Não podendo compreender, durante esta vida, o rigor das chamas do purgatório; virá, porém, o dia em que o experimentaremos. Meditemos, enquanto podemos, a doutrina dos Santos e Doutores da Igreja.
Santo Agostinho diz: 'O eleito e o condenado são atormentados pelo fogo, cuja ação é mais violenta que tudo quanto, sobre a terra, se pode imaginar, ver e sentir' (Sermão 41). Fosse este testemunho o único, e bastaria para espantar-nos, porque os males de que a terra está cheia, são incalculáveis, e nossa capacidade de sofrer é um abismo de que ninguém sondou a fundo. Pensa nas terríveis doenças que corrompem o corpo; lê, no martirológio, as torturas espantosas, a que foram submetidos os confessores da fé, e persuadir-te-ás de que tudo isto é apenas uma pálida imagem do que te espera, segundo a afirmação de São Cirilo: 'Todas as penas e torturas', diz ele, 'todos os tormentos desta vida, comparados à menor pena do purgatório, parecem ainda uma consolação'. São Tomás de Aquino afirma também: 'A menor faísca desse fogo é mais cruel que todos os males desta vida'.
Meu Deus! Como minha alma suportará essas dores terríveis? Ora, é quase certo que não chegará ao céu sem passar por essas chamas purificadoras, porque, longe de ser bastante perfeita para evitá-las, está repleta de manchas e de más inclinações. Há vários meios eficazes de aliviar as almas do purgatório; porém, o mais salutar, declara o Concílio de Trento, é o santo Sacrifício da Missa: 'As almas do purgatório são aliviadas pelas orações e sufrágios dos fiéis, principalmente pelo sacrifício do Altar' (Concílio de Trento, Sessão 25). Dois séculos antes, São Tomás de Aquino já dizia: 'Segundo o uso geral, a Igreja sacrifica e ora pelos defuntos e, assim, liberta-os, prontamente, do purgatório'.
A razão é porque, na santa Missa, o sacerdote e os assistentes não somente pedem misericórdia, mas oferecem também a Deus um resgate preciosíssimo. As almas do purgatório não estão fora dos favores de Deus, visto que, por sua contrição e confissão, reconciliaram-se com Ele, porém ficam prisioneiras, para se purificarem das chamas. Por conseguinte, se cheio de compaixão, orares por elas, cedendo-lhes teus méritos, contribuís para saldar uma parte desta dívida de que o Juiz supremo diz: 'Toma cuidado para que não sejas lançado na prisão, donde não sairás sem ter pago o último ceitil' (Mt 5, 25-26). Entretanto, se assistes, ou fazes celebrar a santa Missa por uma destas almas, satisfarás grande parte de sua dívida.
Ignora-se em que medida são remidas as penas do purgatório pelo santo Sacrifício. Em todo o caso, fica certo que uma missa celebrada, ou ouvida durante a tua vida, serve-te mais do que outra oferecida em tua intenção depois da morte, segundo a palavra de Santo Anselmo: 'Uma única missa assistida por uma pessoa durante a vida, lhe é mais vantajosa do que muitas oferecidas, em sua intenção, depois da morte'. Eis o porquê. Se estiveres em estado de graça, quando ouvires, ou mandares celebrar a santa Missa por ti, obterás um aumento de glória para o paraíso; vantagem que, mesmo cem missas, celebradas depois de teu falecimento, não poderiam merecer-te, visto que o tempo de merecimento acabou.
Se estiveres em estado de pecado mortal, a santa Missa te atrairá, pela infinita misericórdia de Deus, com a luz necessária para reconhecer os pecados e a dor de havê-los cometidos, dor que te põe em graça com ele, coisa impossível depois da morte. Se, em vida, já estás marcado com o selo da reprovação, a santa Missa pode ainda deter-te na beira do abismo infernal e conceder-te o inestimável benefício de morreres na graça de Deus. Missas ouvidas ou celebradas te esperam além do túmulo, onde, como outros tantos advogados eloquentes, solicitarão, para ti, o perdão no tribunal da Justiça divina. Se não te preservam inteiramente do purgatório, abreviar-lhe-ão a duração e diminuir-lhe-ão a intensidade. Apesar de Deus aplicar-te todo o fruto de uma missa após tua morte, seria ainda mister que fosse celebrada, e deverias esperá-la.
Supõe que morras à tarde e devas permanecer nas chamas do purgatório somente até a hora da Missa do dia imediato: ó como seria longa esta única noite! Supõe mesmo o caso mais favorável em que tua pena duraria o tempo de uma missa; caro leitor, esta meia hora te pareceria ainda uma eternidade. Se te obrigassem a ter a mão em fogo vivo durante o tempo em que se pode celebrar uma santa missa, quanto não darias para escapar a uma prova tão cruel? Entretanto, não atingiria senão a um membro de teu corpo, e não se pode comparar à pena muito mais intensa que tem sede na alma. Poderíamos ter menos compaixão de nossa alma que do nosso corpo? Em todo caso, é melhor que as missas nos esperem na outra vida do que termos que esperá-las. Amontoemos, pois, tesouros no céu, pela piedosa assistência à santa missa, porque a noite virá, e quem trabalhará então por nós?
A esmola que consagras para fazer celebrar a santa missa é um dom espontâneo, voluntário, muito agradável a Deus, ao passo que, depois de tua morte, não será mais dado por ti, mas por teus herdeiros. Não vemos, todos os dias, como demoram a satisfazer os piedosos desejos dos moribundos? Acredita-nos, é mais conveniente assegurar o futuro, desde a vida presente, enquanto podes dispor de teus bens. Enfim, não esqueçamos que o tempo presente é o tempo da misericórdia, e o tempo futuro, o da justiça. São Boaventura diz: 'Assim como uma palheta de ouro é mais preciosa do que um pedaço de chumbo, também uma pequena penitência, a que nos submetemos, voluntariamente, nesta vida, é mais agradável aos olhos de Deus do que uma grande penitência feita na outra.
Ah, se pudesses contemplar, com teus olhos mortais, os rios de graças que, do altar, se derramam sobre o purgatório, com que pressa procurarias, para as almas exiladas, este divino benefício! Não objetes tua pobreza. É verdade, a pobreza pode privar-te do prazer de mandar celebrar os divinos Mistérios; porém, não te explicamos que a simples audição da santa Missa é, por si, muito meritória? Pede a teus amigos que ouçam também uma ou mais missas na intenção das almas do purgatório.
Era o conselho de um homem de Deus a uma pobre viúva que lamentava não poder mandar celebrar missas por seu defunto marido: 'Assisti, frequentemente, ao Santo Sacrifício por ele; deste modo será mais prontamente libertado do que por uma ou duas missas celebradas em sua intenção'. Este excelente conselho o damos, de bom grado, aos pobres; não que seja menos vantajoso fazer celebrar a missa, quando se pode, porém, é uma consolação para a alma do purgatório ver-te oferecer, por ela, nosso Senhor ao seu Pai. Então o precioso Sangue inunda-a como orvalho celeste. Jamais um doente devorado pela febre foi tão aliviado por um copo d'água fresca, como nossos caros defuntos, quando na santa missa, derramamos, misticamente, sobre eles algumas gotas deste Sangue divino.
(Excertos da obra 'Explicação da Santa Missa', do Venerável Pe. Martinho de Cochem)