terça-feira, 18 de setembro de 2018

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XVII)

SEGUNDA SEÇÃO 

Estudo concreto dos meios que o homem deve empregar para voltar para Deus


DOS ATOS BONS E MAUS EM PARTICULAR - VIRTUDES TEOLOGAIS 

Quais são as mais nobres entre as virtudes e aquelas cujos atos têm maior transcendência? 
As teologais.

Por que? 
Porque, por meio delas, o homem se encaminha para o fim sobrenatural, na medida que pode e deve procurar realizá-lo neste mundo. 

Logo, sem as virtudes teologais, não pode o homem executar atos meritórios de prêmio sobrenatural? Não, Senhor. 

Quais e quantas são elas? 
Três: Fé, Esperança e Caridade. 

II 

DA NATUREZA DA FÉ — FÓRMULA E QUALIDADES DE SEUS ATOS — O CREDO PECADOS OPOSTOS À FÉ: INFIDELIDADE, HERESIA, APOSTASIA E BLASFÊMIA 

Que coisa é a fé? 
Uma virtude sobrenatural, por cujo influxo o entendimento adere irrestritamente e sem temor de errar a Deus, como fim e objeto da eterna bem-aventurança, e às verdades por Ele reveladas, ainda que as não compreenda (I, II, IV)*.

Como pode o entendimento admitir de modo tão absoluto verdades que não compreende? 
Baseando-se na autoridade de Deus que nem pode enganar-se, nem enganar-nos (I, 1). 

Por que Deus não pode enganar-se nem enganar-nos? 
Porque é a verdade por essência (I, 1; IV, 8). 

Como podemos certificar-nos de quais sejam as verdades reveladas por Deus? 
Mediante o testemunho daqueles a quem as revelou ou daqueles a quem confiou o depósito da revelação (I, 6-10). 

A quem as revelou? 
Primeiramente a Adão, no Paraíso; mais tarde, aos Profetas do Antigo Testamento; por último, aos Apóstolos no tempo de Jesus Cristo (I, 7). 

Como o sabemos? 
Pelas asserções bem comprovadas da história a que se referem o fato da revelação sobrenatural e os milagres realizados por Deus, em testemunho de sua autenticidade. 

É o milagre prova concludente da intervenção sobrenatural divina? 
Sim, Senhor; visto que é ato próprio de Deus e nenhuma criatura pode realizá-lo com seus próprios meios. 

Onde se acha escrita a história da revelação e de outras ações sobrenaturais de Deus? 
Na Sagrada Escritura, chamada também a Bíblia. 

Que entendeis por Sagrada Escritura? 
Uma coleção de livros divididos em dois Grupos, chamados Antigo e Novo Testamento. 

São talvez estes livros resumo e síntese de outros livros? 
Não, Senhor; porque os demais livros foram escritos pelos homens, e estes pelo próprio Deus. 

Que quer dizer 'que foram escritos pelo próprio Deus'? 
Que Deus é seu autor principal e que, para escrevê-los, utilizou, à maneira de instrumentos, alguns homens por Ele escolhidos. 

Logo, é divino o conteúdo dos livros sagrados? 
Atendendo ao primeiro autógrafo original dos Escritores Sagrados, sim, Senhor; as cópias o são na medida em que se conformem com o original.  

Logo, a leitura destes livros equivale a ouvir a palavra divina? 
Sim, Senhor. 

Podemos equivocar e torcer o sentido da divina palavra? 
Sim, Senhor; porque, se bem que na Sagrada Escritura há passagens claríssimas, também abundam as difíceis e obscuras. 

Donde provém a dificuldade de entender a palavra divina? 
Em primeiro lugar, dos mistérios que encerra, visto que não raro enuncia verdades superiores ao alcance das inteligências criadas, e que somente Deus pode compreender; provém além disso da dificuldade que existe em interpretar livros antiquíssimos, escritos primeiramente para povos que tinham idioma e costumes muito diferentes dos nossos; finalmente, dos equívocos que tenham podido escapar tanto nas cópias como nos originais, como nas traduções feitas por elas e em suas cópias. 

Há alguém que esteja seguro de não se equivocar ao interpretar o sentido da palavra de Deus consignada na Bíblia Sagrada? 
Sim, Senhor; o Pontífice Romano e com ele a Igreja Católica, no magistério universal (I, 10). 

Por que? 
Porque Deus quis que fossem infalíveis. 

E por que o quis? 
Porque, se o não fossem, careceriam os homens de meios seguros para alcançar o fim sobrenatural para que estão chamados (Ibid). 

Por conseguinte, que entendemos quando se diz que o Papa e a Igreja são infalíveis em matéria de fé e costumes? 
Que quando enunciam e interpretam a palavra divina, não podem enganar-se nem enganarnos no referente ao que estamos obrigados a crer e a praticar para conseguirmos a bem aventurança eterna. 

Existe algum compêndio das verdades essenciais da fé? 
Sim, Senhor; o Credo ou Símbolo dos Apóstolos (1,6). Ei-lo aqui conforme o reza diariamente a Igreja: 'Creio em Deus Pai Todo Poderoso, Criador do Céu e da terra; e em Jesus Cristo seu único Filho, Nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito Santo; nasceu de Maria Virgem; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu aos infernos; ao terceiro dia ressuscitou de entre os mortos; subiu aos céus e está sentado à mão direita de Deus Pai, Todo Poderoso; donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na Comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém'. 

É a recitação do Credo ou Símbolo dos Apóstolos o ato de fé por excelência? 
Sim, Senhor; e nunca devemos cessar de recomendar aos fiéis a sua prática diária. 

Podereis indicar-me alguma outra fórmula breve, exata e suficiente para praticar a virtude da fé sobrenatural? 
Sim, Senhor; eis aqui uma, em forma de súplica: 'Deus e Senhor meu; confiado em vossa divina palavra, creio tudo o que haveis revelado para que os homens, conhecendo-Vos, Vos glorifiquem na terra e gozem um dia de vossa presença no céu'. 

Quem pode fazer atos de fé? 
Somente os que possuem a correspondente virtude sobrenatural (IV, V). 

Logo, não podem fazê-los os infiéis? 
Não, Senhor; porque não creem na Revelação, ou seja porque, ignorando-a, não se entregam confiadamente nas mãos de Deus, nem se submetem ao que deles exige ou porque, conhecendo-a, recusam prestar-lhe assentimento (X). 

Podem fazê-los os ímpios? 
Tampouco, porque, se bem que têm por certas as verdades reveladas, fundadas na absoluta veracidade divina, a sua fé não é efeito de acatamento e submissão a Deus, a quem detestam, ainda que com pesar próprio se vejam obrigados a confessá-lo (V, 2 ad 2). 

É possível que haja homens sem fé sobrenatural e que creiam desta forma? 
Sim, Senhor; e nisto imitam a fé dos demônios (V, 2). 

Podem crer os hereges com fé sobrenatural? 
Não, Senhor; porque, embora admitam algumas verdades reveladas, não fundam o assentimento na autoridade divina, senão no próprio juízo (V, 3). 

Logo, os hereges estão mais afastados da verdadeira fé que os ímpios e até dos próprios demônios? Sim, Senhor; porque não se apoiam na autoridade de Deus. 

Podem crer com fé sobrenatural os apóstatas? 
Não, Senhor; porque desprezam o que haviam crido por virtude da palavra divina (XII). 

Podem crer os pecadores com fé sobrenatural? 
Podem, contanto que conservem a fé como virtude sobrenatural; e podem tê-la, se bem que em estado imperfeito, ainda quando, por efeito do pecado mortal, estejam privados da caridade (IV, 1-4). 

Logo, nem todos os pecados mortais destroem a fé? 
Não, Senhor (X, 1, 4). 

Em que consiste o pecado contra a fé chamado infidelidade? 
Em recusar submeter o entendimento, por veneração e amor de Deus, às verdades sobrenaturalmente reveladas (X, 1-3). 

E, sempre que isto sucede, é por culpa do homem? 
Sim, Senhor; porque resiste à graça atual com que Deus o convida e impele a submeter-se (VI, 1, 2). 

Concede Deus esta graça atual a todos os homens? 
Com maior ou menor intensidade e em medida prefixada nos decretos de sua providência, sim, Senhor. 

É grande e muito estimável a mercê que Deus nos faz ao infundir-nos a virtude da fé? 
É em certo modo a maior de todas. 

Por que? 
Porque, sem a fé sobrenatural nada podemos intentar em ordem à nossa salvação, e estamos perpetuamente excluídos da glória, se Deus não se digna a nos concedê-la antes da morte (II, 5-8, IV, 7). 

Logo, quando se tem a dita de possuí-la, que pecado será, frequentar companhias, manter conversações ou dedicar-se a leituras capazes de fazê-la perder? 
Pecado gravíssimo, fazendo-o espontânea e conscientemente, e de qualquer modo ato reprovável, que sempre o é, expor-se a semelhante perigo. 

Logo, importa sobremaneira escolher com acerto as nossas amizades e leituras para encontrar nelas, não obstáculos mas estímulos para arraigar a fé? 
Sim, Senhor; e especialmente nesta época, em que o descontrole de expressão, chamado liberdade de imprensa, oferece tantas ocasiões e meios de perdê-la. 

Existe algum outro pecado contra a fé? 
Sim, Senhor; o pecado da blasfêmia (XIII). 

Por que a blasfêmia é pecado contra a fé? 
Por ser diretamente oposta ao ato exterior da fé que consiste em confessá-la por palavras, e a blasfêmia consiste em proferir palavras injuriosas contra Deus e seus Santos (XIII, 1). 

É sempre pecado grave a blasfêmia? 
Sim, Senhor (XIII, 2-3). 

O costume de proferi-las escusa ou atenua a sua gravidade? 
Em vez de atenuá-la, agrava-a, pois o costume demonstra que se deixou arraigar pelo mal, em lugar de dar-lhe remédio (XIII, 2 ad 3). 

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)