quarta-feira, 18 de junho de 2014

INDULGÊNCIAS DO DIA DA SOLENIDADE DE CORPUS CHRISTI


Amanhã, dia da solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, o católico pode ser contemplado com as seguintes indulgências:

(i) Indulgência parcial: rezar, com piedosa devoção, a oração 'Alma de Cristo':

Alma de Cristo, santificai-me.
Corpo de Cristo, salvai-me.
Sangue de Cristo, inebriai-me.
Água do lado de Cristo, lavai-me.
Paixão de Cristo, confortai-me.
Ó bom Jesus, ouvi-me.
Dentro de vossa chagas, escondei-me.
Não permitais que eu me separe de vós.
Do espírito maligno, defendei-me.
Na hora da morte chamai-me e
mandai-me ir para vós,
para que com vossos Santos vos louve
por todos os séculos dos séculos.
Amém. 

(ii) Indulgência plenária: rezar, com piedosa devoção, a oração 'Tantum Ergo' ou 'Tão sublime Sacramento':

Tão sublime sacramento
vamos todos adorar,
pois um Novo testamento
vem o antigo suplantar!
Seja a fé nosso argumento
se o sentido nos faltar.
Ao eterno Pai cantemos
e a Jesus, o Salvador,
igual honra tributemos,
ao Espírito de amor.
Nossos hinos cantaremos,
chegue aos céus nosso louvor.
Amém.

Do céu lhes deste o pão,
Que contém todo o sabor.

Oremos: Senhor Jesus Cristo, neste admirável Sacramento, nos deixastes o memorial da vossa Paixão. Dai-nos venerar com tão grande amor o mistério do vosso corpo e do vosso sangue, que possamos colher continuamente os frutos da vossa redenção. Vós que viveis e reinais para sempre. Amém.

O PENSAMENTO DA ETERNIDADE

Cogitavi dies antiquos et annos aeternos in mente habui — Pensei nos dias antigos e tive na mente os anos eternos (Sl 76, 6).

Sumário. Feliz de quem vive tendo sempre em mira a eternidade e pensa que em breve o paraíso ou o inferno será a morada de sua alma! Este pensamento infundiu a milhões de mártires a coragem para darem a sua vida por Jesus Cristo; fez tantos jovens, mesmo príncipes e reis, encerrarem-se nos claustros. Quanto mais eficaz não será, pois, para nos desprender dos miseráveis bens da terra e fazer-nos carregar com paciência as cruzes que Deus nos envia? Quem pensa na eternidade e não se converte a Deus, perdeu ou o juízo ou a fé.

I. O pensamento da eternidade é chamado por Santo Agostinho o grande pensamento: Magna cogitatio. Este pensamento fez com que todos os tesouros e grandezas da terra se afigurassem aos santos como que palhas, lodo, fumo e monturo. Este pensamento inspirou tantos anacoretas a retirarem-se para desertos e grutas, tantos jovens nobres e mesmo reis e príncipes reinantes a encerrarem-se nos claustros. Este pensamento deu a tantos mártires coragem para sofrer os cavaletes, as unhas de ferro, as grelhas em brasa e a morte pelo fogo.

Não, não é para esta terra que fomos criados; o fim para o qual Deus nos pôs neste mundo, é que pelas nossas boas obras mereçamos possuir a vida eterna: Finem vero, vitam aeternam  — E por fim a vida eterna. Pelo que Santo Euquério disse que o único negócio em que devemos cuidar na vida presente é a eternidade. Se assegurarmos este negócio, seremos felizes para sempre; se o errarmos, seremos para sempre infelizes.

Feliz de quem vive tendo sempre em mira a eternidade, pela fé viva que dentro em breve tem de morrer e entrar na eternidade! Iustus ex fide vivit  — O justo vive pela fé. A fé faz o justo viver na graça de Deus, dá vida à alma, desprendendo-a dos afetos terrenos, e lembrando-lhe os bens eternos que Deus promete aos que O amam. Dizia Santa Teresa que todos os pecados provêm da falta de fé. Pelo que, a fim de vencermos as paixões e as tentações, é mister que frequentemente avivemos a nossa fé, dizendo: Credo vitam aeternam — Creio na vida eterna. Creio que, depois desta vida, que em breve acabará para mim, há a vida eterna, ou cheia de gozos ou cheia de sofrimentos, uma das quais me tocará segundo os meus méritos ou deméritos. Costumava por isso Santo Agostinho dizer que o que crê na eternidade e não se converte a Deus, perdeu o juízo ou a fé.

II. 'Ai dos pecadores', exclama São Cesário, 'ai daqueles que entram na eternidade sem a terem conhecido, por não terem querido pensar nela! Ó infelizes! Para eles, a porta do inferno se abrirá para os deixar entrar, não para os deixar sair'. Santa Teresa repetia às suas religiosas: 'Minhas filhas, uma alma, uma eternidade!' Queria dizer: 'Minhas filhas, temos uma só alma; perdida esta, tudo está perdido; e perdida esta uma vez, está perdida para sempre. Numa palavra, de nosso último suspiro na hora da morte dependerá, se seremos felizes para sempre, ou para sempre em desespero'.

Roguemos, pois, ao Senhor, que nos aumente a fé: Domine, adauge fidem — Senhor, aumentai a minha fé, porquanto, se não estivermos firmes na fé, tornar-nos-emos piores do que um Lutero ou um Calvino. Ao contrário, um vivo pensamento da eternidade que nos espera, pode fazer-nos santos. Quando tivermos que sofrer alguma enfermidade ou perseguição, lembremo-nos do inferno, que temos merecido pelos nossos pecados. Desta maneira toda a cruz se nos afigurará leve, e daremos graças ao Senhor dizendo: Misericordiae Domini, quia non sumus consumpti  — Misericórdias são do Senhor o não termos sido consumidos. Digamos também com Davi: 'Se o Senhor não se tivesse compadecido de mim, estaria eu no inferno desde o dia em que O ofendi pelo pecado mortal'. Eu já estava pedido, mas Vós, ó Deus de misericórdia, estendestes para mim a vossa mão e me tirastes do inferno: Tu autem eruisti animam meam, ut non periret  — Tu livraste a minha alma para ela não perecer.

Meu Deus, Vós sabeis quantas vezes tenho merecido o inferno; mas apesar disso, quereis que tenha confiança, e quero esperar em Vós. Os meus pecados me atemorizam, mas a vossa morte e a promessa de perdoardes a quem se arrepende inspiram-me confiança. Nos tempos passados Vos desprezei, mas agora amo-Vos sobre todas as coisas e detesto mais que todos os outros males, o ter-Vos ofendido. Meu Jesus, tende piedade de mim; Maria, Mãe de Deus, intercedei por mim. 'Ó Deus que, com a luz da vossa verdade, iluminais aos que erram, para que possam tornar ao caminho da justiça, concedei a todos os cristãos, que rejeitem quanto se opõe à santidade deste nome, e sigam quanto com ele se conforma'.

(Excertos da obra 'Meditações para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II, de Santo Afonso Maria de Ligório)

terça-feira, 17 de junho de 2014

OUTROS TRÊS TESOUROS DE EXEMPLOS

A MORTE NIVELA TUDO

Em 1916, morreu Francisco José, o imperador da Áustria, que por muitos anos soubera conservar sob o poderio paternal de seu cetro a muitos povos que antes viviam em contínuas guerras. O féretro foi levado à cripta da igreja dos Padres Capuchinhos de Viena, onde jaziam outros reis e imperadores. 

O mestre de cerimônias bateu à porta. 'Quem é?' perguntou do outro lado de dentro, segundo o cerimonial, um padre capuchinho. Os cortesãos responderam: 'Francisco José, imperador e rei'. De lá de dentro, a mesma voz austera do frade respondeu: 'Não o conheço'.

Um momento de silêncio dentro da cripta... Do lado de fora, à porta, deliberavam os senhores e políticos... Batem outra vez. E outra vez insiste de dentro o guardião daquelas tumbas: 'Quem é?' 'Francisco José de Habsburgo' respondem de fora os que sustentam em seus ombros o régio féretro. E, de novo, ouve-se a voz do frade: 'Não o conheço'.

Mais um momento de silêncio. . . mais um instante de deliberação... Urge, porém, entregar à terra aqueles restos mortais que foram ontem de homem tão grande e que hoje ninguém os quer em parte alguma... Por isso, após um instante de imponente silêncio, outra vez a voz do Capuchinho interroga: 'Quem é?' E o que responde em nome da política e da grandeza do império austríaco, responde agora: 'Um pobre morto...' A voz serena e imutável do guardião daqueles túmulos responde imediatamente: 'Entre!'

E abriram-se as portas, e deu-se entrada ao cadáver e ali, como pobre morto, foi enterrado o célebre imperador: Francisco José, rei e imperador da Áustria. Pois é certo que a morte nivela tudo. De toda a grandeza, como de toda a miséria, após a morte resta um cadáver que, dentro em pouco, não é nada mais que pó e cinza.

AGORA VAI E ENTERRA-O!

Dois mendigos, usando falsos remendos fingiam necessidade. Sabendo que por ali iria passar o bispo São Epifânio, para conseguir dele uma gorda esmola, usaram do seguinte ardil. Um se fingiu de morto e o outro começou a lamentar-se pedindo dinheiro ao santo para a mortalha e o enterro. O santo parou, fez uma oração e, tendo-lhe dado o que pedia, prosseguiu o seu caminho.

'Pregamos-lhe uma boa! Levanta-te'. Mas, que levantar-se nada! O homem morrera deveras. Aflito, correu o outro atrás do santo e confessou-lhe o seu pecado, pedindo misericórdia. Mas o santo bispo, muito sério e grave, disse-lhe: 'Com Deus não se brinca. Essa é a recompensa dos mentirosos. Agora vai e enterra-o !'

A LENDA DO FREI PACÔMIO

Em princípios do século décimo, vivia num convento de beneditinos um santo religioso, chamado Frei Pacômio, que não podia compreender como os bem-aventurados não se cansavam de contemplar por toda a eternidade as mesmas belezas e gozar dos mesmos gozos.

Um dia mandou-o o prior a um bosque vizinho para recolher alguma lenha. Foi com gosto mas, mesmo no trabalho, não o largavam as dúvidas. De repente, ouviu a voz de uma avezinha que cantava maravilhosamente entre os ramos. Ergueu-se e viu um animalzinho tão encantador como jamais vira em sua vida. Saltava de um ramo para outro, cantando, brincando e internando-se na selva. Seguiu-o Frei Pacômio, todo encantado, sem dar-se conta nem do tempo nem do lugar.

A certa altura, a avezinha atirou aos ares o último e mais doce gorjeio e desapareceu. Lembrando-se então de seu trabalho, o frei procurou o machado para voltar ao convento, mas - coisa esquisita! - achou-o enferrujado. Quis pegar o feixe de lenha que ajuntara, mas não o encontrou. 'Alguém mo terá roubado?' disse consigo. Pôs-se a andar, mas não encontrava o caminho. Chegou, afinal, à beira do bosque, mas não encontrou o mato de outrora; ali estava agora um campo de trigo, em que trabalhavam homens desconhecidos.

Perguntou a um deles o caminho do mosteiro, pois decerto se havia extraviado. Todos olhavam para ele com surpresa; mas indicaram-lhe o caminho para o mosteiro. Chegando ali - grande Deus! - como estava mudado! Em lugar da casa modesta de sempre, viu um edifício magnífico ao lado de uma grandiosa capela. Intrigado, bateu à porta; um irmão desconhecido a abriu. - 'Sois recém-chegado?' disse-lhe Pacômio, 'eu venho do bosque onde me mandou esta manhã o prior D. Anselmo para buscar lenha'.

Admirou-se o outro e deixando-o ali, foi avisar o prior que, na portaria, estava um monge com hábito velho, barba e cabelos brancos como a neve, perguntando pelo Prior Anselmo. O caso era curioso. O prior, abrindo os registos do convento, descobriu na lista o nome do Prior Anselmo, que ali vivera há quatrocentos anos. Continuou a ler e achou nos anais daquele tempo o seguinte: 'Está manhã, Frei Pacômio foi mandado buscar lenha no bosque e desapareceu'. Chamaram o elho monge e fizeram-no entrar e contar a sua história. Frei Pacômio narrou o caso de suas dúvidas sôbre a felicidade e o paraíso e o prior começou a compreender aquele mistério.

('Tesouro de Exemplos', Pe Francisco Alves, Editora Vozes, 1958, texto corrigido e adaptado)

domingo, 15 de junho de 2014

GALERIA DE ARTE SACRA (XII)

ICONOGRAFIA DA SANTÍSSIMA TRINDADE



















GLÓRIA AO PAI, AO FILHO E AO ESPÍRITO SANTO

Páginas do Evangelho - Festa Litúrgica da Santíssima Trindade


O mistério da Santíssima Trindade é um mistério de conhecimento e de amor. Pois, desde toda a eternidade, o Pai, conhecendo-se a Si mesmo com conhecimento infinito de sua essência divina, por amor gera o Filho, Segunda Pessoa da Trindade Santa. E esse elo de amor infinito que une Pai e Filho num mistério insondável à natureza humana se manifesta pela ação do Espírito Santo, que é o amor de Deus por si mesmo. Trindade Una, Três Pessoas em um só Deus.

Mistério dado ao homem pelas revelações do próprio Jesus, posto que não seria capaz de percepção e compreensão apenas pela razão natural, uma vez inacessível à inteligência humana:  'Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele (o Espírito Santo) receberá e vos anunciará, é meu' (Jo 16, 15). Mistério revelado em sua extraordinária natureza em outras palavras de Cristo nos Evangelhos: 'Em verdade, em verdade vos digo: O Filho não pode de si mesmo fazer coisa alguma, mas somente o que vir fazer o Pai; porque tudo o que fizer o Pai, o faz igualmente o Filho. Porque o Pai ama o Filho, e mostra-lhe tudo o que ele faz (Jo 5, 19-20) ou ainda 'Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem alguém conhece o Pai senão o Filho (Mt 11, 27). 

Nosso Senhor Jesus Cristo é o Verbo de Deus feito homem, sob duas naturezas: a natureza divina e a natureza humana: 'Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele' (Jo 3, 16 - 17). Enquanto homem, Jesus teve as três potências da alma humana: inteligência, vontade e sensibilidade; enquanto Deus, Jesus foi consubstancial ao Pai, possuindo inteligência e vontade divinas.

'Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo'. Glórias sejam dadas à Santíssima Trindade: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Neste domingo da Santíssima Trindade, a Igreja exalta e ratifica aos cristãos o  maior dos mistérios de Deus, proclamado e revelado aos homens: O Pai está todo inteiro no Filho, todo inteiro no Espírito Santo; o Filho está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Espírito Santo; o Espírito Santo está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho (Conselho de Florença, 1442).

sábado, 14 de junho de 2014

SOBRE A IMPUREZA (II)


Segundo Ponto: Ilusão daqueles que dizem que Deus se apieda deste pecado

Os adeptos da luxúria dizem que Deus se apieda deste pecado, mas não é isso o que diz São Tomás de Villanova. Ele diz que nas Sagradas Escrituras nós não lemos sobre qualquer pecado tão severamente castigado como o pecado da impureza. Luxuriae facinus prae aliis punitum legimus - Sermão 4. Encontramos nas Escrituras que em punição a este pecado, um dilúvio de fogo desceu do céu sobre quatro cidades e, em um instante, consumiu não só os habitantes, mas até as pedras. 'O Senhor fez então cair sobre Sodoma e Gomorra uma chuva de enxofre e de fogo, vinda do Senhor, do céu. E destruiu essas cidades e toda a planície, assim como todos os habitantes das cidades e a vegetação do solo' (Gn 19, 24-25). São Pedro Damião relata que um homem e uma mulher que haviam pecado contra a pureza foram encontrados queimados e negros como carvão.

Salviano escreve que era, em castigo ao pecado de impureza, que Deus enviou à Terra o dilúvio universal, que foi causado por contínua chuva durante quarenta dias e quarenta noites. Neste dilúvio, as águas subiram quinze côvados acima dos topos das montanhas mais altas, e apenas oito pessoas, contando com Noé, foram salvas na arca. O resto dos habitantes da Terra, que eram mais numerosos do que os que existem hoje, foram punidos com a morte em castigo ao vício da impureza. 

Notem as palavras do Senhor ao falar deste castigo que Ele infligiu por causa deste pecado. 'Meu espírito não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne' (Gn 6,3). 'Ou seja', diz Nicolau de Lira, 'profundamente envolvidos em pecados carnais'. O Senhor acrescentou: 'Porque eu me arrependo de tê-los criado' (Gn 6,7). A indignação de Deus não é como a nossa, que encobre a mente e nos leva a excessos. Sua ira é um julgamento perfeitamente justo e tranquilo, pelo qual Deus castiga e repara as desordens do pecado. Mas para nos fazer compreender a intensidade de Seu ódio ao pecado da impureza, Ele Se representa como arrependido por ter criado o homem, que o ofendeu tão gravemente por este vício. 

Nós, nos dias de hoje, vemos mais penas temporais graves infligidas contra esse pecado, do que contra qualquer outro. Vá aos hospitais, e ouça os gritos de tantos rapazes que, em punição a suas impurezas, são obrigados a submeter-se aos mais severos tratamentos e às mais dolorosas operações, e que, se escapam da morte, ficam, de acordo com a ameaça divina, fracos e sujeitos à dor mais excruciante para o resto de suas vidas. 'Dado que te esqueceste de Mim e Me voltaste as costas, agora carrega também a tua devassidão e as tuas prostituições.' (Ez 23,35).

São Remígio escreve que, excetuadas as crianças, o número de adultos que são salvos é pequeno, por causa dos pecados da carne. Exceptis parvulis ex adultis propter vitiam carnis pauci salvantur. Em conformidade com esta doutrina, foi revelado a uma santa alma que, como o orgulho encheu o inferno de demônios, da mesma forma a impureza o enche de homens. Santo Isidoro atribui este motivo: ele diz que não há nenhum vício que tanto escraviza os homens ao diabo como a impureza. Magis per luxuriam, humanum genus subditur diabolo, quam per aliquod aliud. Por isso, Santo Agostinho diz que, com relação a este pecado, o combate é comum, e a vitória rara. Assim, por causa deste pecado, o inferno está cheio de almas.

Tudo o que eu disse sobre este assunto, não foi para que as pessoas afligidas pelo vício da impureza fiquem desesperadas, mas para que possam ser curadas. Vamos, então, estudar os remédios. Existem dois grandes remédios, a oração e a fuga das ocasiões perigosas. A oração, diz São Gregório de Nissa, é a salvaguarda da castidade. Oratio pudicitiae praesidium et tutamen est. E antes dele, Salomão, falando de si mesmo, disse a mesma coisa. 'Sabendo que jamais teria conquistado a continência, se Deus não ma tivesse concedido ... voltei-me então para o Senhor e supliquei-lhe' (Sab 8,21). 

Assim, a nós é impossível vencer este vício sem a ajuda de Deus. Por isso, tão logo a tentação contra a castidade se apresente, a solução é se voltar de imediato à ajuda de Deus e repetir várias vezes os santíssimos nomes de Jesus e Maria, que têm uma força especial para banir os maus pensamentos desse tipo. Eu disse imediatamente, sem ouvir ou começar a discutir com a tentação. Quando um mau pensamento ocorre na mente, é necessário removê-lo imediatamente, como se fosse uma centelha que voa saindo do fogo, e imediatamente invocar a ajuda de Jesus e Maria.

Quanto à fuga das ocasiões perigosas, São Filipe Néri costumava dizer, que os covardes - ou seja, aqueles que correm das ocasiões – recebem a vitória. Portanto, você deve, em primeiro lugar, ser cauteloso com os olhos e deve abster-se de olhar para as moças. Caso contrário, diz Santo Tomás, você dificilmente poderá evitar este pecado. Por isso, Jó disse: 'Eu havia feito um pacto com meus olhos: não desejaria olhar nunca para uma virgem' (Jo 31, 1). Ele tinha medo de olhar para uma virgem porque, a partir de olhares, é fácil passar aos desejos e dos desejos aos atos. 

São Francisco de Sales costumava dizer que olhar para uma mulher não faz tanto mal quanto olhar para ela uma segunda vez. Se o diabo não teve a vitória de primeira, ele a terá na segunda vez. E, se é necessário abster-se de olhar para as mulheres, é muito mais necessário evitar a conversa com elas. 'Não te sentes no meio das mulheres' (Ecl 42, 12). Devemos estar convencidos de que, para evitar ocasiões deste pecado, nenhuma precaução é suficiente. Por isso, é necessário estarmos sempre atentos e correr das ocasiões. 'O sábio é precavido e afasta-se do mal; o insensato segue em frente sem pensar' (Prov 14, 16). Um homem sábio é tímido e corre para longe, um insensato é confiante e cai.

(Excertos da obra 'Sobre o Vício da Impureza', de Santo Afonso Maria de Ligório)

sexta-feira, 13 de junho de 2014

SOBRE A IMPUREZA (I)


Primeiro Ponto : Ilusão daqueles que dizem que os pecados contra a pureza não são um grande mal

Os impuros dizem que os pecados contra a pureza são um pequeno mal. Como 'a porca... chafurdando na lama' (2 Pdr 2,22), eles estão imersos em sua própria sujeira, de modo que não veem a maldade de seus ações e, portanto, não sentem nem abominam o mau odor de suas impurezas, que provocam repulsa e horror a todos os outros. Será que você, que diz que o vício de impureza é apenas um pequeno mal, eu pergunto, será que você poderá negar que isso é um pecado mortal? Se negar, você é um herege, pois, como diz São Paulo: 'Não vos enganeis: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os devassos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus' (1 Cor 6, 9-10). Isto é um pecado mortal, logo, não pode ser um pequeno mal. É um pecado maior que o roubo, que a difamação, que a violação do jejum. Como então você pode dizer que não se trata de um grande mal? Talvez para você o pecado mortal pareça ser um pequeno mal? Será que é um pequeno mal desprezar da graça de Deus, virar as costas para Ele e perder a Sua amizade por causa de um prazer transitório e bestial?

Santo Tomás ensina que o pecado mortal, por ser um insulto contra um Deus infinito, contém de certa forma uma malícia infinita. 'Um pecado cometido contra Deus, tem de certa forma uma infinidade, por conta da infinidade da Divina Majestade'. Será que o pecado mortal é um pequeno mal? Ele é um mal tão grande que, se todos os anjos e todos os santos, os apóstolos, os mártires, e mesmo a Mãe de Deus, oferecessem todos os seus méritos para expiar um só pecado mortal, a oferta não seria suficiente. Não, porque a expiação ou a satisfação seria finita, mas a dívida contraída pelo pecado mortal é infinita, por conta da infinita majestade de Deus, que foi ofendida. 

O ódio que Deus tem dos pecados contra a pureza está além do que podemos medir. Se alguém encontrar seu prato sujo, ficará aborrecido e não irá comer. Então, imagine com que desgosto e indignação Deus, que é a própria pureza, verá as impurezas imundas pelas quais Sua lei é violada? Ele ama a pureza com um amor infinito e, consequentemente, Ele tem um ódio infinito contra a sensualidade que os homens lascivos e voluptuosos chamam de pequeno mal. Até os demônios, que ocupavam um alto grau no céu antes de sua queda, desdenham ter que seduzir os homens a cometer pecados da carne.

Santo Tomás diz que Lúcifer, que foi supostamente o diabo que tentou Jesus Cristo no deserto, tentou-O a cometer outros pecados, mas desprezou tentá-Lo a pecar contra a castidade. Seria isto um pecado pequeno mal? Seria então um pequeno mal ver um homem dotado de uma alma racional, enriquecida com muitas graças divinas, cair, pelo pecado de impureza, ao nível de um bruto? 'A Fornicação e o prazer', diz São Jerônimo, 'pervertem a compreensão e transformam os homens em bestas'. Nos voluptuosos e impuros, são literalmente verificadas as palavras de Davi: 'O homem não permanece com o seu esplendor, é como animal que perece' (Sl 48,13). São Jerônimo diz que não há nada mais vil e degradante, que alguém deixar-se ser conquistado pela carne. Nihil vilius quam vinci a carne. Poderia ser um pequeno mal se esquecer de Deus e bani-lo da alma, para poder dar ao corpo uma satisfação vil, da qual você sentirá vergonha, quando acabar? O Senhor reclama disso por meio de Ezequiel: 'Por isso, assim diz o Senhor Javé: Dado que te esqueceste de Mim e Me voltaste as costas, agora carrega também a tua devassidão e as tuas prostituições' (Ez 23, 35). Santo Tomás diz que, devido a todos os vícios, mas especialmente pelo vicio da impureza, os homens são lançados para longe de Deus. Per luxuriam maxime recedit a Deo.

Além disso, os pecados de impureza, em virtude do seu grande número, são um mal imenso. Um blasfemador nem sempre blasfema, mas só quando está bêbado ou quando é provocado pela ira. O assassino, cujo trabalho é matar os outros, em geral não comete mais que oito ou dez homicídios. Mas os impuros são culpados de uma torrente incessante de pecados, por pensamentos, por palavras, por olhares, por complacências, e por toques, de modo que, quando vão à confissão, eles acham impossível dizer o número de pecados que cometeram contra a pureza. Mesmo durante o sono, o diabo lhes representa objetos obscenos de modo que, ao acordar, eles se deleitam com eles, e porque se fizeram escravos do inimigo, eles obedecem e aprovam as suas sugestões, porque é fácil cair no hábito deste pecado. Para os outros pecados, como a blasfêmia, a difamação e os assassinatos, os homens não estão propensos, mas para este vício, a natureza os inclina. Por isso, Santo Tomás diz que não há pecador tão pronto a ofender a Deus, como o devoto da luxúria, em toda ocasião que lhe ocorre. Nullus ad Dei contemptum promptior

O pecado da impureza traz em sua formação os pecados da difamação, do roubo, do ódio, e de gostar de suas abominações imundas. Além disso, normalmente envolve a malícia do escândalo. Outros pecados, tais como uma blasfêmia, um perjúrio, um assassinato, criam horror naqueles que os testemunham, mas este pecado induz os outros, que são carnais, a cometê-lo, ou, pelo menos, a cometê-lo com menos horror. Totum hominem, diz São Cipriano, agit in triumphum libidinis. Por meio da luxúria, o diabo triunfa sobre o homem inteiro, sobre seu corpo e sobre sua alma, sobre sua memória, enchendo-a com a lembrança de prazeres impuros, a fim de fazê-lo gostar deles; sobre o seu intelecto, para fazê-lo desejar ocasiões de cometer o pecado; sobre a vontade, fazendo-o amar as impurezas como seu fim último, e como se não houvesse Deus. 'Eu havia feito um pacto com meus olhos: não desejaria olhar nunca para uma virgem. Que parte me daria Deus lá do alto' (Jo 31, 1-2). Jó tinha medo de olhar para uma virgem porque ele sabia que, se consentisse com um mau pensamento, Deus não deveria ter parte com ele. 

De acordo com São Gregório, a partir da impureza surgem a cegueira do entendimento, a destruição, o ódio a Deus e o desespero quanto à vida eterna. Santo Agostinho diz que, embora os impuros possam envelhecer, o vício da impureza não envelhece neles. Por isso, Santo Tomás diz que não há pecado em que o diabo se deleite tanto como neste pecado, porque não há outro pecado a que a natureza se apegue com tanta tenacidade. Ela adere ao vício da impureza tão firmemente, que o apetite por prazeres carnais se torna insaciável. Vá agora, e diga que o pecado da impureza não é mais que um pequeno mal. Na hora da morte, você não dirá isso, todos os pecados dessa espécie lhe aparecerão como um monstro do inferno. Você não será capaz de dizê-lo ante o Juízo de Jesus Cristo, que lhe dirá o que o Apóstolo já lhe disse, 'Nenhum fornicador, ou impuro... terá herança no reino de Cristo e de Deus' (Ef 5, 5). O homem que viveu como um animal, não merece assentar-se entre os anjos.

Caríssimos irmãos, continuemos a orar a Deus para nos livrar desse vício, senão perderemos nossas almas. O pecado da impureza traz com ele a cegueira e a obstinação. Todos os vícios produzem sombras no entendimento, mas a impureza produz em maior grau do que todos os outros pecados. 'A fornicação, o vinho e a embriaguez acabam com o raciocínio' (Os 4, 11). O vinho priva-nos da compreensão e da razão, o mesmo faz a impureza. Por isso, Santo Tomás diz que o homem que se entrega aos prazeres impuros, não vive de acordo com a razão. In nullo procedit secundum judicium rationis. Ora, se os impuros estão privados da luz e já não veem o mal que fazem, como poderão odiar esse mal e mudar de vida? O profeta Oséias diz que, estando cegos devido a sua própria lama, eles nem sequer pensam em voltarem-se para Deus; porque as suas impurezas tiram-lhes todo o conhecimento de Deus. 'Seu proceder não lhes permite voltarem ao seu Deus, porque um espírito de prostituição os possui; eles desconhecem o Senhor' (Os 5,4).

Por isso, São Lourenço Justiniano disse que este pecado faz os homens se esquecerem de Deus. 'Os prazeres da carne induzem ao esquecimento de Deus'. E São João Damasceno ensina que 'o homem carnal não pode olhar para a luz da verdade'. Assim, os lascivos e voluptuosos não entendem o que quer dizer graça de Deus, julgamento, inferno e eternidade. 'Caiu fogo sobre eles, e não viram mais o sol' (Sl 57,9). Alguns desses cegos meliantes vão tão longe a ponto de dizer que o adultério não é em si pecaminoso. Eles dizem que ele não foi proibido na Antiga Lei e, em apoio a esta doutrina execrável, eles invocam as palavras do Senhor a Oséias: 'Vai e desposa uma mulher dada ao adultério, e aceita filhos adulterinos' (Os 1,2). Em resposta, digo que Deus não permitiu a Oséias cometer adultério, mas desejava que ele se casasse com uma mulher culpada de adultério, e os filhos deste casamento eram chamados filhos adulterinos, porque sua mãe tinha sido culpada desse crime. De acordo com São Jerônimo, esse é o significado das palavras do Senhor a Oséias. O santo doutor diz: Id circo fornicationis appellandi sunt filii, quod sunt de meretrice generati

Mas o adultério sempre foi proibido, sob pena de pecado mortal, na Velha como na Nova Lei. São Paulo diz: 'Nenhum fornicador, ou impuro... terá herança no reino de Cristo e de Deus' (Ef 5,5). Perceba a impiedade para a qual a cegueira de tais pecadores os carrega! Por causa desta cegueira, embora eles venham aos sacramentos, suas confissões são nulas por falta de verdadeiro arrependimento, porque como será possível para eles terem verdadeiro arrependimento, quando não conhecem nem detestam seus pecados?

O vício da impureza também traz consigo a obstinação. Para vencer as tentações, especialmente contra a castidade, a oração contínua é necessária. 'Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. Pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca' (Mc 14, 38). Mas como os impuros, que estão sempre procurando novas tentações, poderão orar a Deus para livrá-los da tentação? Eles, às vezes, como Santo Agostinho confessou de si mesmo, abstêm-se da oração, devido ao medo de serem ouvidos e curados da doença, que eles desejam que não acabe. 'Eu temia', disse o santo, 'que Vós irieis em breve ouvir-me e curar-me do pecado da concupiscência, que eu desejava ver saciado, em vez de extinto'. São Pedro chama este vício de pecado insaciável. 'Têm os olhos cheios de adultério e são insaciáveis no pecar' (2 Pdr 2, 14). 

A impureza é chamada de um pecado insaciável por conta da obstinação que ela induz. Alguns viciados nela dizem: Eu sempre confesso este pecado. Tanto pior, porque, como você sempre recai no pecado, essas confissões servem para fazer você perseverar no pecado. O medo da punição é diminuído, dizendo: Eu sempre confesso este pecado. Se você pensasse que esse pecado certamente mereceria o inferno, você dificilmente diria: eu não vou desistir, eu não me importo de ser condenado. Mas o diabo engana você. Ele diz: Cometa esse pecado; depois você o confessará. Mas, para fazer uma boa confissão de seus pecados, você deve ter verdadeira tristeza de coração e um firme propósito de não pecar mais. 

Onde estão essa tristeza e esse firme propósito de emenda, se você sempre volta ao vômito? Se você tivesse essas disposições, e tivesse recebido a graça santificante em sua confissão, você não teria recaído ou, pelo menos, você deveria ter se abstraído por um tempo considerável antes de recair. Você sempre caiu no pecado, em oito ou dez dias, e talvez em um tempo menor, após a confissão. Que sinal é esse? É um sinal de que você estava sempre em inimizade com Deus. Se um homem doente imediatamente vomita o remédio que ele toma, é um sinal de que a doença é incurável. São Jerônimo diz que o vício da impureza, quando habitual, cessará quando o infeliz homem que se entrega a ele for lançado no fogo do inferno. 'Oh, fogo infernal, luxúria, cujo combustível é a gula, cujas faíscas são as breves conversas, cujo fim é o inferno'. Os impuros se tornam como o abutre que se deixa ser morto pelo caçador em vez de abandonar a podridão dos corpos de que se alimenta (...). 

(Excertos da obra 'Sobre o Vício da Impureza', de Santo Afonso Maria de Ligório)