segunda-feira, 31 de março de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (X)

P. 21 - Como se demonstra que se um homem resistir ou negligenciar as graças de Deus, elas lhe serão tiradas? E ainda: se ele se perder, que a culpa é sua?

Isto também é manifesto em toda a Escritura, mas para que este ponto possa ser completamente compreendido, devemos considerar as diferentes consequências fatais que fluem de um abuso obstinado destas graças.

(i) Estas graças são retiradas deles; não, de fato, de uma só vez, pois Deus, em sua infinita misericórdia, espera pacientemente pelos pecadores, e repete os seus esforços para sua conversão; mas se eles ainda resistem ou abusam de suas graças, estas são diminuídas e dadas mais raramente. Assim diz o nosso Salvador do servo inútil: 'Tirai-lhe a moeda... porque ao que não tem, até o que tem lhe será tirado' (Lc 19,24.26). Como assim? Se ele não tem, como é que alguma coisa lhe pode ser tirada? O sentido é: aquele que não melhorou o que tem, até o que tem lhe será tirado. O mesmo é repetido em várias outras ocasiões.

(ii) Quanto mais as graças de Deus são enfraquecidas ou retiradas dos pecadores por seu repetido abuso delas, mais suas paixões são fortalecidas em seus corações, adquirindo maior domínio sobre eles, até que finalmente se tornam seus miseráveis escravos; 'Meu povo não ouviu minha voz' - diz o Deus Todo-Poderoso - 'Israel não me ouviu: então eu os deixei ir de acordo com os desejos de seu coração; eles andarão em suas próprias invenções (Sl 80,12). E São Paulo assegura-nos que, embora os sábios entre as nações pagãs, pela luz da própria razão, chegaram a um claro conhecimento da existência de Deus e do seu poder e divindade, mas 'porque, conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato... Por isso, Deus os entregou aos desejos dos seus corações, à imun­dície' (Rm 1,21.24).

(iii) Se a obstinação deles ainda aumenta, e eles continuam a fechar os olhos para a luz da verdade que Deus lhes oferece, Ele então permite que eles sejam seduzidos pela falsidade, por 'dar ouvidos a espíritos de erro e doutrinas de demônios' (1Tm 4,1). Assim, 'Ele usará de todas as seduções do mal com aqueles que se perdem, por não terem cultivado o amor à verdade que os teria podido salvar. Por isso, Deus lhes enviará um poder que os enganará e os induzirá a acreditar no erro. Desse modo, serão julgados e condenados todos os que não deram crédito à verdade, mas consentiram no mal' (2T 2,10-12). 10. Este texto forte mostra claramente duas grandes verdades; primeiro, que Deus oferece a verdade a todos; e, segundo, que a fonte da condenação deles é inteiramente deles mesmos, ao se recusarem a recebê-la.

(iv) Se, portanto, eles ainda continuarem em sua perversidade, e morrerem em seus pecados, uma terrível condenação será sua porção para sempre; para eles 'Por isso, jurei na minha cólera: não hão de entrar no lugar do meu repouso (Sl 94,11). Sobre eles, Ele pronuncia aquela terrível sentença: 'Uma vez que recusastes o meu chamado e ninguém prestou atenção quando estendi a mão, uma vez que negligenciastes todos os meus conselhos e não destes ouvidos às minhas admoestações, também eu rirei do vosso infortúnio e zombarei, quando vos sobrevier um terror, quando vier sobre vós um pânico, como furacão; quando se abater sobre vós a calamidade, como a tempestade; e quando caírem sobre vós tribulação e angústia. Então me chamarão, mas não responderei; eles me procurarão, mas não atenderei. Porque detestam a ciência sem lhe antepor o temor do Senhor, porque repelem meus conselhos com desprezo às minhas exortações; comerão do fruto dos seus erros e se saciarão com seus planos, porque a apostasia dos tolos os mata e o desleixo dos insensatos os perde' (Pv 1, 24-32). 

A condenação deles é prefigurada na de Jerusalém, que havia sido rebelde a todos os apelos de Deus, e sobre cujo destino nosso Salvador lamenta com estas palavras tocantes: 'Jerusalém, Jerusalém! Que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados; quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! Eis que a tua casa te será deixada deserta' (Mt 23,37-38). 'Eu quis, e tu não quiseste!' Este é o grande crime cometido por eles. 'Enviei-vos os meus profetas e servos, as minhas graças, luzes e intenções sagradas, mas vós os matastes e destruístes, e não lhes destes ouvidos!' O destino miserável de todos esses infelizes pecadores, prefigurado em Jerusalém, arrancou lágrimas dos olhos de Jesus, quando Ele chorou sobre aquela cidade e disse: 'Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz! Mas não, isso está oculto aos teus olhos. Virão sobre ti dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; eles destruirão a ti e a teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada' (Lc 19,42-44). São aqueles que, tendo sido convidados para a ceia nupcial do grande Rei, rejeitaram o seu convite e mataram os seus servos; por isso 'Ele enviou os seus exércitos e destruiu aqueles assassinos, e queimou a sua cidade' (Mt 22,7), declarando depois que 'o banquete está pronto, mas os convidados não foram dignos' (Mt 22,8).

P. 22 - Qual é a consequência de todas essas verdades?

A consequência é muito clara, a saber: embora Deus Todo-Poderoso tenha se agradado em ordenar que ninguém será salvo uma vez que não tenha a verdadeira fé em Jesus Cristo, e não esteja em comunhão com a sua santa Igreja, ainda assim isso não é de forma alguma inconsistente com a infinita bondade de Deus, porque Ele dá a todos as graças suficientes, pelas quais eles podem, se corresponderem a elas, ser trazidos para a verdadeira fé e Igreja de Cristo; e que, se alguém se perde, não é devido a qualquer falta de bondade em Deus, mas ao seu próprio abuso das graças que lhes foram concedidas. A alguns, na verdade, Ele concede essas graças mais abundantemente, dando-lhes cinco talentos; a outros, Ele dá mais parcimoniosamente, dois talentos e a outros apenas um; mas Ele dá a todos o suficiente para suas necessidades atuais, e dará mais se estas forem melhoradas, até que finalmente Ele os leve ao conhecimento da verdade e à salvação.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

domingo, 30 de março de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Provai e vede quão suave é o Senhor!' (Sl 33)

Primeira Leitura (Js 5,9a.10-12) - Segunda Leitura (2Cor 5,17-21) -  Evangelho (Lc 15,1-3.11-32)

  30/03/2025 - QUARTO DOMINGO DA QUARESMA

PAI DE MISERICÓRDIA


Neste Quarto Domingo da Quaresma, São Lucas nos mostra uma das páginas mais belas dos Evangelhos, que é a parábola do filho pródigo. Que poderia muito bem ser a parábola da verdadeira conversão. Ou, com muito mais correção e sentido espiritual, a parábola do pai de misericórdia. Três personagens: o filho mais velho e o filho mais novo que, em meio às dolorosas experiências da vida humana, se reencontram no grande abraço da misericórdia do pai.

Com a parte da herança que lhe cabe, o 'filho mais novo' opta pelo caminho fácil e tortuoso dos prazeres e vícios humanos, dos instintos insaciados, do vazio do mal. E esbanja, na via dolorosa do pecado, os bens que possuía: a alma pura, o coração sincero, os nobres sentimentos, a fortuna da graça. E, a cada passo, se afunda mais e mais no lodo das paixões humanas desregradas, da vida consumida no nada. Mas, eis que chega o tempo da reflexão madura, da conversão sincera, do caminho de volta ao Pai: 'Pequei contra ti; já não mereço ser chamado teu filho' (Lc 15, 18-19).

O pai nem ouve as palavras do filho pródigo; no abraço da volta, somente ecoa pelos tempos a misericórdia de Deus: 'Haverá maior alegria no Céu por um pecador que fizer penitência que por noventa e nove justos que não necessitem de arrependimento' (Lc 15, 7). Diante do filho que volta, um coração de misericórdia aniquila a justiça da razão: 'Trazei depressa a melhor túnica para vestir o meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés' (Lc, 15, 22). Como as talhas de água que se tornam vinho, a conversão verdadeira apaga e aniquila o mal desejado e consumido outrora: na reconciliação de agora desfaz-se em pó as misérias passadas de uma vida de pecado.

O 'filho mais velho' não se move por igual misericórdia e se atém aos limites difusos da justiça humana. Na impossibilidade absoluta de compreender o júbilo do pai com o filho que volta, faz-se vítima e refém da soberba e do orgulho humano: 'tu nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos' (Lc, 15,29). O filho mais novo, que estava tão longe, está lá dentro outra vez. E o filho mais velho, que sempre lá esteve, recusa-se agora a entrar na casa do pai. Tal como no caso do primeiro filho, o pai de misericórdia vem, mais uma vez, buscar a ovelha desgarrada no filho mais velho que está fora e não quer entrar. Porque Deus, pura misericórdia, quer salvar a todos os seus pobres filhos afastados de casa e espera, com paciência e amor infinitos, a volta dos filhos pródigos e a volta dos seus filhos que creem apenas na justiça dos homens.

sábado, 29 de março de 2025

QUE MINHA ALMA LOUVE AS MISERICÓRDIAS DE DEUS!

Que minha alma te bendiga, Senhor Deus, meu criador, e do mais íntimo do meu ser, sejam louvadas as tuas misericórdias com que gratuitamente me envolveu tua imensa piedade! Dou graças, onde e sempre que posso, à tua infinita misericórdia. Com ela louvo e glorifico a tua generosa paciência com que encobriste todos os anos de minha infância e meninice, adolescência e juventude, até perto dos vinte e cinco anos. Anos vividos com tão cega insensatez que, por pensamentos, atos e palavras, fazia sem remorsos, assim me parece agora, tudo o que queria, onde quer que podia. Se não me previnisses pelo inato horror ao mal e gosto pelo bem, pela exortação exterior das pessoas circunstantes, teria vivido como pagã entre os pagãos. Nunca teria, então, entendido que tu, meu Deus, recompensas o bem e castiga o mal. No entanto, desde a infância, isto é, os cinco anos, tu me tinhas escolhido para me admitir entre os mais fiéis dos teus amigos na prática da santa religião.

Por isto, Pai amantíssimo, como reparação, eu te ofereço a paixão do teu dileto Filho, desde a hora em que deu o primeiro vagido, deitado nas palhas da manjedoura e, em seguida, suportou as fraquezas da infância, os limites da meninice, as adversidades da adolescência e os sofrimentos juvenis, até a hora em que, inclinando a cabeça na cruz, entregou o espírito com um forte grito. Da mesma forma, em satisfação de todas as negligências, ofereço-te, Pai amantíssimo, a mais santa das vidas, perfeitíssima em todos os pensamentos, palavras e atos, a vida de teu Unigênito, desde o instante em que, enviado das alturas do teu trono, entrou em nosso mundo, até depois daquela hora em que apresentou a teus paternos olhos a glória da carne vencedora.

Em ação de graças, mergulhando no profundo abismo da humildade, cubro de louvores tua mais que excelente misericórdia. Ao mesmo tempo adoro a suavíssima benignidade com que tu, Pai das misericórdias, pensaste pensamentos de paz e não de aflição sobre mim que vivia tão desorientada, e com que me exaltarias com a multidão e grandeza de teus benefícios. Acrescentaste ainda para mim o dom da familiaridade inestimável da amizade. De diversos modos me abriste a nobilíssima arca da divindade, quero dizer, teu coração divinizado, para a satisfação de todos os meus desejos.

Além de tudo isto, atraíste minha alma com as promessas tão firmes de benefícios com que queres me cumular na morte e depois da morte. Com toda razão, se não recebesse de ti nenhum outro dom, só por elas o meu coração com viva esperança ansiaria sem cessar por ti.

(Excertos da obra 'Dos livros das Revelações do Amor Divino', de Santa Gertrudes de Hefta)

sexta-feira, 28 de março de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XX)


93. Esforcemo-nos com todas as nossas forças para adquirir esta santa humildade; e se, com a ajuda de Deus, conseguirmos possuí-la apenas na medida em que o nosso estado de vida o exija, então ou alcançaremos impercetivelmente todas as outras virtudes ou esta humildade, por si só, bastará para compensar todas as nossas deficiências. Muitas pessoas desejam possuir a castidade ou a caridade, a doçura ou a paciência, ou qualquer outra virtude de que sejam mais necessitadas, e estão muito ansiosas por saber como devem adquiri-la; consultam vários diretores espirituais para saber que meios devem tomar, mas muito poucos exercem a devida prudência na escolha desses meios.

Desejais conhecer os meios mais eficazes para adquirir essas virtudes? Começai então por procurar adquirir a humildade; impregnai-vos de humildade, e vereis que todas as outras virtudes se seguirão sem qualquer esforço da vossa parte, e exclamareis com grande alegria 'com ela me vieram todos os bens' [Sb 7,11]. E mesmo quando, devido à fragilidade da tua própria natureza, fores deficiente em alguma virtude particular, humilha-te e essa humildade compensará plenamente as tuas outras deficiências.

Há quem se perturbe porque as suas orações estão cheias de distrações. Isso provém do orgulho, que é bastante presunçoso para se espantar com a fraqueza e a impotência do espírito. Quando perceberdes que o vosso pensamento está a divagar, fazei um ato de humildade e exclamai: 'Ó meu Deus, que criatura abjeta sou eu, não podendo fixar o meu pensamento em Vós, nem sequer por alguns instantes'. Renovai este ato de humildade todas as vezes que estas distrações ocorrerem e, se está escrito sobre a caridade que 'ela cobre uma multidão de pecados' (1Pd 4,8), o mesmo se aplica à humildade e contribui grandemente para a nossa perfeição. 'O próprio conhecimento da nossa imperfeição' - diz Santo Agostinho - 'tende ao louvor da humildade' [Lib. 3 ad Bonif., c. vii].

94. Temos mais oportunidades de praticar a humildade do que qualquer outra virtude. Quantas ocasiões temos de nos humilhar secretamente, em todos os lugares, em todos os momentos, em todas as ocasiões: para com Deus, para com os nossos semelhantes e até para conosco mesmos! Em relação a Deus: de quanto nos devemos envergonhar na nossa ignorância e ingratidão para com Ele, recebendo como recebemos contínuos benefícios da sua infinita bondade. Conhecendo a sua suprema e infinita majestade, merecedora de todo o temor; a sua infinita bondade, digna de todo o amor; quanto nos devemos humilhar ao pensar no pouco temor e amor que lhe temos! Em relação ao nosso próximo: se ele for mau, podemos humilhar-nos, pensando que somos capazes de nos tornarmos subitamente piores do que ele, e que, de fato, podemos considerar-nos já piores, se o orgulho predominar em nós. Se ele for bom, devemos humilhar-nos pensando que ele corresponde melhor do que nós à graça de Deus e é melhor do que nós por causa da sua humildade de coração. Em relação a nós mesmos, nunca nos faltam ocasiões de humildade quando recordamos os nossos pecados passados, ou consideramos as faltas que cometemos atualmente na nossa vida cotidiana, ou ainda quando refletimos sobre as nossas boas obras, todas elas manchadas de imperfeição, ou quando pensamos no futuro tão cheio de tremendas incertezas: 'Sei viver na penúria, e sei também viver na abundância' [Fp 4,12], diz São Paulo. É necessário que criemos o bom hábito de renovar frequentemente estes atos interiores de humildade. A humildade não é mais do que um hábito virtuoso, mas como adquiri-lo sem fazer repetidos atos de humildade? Como o hábito da humildade, o hábito do orgulho é adquirido pela repetição frequente de seus atos e, à medida que o hábito da humildade se fortalece, o hábito contrário do orgulho se enfraquece e diminui.

95. Lúcifer só pecou uma vez por orgulho de pensamento. Não deveríamos, pois, considerar-nos piores do que Lúcifer, uma vez que o nosso orgulho tornou-se habitual pela repetição frequente de seus atos? Não nos consideramos orgulhosos porque não nos parece que sejamos suficientemente imprudentes em nossas mentes para acreditar que nos assemelhamos a Deus ou para nos rebelarmos contra Deus; mas este é o maior erro que podemos cometer, porque estamos cheios de orgulho e não reconheceremos que somos orgulhosos. Mesmo que não tenhamos orgulho suficiente para nos revoltarmos, para pensarmos ou falarmos contra Deus, devemos estar plenamente conscientes de que o orgulho que nos leva a agir é muito pior do que o orgulho do pensamento, e é aquele orgulho que é tão condenado por São Paulo: 'Eles professam que conhecem a Deus, mas em suas obras o negam' [Tt 1,16].

Como é grande o nosso amor-próprio! Será que alguma vez mortificamos as nossas paixões por amor de Deus, como Ele próprio ordenou? Quantas vezes preferimos seguir a nossa própria vontade em vez da vontade de Deus, e como a sua vontade é contrária à nossa, colocamo-nos em oposição a Ele e desejamos obter a nossa própria vontade em vez de cumprir a sua, valorizando mais a satisfação dos nossos desejos do que a obediência que devemos a Deus! Não será este um orgulho pior do que o de Lúcifer? Pois Lúcifer só queria igualar-se a Deus, ao passo que nós queremos elevar a nossa vontade acima da de Deus. Deves humilhar-te, ó minha alma, até abaixo de Lúcifer, e confessar que és mais orgulhosa do que ele!

96. Podemos comparar-nos àqueles que, sofrendo de mau hálito em consequência de alguma doença, tornam-se desagradáveis aos que deles se aproximam, embora eles próprios não o saibam. Da mesma forma, quando estamos corrompidos pelo orgulho interior, exalamos os sinais exteriores dele em nossas palavras, olhares e gestos e de mil outras maneiras, conforme a ocasião e, no entanto, embora nosso orgulho seja visível para todos os que se aproximam de nós, nós mesmos o ignoramos. Os que me conhecem consideram-me orgulhoso, e não se enganam, pois demonstro isso pela minha vaidade, arrogância, petulância e altivez. Só eu não me conheço tal como sou e se me questiono: sou orgulhoso? 'Não', respondo, oferecendo a mim próprio um incenso que é mais nauseabundo do que qualquer outra coisa.

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 27 de março de 2025

LEITURAS PARA OS TEMPOS DA QUARESMA

 Postagens Especiais na Aba Lateral Direita do Blog:



quarta-feira, 26 de março de 2025

O PERDÃO NOSSO DE CADA DIA

Cristo acrescentou claramente uma lei que nos obriga a determinada condição: que peçamos a remissão das dívidas, se nós mesmos perdoarmos aos nossos devedores, sabendo que não podemos alcançar o perdão pedido a não ser que façamos o mesmo em relação aos que nos ofendem. Por esta razão, diz em outro lugar: Com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos. E aquele servo que, perdoado de toda a dívida por seu senhor, mas não quis perdoar o companheiro, foi lançado ao cárcere. Por não ter querido ser indulgente com o companheiro, perdeu a indulgência com que fora tratado por seu senhor.

Cristo propõe o perdão com preceito mais forte e censura ainda mais vigorosa: quando fordes orar, perdoai se tendes algo contra outro, para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe os pecados. Se, porém, não perdoardes, também vosso Pai, que está nos céus, não vos perdoará os pecados. Não te restará a menor desculpa no dia do juízo, quando serás julgado de acordo com tua própria sentença e o que tiveres feito, o mesmo sofrerás.

Deus ordenou que sejamos pacíficos, concordes e unânimes em sua casa. Mandou que sejamos tais como nos tornou pelo segundo nascimento; assim também ele nos quer renascidos e perseverantes. Deste modo nós, filhos de Deus, permaneçamos na paz de Deus e os que possuem um só Espírito tenham uma só alma e um só coração.

Deus não aceita o sacrifício do que vive em discórdia e ordena deixar o altar e ir primeiro reconciliar-se com o irmão, para que, com preces pacíficas, possa Deus ser aplacado. Maior serviço para Deus é a nossa paz e concórdia fraterna e o povo que foi feito uno pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Nos sacrifícios que Abel e Caim foram os primeiros a oferecer, Deus não olhava os dons, mas os corações, de forma que lhe agradava pelo dom aquele que lhe agradava pelo coração. Abel, pacífico e justo, sacrificando com inocência a Deus, ensinou os outros a depositar seus dons no altar com temor de Deus, simplicidade de coração, empenho de justiça e de concórdia. Aquele que assim procedeu no sacrifício de Deus tornou-se merecidamente sacrifício para Deus. Sendo o primeiro a dar a conhecer o martírio, iniciou pela glória de seu sangue a paixão do Senhor, por ter mantido a justiça e a paz do Senhor. Esses serão, no fim, coroados pelo Senhor; esses, no dia do juízo, triunfarão com o Senhor.

Quanto aos discordantes, aos dissidentes, aos que não mantêm a paz com os irmãos, mesmo que sejam mortos pelo nome de Cristo, não poderão, conforme o testemunho do santo Apóstolo e da Sagrada Escritura, escapar do crime de desunião fraterna, pois está escrito: Quem odeia seu irmão é homicida. Não chega ao reino dos céus nem vive com Deus um homicida. Não pode estar com Cristo quem preferiu a imitação de Judas à de Cristo.

(Excertos da obra 'Tratado sobre a Oração do Senhor', de São Cipriano)

terça-feira, 25 de março de 2025

ORAÇÃO PARA ANTES DA COMUNHÃO


Deus eterno e todo-poderoso, eis que me aproximo do sacramento do vosso Filho único, Nosso Senhor Jesus Cristo. Impuro, venho à fonte da misericórdia; cego, à luz da eterna claridade; pobre e indigente, ao Senhor do céu e da terra. Imploro, pois, a abundância da vossa liberalidade, para que vos digneis curar a minha fraqueza, lavar as minhas manchas, iluminar a minha cegueira, enriquecer a minha pobreza, vestir a minha nudez.

Que eu receba o Pão dos Anjos, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, com o respeito e a humildade, a contrição e a devoção, a pureza e a fé, o propósito e a intenção que convêm à salvação da minha alma.

Dai-me que receba não só o sacramento do Corpo e do Sangue do Senhor, mas também o seu efeito e a sua força. Ó Deus de mansidão, fazei-me acolher com tais disposições o Corpo que o vosso Filho único, Nosso Senhor Jesus Cristo, recebeu da Virgem Maria, que seja incorporado ao seu Corpo Místico e contado entre os seus membros. 

Ó Pai cheio de amor, fazei que, recebendo agora o vosso Filho sob o véu do sacramento, possa na eternidade contemplá-la face a face. Vós, que viveis e reinais na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém.

(São Tomás de Aquino)

segunda-feira, 24 de março de 2025

domingo, 23 de março de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'O Senhor é bondoso e compassivo' (Sl 102)

Primeira Leitura (Ex 3,1-8a.13-15) - Segunda Leitura (1Cor 10,1-6.10-12) -  Evangelho (Lc 13,1-9)

  23/03/2025 - TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA

A FIGUEIRA ESTÉRIL

Neste Terceiro Domingo da Quaresma, o Evangelho nos exorta a viver contínua e decididamente o caminho da plena conversão. E a busca da conversão exige de nós o afastamento incondicional do pecado e a via da santificação plena, como receptáculos abertos a toda a graça de Deus. Entre a retidão de nossos propósitos e a misericórdia do Pai, encontra-se o nosso lugar no portal da eternidade.

E Jesus nos fala primeiro que a grande tragédia humana é o pecado: 'Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa?' (Lc 13,2). Jesus falava dos galileus que tinham sido assassinados no templo por ocasião da Páscoa, a mando de Pilatos. Ele mesmo responderia que não, da mesma forma que não eram mais pecadores as 18 pobres vítimas da queda da torre de Siloé. A justiça divina não é amalgamada pelo castigo em si, mas pela resistência persistente e obstinada aos tesouros da graça. Não são desgraçados os que morrem em tragédias humanas, são miseráveis os que perdem a alma e a vida eterna consumidos na tragédia pessoal de apenas querer ganhar o mundo. 'Se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo' (Lc 13, 5).

Jesus ratifica estes ensinamentos com a parábola da figueira estéril, que não produz bons frutos, ano após ano, símbolo da alma fechada a todas as graças recebidas. Mas o Senhor busca incessantemente a volta da ovelha desgarrada e a espera e a consome de favores e bênçãos, porque o 'Senhor é indulgente, é favorável, é paciente, é bondoso e compassivo' (Sl 102). É como o vinhateiro que nunca descuida da planta bruta, cultiva o solo, dispõe o adubo, rega a terra, acompanha ciosa e pacientemente os seus primeiros frutos. No nosso caminho de vida espiritual, o vinhateiro é o próprio Cristo, é Nossa Senhora, é a Santa Igreja, são os santos intercessores, é o nosso próprio Anjo da Guarda. Um derramamento abundante de graças à espera de nosso arrependimento sincero, de nossa dor ao pecado, de nossa conversão definitiva.

Mas o Evangelho termina também com uma determinação explícita: 'Se (a figueira) não der (fruto), então tu a cortarás’ (Lc 13,9). Assim, uma vez desprezados todos os limites da graça e tornados vãos todos os esforços do vinhateiro, a figueira torna-se inútil e a tragédia humana se consome na perda eterna das almas criadas para a glória de Deus.

sábado, 22 de março de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCVIII)

 

Capítulo XCVIII

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - Estímulo à Devoção e Probabilidade do Purgatório - Meios de se Evitar o Purgatório - Conselho de Santa Catarina de Gênova

Se os santos religiosos passam pelo Purgatório, embora não fiquem retidos nele, não devemos temer que não só passemos por ele, mas também permaneçamos por mais ou menos tempo? Podemos viver numa segurança que seria, para dizer o mínimo, muito imprudente? A nossa fé e a nossa consciência dizem-nos que o nosso medo do Purgatório é bem fundamentado. Vou ainda mais longe, caro leitor, e digo que, com um pouco de reflexão, tu mesmo deves reconhecer que é muito provável, e quase certo, que irás para o Purgatório. Não é verdade que, ao deixar esta terra, a tua alma entrará numa dessas três moradas que a fé nos indica: Inferno, Céu ou Purgatório? Ireis para o Inferno? Não é provável, porque tendes horror ao pecado mortal, e por nada no mundo o cometeríeis, nem o teríeis na consciência depois de o terdes cometido. Ireis para o Céu? Respondeis imediatamente que vos julgais indignos de tal favor. Resta, então, o Purgatório; e deveis reconhecer que é muito provável, quase certo, que ireis para esse lugar de expiação.

Ao colocar esta grave verdade diante dos vossos olhos, não penseis, caro leitor, que queremos assustar-vos, ou tirar-vos toda a esperança de entrar no Céu sem o Purgatório. Pelo contrário, esta esperança deve permanecer sempre profundamente impressa nos nossos corações, pois é o espírito de Jesus Cristo, que não deseja de modo algum que os seus discípulos tenham necessidade de uma expiação futura. Ele até instituiu sacramentos e estabeleceu todos os tipos de meios para nos ajudar a fazer plena satisfação neste mundo. Mas esses meios são muitas vezes negligenciados; e é especialmente por um temor salutar que somos estimulados a fazer uso deles.

Ora, quais são os meios que devemos empregar para evitar, ou pelo menos abreviar, o nosso Purgatório e atenuar o seu rigor? São, evidentemente, os exercícios e as boas obras que mais nos ajudam a satisfazer as nossas faltas neste mundo e a encontrar misericórdia diante de Deus, a saber: a devoção à Santíssima Virgem Maria e a fidelidade no uso do seu escapulário; a caridade para com os vivos e os mortos; a mortificação e a obediência; a piedosa recepção dos sacramentos, especialmente quando se aproxima a morte; a confiança na Divina Misericórdia; e, finalmente, a santa aceitação da morte em união com a morte de Jesus na cruz.

Estes meios são suficientemente poderosos para nos preservar do Purgatório, mas é preciso fazer uso deles. Ora, para empregá-los seriamente e com perseverança, uma condição é necessária: formar uma firme resolução de satisfazer [o purgatório pessoal] neste mundo e não no outro. Essa resolução deve ser baseada na fé, que nos ensina quão fácil é a satisfação nesta vida, quão terrível é o Purgatório. Enquanto estiveres no caminho com o teu adversário, diz Jesus Cristo, faze um acordo com ele, para que, porventura, o teu adversário não te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e sejas lançado na prisão. Em verdade vos digo que não sairás dali até que pagueis o último ceitil (Mt 5,25).

Reconciliarmo-nos com o nosso adversário no caminho significa, na boca de Nosso Senhor, apaziguar a Justiça Divina, e satisfazermo-nos no caminho da vida, antes de chegarmos àquele fim imutável, àquela eternidade onde toda a penitência é impossível, e onde teremos de nos submeter a todos os rigores da Justiça. Não é este conselho do nosso Divino Salvador muito sábio?

Poderemos comparecer diante do tribunal de Deus, carregados de uma dívida enorme, que poderíamos tão facilmente ter saldado com algumas obras de penitência, e que depois teremos de pagar com anos de tormento? 'Aquele que se purifica de suas faltas na vida presente' - diz Santa Catarina de Gênova - 'satisfaz com um centavo uma dívida de mil ducados; e aquele que espera até a outra vida para saldar suas dívidas, consente em pagar mil ducados por aquilo que antes poderia ter pago com um centavo'. Devemos, portanto, começar com a firme e eficaz resolução de dar satisfação neste mundo; essa é a pedra fundamental. Uma vez lançado esse alicerce, devemos empregar todos os meios acima enumerados.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

sexta-feira, 21 de março de 2025

SOBRE A ATIVIDADE HUMANA NO MUNDO

Por seu trabalho e inteligência, o homem procurou sempre desenvolver mais a sua vida. Hoje em dia, porém, ajudado antes de tudo pela ciência e pela técnica, ele estendeu continuamente o seu domínio sobre quase toda a natureza; e, principalmente, graças aos meios de transporte de toda espécie entre as nações, a família humana pouco a pouco se regulariza e se constitui como uma só comunidade no mundo inteiro. Por isso, muitos bens que o homem esperava antigamente obter sobretudo de forças superiores, hoje os conseguem pelos seus próprios meios.

Diante deste enorme esforço, que já penetra em toda a humanidade, surgem muitas perguntas entre os homens. Qual é o sentido e o valor desta atividade? Como todas essas coisas devem ser usadas? Quais são esses esforços, sejam eles individuais ou coletivos? A Igreja, guardiã do depósito da palavra de Deus, que é a fonte dos seus princípios de ordem religiosa e moral, embora ainda não tenha uma resposta imediata para todos os problemas, deseja no entanto unir a luz da revelação à competência de todos, para iluminar o caminho no qual a humanidade entrou recentemente.

Para os fiéis é pacífico que a atividade humana individual e coletiva, aquele imenso esforço com que os homens, no decorrer dos séculos, buscaram melhorar suas condições de vida, consideradas em si mesmo, correspondem ao plano de Deus. Com efeito, o homem, criado à imagem de Deus, recebeu a missão de dominar a terra com tudo o que ela contém e de governar o mundo na justiça e na santidade, isto é, confirmando a Deus como Criador de todas as coisas, orientando para ele o seu ser e todo o universo; assim, com todas as coisas impostas ao homem, o nome de Deus seja glorificado na terra inteira.

Isto diz respeito também aos trabalhos cotidianos. Pois os homens e as mulheres que, ao procurarem o sustento para si e suas famílias, exercem suas atividades de maneira a bem servir à sociedade, têm razão para ver no seu trabalho um prolongamento da obra do Criador, um serviço aos seus irmãos e uma contribuição pessoal para a realização do plano de Deus na história.

Portanto, bem longe de pensar que as obras produzidas pelo talento e esforço dos homens se opõem ao poder de Deus, ou consideram a criatura racional como rival do Criador, os cristãos, pelo contrário, são reforçados de que as vitórias do gênero humano são um sinal da grandeza de Deus e fruto dos seus inefáveis ​​​​desígnios. Quanto mais, porém, cresce o poder dos homens, tanto mais aumenta a sua responsabilidade, seja pessoal seja comunitária. Conclui-se, pois, que a mensagem cristã não afasta os homens da tarefa de construir o mundo nem os leva a negligenciar o bem de seus semelhantes; mas, antes, os impele a sentir esta obrigação como um verdadeiro dever.

(Excertos da Constituição Pastoral Gaudium et Spes)

quinta-feira, 20 de março de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (IX)

P. 19 - Esta é, de fato, uma prescrição completa da bondade Divina; mas há algumas partes dela que precisam ser explicadas; primeiro, como as Escrituras nos apresentam que Deus dá a toda a humanidade as graças aqui mencionadas com vista à sua salvação?

Isto é manifesto a partir de três fortes razões registadas nas Escrituras: Primeiro, as Escrituras asseguram-nos que Deus quer que todos os homens sejam salvos, e que nenhum se perca. Assim, 'por minha vida' - diz o Senhor Deus - 'não quero a morte do ímpio, mas que o ímpio se converta do seu caminho e viva' (Ez 33,11). Assim declara nosso Salvador: 'Não é da vontade de nosso Pai, que está nos céus, que um só destes pequeninos pereça' (Mt 18,14). 'Deus tem paciência por vós' - diz São Pedro - 'não querendo que nenhum pereça, mas que todos se arrependam' (2Pd 3,9). E São Paulo afirma-o expressamente: 'Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade' (1Tm 2,4). Ele quer que todos os homens se salvem e que cheguem ao conhecimento da verdade, como condição essencial da salvação. Ora, desta vontade sincera de Deus para a salvação de todos os homens, segue-se como consequência necessária que Ele dá a todos os homens tais ajudas da sua graça que são suficientes, se eles fizerem um bom uso delas, para levá-los tanto ao conhecimento da verdade quanto à salvação; pois como eles são absolutamente incapazes de dar qualquer passo em direção a este fim sem a sua ajuda, se Ele quer este propósito, Ele deve também aplicar os meios de tal maneira que, se o fim não for realizado, não é devido a Ele. Se Deus não fizesse isso, não poderíamos concebê-lo afirmando que Ele quer que todos os homens sejam salvos e que não quer a morte dos ímpios.

Em segundo lugar, as Escrituras declaram que Jesus Cristo morreu para a redenção de toda a humanidade, sem exceção. Assim, 'Jesus Cristo deu-se a si mesmo em redenção por todos' (1Tm 2,6). 'Se um morreu por todos, logo todos estão mortos, e Cristo morreu por todos' (2CorR 5,15). 'Esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis' (1Tm 4,10). 'Se alguém pecar, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o justo, e Ele é a propiciação pelos nossos pecados; e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo' (1Jo 2,1). Por isso, São João Batista disse dele: 'Eis o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo' (Jo 1,29). E Ele mesmo diz: 'O pão que Eu darei é a Minha carne, para a vida do mundo' (Jo 6,52). E mais: 'O Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido' (Lc 19,10) e 'Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo' (Jo 12,47). São Paulo diz ainda: 'Uma palavra fiel e digna de toda a aceitação, que Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores' (1Tm 1,15). Mas como todos estavam perdidos, como todos, sem exceção, eram pecadores, portanto Jesus Cristo veio para procurar e salvar todos. Agora, disto também se segue, como uma consequência necessária, que todos, sem exceção, devem receber, em algum grau ou outro, tais frutos e benefícios da sua redenção, seja direta ou indiretamente, mediata ou imediatamente, como são suficientes para obter sua salvação, se eles cooperarem com eles. Se alguém, então, não for realmente salvo, isso não pode ser devido a qualquer deficiência da parte de Jesus Cristo, mas ao seu próprio abuso das suas graças; pois seria trivial dizer que Ele é o Salvador de todos, se todos não recebessem os frutos da sua redenção com vistas à sua salvação.

Em terceiro lugar, as Escrituras asseguram-nos que todos os homens recebem efetivamente de Deus, no grau, maneira e proporção que Ele considera adequados, de acordo com o seu estado atual, tais ajudas das suas graças que lhes permitiriam assegurar a sua salvação, se cooperassem com elas. Pois, em primeiro lugar, Deus Todo-Poderoso, por seu sincero desejo pela salvação de todos, 'enviou o seu Filho ao mundo, para que o mundo pudesse ser salvo por Ele' (Jo 3,17). São Paulo expressa claramente este argumento: 'Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, mas o entregou por todos nós, como não nos deu também com ele todas as coisas?' (Rm 8,32); pelo menos todas as coisas absolutamente necessárias para a nossa salvação, e sem as quais nunca estaria em nosso poder alcançá-la? Ora, como Ele entregou o seu Filho para todos, sem exceção, e com este mesmo objetivo, 'para que o mundo', isto é, toda a humanidade, 'possa ser salva por Ele': portanto, a todos, sem exceção, Ele dá a todos tais ajudas e graças que, mediata ou imediatamente, direta ou indiretamente, colocam em poder deles a salvação.

Por outro lado, as Escrituras declaram que Cristo 'é a verdadeira luz, que ilumina todo homem que vem a este mundo' (Jo 1,9). Conseqüentemente, todo homem que vem a este mundo participa da sua luz em tal grau e proporção que Ele acha apropriado dar e em tal tempo, lugar e maneira que Ele acha adequado. Pois, 'a cada um de nós é dada graça de acordo com a medida da doação de Cristo' (Ef 4,7) e 'manifestou-se a graça de Deus como fonte de salvação para todos os homens' (Tt 2,11). A bondade e a misericórdia de Deus para com toda a humanidade é assim exposta nas Escrituras: 'Tendes compaixão de todos, porque vós podeis tudo; e para que se arrependam, fechais os olhos aos pecados dos homens. Porque amais tudo que existe, e não odiais nada do que fizestes, porquanto, se o odiásseis, não o teríeis feito de modo algum. Como poderia subsistir qualquer coisa, se não o tivésseis querido, e conservar a existência, se por vós não tivesse sido chamada? Mas poupais todos os seres, porque todos são vossos, ó Senhor, que amais a vida.' (Sb 11,23-26). Ora, como se poderia dizer que Ele 'poupa todos os seres' e que 'tem compaixão de todos', por causa do arrependimento, se Ele não desse a todos as graças que são absolutamente necessárias para ajudá-los e levá-los ao arrependimento? 

Finalmente, o próprio Salvador diz: 'Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e me abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo; e ao que vier por acréscimo, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono' (Ap 3,20). Ele bate em todas as portas, em todos os corações, pelos movimentos da sua santa graça; e se qualquer homem abrir e cooperar com esta graça, de modo a se superar, tudo estará bem. Disto é manifesto que todos os homens, sem exceção, em qualquer estado que estejam, em algum momento ou outro recebem graças de Deus, como frutos da redenção de Jesus, com vistas à sua salvação eterna e que, mediata ou imediatamente, os levariam a esse fim, se fizessem um uso adequado delas; se, portanto, não forem salvos, a culpa é inteiramente deles. As graças, na verdade, não são dadas no mesmo grau e proporção a todos, mas 'de acordo com a medida da doação de Cristo', pois 'cada um tem de Deus o seu próprio dom: um este; outro, aquele' (1Cor 7,7). Na distribuição dos talentos, um recebeu cinco, outro dois, e outro apenas um, pois Deus, sendo senhor dos seus próprios dons, pode dar mais abundantemente a um do que a outro, como lhe apraz; mas o que cada um recebe é suficiente para o seu propósito atual, e aquele que recebeu apenas um talento tinha pleno poder de obter a mesma recompensa que os outros dois, se tivesse aperfeiçoado seu talento como eles fizeram; mas como ele foi negligente e inútil, foi justamente condenado pela sua preguiça.

P. 20 - Como se pode demonstrar que, se um homem cooperar com as graças que Deus a ele concede, receberá sempre mais e mais dEle?

Isso é evidente pelos seguintes motivos: (i) pelo próprio fim que Deus tem em dá-las; pois todas as graças que Deus concede ao homem, através dos méritos de Cristo, são dadas com vistas à sua salvação e pelo desejo de salvá-lo. Se o homem não coloca nenhum obstáculo de sua parte, ele pode ser salvo. Se o homem, portanto, não coloca nenhum obstáculo de sua parte, mas melhora a graça presente, o mesmo desejo ardente que Deus tem pela sua salvação, e que o moveu a dar a primeira graça, deve também movê-lo a dar uma segunda, uma terceira, e assim por diante, até que Ele aperfeiçoe a grande obra para a qual Ele as dá; é por isso que a Escritura diz: 'aquele que iniciou em vós esta obra excelente lhe dará o acabamento até o dia de Jesus Cristo' (Fp 1,6). É uma verdade indubitável, então, que Deus nunca falhará de sua parte em nos dar todos os outros auxílios necessários, se fizermos um bom uso daqueles que Ele já deu; pois Ele nunca nos abandonará, se nós não o abandonarmos primeiro. Por isso, o mesmo santo apóstolo nos exorta: 'trabalhai na vossa salvação com temor e tremor... porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar' (Fp 2,12-13), mostrando-nos que Deus não faltará se fizermos a nossa parte, e trabalharmos, com temor e tremor, de acordo com as graças que Ele concede. Daí, também, as frequentes exortações do mesmo apóstolo: 'Não negligenciar a graça de Deus' (1Tm 4,14); 'reavivar a chama do dom de Deus que recebeste' (2Tm 1,6); 'não receber a graça de Deus em vão' (2Cor 6,1) e 'olhar diligentemente para que ninguém tenha falta da graça de Deus' (Hb 12,15).

(ii) pelos testemunhos das Escrituras onde nos é assegurado que, se servirmos a Deus e obedecermos a Ele, avançaremos em seu amor e na união com Ele, pois servi-lo e obedecê-lo é fazer um bom uso das graças que Ele nos dá; e ser mais amado por Ele e unido a Ele é receber dEle graças ainda maiores. Assim, o nosso Salvador diz: 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra' (isto é, fará a minha vontade, corresponderá à minha graça) e 'meu Pai amá-lo-á, e nós viremos a ele e faremos a nossa morada com ele' (Jo 14,23). Assim também São Tiago diz: 'Aproximai-vos de Deus, e ele se aproximará de vós. Lavai as mãos, pecadores, e purificai os vossos corações, ó homens de dupla atitude. Reconhecei a vossa miséria, afligi-vos e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto e a vossa alegria em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará (Tg 4, 8-10). Por isso, São Pedro exorta-nos a não cairmos da nossa própria firmeza, mas a crescermos na graça e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2Pd 3,17-18), porque a perseverança no seu serviço, correspondendo à sua graça, é o caminho seguro para obtermos mais dEle.

(iii) pela declaração expressa de Jesus Cristo, que disse: 'Eu sou a videira, e meu Pai é o lavrador... todo ramo que em mim der fruto, ele o purificará, para que dê mais fruto' (Jo 15,1). Também na parábola das moedas, Ele ordenou que a moeda fosse tirada do servo inútil, e dada ao outro que tinha dez moedas, e então acrescentou: 'a todo aquele que tiver, lhe será dado mais' (Lc 19,26), isto é, a todo aquele que tem e faz bom uso do que tem; pois o patrão, ao partir, deu uma moeda a cada um de seus servos, 'e disse-lhes: negociai o dinheiro até que eu venha' (Lc 19,13). E quando voltou, descobriu que um tinha ganhado dez moedas, mas o servo preguiçoso não tinha ganhado nada, pois tinha guardado a moeda que tinha recebido num guardanapo; de modo que a única diferença entre esses dois era que um tinha melhorado o que tinha recebido de seu mestre, e o outro não; e, portanto, para aquele que tinha melhorado sua renda, mais e mais foi dado, para que tivesse em abundância. A mesma expressão é repetida por nosso Salvador em diferentes ocasiões, mas particularmente em (Mc 4), onde, considerando a grande graça concedida aos judeus, ao comunicar-lhes a sua santa Palavra, Ele os exorta a serem cuidadosos em fazer um amplo retorno a Deus, melhorando essa graça, e prometendo que, se o fizessem, mais lhes seria dado: 'Atendei ao que ouvis: com a medida com que medirdes, vos medirão a vós, e ain­da se vos acrescentará. Pois, ao que tem, se lhe dará; e ao que não tem, se lhe tirará até o que tem' (Mc 4,24-25). Da mesma forma, o Deus Todo-Poderoso diz a todos os pecadores cujos corações Ele toca com as suas repreensões e com o controle de suas consciências: 'Convertei-vos à Minha repreensão; eis que Eu espalharei sobre vós o meu espírito, e vos mostrarei as minhas palavras' (Pv 1,23). Se cooperarem com a graça da sua repreensão e se converterem, Ele conceder-lhes-á maiores favores.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

quarta-feira, 19 de março de 2025

19 DE MARÇO - SÃO JOSÉ

    

São José, esposo puríssimo de Maria Santíssima e pai adotivo de Jesus Cristo, era de origem nobre e sua genealogia remonta a Davi e de Davi aos Patriarcas do Antigo Testa­mento. Pouquíssimo sabemos da vida de José, além de suas atividades de carpinteiro em Nazaré. Mesmo o seu local de nascimento é ignorado: poderia ser Nazaré ou mesmo Belém, por ter sido a cidade de Davi. Ignora-se igualmente a data e as condições da morte de São José, mas existem fortes razões para afirmar que isso deve ter ocorrido an­tes da vida pública de Jesus. Com certeza, José já teria falecido quando da morte de Jesus, uma vez que não se explicaria, então, a recomendação feita aos cuidados mútuos à mãe e ao filho, dados, da cruz, por Jesus a Maria e a São João Evangelista.

Não existem quaisquer relíquias de São José e se desconhece o local do seu sepultamento. Muitos pais da Igreja defendiam que, devido à sua missão e santidade, São José, a exemplo de São João Batista, teria sido consagrado antes do nasci­mento e já gozava de corpo e alma da glória de Deus no céu, em companhia de Jesus e sua santíssima Esposa. As virtudes e as graças concedidas a São José foram extraordinárias, pela enorme missão a ele confiada pelo Altíssimo. A dig­nidade, humildade, modéstia e pobreza, a amizade íntima com Je­sus e Maria e o papel proeminente no plano da Redenção, são atributos e méritos extraordinários que lhe garantem a influência e o poder junto ao tro­no de Deus. Pedir, portanto, a intercessão de São José, é garantia de ser ouvido no mais alto dos céus. Santa Tereza, ardorosa devota de São José, dizia: 'Não me lembro de ter-me dirigido a São José sem que tivesse obtido tudo que pedira'.

A devoção a São José na Igreja Ca­tólica é antiquíssima. A Igreja do Oriente celebra esta festa, desde o século nono, no domingo depois do Natal. Foram os carmelitas que in­troduziram esta solenidade na Igreja Ocidental; os franciscanos, já em 1399, festejavam a comemoração do Santo Pa­triarca. Xisto IV inseriu-a no bre­viário e no missal; Gregório XV ge­neralizou-a em toda a Igreja. Cle­mente XI compôs o ofício, com os hinos, para a celebração da Festa de São José em 19 de março e colocou as missões na China sob a proteção do Santo. Pio IX introdu­ziu, em 1847, a festa do Patrocínio de São José e, em 1871, declarou-o Pa­droeiro da Igreja; muitos pontífices promoveram solenemente a devoção a São José, por meio de orações, homilias, encíclicas e devoções diversas.

terça-feira, 18 de março de 2025

OS GRANDES DOCUMENTOS DA IGREJA (XXIV)

Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos
QUEMADMODUM DEUS [08 de dezembro de 1870]

Papa Pio IX (1846 - 1878)

proclamação de São José como Patrono da Igreja


Da mesma maneira que Deus havia constituído José, gerado do patriarca Jacó, superintendente de toda a terra do Egito para guardar o trigo para o povo, assim, chegando a plenitude dos tempos, estando para enviar à terra o seu Filho Unigênito Salvador do mundo, escolheu um outro José, do qual o primeiro era figura, o fez Senhor e Príncipe de sua casa e propriedade e o elegeu guarda dos seus tesouros mais preciosos.

De fato, ele teve como sua esposa a Imaculada Virgem Maria, da qual nasceu pelo Espírito Santo, Nosso Senhor Jesus Cristo, que perante os homens dignou-se ter sido considerado filho de José, e lhe foi submisso. E Aquele que tantos reis e profetas desejaram ver, José não só viu, mas com Ele conviveu e com paterno afeto abraçou e beijou; e além disso, nutriu cuidadosamente Aquele que o povo fiel comeria como pão descido dos céus para conseguir a vida eterna. Por esta sublime dignidade, que Deus conferiu a este fidelíssimo servo seu, a Igreja teve sempre em alta honra e glória o Beatíssimo José, depois da Virgem Mãe de Deus, sua esposa, implorando a sua intercessão em momentos difíceis.

E agora, nestes tempos tristíssimos em que a Igreja, atacada de todos os lados pelos inimigos, é de tal maneira oprimida pelos mais graves males, a tal ponto que homens ímpios pensam ter finalmente as portas do Inferno prevalecido sobre ela, é que os Veneráveis e Excelentíssimos Bispos de todo o mundo católico dirigiram ao Sumo Pontífice as suas súplicas e as dos fiéis por eles guiados, solicitando que se dignasse constituir São José como Patrono da Igreja Católica. Tendo depois no Sacro Concílio Ecumênico do Vaticano insistentemente renovado as suas solicitações e desejos, o Santíssimo Senhor Nosso Papa Pio IX, consternado pela recentíssima e funesta situação das coisas, para confiar a si mesmo e os fiéis ao potentíssimo patrocínio do Santo Patriarca José, quis satisfazer os desejos dos Excelentíssimos Bispos e solenemente declarou-o Patrono da Igreja Católica, ordenando que a sua festa, marcada em 19 de março, seja de agora em diante celebrada com rito duplo de primeira classe, porém sem oitava, por causa da Quaresma.

Além disso, ele mesmo dispôs que tal declaração, por meio do presente Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, fosse tornada pública neste santo dia da Imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus e Esposa do castíssimo José. Rejeite-se qualquer coisa em contrário.

segunda-feira, 17 de março de 2025

SOBRE O FUNDAMENTO DA FÉ

A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi ela que fez a glória dos nossos antepassados. Pela fé reconhecemos que o mundo foi formado pela Palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível.

Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício bem superior ao de Caim, e mereceu ser chamado justo, porque Deus aceitou as suas ofertas. Graças a ela é que, apesar de sua morte, ele ainda fala. Pela fé Henoc foi arrebatado, sem ter conhecido a morte: e não foi achado, porquanto Deus o arrebatou; mas a Escritura diz que, antes de ser arrebatado, ele tinha agradado a Deus. Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, pois para se achegar a ele é necessário que se creia primeiro que ele existe e que recompensa os que o procuram. 

Pela fé na Palavra de Deus, Noé foi avisado a respeito de aconteci­mentos imprevisíveis; cheio de santo temor, construiu a arca para salvar a sua família. Pela fé ele condenou o mundo e se tornou o herdeiro da justificação mediante a fé. Foi pela fé que Abraão, obedecendo ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança. E partiu não sabendo para onde ia. Foi pela fé que ele habitou na terra prometida, como em terra estrangeira, habitando aí em tendas com Isaac e Jacó, coer­deiros da mesma promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos (eternos), cujo arquiteto e construtor é Deus.

Foi pela fé que a própria Sara cobrou o vigor de conceber, apesar de sua idade avançada, porque acreditou na fidelidade daquele que lhe havia prometido. Assim, de um só homem quase morto nasceu uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu e inumerável como os grãos de areia da praia do mar.

Foi na fé que todos (nossos pais) morreram. Embora sem atingir o que lhes tinha sido prometido, viram-no e o saudaram de longe, confessando que eram só estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Dizendo isto, declaravam que buscavam uma pátria. E se se referissem àquela donde saíram, ocasião teriam de tornar a ela. Mas não. Eles aspiravam a uma pátria melhor, isto é, à celestial. Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o seu Deus; de fato, ele lhes preparou uma cidade.

Foi pela sua fé que Abraão, submetido à prova, ofereceu Isaac, seu único filho, depois de ter recebido a promessa e ouvido as palavras: Uma posteridade com o teu nome te será dada em Isaac. Estava ciente de que Deus é poderoso até para ressuscitar alguém dentre os mortos. Assim, ele conseguiu que seu filho lhe fosse devolvido. E isso é um ensinamento para nós!

Foi inspirado pela fé que Isaac deu a Jacó e a Esaú uma bênção em vista de acontecimentos futuros. Foi pela fé que Jacó, estando para morrer, abençoou cada um dos filhos de José e venerou a extremidade do seu bastão.Foi pela fé que José, quando estava para morrer, fez menção da partida dos filhos de Israel e dispôs a respeito dos seus despojos.

Foi pela fé que os pais de Moisés, vendo nele uma criança encantadora, o esconderam durante três meses e não temeram o edito real. Foi pela fé que Moisés, uma vez crescido, renunciou a ser tido como filho da filha do faraó, preferindo participar da sorte infeliz do povo de Deus, a fruir dos prazeres culpáveis e passageiros. Com os olhos fixos na recompensa, considerava os ultrajes por amor de Cristo como um bem mais precioso que todos os tesouros dos egípcios. 

Foi pela fé que deixou o Egito, não temendo a cólera do rei, com tanta segurança como estivesse vendo o invisível. Foi pela fé que mandou celebrar a Páscoa e aspergir (os portais) com sangue, para que o anjo exterminador dos primogênitos poupasse os filhos de Israel. Foi pela fé que os fez atravessar o mar Vermelho, como por terreno seco, ao passo que os egípcios que se atreveram a persegui-los foram afogados.

Foi pela fé que desabaram as muralhas de Jericó, depois de rodea­das por sete dias. Foi pela fé que Raab, a mere­triz, não pereceu com aqueles que resistiram, por ter dado asilo aos espias. Que mais direi? Irá me faltar o tempo, se falar de Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e dos profetas. Graças à sua fé conquistaram reinos, praticaram a justiça, viram se realizar as promessas. Taparam bocas de leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam a fio de espada, triun­faram de enfermidades, foram corajosos na guerra e puseram em debandada exércitos estrangeiros. Devolveram vivos às suas mães os filhos mortos. Alguns foram torturados, por recusarem ser libertados, movidos pela esperança de uma ressurreição mais gloriosa.

Outros sofreram escárnio e açoites, cadeias e prisões. Foram apedrejados, massacrados, serrados ao meio, mortos a fio de espada. Andaram errantes, vestidos de pele de ovelha e de cabra, necessitados de tudo, perseguidos e maltratados, homens de que o mundo não era digno! Refugiaram-se nas solidões das montanhas, nas cavernas e em antros subterrâneos. E, no entanto, todos estes mártires da fé não conheceram a realização das promessas! Porque Deus, que tinha para nós uma sorte melhor, não quis que eles chegassem sem nós à perfeição (da felicidade).

(Hb 11,1-40)

domingo, 16 de março de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'O Senhor é minha luz e salvação' (Sl 26)

Primeira Leitura (Gn 15,5-12.17-18) - Segunda Leitura (Fl 3,17-4,1) -  Evangelho (Lc 9,28b-36)

  16/03/2025 - SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA

A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

Jesus acabara de fazer o anúncio de sua Paixão aos discípulos e eles experimentavam, naquele momento, o peso das tribulações e das adversidades futuras que certamente teriam de enfrentar. O Filho do Homem se revelara vítima pascal e não senhor de um exército dominador: o Reino de Deus não é deste mundo e a redenção teria que perpassar necessariamente pela subida do Calvário. Aqueles homens precisavam, mais do que nunca, da fortaleza da graça sobrenatural. E, três deles, Pedro, Tiago e João, a receberiam com abundância extrema.

Neste Segundo Domingo da Quaresma, meditamos esta extraordinária experiência sobrenatural vivida pelos três apóstolos no alto do Monte Tabor. Jesus os levou consigo para subir a montanha 'para rezar' (Lc 9,28), pois é a oração que nos coloca plenamente sob o repositório das graças divinas. A fragilidade humana tomou frente a princípio pelo sono de todos e pelas palavras desarticuladas de Pedro: 'vamos fazer três tendas' (Lc 9,33). Mas esvaiu-se de vez quando os três apóstolos foram inundados pela claridade luminosa emanada dos corpos gloriosos de Jesus, Moisés e Elias.

Naquele lugar, e ainda que por um breve tempo, os três apóstolos puderam contemplar na terra a glória de Deus. E testemunhar que a história humana evolui pelos tempos confirmada pela Lei (presença de Moisés) e pelos Profetas (presença de Elias). A Transfiguração do Senhor é um evento extraordinário da manifestação divina de Jesus aos homens, um olhar da história humana no espelho da eternidade.

'Este é o meu Filho, o escolhido. Escutai o que Ele diz' (Lc 9, 35). Solícitos na oração, firmes na fé, tornamo-nos oratórios dignos das abundantes graças de Deus. Somos movidos, pela coragem, a superar as adversidades, as tentações, as dores humanas; pela fortaleza, impõe-se seguir em frente, avançar para águas mais profundas, subir a montanha das graças e da transfiguração de nossa imensa fragilidade humana. E também, descer outra vez a montanha, voltar ao caminho de Jerusalém e do Gólgota, repetir quantas vezes, e por quanto tempo for, o itinerário contínuo de enfrentar e vencer o mundo, oportuna ou inoportunamente, até o Tabor definitivo de nosso encontro com Deus na eternidade.