Os judeus escolheram para Jesus Cristo a morte da cruz, que era a mais ignominiosa, para que seu nome ficasse para sempre aviltado e não fosse mais relembrado, segundo um outro testemunho de Jeremias: 'Destruamos a árvore em seu vigor. Arranquemo-la da terra dos vivos, e que seu nome caia no esquecimento' (Jr 11,19). Ora, como podem os judeus de hoje dizer ser falso que Jesus fosse o Messias prometido, por ter sido arrebatado deste mundo por uma morte tão torpe, quando seus próprios profetas haviam predito que ele deveria ter uma morte tão vil?
Jesus aceitou, porém, semelhante morte porque morria para pagar os nossos pecados: também por esse motivo quis qual pecador ser circuncidado, ser resgatado quando foi apresentado ao templo, receber o batismo de penitência de São João. Na sua paixão finalmente, quis ser pregado na cruz para pagar por nossos licenciosas liberdades; com a sua nudez reparar a nossa avareza; com os opróbrios, a nossa soberba; com a sujeição aos carniceiros, a nossa ambição de dominar; com os espinhos, os nossos maus pensamentos; com o fel, a nossa intemperança e com as dores do corpo, os nossos prazeres sensuais.
Deveríamos por isso continuamente agradecer com lágrimas de ternura ao eterno Pai por ter entregue seu Filho inocente à morte para livrar-nos da morte eterna. 'O qual não poupou seu próprio Filho, mas entregou-o por todos nós: como não nos deu também com Ele todas as coisas? (Rm 8,32). Assim fala São Paulo e o próprio Jesus diz, segundo São João (Jo 3,16): 'Assim Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho unigênito'. Daí exclamar a santa Igreja no sábado santo: 'Ó admirável dignação de vossa piedade para conosco! Ó inestimável excesso de vossa caridade! Para resgatar o escravo, entregastes o vosso Filho'.
Ó misericórdia infinita, ó amor infinito de nosso Deus, ó santa fé! Quem isto crê e confessa, como poderá viver sem arder em santo amor para com esse Deus tão amante e tão amável? Ó Deus eterno, não olheis para mim, carregado de pecados, olhai para o vosso Filho inocente, pregado numa cruz e que vos oferece tantas dores e suporta tantos sofrimentos para que tenhais piedade de mim. Ó Deus amabilíssimo e meu verdadeiro amigo, por amor, pois, desse Filho que vos é tão caro, tende piedade de mim. A piedade que desejo é que me concedais o vosso santo amor. Ah, atraí-me inteiramente a vós do meio do lodo de minhas torpezas. Consumi, ó fogo devorador, tudo o que vedes de impuro na minha alma e que a possa impedir de ser inteiramente vossa!
(Excertos da obra 'A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)