quinta-feira, 9 de junho de 2022

POEMAS PARA REZAR (XLI)


QUANDO EU DEIXAR ESVAIR DE MIM VOSSA PRESENÇA

Quando eu deixar esvair de mim Vossa Presença,
e abraçar ufano o mundo como um porto seguro;
fazei com que esta leve brisa que ora perpassa
sustente e retenha o desvario dos meus passos...

Quando eu ficar inebriado pelas vozes e ruídos
de uma vida feita apenas de minutos e segundos
fazei parar o fluxo orgânico das entranhas
e submergi minha alma nas entranhas do infinito...

Quando eu me perder nos labirintos das vontades
incensado pelos prazeres e sandices desse mundo
fazei minha consciência dominar os meus instintos
e a erguer muralhas nas faces dos abismos...

Quando não mais souber domar minhas palavras
e elas não estancarem um coração raivoso
fazei então meu corpo ser esculpido pela graça
do Vosso silêncio falando dentro da minha alma...

Quando eu for homem de caminhos desregrados
feitos de pontes, atalhos e desvios para o nada
fazei que a luz que emana de Vós e nos ilumina 
ensine a minha alma a direção da eternidade...

Quando a indiferença crescer dentro do meu peito
como crescem as ervas daninhas nos canteiros,
fazei regar, com avivada e costumeira chama,
as folhas e flores ainda escondidas nas sementes...

Quando eu não tiver a caridade como espelho
e minhas mãos não forjarem mais anelos,
fazei que meus pés se engastem em um rochedo
e meu corpo se verga sob o próprio peso...

Quando vergastado pela miséria desta vida incerta,
ousar descer aos porões dos convivas da jornada
fazei subir à proa o meu corpo sujo e devastado,
como obra da redenção do Senhor Ressuscitado...

Quando, como nau sem rumo, árvore sem frutos, 
chegar, um dia, à planície de todas as moradas,
fazei que eu tenha em mim amor, o amor humano,
a única coisa que realmente se leva desse mundo...

Quando, enfim, na mais agônica das horas,
da mente humana conturbada pela morte certa,
fazei que Vos contemple com os olhos da alma 
para nunca mais fechá-los por toda a eternidade...

(Arcos de Pilares)