. Desembarca na Sicília. Em maio do mesmo ano participa, em Assis, do capítulo das Esteiras, uma famosa reunião de cinco mil frades. Aí conhece o fundador da Ordem, São Francisco de Assis. Terminado o Capítulo, retira-se para o eremitério de Monte Paolo, junto aos Apeninos, onde passa 15 meses em solidão contemplativa e em trabalho braçal. 

1222: Chamado de improviso a falar numa celebração de ordenação, Frei Antônio revela uma sabedoria e eloquência extraordinárias, que deixam a todos estupefatos. Começa a sua epopéia de pregador itinerante.

1224: Em brevíssima Carta a Frei Antônio, São Francisco o encarrega da formação teológica dos irmãos. Chama-o cortesmente de 'Frei Antônio, meu bispo'.

1225: Depois de percorrer a região norte da Itália, passa a pregar no sul da França, com notáveis frutos. Mas tem duras disputas com os hereges da região.

1226: É eleito custódio na França e, um ano depois, provincial dos frades no norte da Itália.

1228: Participa, em Assis, do Capítulo Geral da Ordem, que o envia a Roma para tratar com o Papa de algumas questões pendentes. Prega diante do Papa e dos Cardeais. Admirado de seu conhecimento das Escrituras, Gregório IX o apelida de 'Arca do Testamento'.

1229: Frei Antônio começa a redigir os 'Sermões', atualmente impressos em dois grandes volumes.

1231: Prega em Pádua a famosa quaresma, considerada como o momento de refundação cristã da cidade. Multidões acorrem de todos os lados. Há conversões e prodígios. Êxito total! Mas Frei Antônio está exausto e sente que seus dias estão no fim. Na tarde de 13 de junho, mês em que os lírios florescem, Frei Antônio de Lisboa morre às portas da cidade de Pádua. Suas últimas palavras são: 'Estou vendo o meu Senhor'. As crianças são as primeiras a saírem pelas ruas anunciando: 'Morreu o Santo'.

1232: Não tinha bem passado um ano desde sua morte, quando Gregório IX o inscreveu no catálogo dos santos.

1946: Pio XIII declara Santo Antônio Doutor da Igreja, com o título de 'Doutor Evangélico'.

MILAGRE DOS PEIXES



Certa vez quando o Frei Antônio pregava o Evangelho na cidade de Rímini, Itália, os moradores locais não queria escutá-lo e começaram a ofendê-lo a ponto de ameaçá-lo de agressão física. Santo Antônio saiu da praça e caminhou em direção à praia e, dando as costas aos seus detratores, falou em voz alta. 'Escutai a Palavra de Deus, vós que sois peixes e vives no mar, já que os infiéis não a querem ouvir.' Diversos peixes agruparam-se à beira da praia e, postando suas cabeças para fora d’água, ficaram em posição como de escuta das palavras do santo: 'Bendizei ao Senhor, vós que sois também criaturas de Deus!' E aqueles que presenciaram este milagre espantoso creram e se converteram ao cristianismo!

EXCERTOS DE UM SERMÃO: 'A CEGUEIRA DAS ALMAS '
(SERMÃO DO DOMINGO DA QUINQUAGÉSIMA) 

3. Um cego estava sentado, etc. Omitidos todos os outros cegos curados, só queremos mencionar três: o primeiro é o cego de nascença do Evangelho, curado com lodo e saliva; o segundo é Tobias que cegou com excremento de andorinhas, e se curou com fel de peixe; o terceiro é o bispo de Laodicéia, ao qual diz o Senhor no Apocalipse: Não sabes que és um infeliz e miserável, pobre, cego e nu. Aconselho-te que me compres ouro provado no fogo, para te fazeres rico, e te vestires com roupas brancas, e não se descubra a  tua nudez, e unge os teus olhos com um colírio, para que vejas. Vejamos o que significa cada uma destas coisas.

O cego de nascença significa, no sentido alegórico, o gênero humano, tornado cego nos protoparentes. Jesus restituiu-lhe a vista, quando cuspiu em terra e lhe esfregou os olhos com lodo. A saliva, descendo da cabeça, significa a divindade, a terra, a humanidade; a união da saliva e da terra é a união da natureza humana e divina, com que foi curado o gênero humano. E estas duas coisas significam as palavras do cego sentado à borda do caminho e a clamar: 'Tem piedade de mim (o que diz respeito à divindade), Filho de David' (o que se refere à humanidade).

4. No sentido moral, o cego significa o soberbo. A este respeito lemos no profeta Abdias: 'Ainda que te eleves como a águia e ponhas o teu ninho entre os astros, eu te arrancarei de lá, diz o Senhor'. A águia, voando mais alto que todas as aves, significa o soberbo, que deseja a todos parecer mais alto com as duas asas da arrogância e da vanglória. É a ele que se diz: 'Se entre os astros, isto é, entre os santos, que neste lugar tenebroso brilham como astros no firmamento, puseres o teu ninho, isto é, a tua vida, dali te arrancarei, diz o Senhor'. 

O soberbo, pois, esforça-se por colocar o ninho da sua vida na companhia dos santos. Donde a palavra de Job: 'A pena do avestruz, isto é, do hipócrita, é semelhantes às penas da cegonha e do falcão, isto é, do homem justo'. E nota que o ninho em si tem três caracteres: No interior é forrado de matérias brandas; externamente é construído de matérias duras e ásperas; é colocado em lugar incerto, exposto ao vento. Assim a vida do soberbo tem interiormente a brandura do deleite carnal, mas é rodeada no exterior por espinhos e lenhas secas, isto é, por obras mortas; também está colocada em lugar incerto, exposta ao vento da vaidade, porque não sabe se de tarde ou se de manhã desaparecerá. E isto é o que se conclui: 'De lá eu te arrancarei, ou seja, arrancar-te-ei para te lançar no fundo do inferno, diz o Senhor'. Por isso, escreve-se no Apocalipse: 'Quanto ela se glorificou e viveu em delícias, tanto lhe dai de tormentos'.

5. E nota que este cego soberbo é curado com saliva e lodo. Saliva é o sêmen do pai derramado na lodosa matriz da mãe, onde se gera o homem miserável. A soberba não o cegaria se atendesse ao modo tão triste da sua concepção. Daí a fala de Isaías: 'Considerai a rocha donde fostes tirados. A rocha é o nosso pai carnal; a caverna do lago é a matriz da nossa mãe. Daquele fomos cortados no fétido derrame do sêmen; desta fomos tirados no doloroso parto. Por que te ensoberbeces, portanto, ó mísero homem, gerado de tão vil saliva, criado em tão horrível lago e ali mesmo nutrido durante nove meses pelo sangue menstrual?' Se os cereais forem tocados por esse sangue não germinarão, o vinho novo azedará, as ervas morrerão, as árvores perderão os frutos, a ferrugem corroerá o ferro, enegrecerão os bronzes e se dele comerem os cães, tornar-se-ão raivosos e, com as suas mordeduras, farão enlouquecer as pessoas. 

BREVIÁRIO DIGITAL - CATECISMO ILUSTRADO DE 1910 (XVII)







(Catecismo Ilustrado de 1910, parte XVII)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

DA IMPENITÊNCIA FINAL (II)

A MORTE NA IMPENITÊNCIA

Pode morrer-se em pecado mortal, sem que se tenha apresentado ao espírito o pensamento de tal morte. Há muitos homens que morrem subitamente, sem se arrependerem dos pecados graves que tenham cometido. Costuma dizer-se que depois de terem abusado de muitas graças, foram surpreendidos pela morte. Nunca tiveram em conta os avisos recebidos. Nunca sentiram a contrição nem sequer a atrição dos pecados que, através do sacramento da penitência, os teria justificado. Estas almas perderam-se para sempre. Verificou-se a impenitência final, sem recusa especial e prévia de se converterem no último momento.

Se, pelo contrário existiu tal recusa, trata-se de impenitência final aceita, querida, através da rejeição última da graça oferecida antes da morte pela misericórdia infinita. Trata-se de um pecado contra o Espírito Santo, que assume diferentes formas: o pecado pode ou recuar diante da humilhação da confissão dos pecados e preferir portanto a infelicidade pessoal, ou então chegar a desprezar explicitamente o seu dever de justiça ou de reparação para com Deus, recusando-lhe o amor que a Ele se deve como preceito supremo: 'Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo teu entendimento' (Lc 10, 27). 

Lições tão terríveis como estas mostram-nos a necessidade do arrependimento, diferente do remorso, que subsiste no inferno sem a menor atrição. Os condenados não se arrependem dos pecados, como ofensas feitas a Deus, mas porque foram punidos por causa desses pecados. Gostariam de não sofrer a pena que justamente lhes foi infligida e sentem-se roídos por um verme que nasce da podridão do pecado que não podem ver e que os torna descontentes com tudo e consigo mesmos. Judas sentiu remorso, que o lançou na angústia, mas não passou pelo arrependimento, que dá a paz; caiu no desespero, em vez de se confiar à infinita misericórdia e pedir perdão8.

Constitui, portanto, um grave risco adiar-se a conversão para mais tarde. Monsanbré diz a este respeito9: 'Suprema lição de previdência: 1° Para aproveitar a última hora, é necessário podê-la reconhecer. Ora, quando chega a última hora, tudo concorre, muitas vezes, para a dissimular ao pecador: as suas próprias ilusões, a covardia, a negligência, a falta de sinceridade daqueles que o cercam; 2° Para aproveitar a última hora, no caso de se pressentir, seria preciso converter-se; ora, há grande probabilidade de o pecador não querer. A tirania do hábito marca os últimos desejos com o ferrete da irresolução. As dilações calculadas do pecador alteram a sua fé e tornam-no cego para ver o seu estado. A última hora aproxima-se sem que ele se mova e morre, de fato, impenitente. 3° Para aproveitar a última hora, se alguém quer converter-se, é preciso que a sua conversão seja verdadeira e, por isso, precisa da graça eficaz. Ora, o pecador retardatário nos seus cálculos, não tem em conta a graça, mas somente sua vontade. E se tem em conta a graça, faz tudo o que pode para a afastar no último momento, ao especular negligentemente com a misericórdia de Deus. E, então, alcançará ele o verdadeiro desgosto da ofensa feita a Deus, um verdadeiro e generoso arrependimento? O pecador retardatário já não sabe o que é a penitência e corre grande risco de morrer no seu pecado. O que, portanto, há a fazer é assegurar desde já o benefício de uma verdadeira penitência, não venha ela a faltar na hora em que se decide a nossa sorte para toda a eternidade'10.

AS CONVERSÕES IN EXTREMIS

Os pecadores renitentes que, no último momento, imediatamente antes da separação da alma e do corpo, não dão mostras algumas de contrição, nem mesmo assim podem dizer-se definitivamente perdidos. Só Deus pode saber se não se terão convertido à última hora. O Santo Cura d’Ars, divinamente inspirado, disse a uma viúva vinda pela primeira vez à sua igreja, debulhada em lágrimas: 'Senhora, a sua oração foi atendida. O seu marido salvou-se. Acabava ele de lançar-se ao Ródano, quando, segundos antes de sua morte, a Virgem lhe obteve a graça da conversão. Lembrai-vos que um mês antes, no vosso jardim, ele colheu a rosa mais bela e disse: 'leva-a ao altar da Virgem'. Ela não o esqueceu'.

Outras pessoas se converteram in extremis, as quais não se lembravam de ter feito nada, além da prática de qualquer ato religioso no decurso de sua vida; por exemplo, um marinheiro havia conservado o hábito de se descobrir, ao passar em frente de uma igreja; não sabia o Padre-Nosso nem a Ave-Maria, mas conservava ainda este laço que o impedia de se afastar definitivamente de Deus. 

Lê-se na vida do santo bispo de Tulle, Bertau, amigo de Luís Veuillot, que uma pobre rapariga da cidade, antiga participante do coro na catedral, caiu na miséria e depois na imoralidade, como pecadora pública. Foi assassinada, uma noite, numa das ruas de Tulle. A polícia encontrou-a na agonia, à porta do hospital. Morreu com estas palavras na boca: 'Jesus, Jesus'! perguntaram ao bispo: 'Deverá fazer o funeral religioso?' Resposta dele: 'Sim, porque morreu pronunciando o nome de Jesus. Mas enterrai-a de manhã, muito cedo e sem incenso'. No imundo quarto da infeliz, encontraram o retrato do santo bispo de Tulle. Tinha escrito no verso: 'O melhor dos pais'. Embora tivesse caído, reconhecera a santidade do seu bispo e conservava no coração a lembrança dos benefícios do Senhor.

Um escritor licencioso, Armando Silvestre, prometera a sua mãe, quando ela morreu, rezar todos os dias uma Ave-Maria. Naquele lamaçal, que era a vida do infeliz escritor, desabrochava todos os dias a flor da Ave-Maria. Adoeceu gravemente com uma pneumonia. Levaram-no para um hospital de Paris, servido por religiosos. Perguntaram-lhe eles: 'Quereis um sacerdote?' – 'Sim' – respondeu. E recebeu a absolvição, provavelmente com uma atrição suficiente, devido a uma graça especial que devia ter obtido da Virgem. É provável que tenha entrado logo a seguir num longo e penosíssimo purgatório.

Outro escritor francês, Adolphe Retté, pouco depois da conversão, sincera e profunda, ficou impressionado por ver em um escapulário esta legenda: 'Rezai por aqueles que vão morrer durante a Missa que ides assistir'. Fê-lo de bom grado. Alguns dias depois, adoeceu gravemente. Ficou imobilizado em um leito do hospital de Beaune, muitos anos, até a morte. Todas as manhãs oferecia seus sofrimentos pelos que iam morrer nesse dia; obteve muitas conversões in extremis. Ao chegar ao céu, havemos de conhecer o número dessas conversões. E cantaremos a misericórdia de Deus eternamente.

Conta-se na vida de Santa Catarina de Sena, a conversão in extremis de dois grandes criminosos. A santa tinha ido visitar uma amiga. Ouvira-se na rua onde esta morava um grande ruído. A amiga de Catarina olhou pela janela e viu que se tratava de dois condenados à morte, conduzidos em uma carroça ao derradeiro suplício. Como os atormentavam com tenazes aquecidas ao rubro, blasfemavam e soltavam horrorosos gritos de raiva. Catarina põe-se, ali mesmo, imediatamente de joelhos e reza com os braços em cruz, pela conversão dos dois criminosos. Eis senão quando, na rua, cessaram as blasfêmias e os criminosos manifestaram o desejo de se confessarem. As pessoas presentes ficaram espantadas com tão súbita mudança; ignoravam que uma santa tinha rezado para obter a dupla conversão.

Há cerca de sessenta anos, o capelão da prisão de Nancy, que até ali tinha conseguido converter todos os criminosos que acompanhava à guilhotina, encontrava-se em uma viatura com um assassino apostado em não se confessar antes de morrer. A viatura passou em frente de um santuário de Nossa Senhora do Socorro. Então, o velho capelão disse: 'Lembrai-Vos, ó piedosa e dulcíssima Virgem Maria que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tivessem recorrido à Vossa proteção fosse por Vós desamparado. Convertei este criminoso, senão direi que se ouviu dizer que não nos atendestes'. E o criminoso converteu-se imediatamente. A conversão é sempre possível até a morte, mas torna-se cada vez mais difícil à medida que aumenta a obstinação. Sendo assim, o melhor é não adiar nunca a conversão e pedir todos os dias, por meio da Ave-Maria, a graça de uma boa morte.

Notas:

8 – Cfr. Santo Tomás, II, II, q. 13, a. 4; III, q. 86, a. 1; C. Gentiles, l. IV, c. 89.
9 – Retiros pascais em Notre-Dame, instrução 3°.
10 – Não se esqueça que a atrição, que dispõe a uma boa recepção do sacramento da penitência e leva à justificação, deve ser sobrenatural. Segundo o Concílio de Trento, ela pressupõe a graça da fé e da esperança e deve detestar o pecado como ofensa feita a Deus (Denz., 798). Ora isto supõe, provavelmente, como o batismo dos adultos, um amor inicial a Deus, fonte de toda justiça (Denz., 798). Com efeito, não podemos detestar a mentira sem amar a verdade, nem detestar a injustiça sem começar a amar a justiça e aquele que é fonte de toda a justiça.

(Excertos da obra 'L'éternelle vie et la profondeur de l’ame', do Pe. Garrigou-Lagrange, tradução de R. Horta)