SEGUNDA SEÇÃO
Estudo concreto dos meios que o homem deve empregar para voltar para Deus
I
DOS ATOS BONS E MAUS EM PARTICULAR - VIRTUDES TEOLOGAIS
Quais são as mais nobres entre as virtudes e aquelas cujos atos têm maior transcendência?
As teologais.
Por que?
Porque, por meio delas, o homem se encaminha para o fim sobrenatural, na medida que
pode e deve procurar realizá-lo neste mundo.
Logo, sem as virtudes teologais, não pode o homem executar atos meritórios de prêmio
sobrenatural?
Não, Senhor.
Quais e quantas são elas?
Três: Fé, Esperança e Caridade.
II
DA NATUREZA DA FÉ — FÓRMULA E QUALIDADES DE SEUS ATOS — O CREDO PECADOS OPOSTOS À FÉ: INFIDELIDADE, HERESIA, APOSTASIA E BLASFÊMIA
Que coisa é a fé?
Uma virtude sobrenatural, por cujo influxo o entendimento adere irrestritamente e sem temor de errar a Deus, como fim e objeto da eterna bem-aventurança, e às verdades por Ele reveladas, ainda que as não compreenda (I, II, IV)*.
Como pode o entendimento admitir de modo tão absoluto verdades que não compreende?
Baseando-se na autoridade de Deus que
nem pode enganar-se, nem enganar-nos (I, 1).
Por que Deus não pode enganar-se nem enganar-nos?
Porque é a verdade por essência (I, 1; IV, 8).
Como podemos certificar-nos de quais sejam as verdades reveladas por Deus?
Mediante o testemunho daqueles a quem as revelou ou daqueles a quem confiou o depósito
da revelação (I, 6-10).
A quem as revelou?
Primeiramente a Adão, no Paraíso; mais tarde, aos Profetas do Antigo Testamento; por
último, aos Apóstolos no tempo de Jesus Cristo (I, 7).
Como o sabemos?
Pelas asserções bem comprovadas da história a que se referem o fato da revelação sobrenatural e
os milagres realizados por Deus, em testemunho de sua autenticidade.
É o milagre prova concludente da intervenção sobrenatural divina?
Sim, Senhor; visto que é ato próprio de Deus e nenhuma criatura pode realizá-lo com seus
próprios meios.
Onde se acha escrita a história da revelação e de outras ações sobrenaturais de Deus?
Na Sagrada Escritura, chamada também a Bíblia.
Que entendeis por Sagrada Escritura?
Uma coleção de livros divididos em dois Grupos, chamados Antigo e Novo Testamento.
São talvez estes livros resumo e síntese de outros livros?
Não, Senhor; porque os demais livros foram escritos pelos homens, e estes pelo próprio Deus.
Que quer dizer 'que foram escritos pelo próprio Deus'?
Que Deus é seu autor principal e que, para escrevê-los, utilizou, à maneira de instrumentos,
alguns homens por Ele escolhidos.
Logo, é divino o conteúdo dos livros sagrados?
Atendendo ao primeiro autógrafo original dos Escritores Sagrados, sim, Senhor; as cópias o
são na medida em que se conformem com o original.
Logo, a leitura destes livros equivale a ouvir a palavra divina?
Sim, Senhor.
Podemos equivocar e torcer o sentido da divina palavra?
Sim, Senhor; porque, se bem que na Sagrada Escritura há passagens claríssimas, também
abundam as difíceis e obscuras.
Donde provém a dificuldade de entender a palavra divina?
Em primeiro lugar, dos mistérios que encerra, visto que não raro enuncia verdades
superiores ao alcance das inteligências criadas, e que somente Deus pode compreender;
provém além disso da dificuldade que existe em interpretar livros antiquíssimos, escritos
primeiramente para povos que tinham idioma e costumes muito diferentes dos nossos;
finalmente, dos equívocos que tenham podido escapar tanto nas cópias como nos originais,
como nas traduções feitas por elas e em suas cópias.
Há alguém que esteja seguro de não se equivocar ao interpretar o sentido da palavra de Deus
consignada na Bíblia Sagrada?
Sim, Senhor; o Pontífice Romano e com ele a Igreja Católica, no magistério universal (I,
10).
Por que?
Porque Deus quis que fossem infalíveis.
E por que o quis?
Porque, se o não fossem, careceriam os homens de meios seguros para alcançar o fim
sobrenatural para que estão chamados (Ibid).
Por conseguinte, que entendemos quando se diz que o Papa e a Igreja são infalíveis em matéria
de fé e costumes?
Que quando enunciam e interpretam a palavra divina, não podem enganar-se nem enganarnos
no referente ao que estamos obrigados a crer e a praticar para conseguirmos a bem aventurança
eterna.
Existe algum compêndio das verdades essenciais da fé?
Sim, Senhor; o Credo ou Símbolo dos Apóstolos (1,6). Ei-lo aqui conforme o reza
diariamente a Igreja:
'Creio em Deus Pai Todo Poderoso,
Criador do Céu e da terra; e em Jesus Cristo seu único Filho, Nosso Senhor,
o qual foi concebido do Espírito Santo;
nasceu de Maria Virgem;
padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado;
desceu aos infernos;
ao terceiro dia ressuscitou de entre os mortos;
subiu aos céus
e está sentado à mão direita de Deus Pai, Todo Poderoso; donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja Católica,
na Comunhão dos Santos,
na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne,
na vida eterna. Amém'.
É a recitação do Credo ou Símbolo dos Apóstolos o ato de fé por excelência?
Sim, Senhor; e nunca devemos cessar de recomendar aos fiéis a sua prática diária.
Podereis indicar-me alguma outra fórmula breve, exata e suficiente para praticar a virtude da fé
sobrenatural?
Sim, Senhor; eis aqui uma, em forma de súplica: 'Deus e Senhor meu; confiado em vossa
divina palavra, creio tudo o que haveis revelado para que os homens, conhecendo-Vos, Vos
glorifiquem na terra e gozem um dia de vossa presença no céu'.
Quem pode fazer atos de fé?
Somente os que possuem a correspondente virtude sobrenatural (IV, V).
Logo, não podem fazê-los os infiéis?
Não, Senhor; porque não creem na Revelação, ou seja porque, ignorando-a, não se entregam
confiadamente nas mãos de Deus, nem se submetem ao que deles exige ou porque,
conhecendo-a, recusam prestar-lhe assentimento (X).
Podem fazê-los os ímpios?
Tampouco, porque, se bem que têm por certas as verdades reveladas, fundadas na absoluta
veracidade divina, a sua fé não é efeito de acatamento e submissão a Deus, a quem detestam, ainda que com
pesar próprio se vejam obrigados a confessá-lo (V, 2 ad 2).
É possível que haja homens sem fé sobrenatural e que creiam desta forma?
Sim, Senhor; e nisto imitam a fé dos demônios (V, 2).
Podem crer os hereges com fé sobrenatural?
Não, Senhor; porque, embora admitam algumas verdades reveladas, não fundam o
assentimento na autoridade divina, senão no próprio juízo (V, 3).
Logo, os hereges estão mais afastados da verdadeira fé que os ímpios e até dos próprios demônios?
Sim, Senhor; porque não se apoiam na autoridade de Deus.
Podem crer com fé sobrenatural os apóstatas?
Não, Senhor; porque desprezam o que haviam crido por virtude da palavra divina (XII).
Podem crer os pecadores com fé sobrenatural?
Podem, contanto que conservem a fé como virtude sobrenatural; e podem tê-la, se bem que
em estado imperfeito, ainda quando, por efeito do pecado mortal, estejam privados da
caridade (IV, 1-4).
Logo, nem todos os pecados mortais destroem a fé?
Não, Senhor (X, 1, 4).
Em que consiste o pecado contra a fé chamado infidelidade?
Em recusar submeter o entendimento, por veneração e amor de Deus, às verdades
sobrenaturalmente reveladas (X, 1-3).
E, sempre que isto sucede, é por culpa do homem?
Sim, Senhor; porque resiste à graça atual com que Deus o convida e impele a submeter-se
(VI, 1, 2).
Concede Deus esta graça atual a todos os homens?
Com maior ou menor intensidade e em medida prefixada nos decretos de sua providência,
sim, Senhor.
É grande e muito estimável a mercê que Deus nos faz ao infundir-nos a virtude da fé?
É em certo modo a maior de todas.
Por que?
Porque, sem a fé sobrenatural nada podemos intentar em ordem à nossa salvação, e estamos
perpetuamente excluídos da glória, se Deus não se digna a nos concedê-la antes da morte (II,
5-8, IV, 7).
Logo, quando se tem a dita de possuí-la, que pecado será, frequentar companhias, manter
conversações ou dedicar-se a leituras capazes de fazê-la perder?
Pecado gravíssimo, fazendo-o espontânea e conscientemente, e de qualquer modo ato
reprovável, que sempre o é, expor-se a semelhante perigo.
Logo, importa sobremaneira escolher com acerto as nossas amizades e leituras para encontrar
nelas, não obstáculos mas estímulos para arraigar a fé?
Sim, Senhor; e especialmente nesta época, em que o descontrole de expressão, chamado
liberdade de imprensa, oferece tantas ocasiões e meios de perdê-la.
Existe algum outro pecado contra a fé?
Sim, Senhor; o pecado da blasfêmia (XIII).
Por que a blasfêmia é pecado contra a fé?
Por ser diretamente oposta ao ato exterior da fé que consiste em confessá-la por palavras, e a
blasfêmia consiste em proferir palavras injuriosas contra Deus e seus Santos (XIII, 1).
É sempre pecado grave a blasfêmia?
Sim, Senhor (XIII, 2-3).
O costume de proferi-las escusa ou atenua a sua gravidade?
Em vez de atenuá-la, agrava-a, pois o costume demonstra que se deixou arraigar pelo mal, em
lugar de dar-lhe remédio (XIII, 2 ad 3).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)