quinta-feira, 18 de abril de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXIX)

Capítulo LXXIX

Razões para o Socorro às Santas Almas - Heróis e Vítimas da Caridade - Os Exemplos dos Padres Laynez e Fabricius - Padre Nieremberg, Vítima da Caridade pelas Almas do Purgatório

'Aquele que esquece seu amigo, depois que a morte o tirou de sua vista, nunca lhe teve uma amizade verdadeira'. Estas palavras o Padre Laynez, Segundo Geral da Companhia de Jesus, repetia continuamente aos filhos de Santo Inácio. Ele desejava que os interesses das almas lhes fossem tão caros depois da morte como o foram durante a vida. Unindo o exemplo ao preceito, Laynez aplicou às almas do Purgatório uma grande parte das suas orações, sacrifícios e a satisfação que mereceu diante de Deus pelos seus trabalhos para a conversão dos pecadores. Os Padres da Companhia, fiéis às suas lições de caridade, manifestaram sempre um zelo particular por esta devoção, como se pode ver no livro intitulado 'Heróis e Vítimas da Caridade' na Companhia de Jesus, do qual transcrevo a seguinte página.

'Em Munster, na Vestfália, em meados do século XVII, surgiu uma epidemia que todos os dias fazia inúmeras vítimas. O medo paralisou a caridade da maior parte dos habitantes, e poucos foram os que se dedicaram a socorrer as infelizes criaturas atingidas pela peste. Foi então que o Padre Fabricius, animado pelo espírito de Laynez e Loyola, lançou-se na arena do sacrifício. Pondo de lado toda a precaução pessoal, empregou todo o seu tempo em visitar os doentes, em procurar remédios para eles e em dispô-los para uma morte cristã. Ouvia as suas confissões, administrava os últimos sacramentos, enterrava-os com as suas próprias mãos e, finalmente, celebrava o Santo Sacrifício para o repouso das suas almas.

De fato, durante toda a sua vida, este servo de Deus teve a maior devoção para com as almas santas. Entre todos os seus exercícios de piedade, o que lhe era mais caro, e que ele sempre recomendou vivamente, era o de oferecer o Santo Sacrifício da Missa pelos defuntos, sempre que as Rubricas o permitissem. Como resultado deste conselho, todos os Padres de Munster resolveram consagrar um dia de cada mês aos fiéis defuntos; cobriram a sua igreja de luto e rezavam com toda a solenidade pelos fieis defuntos. Deus dignou-se, como faz muitas vezes, recompensar o Padre Fabricius e encorajou o seu zelo com várias aparições das almas sofredoras. Umas pediam-lhe que apressasse a sua libertação, outras agradeciam-lhe o alívio que lhes tinha proporcionado; outras ainda anunciavam-lhe o momento feliz da sua libertação. 

O seu maior ato de caridade foi aquele que realizou no momento da sua morte. Com uma generosidade verdadeiramente admirável, sacrificou todos os sufrágios, orações, missas, indulgências e mortificações que a sua sociedade religiosa aplicava aos seus membros falecidos. Pediu a Deus que os privasse deles para o alívio das almas sofredoras que mais agradassem a sua Divina Majestade'.

Já falamos anteriormente do Padre Nieremberg, célebre tanto pelas obras de piedade que publicou como pelas eminentes virtudes que praticou. A sua devoção pelas almas santas, não contente com sacrifícios e orações frequentes, levava-o a sofrer por elas com uma generosidade que muitas vezes chegava ao heroísmo.  Entre os seus penitentes, na corte de Madri, havia uma senhora de classe que, sob a sua sábia direção, tinha atingido um alto grau de virtude no meio do mundo, mas era atormentada por um medo excessivo da morte, tendo em vista o Purgatório que a esperava. Adoeceu perigosamente e os seus temores aumentaram de tal modo que quase perdeu os sentimentos cristãos. O seu santo confessor empregou todos os meios que o seu zelo podia sugerir, mas em vão; não conseguiu restituir-lhe a tranquilidade, nem conseguia convencê-la a receber os últimos sacramentos.

Para coroar este infortúnio, perdeu subitamente a consciência e ficou reduzida a uma letargia completa.. O padre, justamente alarmado com o perigo desta alma, retirou-se para uma capela perto do quarto da moribunda. Ali ofereceu o Santo Sacrifício com o maior fervor para obter para a doente tempo suficiente para que recebesse os sacramentos da Igreja. Ao mesmo tempo, movido por uma caridade verdadeiramente heróica, ofereceu-se como vítima à Justiça Divina, para sofrer nesta vida todos os sofrimentos reservados àquela pobre alma na outra.

A sua oração foi ouvida. Mal terminou a missa, a doente recobrou a consciência e constatou-se que estava completamente mudada. Estava tão bem disposta que pediu os últimos sacramentos, os quais recebeu com pungente fervor. Depois, ouvindo do seu confessor que não tinha nada a temer do Purgatório, expirou perfeitamente serena e com um sorriso nos lábios.

A partir dessa hora, o Padre Nieremberg foi submetodo a todo tipo de sofrimento, tanto do corpo como da alma. Os dezesseis anos restantes da sua vida foram um longo martírio e um rigoroso purgatório. Nenhum remédio humano podia aliviá-lo e seu único consolo estava na lembrança da sagrada causa pela qual ele os suportou. Finalmente, a morte veio pôr fim aos seus terríveis sofrimentos e, ao mesmo tempo, podemos razoavelmente acreditar, abrir-lhe as portas do Paraíso, pois está escrito: 'bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.