SUMA TEOLÓGICA II - TERCEIRA PARTE

TERCEIRA PARTE

JESUS CRISTO

Único caminho para o homem voltar para Deus

I

O MISTÉRIO DE JESUS CRISTO OU DA ENCARNAÇÃO TEM POR FIM CONDUZIR O HOMEM PARA DEUS

Que significa o mistério incompreensível da Encarnação?
Que a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Verbo e Filho único de Deus, unido desde toda a Eternidade ao Pai e ao Espírito Santo na indivisão de Deus, criador e governador soberano do universo, se encarnou e nasceu da Santíssima Virgem Maria, viveu a nossa vida mortal, evangelizou o povo judeu da Palestina ao qual havia sido pessoalmente enviado por seu Pai; foi desprezado, vendido e entregue ao governador romano Pôncio Pilatos, condenado à morte, crucificado e sepultado; desceu aos infernos, e ao terceiro dia ressuscitou dentre os mortos; subiu aos céus quarenta dias depois, e está assentado à direita de Deus Pai, donde governa a Igreja por Ele fundada, à qual enviou o seu Espírito, que é também o do Pai, santificando-a com os sacramentos da graça e dispondo-a para a segunda vinda no fim dos tempos; então julgará os vivos e os mortos, depois de os ressuscitar; e estabelecerá a separação definitiva entre os bons, que com Ele gozarão eternamente as delícias de seu Pai, e os maus, que feridos com a sua maldição, receberão digno castigo nos suplícios do fogo eterno.

II

CONVENIÊNCIA, NECESSIDADE E HARMONIA DA ENCARNAÇÃO

Harmoniza-se bem a Encarnação com o que sabemos a respeito de Deus?
Sim, Senhor; porque sabemos que Deus é o bem por essência; é próprio e característico do bem o comunicar-se e Deus não pode comunicar-se às criaturas de modo mais inefável e sublime que no mistério da Encarnação (1,1)*.

Foi necessária a Encarnação do Filho de Deus?
Considerada em si mesmo, não Senhor; porém, suposto que o gênero humano caiu do primitivo estado de justiça original; se se queria reabilitá-lo e, sobretudo, dar satisfação completa e abundante por aquele pecado, era absolutamente indispensável que um Deus- Homem tomasse a seu cargo a empresa (1, 2).

Logo, o motivo da Encarnação foi remir os homens do pecado?
Sim, Senhor (I, 2, 3).

Nestas condições, por que não se encarnou o Filho de Deus, desde o princípio da queda dos nossos primeiros pais?
Porque era necessário que o homem reconhecesse a sua desdita e a necessidade de um Deus Salvador e para dar tempo aos anúncios e conveniente preparação ou apresto de sua vinda (1, 5, 6).

Em que consiste essencialmente o mistério da Encarnação?
Na união substancial e indissolúvel das naturezas divina e humana em unidade de pessoa divina, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, conservando cada natureza todas as suas propriedades (II, 1,6).

Por que se encarnou a pessoa do Filho com preferência à do Pai e à do Espírito Santo?
Porque, sendo o Filho, Verbo de Deus, e simbolizando o Verbo, por apropriação, a ciência e a sabedoria divinas, pelas quais todas as coisas foram feitas, a Ele parece que pertencia reparar os estragos que na natureza humana havia produzido o pecado; e, além disso, porque, procedendo do Pai, Este podia enviá-Lo e Ele por sua vez enviar o Espírito Santo (III, 8).

III

DO QUE JESUS CRISTO SE APROPRIOU OU TOMOU NO MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO

Que significam as expressões: o Filho de Deus se encarnou, o Verbo se fez carne, se fez homem, etc.?
Que assumiu e se apropriou da nossa natureza humana, concreta, individual, tal como se encontra nos descendentes do primeiro homem depois do pecado, para incorporá-la à pessoa divina (IV, 1-6).

Logo no Verbo Encarnado há indivíduo humano?
De modo algum; há natureza individual, não indivíduo ou pessoa humana, porque esta natureza está individualizada na Pessoa do Verbo, o Filho de Deus (IV, 3).

A natureza humana, que o Filho de Deus assumiu, consta dos dois elementos essenciais que integram a de todos os outros homens?
Sim, Senhor (V, 1-4).

Logo, o Filho de Deus Encarnado tem corpo, carne, ossos, membros, sentidos e órgãos, como nós?
Sim, Senhor (V, 1, 2).

Tem, como nós, alma dotada de inteligência e vontade com as demais faculdades? 
Sim, Senhor; tem alma exatamente igual a que descrevemos no estudo do homem (V, 3, 4).

O Filho de Deus incorporou simultaneamente todos os elementos que integram a natureza humana individual?
Sim, Senhor; porém com certa ordem (VI, 1-6).

Em que consiste esta ordem?
Em que tomou o corpo mediante a alma, e a alma e suas potências mediante o espírito e o corpo, alma e espírito mediante a natureza humana por eles formada (VI, 1-5).

A união da natureza humana com a pessoa do Verbo realizou-se direta e imediatamente, sem intervenção, nem interposição de alguma coisa criada?
Sim, Senhor; porque o fim da união é a comunicação do ser divino à natureza humana (VI, 6).

IV

DAS GRAÇAS E PRIVILÉGIOS COM QUE DEUS ENOBRECEU A NATUREZA HUMANA UNIDA AO VERBO NA ENCARNAÇÃO. GRAÇA HABITUAL OU SANTIFICANTE, VIRTUDES E DONS DO ESPÍRITO SANTO — GRAÇAS GRATIS DATAE

Existem na natureza humana e nas faculdades da alma, unidas à pessoa do Verbo, dons criados de ordem gratuita?
Sim, Senhor; porém, não se lhe concederam para que ela pudesse unir-se à pessoa divina, senão como efeito de união tão sublime e transcendente (VI, 6)*.

Quais são?
Na essência da alma, a graça habitual; nas potências, todas as virtudes, exceto a fé e a esperança; todos os dons do Espírito Santo e todas as graças gratis datae, cujo objeto é manifestar ao mundo a verdade divina, sem excetuar a profecia no que propriamente ela tem do estado profético (VII, 1-8).

Que objeto tem a graça habitual na alma com Cristo?
Tem e terá por toda a eternidade o de fazê-la participante da essência divina e, derivando-se nas potências, fazer que possua os princípios sobrenaturais da ação, alma das virtudes (VII, 1).

Por que dizeis que a alma de Cristo possui todas as virtudes, exceto a fé e a esperança?
Porque estas duas virtudes supõem alguma coisa de imperfeito, incompatível com a perfeição da alma de Cristo (VII, 3, 4).

Em que consiste esta imperfeição?
Em que a fé supõe que não se compreende o que se crê, e a esperança impele para Deus os que O não possuem (Ibid).

Que entendeis por graças gratis datae?
Certos privilégios catalogados por São Paulo na primeira Epístola aos Coríntios (cap. XII, V-8 e seguintes), a saber: fé, sabedoria, ciência, graça de curar enfermos, de fazer prodígios, discernimento de espírito, diversidade de idiomas e interpretação de palavras (VII, 7).

A fé, graça gratis data, é distinta da fé virtude?
Sim, Senhor; porque, como graça gratis data, consiste numa segurança e certeza extraordinárias das verdades reveladas que habilitam o homem a ensiná-las com fruto (l.a 2, CXI, 4 ad 2).

As graças de ciência e sabedoria são distintas das virtudes intelectuais e dons do Espírito Santo do mesmo nome?
Sim, Senhor; porque consistem em certa abundância de luz e sabedoria, em virtude da qual o homem se encontra apto não só para discorrer acertadamente em coisas divinas, como para instruir os outros e refutar os erros (l.a, 2, CXI, 4 ad4).

Jesus Cristo utilizou neste mundo a graça gratis data chamada diversidade de línguas?
Não teve necessidade disso, visto que exerceu o ministério do apostolado só entre os judeus ou entre os gentios que conheciam a sua língua; todavia, possuía-a em grau eminente e, se a oportunidade se apresentasse, a teria utilizado (VII, 7 ad 3).

Que significa que Jesus Cristo possuiu a graça da profecia no que propriamente ela tem do estado profético?
Considerando que a vida de Jesus Cristo neste mundo era igual à nossa, estava, neste sentido, incomunicado com o céu, e, por conseguinte, com as verdades divinas de que falava, ainda que a parte superior de sua alma visse e gozasse os mistérios ocultos em Deus: anunciar, pois, o que naturalmente não se pode saber é próprio e característico da profecia (VII, 8).

Que relação guardam as graças gratis data com a graça habitual e com as virtudes e os dons?
A graça habitual, as virtudes e os dons têm por objeto santificar a quem os possui e as graças gratis datae, habilitar a quem exerce junto ao próximo, o ministério do Apostolado (1.ª, 2, CXI, 1, 4).

Pode o homem possuir um destes gêneros de graças sem possuir o outro?
Sim, Senhor, a que todos os justos possuem, graça habitual ou santificante, conjuntamente com as virtudes e os dons inseparáveis dela; porém as gratis data são mercês que se fazem aos destinados a exercer algum ministério. Nestes costumam andar unidas, mas também podem estar separadas, como sucedeu com Judas, que era um malvado, e, apesar disso, possuía as graças gratis data conferidas a todos os Apóstolos.

Possuía Cristo, simultaneamente, todos os ditos gêneros de graças e no mais alto grau de perfeição?
Sim, Senhor (VII, 1, 8).

Por que?
Porque a sua dignidade pessoal era infinita, e era, além disso, o Doutor por excelência em matéria de fé (VII, 7).

V

DA PLENITUDE DA GRAÇA CONCEDIDA À NATUREZA HUMANA DO FILHO DE DEUS

Podemos dizer que na humanidade de Cristo atingiu a graça toda a sua plenitude?
No sentido de que não há graça que Ele não tivesse e de que possuiu todas as graças no grau mais eminente possível, sim, Senhor (VII, 10).

Exigia a humanidade de Cristo tal plenitude de graça?
Sim, Senhor; por sua união pessoal com Deus, fonte e origem da graça, e pelo objeto da vinda de Cristo, que foi fazer os homens participantes da sua graça (VII, 10).

Poderemos dizer que a natureza humana de Jesus Cristo teve graça infinita?
De certo modo, sim Senhor; a graça de união é infinita no sentido mais amplo da palavra, visto que consiste no assumir a natureza humana para subsistir com a subsistência da Pessoa divina. A graça habitual, com seu séquito de virtudes e dons, excede, incomparavelmente, no plano atual da Providência divina, aquela que tiveram e terão todos os demais seres juntos, ainda que em si mesma é finita, visto ser coisa criada (VII, 11).

Podia ser aumentada a graça inicial de Cristo?
Em absoluto, sim, Senhor; o poder de Deus é infinito; considerada, porém, a atual ordem divina, não podia ser aumentada (VII, 12).

Que conexões têm a graça habitual com a de união?
A de ser efeito seu e proporcional a ela (VII, 13).

Que nome tem a graça de união, causa e princípio de todas as outras?
Tem o nome de graça de união hipostática, de uma palavra grega que significa pessoa, pois, como temos dito, consiste no fato único, incompreensível, obra do Filho de Deus, de acordo com o Pai e o Espírito Santo, de conferir à natureza humana um excesso de honra e dignidade, unindo-a imediatamente à divina na pessoa do Verbo.

VI

DA GRAÇA CAPITAL PRÓPRIA DA NATUREZA HUMANA ASSUMIDA PELO FILHO DE DEUS FEITO HOMEM

Além da graça habitual ou santificante, com seu cortejo de virtudes e dons e das graças gratis datae conferidas à natureza humana de Cristo em atenção à graça de união hipostática, e tendo em conta o objeto da vinda do Salvador (graça que convinha a Cristo pessoalmente como indivíduo distinto dos outros) não teve Ele outra, chamada capital, como chefe e cabeça de seu corpo místico que é a Igreja?
Sim, Senhor (VIII).

Que entendeis ao dizer que Jesus Cristo é cabeça e chefe do seu corpo místico, a Igreja?
Que o Verbo Encarnado é o ser mais próximo de Deus, possui a perfeição absoluta e a plenitude de todas as graças, e tem o poder de comunicá-las a todos aqueles que, por qualquer título, estejam incorporados à ordem da graça (VIII, 1).

É Jesus Cristo chefe da Igreja somente quanto à alma ou também o é quanto ao corpo?
Também o é quanto ao corpo, e isso quer dizer que a alma e o corpo de Cristo são instrumentos da divindade para distribuir os bens sobrenaturais, principalmente nas almas, mas também nos corpos; aqui na terra, para que o corpo auxilie a alma na prática da virtude e, no céu, para receber a parte de glória e imortalidade que lhe corresponde (VIII, 2).

É Jesus Cristo cabeça de todos os homens no sentido que acabamos de explicar?
Sim, Senhor; pois se bem que aqueles que tiveram a desgraça de morrer na impenitência final não são membros seus e estão separados Dele por toda a Eternidade, em compensação o é de uma maneira particularíssima dos que morreram em graça e desfrutam agora das doçuras da glória; é-o também de todos aqueles que, unidos a Ele por meio da graça, estão no Purgatório, ou vivem neste mundo; dos que lhe estão unidos pelos laços da fé, embora não possuam a caridade; dos que nem ainda pela fé lhe estão incorporados, mas o estarão algum dia, em conformidade com os decretos da divina predestinação; é-o, finalmente, de quantos vivem neste mundo pois, enquanto ainda aqui estão, têm capacidade para ser membros seus, embora de fato nunca cheguem a sê-lo (VIII, 3).

Podemos dizer que Jesus Cristo é também chefe e cabeça dos anjos?
Sim, Senhor; porque é o primeiro entre todas as criaturas chamadas a participar da visão beatífica, possui a plenitude da graça, e da sua plenitude participam todos (VIII, 4).

A graça capital de Cristo, com a extensão que acabamos de expor, identifica-se com a sua própria graça pessoal, como tal, homem determinado, distinto dos outros homens e com maior razão, dos anjos?
Sim, Senhor; no fundo e na essência é a mesma graça, porém recebe os nomes de graça pessoal e capital pela dupla função que desempenha: enquanto aperfeiçoa a natureza humana do Filho de Deus chama-se pessoal; e capital, enquanto se comunica aos que Dele dependem (VIII, 5).

É próprio e exclusivo de Cristo ser chefe e cabeça da Igreja?
Sim, Senhor; pois, no que respeita à comunicação dos bens interiores da graça, só a humanidade de Cristo pode justificar interiormente ao homem, atenta a sua união hipostática com a divindade; tratando-se do governo exterior da Igreja, podem intervir, e de fato intervém os homens, que, com hierarquia e títulos diferentes, governam ou seja uma parte, como os bispos as suas dioceses, ou toda a Igreja Militante, como o Soberano Pontífice durante o seu pontificado; porém, tendo sempre presente que estes superiores se limitam a exercer o cargo de vigários e lugares tenentes do único superior efetivo, Jesus Cristo, em cujo nome governam (VIII, 6).

Logo, Jesus Cristo, concentra e cumula em si mesmo toda a obra da Redenção e santificação dos homens?
Sim, Senhor.

Assim como Jesus Cristo é superior e cabeça dos bons, existe também um chefe dos maus, cujos intentos são fomentar as suas rebeldias contra Deus e conduzi-los à perdição eterna?
Sim, Senhor; é Satanás, caudilho dos anjos rebeldes (VIII, 7).

Em que sentido dizemos que o demônio é o superior do império do mal, como Jesus Cristo o é da sua Igreja?
No sentido de que Satanás pode infundir intrinsecamente a maldade, à maneira como Jesus Cristo infunde o bem, com a diferença que, no governo e disposição dos sucessos, ele se esforça por apartar aos homens de Deus, ao passo que Jesus Cristo se esforça por uni-los a Deus; e também, em que o pecador imita a rebeldia e orgulho de Satanás, como o justo a submissão e obediência de Cristo (Ibid).

Logo, é certo que, como consequência desta oposição, existe um empenhado duelo pessoal entre Jesus Cristo, chefe dos bons e Satanás, caudilho dos maus, cujas origens explicam o estado de luta perpétua e incompatibilidade irredutível entre bons e maus em todos os períodos da história?
Certamente que sim.

Virão tempos em que esta guerra adquirirá tais caracteres de violência que pareça que Satanás tenha concentrado toda a sua malícia e poder destruidor num só indivíduo, assim como o Filho de Deus acumulou a sua potência redentora na natureza humana que uniu à sua divina Pessoa?
Sim, Senhor; isto sucederá durante o reinado do Anticristo.

Logo, o Anticristo terá qualidades e títulos especiais para ser chefe dos maus?
Sim, Senhor; porque terá maior quantidade de malícia que homem algum antes dele teve, será o agente mais ativo e competente de Lúcifer e se esforçará em perder os homens e em acabar com o reino de Cristo, com tenacidade e meios de destruição dignos do chefe dos demônios (VIII, 8).

Que partido devem tomar os homens diante da luta perene e irredutível entre os dois chefes do gênero humano?
O de não pactuar em coisa alguma com o demônio e seus satélites e o de alistar-se debaixo das bandeiras de Cristo e, às suas ordens, lutar como valentes e não abandoná-las jamais.

VII

DA CIÊNCIA DE CRISTO ENQUANTO HOMEM: CIÊNCIA BEATÍFICA, INFUSA E ADQUIRIDA

Além da graça que o Filho de Deus concedeu à natureza humana, unida à sua divina Pessoa, dotou-a também com outras prerrogativas?
Sim, Senhor; e em primeiro lugar, com as de ciência (IX-XII)*.

Quantas classes de ciência possuía o Filho de Deus Encarnado?
Três: aquela, em virtude da qual são felizes os santos no céu ou ciência da visão beatífica; a ciência infusa ou inata, derivada do Verbo, a qual põe na alma as noções e idéias necessárias para saber e compreender todas as coisas de um só relance e de um modo natural e a ciência experimental ou adquirida, resultado do exercício ordinário das faculdades mentais que assimilam o mundo exterior por meio dos sentidos (IX, 2, 3, 4).

Foi especial e perfeitíssima a ciência de visão beatífica de Cristo Nosso Senhor?
Foi tão grande que excede sem proporção a de todos os anjos e homens bem-aventurados; desde o primeiro instante de sua Encarnação, pode Jesus Cristo, enquanto homem, conhecer no Verbo todas as coisas, de sorte que nada houve, presente, passado ou futuro, fossem ações, palavras ou pensamentos, qualquer que fosse a sua causa ou motivo, que o Filho de Deus não conhecesse, segundo a natureza humana a Ele unida hipostaticamente (X, 2-4).

Foi também, singularmente perfeita, a ciência infusa de Jesus Cristo?
Sim, Senhor; visto que Jesus Cristo, enquanto homem. sabia quanto pode conhecer a inteligência humana, utilizando as suas luzes naturais e, além disso, quantos conhecimentos pode a revelação proporcionar a qualquer inteligência criada mediante o dom de sabedoria, de profecia ou de qualquer outro dos dons do Espírito Santo, e isto com uma perfeição e abundância absolutamente transcendentais, não só em comparação com a ciência dos outros homens, mas também com a dos espíritos angélicos (XI, 1. 3. 4).

Que devemos pensar da ciência adquirida pelo Filho de Deus feito homem?
Que possuía toda quanta a inteligência humana pode alcançar trabalhando sobre os dados dos sentidos; que esta ciência foi progredindo e aperfeiçoando-se, à medida que o entendimento reflexionava sobre os novos dados que iam aflorando aos sentidos, sem que jamais tivesse aprendido qualquer verdade dos lábios de um mestre, porque à medida que se ia desenvolvendo, aprendia por si mesmo nas obras de Deus, tudo o que um mestre poderia explicar-lhe (XII, 1,3).

Aprendeu alguma coisa dos anjos?
De maneira nenhuma, pois toda a ciência que, enquanto homem, possuía, adquiriu-a ou imediatamente do Verbo ao qual pessoalmente estava unido ou no exercício de suas faculdades naturais, e qualquer outro modo de adquiri-la teria sido indigno Dele (XII, 4).

VIII

DO PODER DE JESUS CRISTO ENQUANTO HOMEM

Possuiu Jesus Cristo, enquanto homem, alguma outra prerrogativa, além da ciência?
Sim, Senhor, a do poder (XIII).

De que poderes estava investida a alma humana de Cristo?
Em primeiro lugar, do poder que tem toda alma pelo fato de ser forma substancial do corpo; além disso, do poder próprio e exclusivo da alma de Cristo na ordem da graça, visto que está destinada a comunicá-la a todos os que hajam de possuí-la; por último, a natureza humana de Cristo participa instrumentalmente do poder do Filho de Deus que, unido pessoalmente a ela, transformará e restaurará todas as coisas no céu e na terra, conforme o plano fixado por Deus e em harmonia com o fim da Encarnação (XIII, 1-4).

IX

DOS DEFEITOS DA NATUREZA HUMANA UNIDA HIPOSTATICAMENTE AO FILHO DE DEUS  DEFEITOS POR PARTE DO CORPO E POR PARTE DA ALMA

Foi conveniente que, ao lado das prerrogativas de ciência, graça e poder, tomasse o Filho de Deus a natureza humana com alguns defeitos de alma e corpo?
Pensando que o fim intentado pelo Filho de Deus na Encarnação foi satisfazer pelos nossos pecados, aparecer no mundo como um dentre os homens, reservando todo o seu mérito para a fé, e dar-nos exemplo com a prática das mais sublimes virtudes de paciência e imolação, sim, Senhor.

Que defeitos corporais tinha a natureza humana assumida pelo Verbo?
As misérias e debilidades inerentes a toda a natureza humana, como pena do pecado de nossos primeiros pais, tais como a fome, a sede e a a morte; não, porém, os defeitos consequentes de pecados pessoais, nem os hereditários, nem os acidentalmente contraídos na concepção (XIV, 1).

Logo o corpo de Jesus Cristo, com a exceção das debilidades mencionadas, era soberanamente formoso e perfeito?
Sim, Senhor; porque assim convinha à dignidade do Verbo divino e à ação do Espírito Santo, que diretamente o modelou nas entranhas da Santíssima Virgem, como mais tarde diremos.

Que defeitos de alma tinha a natureza humana unida ao Filho de Deus?
Em primeiro lugar, a possibilidade de experimentar dor sensível, especialmente a que produziriam as lesões corporais que havia de padecer no curso de sua paixão; em segundo lugar, o sentir a contrariedade produzida pelos movimentos interiores da ordem afetiva sensível e intelectual que supõem sempre um mal iminente, tais como a tristeza, o temor e a cólera, tendo em vista que esses movimentos em Cristo nunca estiveram em desacordo com a razão, à qual estavam em tudo submetidos (XV, 1-9).

Podemos dizer que Jesus Cristo, enquanto homem, era ao mesmo tempo 'compreensor' por estar em termo e 'viador' por achar-se no caminho da bem-aventurança?
Sim, Senhor; o primeiro, porque gozava plenamente da visão da essência divina e o segundo porque, suspensa milagrosamente a derivação da glória da alma para a parte sensível, como o fim de não impedir a obra da redenção, conquistou e mereceu, durante a sua vida mortal, a glorificação do corpo que começou a desfrutar depois da Ressurreição e da Ascensão (XV, 10).

X

CONSEQUÊNCIAS DA ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS — DE QUE MANEIRA PODEMOS EXPRESSAR-NOS AO FALAR DO VERBO ENCARNADO

Que proposições podemos sustentar referindo-nos ao adorável mistério da Encarnação?
Podemos dizer com verdade que Deus é homem porque uma pessoa de natureza divina é homem; também podemos dizer que o homem é Deus, porquanto uma pessoa, que é realmente homem, se identifica com a pessoa de Deus; e, em geral, podemos atribuir a Deus todas as propriedades da natureza humana, porque se realizam numa pessoa divina, e as da natureza divina podem dizer-se do homem Verbo Encarnado, porque aquele homem é pessoa de Deus. Ao contrário, não podemos atribuir à divindade os predicados da humanidade, nem a esta os daquela porque, na pessoa do Filho de Deus Encarnado, permanecem inconfusas as duas naturezas, conservando cada uma as suas propriedades (XVI, 1,2).

Podemos dizer: Deus se fez homem?
Sim, Senhor; porque uma pessoa divina, que não era homem, começou a sê-lo no tempo (XVI, 6).

Podemos dizer que o Verbo Encarnado é uma criatura?
Em absoluto, não, Senhor; porque tal locução faria supor que um puro homem chegou a transformar-se em Deus (XVI, 7); porém, acrescentando: em atenção à natureza humana que assumiu hipostaticamente, sim, porque a natureza humana, unida à pessoa do Verbo, é uma criatura (XVI, 8).

Podemos dizer: este homem (indicando a Cristo) começou a existir?
Não, Senhor; porque daríamos a entender que quem começou a existir foi a pessoa divina. Poderíamos, apesar disto, empregar a frase, ajuntando: 'enquanto homem ou em atenção à natureza humana' (XVI, 9).

XI

DA UNIDADE E MULTIPLICAÇÃO EM CRISTO CONSIDERADAS QUANTO AO SER, À VONTADE E ÀS OPERAÇÕES

Constitui Jesus Cristo um só ser ou um agregado de seres?
Um só, Deus e homem ao mesmo tempo, porque uma só é a pessoa que subsiste em ambas as naturezas divina e humana (XVIII, 1, 2)*.

Há em Cristo mais de uma vontade?
Sim, Senhor; possui a vontade divina como Deus; e como homem, a vontade humana (XVIII, 1).

A vontade humana de Cristo é uma ou múltipla?
Se entendermos por vontade não só o apetite afetivo intelectual, mas também o sensível e ainda os atos diversos da mesma potência afetiva, é múltipla (XVIII, 2, 3).

O Verbo Encarnado teve e tem livre arbítrio?
Sim, Senhor; e em grau excelente e perfeitíssimo, apesar do que, de maneira alguma, pode pecar, porque a sua vontade deliberada esteve sempre de acordo com a divina até nas coisas em que o apetite sensitivo e as propensões naturais da vontade o inclinavam a desviar-se do que a vontade deliberada exigia, conforme ao divino querer (XVIII, 4).

Houve e há em Jesus Cristo diversas classes de operações?
Sim, Senhor, visto que, se bem que a pessoa a quem os atos se atribuem é uma única, atendendo aos princípios imediatos de operação, estes se multiplicam quanto se multiplicam as potências ou faculdades da natureza humana, mesmo sem ter em conta a variedade dos atos divinos, distintos dos próprios da humanidade (XIX 1, 2).

Logo, em que sentido falamos de 'operações teândricas' em Jesus Cristo e o que significa esta expressão?
Significa que em Jesus Cristo, Deus e homem ao mesmo tempo, existiam subordinação e dependência entre as faculdades ou princípios operativos próprios da natureza humana e os exclusivos da divina, de tal forma, que nele as obras humanas revestiam um gênero especialíssimo de perfeição e enobrecimento, sob a influência da natureza divina, e as divinas, poderíamos dizer, como que se humanizavam, manifestando-se ao exterior por meio da natureza humana e com o seu concurso (XIX, 1 ad 1).

Pôde Jesus Cristo merecer alguma coisa com suas obras humanas?
Pôde e foi conveniente que merecesse tudo aquilo cuja falta não redundava em desdouro de sua perfeição e suprema dignidade, e assim mereceu a glória do corpo e a exaltação do seu nome no céu e na terra (XIX, 3).

Pode merecer pelos outros?
Sim, Senhor; e com mérito adequado, visto que, como temos dito, forma unidade mística com todos os membros da Igreja, da qual Ele a cabeça é, de tal sorte que os seus atos não só foram meritórios para Ele pessoalmente, mas também em favor de todos os que de algum modo pertencem à sua Igreja, no sentido e com a extensão explicada quando tratamos da sua graça capital (XIX, 4).

Que é necessário para que aproveitem aos homens os méritos de Jesus Cristo?
Que se unam a Ele mediante a graça do batismo, que é graça de incorporação, como logo veremos (XIX, 4, ad 3).

XII

CONSEQUÊNCIAS DA ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS COM RESPEITO AO PAI — SUJEIÇÃO AO PAI, ORAÇÃO E SACERDÓCIO DE CRISTO

Que se segue do fato da Encarnação, atendendo às relações do Filho de Deus com o Pai e às deste com o Filho?
Segue-se que o Verbo Encarnado esteve sujeito ao Pai; que orou, que o serviu como sacerdote e que, permanecendo Filho natural e não adotivo, pode e deve ser sujeito de predestinação divina (XX-XXIV).

Que entendeis, quando afirmais que Jesus Cristo esteve sujeito ao Pai?
Que, considerando que o Pai é a bondade por essência, e o Filho, atendendo à natureza humana, só tem bondade participada, segue-se que, no que se refere à vida humana, tudo estava regulado, disposto e ordenado pelo Pai, e que, enquanto homem, viveu a Ele sujeito com a obediência mais perfeita e absoluta (XX, 1).

Podemos deduzir destas razões que também estava sujeito a si mesmo enquanto Deus?
Sim, Senhor; porque a natureza divina, base da superioridade do Pai sobre o Filho, é comum aos dois (XX, 2).

Por que devemos admitir que o Verbo Encarnado pôde e pode orar?
Porque a sua vontade humana, independentemente da divina, não podia realizar todos os seus anelos; isto é razão suficiente para que o Filho se dirija ao Pai, suplicando-lhe que, com sua vontade onipotente que é também a sua enquanto Deus, execute o que a vontade humana não pode realizar (XXI, 1).

Pode Jesus Cristo orar e pedir alguma coisa em seu favor?
Sim, Senhor, para pedir ao Pai os bens do corpo e a exaltação do seu nome, coisas que não possuía enquanto viveu na terra, como também para dar-lhe graças por todos os dons e privilégios que lhe havia concedido na natureza humana e, neste sentido, durará a sua oração eternamente XXI, 3).

Foram sempre bem acolhidas as orações de Jesus Cristo enquanto viveu na terra?
Tomando a oração no sentido de súplica e desejo deliberado e firme de alguma coisa, sim, Senhor; porque, Jesus Cristo, que conhecia maravilhosamente os planos divinos, jamais quis com vontade deliberada coisa menos conforme com o querer do Pai, que era o seu enquanto Deus (Ibid).

Que entendeis por sacerdócio de Cristo?
Entendo que a Ele, por excelência, pertence distribuir aos homens os dons celestiais e em nosso nome apresentar-se diante de Deus, para oferecer-lhe as nossas súplicas, aplacar a sua cólera e reconciliar-nos com Ele (XXII, 1).

Podemos dizer que Jesus Cristo foi, ao mesmo tempo, sacerdote e vítima?
Sim, Senhor; já que, ao aceitar a morte por nós, verificou em sua pessoa os três antigos sacrifícios de vítima pelos pecados, hóstia pacífica e holocausto, porque lavou nossos pecados, satisfazendo por eles, alcançou-nos a graça e abriu-nos as portas da glória, onde definitivamente nos uniremos com Ele (XXII, 2).

Foi Jesus Cristo sacerdote em benefício próprio?
Não, Senhor; porque estava capacitado de que, para acercar-se de Deus, não tinha necessidade de intermediários e porque, isento de pecado, do qual só tinha tomado a aparência, não necessitava oferecer sacrifícios expiatórios por si mesmo, mas por nós (XXII, 4).

É eterno o sacerdócio de Cristo?
Sim, Senhor; porque eternamente durará o seu efeito que é a glória consumada dos santos, purificados em virtude do seu sacrifício (XXII, 5).

Por que se diz que Jesus Cristo é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque?
Para fazer notar a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o levítico, sombra e figura sua (XXII, 6).

XIII

DA FILIAÇÃO DIVINA E DA PREDESTINAÇÃO DE CRISTO

Que quereis dizer quando falais da adoção divina?
Que Deus, por um ato de infinita bondade, se dignou admitir as criaturas racionais na participação dos seus próprios bens, isto é, na glória da bem-aventurança eterna pois, não podendo ser os anjos nem os homens filhos por natureza (já que isto só pertence ao Verbo), enobreceu-os com o titulo e direitos de filhos adotivos (XXIV, 1)*.

O Verbo Encarnado é, enquanto homem, filho adotivo de Deus?
Não, Senhor; porque a filiação é propriedade pessoal e, portanto, onde existe filiação natural, não há lugar para a adotiva que é similitudinária (XXIII, 4).

Jesus Cristo foi predestinado?
Sim, Senhor; porque a predestinação é um decreto eterno em que Deus determina o que Ele próprio há de executar, com o correr do tempo, na esfera e vida da graça; o fato de um ser humano ter sido pessoa divina e Deus ter sido homem é um fato por Deus realizado no tempo e constitui o florão e remate da ordem da graça; logo, com maior razão que nenhuma outra criatura, foi predestinado o Filho de Deus feito homem (XXIV, 1).

A predestinação de Jesus Cristo é modelo e causa da nossa?
Sim, Senhor; porque o decreto de nossa predestinação é que sejamos, por adoção, o que o Verbo Encarnado é por natureza, e que Jesus Cristo seja o autor da nossa glorificação, já que por seus merecimentos havemos de alcançar a bem-aventurança eterna (XXIV, 3,4).

XIV

CONSEQUÊNCIAS DA ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS EM RELAÇÃO CONOSCO — COMO DEVEMOS ADORÁ-LO ; COMO É MEDIADOR ENTRE DEUS E OS HOMENS

Que se segue do fato da Encarnação em relação a nós?
Que temos a obrigação de adorar ao Filho de Deus feito homem e de reconhecer que é nosso mediador (XXV - XXVI).

Que quereis exprimir quando dizeis que temos obrigação de adorar ao Verbo Encarnado?
Que estamos obrigados a tributar à pessoa do Verbo o culto próprio de Deus, que é o de latria, onde quer que esteja e qualquer que seja a forma, divina ou humana, em que se apresente; posto que, se em Jesus Cristo atendêssemos exclusivamente a natureza humana, só poderíamos tributar-lhe o culto de dulia (XXV, 1,2).

É esta a razão por que tributamos culto de latria ao Sagrado Coração de Jesus?
Sim, Senhor; porque o Coração de Jesus faz parte de sua adorável pessoa. Entre os elementos integrantes da pessoa de Cristo, nenhum há tão apropriado como o coração para ser objeto de um culto especial, porque simboliza a obra do amor infinito levada ao extremo, em nosso obséquio, pelo Verbo feito homem, no mistério da Encarnação e Redenção; portanto, o culto tributado ao Sagrado Coração de Jesus é culto tributado a Jesus Cristo na qualidade de amante do homem.

Devemos adorar com culto de latria as imagens de Jesus Cristo?
Sim, Senhor; porque o culto que se rende a uma imagem, formalmente como imagem, e não como coisa, se identifica com o que se tributa ao que por ela é representado (XXV, 5).

Deve adorar-se a Cruz de Jesus Cristo com o culto de latria?
Sim, Senhor; porque é imagem de Cristo que nela morreu por nós, e, tratando-se da Cruz em que foi crucificado, merece ademais o dito culto por haver estado em contato imediato com o divino Salvador e ter-se umedecido com o seu precioso sangue (XXV, 4).

Podemos render culto de latria à Santíssima Virgem, Mãe de Deus?
Não, Senhor; porque não a honramos somente por ser mãe de Cristo, mas pelo que ela é em si mesma e, sendo pura criatura, não podemos tributar-lhe o culto próprio e exclusivo de Deus. Não obstante isto, suposto que o motivo de prestar culto de dulia às criaturas é o seu degrau para a união com Deus, já que não existe nenhuma tão intimamente unida com ele, lhe tributaremos um culto especial, conhecido com o nome de hiperdulia (XXV, 5).

Estamos obrigados, em atenção a Jesus Cristo, a prestar culto às relíquias dos santos e especialmente aos seus corpos?
Sim, Senhor; porque os santos foram e são membros de Cristo, amigos de Deus e nossos intercessores; logo, tornaram-se credores de que tenhamos em grau de estima quanto lhes pertenceu, e em especial os seus corpos que foram templos do Espírito Santo e estão destinados a ser a imagem do corpo glorioso de Cristo, quando chegar a hora da ressurreição (XXV, C).

Que entendeis quando afirmais que Cristo é mediador entre Deus e os homens?
Que, atenta à sua natureza humana, ocupar um lugar intermédio entre Deus, de quem se distingue pela referida natureza e os homens, de quem o separa a excelência da sua dignidade e os dons da graça e glória que possui; se ocupa este lugar intermédio, segue-se que lhe corresponde, por direito próprio, o comunicar aos homens os mandatos e distribuir os favores divinos; e comparecer diante de Deus, como representante dos homens, para rogar e satisfazer por eles (XXVI, 1, 2).

XV

DA MANEIRA COMO SE DESENROLOU O MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO

De que maneira e com que ordem e sucessão se realizou o adorável mistério que acabamos de explicar?
Para responder a esta pergunta dividiremos a matéria em quatro partes: consideraremos em primeiro lugar a entrada de Jesus Cristo neste mundo; em segundo lugar, a sua vida mortal; em terceiro, o modo como a abandonou, e, por último, a sua exaltação e glorificação (XXVII, Prólogo).

XVI

DA VINDA DE JESUS CRISTO A ESTE MUNDO — SEU NASCIMENTO

De que modo veio a este mundo o filho de Deus Encarnado?
Sendo concebido por obra sobrenatural do Espírito Santo e nascendo da Santíssima Virgem Maria.

A Santíssima Virgem, a quem o Filho de Deus havia escolhido para sua futura Mãe, quando realizasse a obra da sua Encarnação, desfrutou privilégios especialíssimos, em atenção à sua maternidade?
Sim, Senhor; e o mais precioso foi o da sua Imaculada Conceição (XXVII).

Que entendeis por privilégio da Imaculada Conceição?
O fato de que, em atenção a que a Santíssima Virgem era a criatura escolhida para ser mãe do Salvador, por privilégio especial e único em virtude do qual se lhe aplicaram antecipadamente os méritos da Redenção, foi preservada da mancha do pecado original em que havia de incorrer por descender de Adão pecador, por via de geração natural; e não só foi preservada do pecado, mas também, desde o primeiro instante da sua concepção, foi enriquecida e adornada com a plenitude dos dons sobrenaturais da graça (Pio IX — Definição dogmática da Imaculada Conceição).

Que entendeis quando afirmais que o Verbo feito homem nasceu da Virgem Maria?
Que a Mãe de Cristo, em vez de perder a virgindade em consequência da maternidade, viu como Deus a consagrava e fortalecia, de sorte que foi Virgem antes da concepção, depois dela, no parto e durante o resto de sua vida (XXVIII, 1, 2,3).

Logo a concepção do Filho de Deus, no seio da Virgem Santíssima, por obra do Espírito Santo, foi totalmente sobrenatural e miraculosa?
Sim, Senhor; foi de um modo todo miraculoso que a gloriosa Virgem Maria concebeu o Filho de Deus, revestindo este a nossa natureza humana no seu seio virginal; porém, tenhamos presente que, nesta concepção, a Santíssima Virgem não deixou de tomar aquela parte necessária e suficiente para ser verdadeira mãe, como as outras mães o são de seus filhos (XXXI, 5; XXXII).

Foi instantânea a formação do corpo de Cristo no seio virginal de Maria e conferiram-se-lhe, naquele primeiro instante, todas as prerrogativas e graças com que, segundo temos visto, Deus enriqueceu a natureza humana que Cristo assumiu na unidade de pessoa?
No mesmo instante em que a Santíssima Virgem pronunciou o fiat, expressão do seu consentimento, se realizaram no seu seio, sob o influxo onipotente do Espírito Santo, todos os privilégios e maravilhas que constituem o mistério da Encarnação (XXXIII - XXXIV).

Teve o Filho de Deus, desde aquele primeiro instante, uso de razão e livre arbítrio e, por conseguinte, capacidade para merecer?
Naquele instante, o Verbo Encarnado obteve, enquanto homem, todos os tesouros da ciência beatífica e infusa de que falamos, gozou plena liberdade e começou a merecer com mérito perfeito (XXXIV, 1-3).

Quando dizeis que o Filho de Deus nasceu da Virgem Maria, entendeis um verdadeiro nascimento da Segunda Pessoa divina? E como distinguir este nascimento temporal daquele outro eterno com que nasceu do Pai?
Em ambos os casos, entendemos verdadeiro nascimento da pessoa de Cristo; porém, como esta consta de duas naturezas, quando dizemos que nasceu, no tempo, da Virgem Maria, entendemos que dela recebeu a natureza humana e, quando falamos de como nasceu do Pai, entendemos que Este, na Eternidade, lhe comunicou a natureza divina (XXXV, 1, 2).

Logo, por ter nascido da Virgem, o Filho de Deus é Filho de Maria, e ela é verdadeiramente sua Mãe?
Sim, Senhor; porque tudo quanto uma mulher comunica ao seu filho, o mesmo comunicou a Virgem Maria ao Filho de Deus (XXXV. 3).

Segue-se daqui que a Santíssima Virgem é Mãe de Deus?
Indubitavelmente, porque com toda a verdade é sua Mãe, segundo a natureza humana unida hipostaticamente ao Verbo, que é Deus como seu Pai (XXXV, 4).

XVII

DO NOME DE JESUS CRISTO IMPOSTO AO VERBO ENCARNADO

Quando se impôs ao Filho de Deus o nome de Jesus?
Conforme o que o Anjo do Senhor havia ordenado a Maria e a José, foi-lhe imposto, no oitavo dia do seu nascimento, na cerimônia da circuncisão (XXXVII, 2)*.

O que significa o nome de Jesus imposto por ordem do Céu ao Filho de Deus feito homem?
Designa a sua qualidade característica na ordem da graça, a de Salvador do gênero humano.

Por que ao nome de Jesus se ajunta o de Cristo?
Por que a palavra Cristo, que significa Ungido, dá a entender a unção divina que o converte em Santo, Sacerdote e Rei dos domínios sobrenaturais (XXII, 1 ad 3).

Logo, qual é o seu significado integral e a quem designamos em concreto ao pronunciar o nome de Jesus Cristo?
Designamos ao Filho de Deus, coeterno e consubstanciai com o Pai e o Espírito Santo, Criador, conservador e governador supremo do universo; queremos dizer que este Verbo divino se revestiu da natureza humana e, sem deixar de ser Deus, se fez homem; que, com o dote de tão inefável união, obteve, enquanto homem, graças e privilégios de valor quase infinito, entre os quais sobressai a qualidade de Salvador dos homens, em virtude da qual é, por direito próprio, Mediador único junto de Deus, Pontífice Soberano, Rei Supremo, Profeta sem igual, chefe e cabeça dos eleitos, quer sejam homens ou anjos, pois uns e outros completam o seu corpo místico.

XVIII

DO BATISMO DE JESUS CRISTO

Por que, sendo Jesus Cristo o que acabamos de dizer, quis ser batizado com o batismo de São João ao começar a sua vida pública?
Porque assim convinha que inaugurasse a sua missão na terra. Era esta a de remir-nos; a Redenção consiste em perdoar os pecados, e esta remissão se efetuaria, por sua vez, mediante o batismo que ia promulgar e inaugurar. O batismo de Jesus Cristo é batismo de água, administrado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Todos os homens, sem exceção, devem recebê-lo, visto que todos são pecadores: por isso, querendo o divino Redentor dar a entender a sua imprescindível necessidade, solicitou Ele, que só a aparência tinha de pecador, o batismo de São João, simples figura do seu; e recebeu-o para santificar a água com o seu contato e dispô-la para ser a matéria do Sacramento. No seu batismo se revelaram e manifestaram as três Pessoas da Santíssima Trindade. Ele, na natureza humana; o Espírito Santo, na forma de pomba; e o Pai, na voz que se ouviu, como vinda do céu, dando-nos com isso a entender qual seria a forma do Sacramento. Por último, se declarou ali o seu efeito quando se abriu o céu sobre a cabeça do Salvador, pois também ao receberem a água batismal, o céu se abre para os homens, em virtude do batismo de Sangue com que Cristo havia de lavar em sua própria pessoa os pecados do mundo (XXXIX, 1-8).

XIX

DA VIDA PUBLICA DE JESUS CRISTO - DA TENTAÇÃO, PREGAÇÃO, MILAGRES E TRANSFIGURAÇÃO

Foi a vida pública de Jesus Cristo digna da sua concepção e nascimento e do batismo com que a inaugurou e, além disso, conforme com a sua missão e dignidade?
Sim, Senhor; porque levou uma vida modesta, simples e de extrema pobreza, pelo que preparou os ânimos para receberem a Nova Lei, fazendo que na sua própria pessoa acabasse o império da Antiga (XL, 1-4).

Por que quis Jesus Cristo ser tentado depois do batismo?
Para ensinar-nos a maneira como devemos resistir aos assaltos do inimigo e para subjugar, com a sua vitória, a audácia do demônio, ensoberbecido com a derrota que fez sofrer aos nossos primeiros pais no Paraíso (XLI, 1).

Pregou e ensinou Jesus Cristo da maneira mais convincente?
Sim, Senhor; porque percorreu pessoalmente todo o território do povo escolhido, a quem seu Pai o havia enviado e, em três anos de vida pública, não teve um momento de repouso, na empresa de ensinar aos homens, acomodando à sua capacidade os mistérios do reino dos céus (XLII, 1-4).

Foram convenientes e oportunos os milagres que fez?
Sim, Senhor; pois, com eles, deu provas irrefragáveis de quem era e de como dava aos homens meios infalíveis para reconhecê-lo, demonstrando a sua superioridade e onipotência sobre os espíritos, os corpos siderais, as enfermidades e misérias humanas e até sobre os próprios seres irracionais e insensíveis (XLIII, XLIV).

Fez algum que, por sua natureza e pelas circunstâncias que a rodearam, tivesse particularíssima e excepcional importância?
Sim, Senhor; o da Transfiguração (XLV).

Por que?
Porque, tendo revelado aos discípulos o mistério da sua paixão e morte ignominiosa num patíbulo e prognosticado como os seus sequazes haviam de acompanhá-lo no caminho do padecimento e da dor, quis que os três discípulos privilegiados vissem, na sua pessoa, a finalidade a que o padecimento conduz aos que têm a valentia de arrostá-lo por seu amor; e como esta doutrina e experiência eram o ponto culminante dos seus ensinos, aproveitou aquele momento solene para que proclamassem e dessem testemunho da sua autoridade e da veracidade das suas palavras, de um lado a Lei, personificada em Moisés e os Profetas, representados por Elias, e de outro, O Pai Celestial que deixou ouvir a sua voz, declarando-o Filho muito amado, a quem era necessário ouvir (XLV, 1-4).

Por que declarou o Pai a filiação divina do Filho por ocasião do Batismo e da Transfiguração?
Porque a filiação natural de Jesus Cristo é o modelo com que deve conformar-se a nossa filiação adotiva, e esta começa com a graça do batismo e consuma-se na glória da bem aventurança (XLV, 4 ad 2).

De que falavam Moisés e Elias com Jesus Cristo quando se apresentaram envoltos em resplendores de glória, no monte Tabor?
Do mistério da paixão e morte de Cristo, ou como disse São Lucas, com frase gráfica, da saída de Jesus de Jerusalém (XLV, 3).

XX

DE COMO JESUS CRISTO DEIXOU ESTE MUNDO; DA PAIXÃO, MORTE E SEPULTURA

Que causas compreende a saída de Jesus, verificada em Jerusalém?
Quatro coisas: a paixão, a morte, a sepultura e a descida aos infernos (XLVI-LII).

Por que quis Jesus Cristo padecer as torturas da paixão, antes de padecer a morte na cruz?
Primeiramente para obedecer aos mandatos do Pai que assim o havia determinado nos seus decretos eternos e, além disso, porque Jesus Cristo, profundo conhecedor do plano divino, sabia que a Paixão era a obra prima da sabedoria e amor de Deus, planejada para levar ao fim, com a maior eficácia, a redenção do gênero humano, além de confundir o demônio, nosso mortal inimigo, e oferecer aos homens o testemunho supremo do grande amor com que Deus os amou (XLVI, 1).

Os tormentos que Jesus Cristo padeceu, na sua paixão, excedem em conjunto a quanto se há padecido e se há de padecer?
Sim, Senhor; porque o seu corpo, cuja sensibilidade foi a mais delicada e perfeita que pode haver, foi torturado com toda a diversidade de suplícios, os quais não deixaram órgão nem sentido que não atormentassem, sem que a parte superior do espírito, que desfrutava o pleno gozo da visão beatífica, viesse em auxílio do corpo, ou mitigasse os tormentos da dolorosa sensibilidade; e a sua alma, ao tomar sobre si a responsabilidade e a obrigação de satisfazer por todos os pecados do mundo, quis experimentar torturas e dores proporcionadas àquele objeto (XLI, 5, 6).

De que modo levou ao fim a paixão de Cristo a obra da nossa salvação?
Considerada a paixão de Cristo em relação com a divindade, da qual a humanidade paciente era instrumento, é causa eficiente de nossa Salvação; se a consideramos como livremente aceita por sua vontade humana, é causa meritória; tomada em si mesma, como padecimento e suplício da parte sensível do Redentor, obrou-a por modo de satisfação, já que os seus tormentos compensaram os que mereciam os nossos pecados; por modo de Redenção, se atendermos a que, por ela, nos resgatou da escravidão do pecado e do demônio; e por modo de Sacrifício, se considerarmos que nos reconciliou com Deus e voltamos a achar graça diante dos seus olhos (XLVIII, 1-4).

É próprio e exclusivo de Cristo o atributo de Redentor do gênero humano?
Sim, Senhor; porque foi Ele quem, para partir as cadeias com que nos tinham algemados o demônio e o pecado, ofereceu e entregou ao Pai o sangue e a vida, como preço do nosso resgate e liberdade. Não obstante isto, tendo em conta que a humanidade do Salvador havia recebido sangue e vida da Santíssima Trindade, e que o movimento que impeliu a vontade humana a oferecer semelhante preço por nossa redenção, partiu, em sua origem, da Divindade, causa primeira de todo bem, segue-se que a obra da redenção se atribui à Santíssima Trindade, como causa primeira e ao Filho de Deus, enquanto homem, como causa imediata (XLVIII, 5).

Logo, a paixão de Cristo remiu-nos da escravidão do demônio, arrancando-nos do seu poder?
Sim, Senhor; porque destruiu o pecado com que o homem, cedendo às sugestões do demônio, tinha merecido ficar sujeito ao seu domínio, e nos reconciliou com Deus, a quem havíamos ofendido, cuja justiça havia abandonado o homem ao poder do demônio, e utilizou até o poder tirânico de Satanás, permitindo-lhe enfurecer-se contra o Filho de Deus, até fazê-lo condenar à morte, sendo inocente (XLIX, 1-4).

Podemos considerar, como efeito especial da paixão de Cristo, o de abrir-nos as portas do céu?
Sim, Senhor; porque dois eram os obstáculos que impediam a entrada no céu ao gênero humano: o pecado original, comum a todos os homens como descendentes, por via de geração de Adão pecador e os pecados pessoais; ambos estes obstáculos se destruíram com a paixão de Cristo (XLIX, 5).

Foi conveniente que a paixão do Redentor terminasse com a morte?
Sim, Senhor; porque foi o meio mais adequado e apropriado para que o homem sacudisse o jugo e a servidão com que o tinham cativo a morte espiritual do pecado e a física imposta como castigo da culpa original; e com efeito, ao morrer Cristo pelos homens, venceu a morte e logrou que nós triunfássemos também dela, perdendo o horror natural que ela inspira, pois sabemos que morremos para ressuscitar, e sobretudo, para que, como membros seus, morramos com as mesmas disposições com que Ele morreu e consigamos sobre a morte o triunfo que Ele alcançou (L, 1).

Por que quis ser sepultado depois de morrer?
Primeiramente, para demonstrar que realmente estava morto, pois, de ordinário, a ninguém se sepulta antes de comprovar suficientemente a morte real; em segundo lugar, para confirmar, com a sua ressurreição, o dogma da ressurreição universal; e por último, para ensinar-nos que, se queremos morrer para o pecado, temos que nos despedir da vida turbulenta, em que imperam o desregramento e a paixão, e abandoná-la para levar uma vida escondida e oculta em Deus (LI, 1).

XXI

DA DESCIDA AOS INFERNOS

Por que quis Jesus Cristo descer aos infernos?
Para evitar a nossa descida e para vencer ao demônio, libertando aos que ali tinha detidos; e para demonstrar como o seu poder alcança até os infernos, já que pode visitá-los e iluminá-los com o resplendor da sua luz (LII, 1)*.

A que infernos desceu?
À parte dos infernos em que, por consequência do pecado original, estavam detidos os justos que já não tinham pecados pessoais que purgar. Somente ali penetrou para consolar e alegrar aos antigos patriarcas; porém, daquele lugar fez notar os efeitos da sua presença em todos os âmbitos: no inferno dos condenados, para confundir a sua incredulidade e pertinácia; no purgatório, para infundir alentos às almas atribuladas que ali padeciam com a esperança de ser admitidas na glória logo que terminasse o tempo da sua expiação (LII, 2).

Esteve ali muito tempo?
Tanto quanto o seu corpo no sepulcro (LII, 4).

Levou consigo, ao sair, as almas dos justos?
Sim, Senhor; no primeiro instante em que a sua alma penetrou naquela morada comunicou aos justos a graça da visão beatífica e, ao abandonar aqueles lugares para unir-se ao corpo na ressurreição, quis que o acompanhassem todos para nunca mais se separarem dele (LII, 5).

XXII

DA GLORIFICAÇÃO DE JESUS CRISTO: A RESSURREIÇÃO

Foi necessário que Jesus Cristo ressuscitasse glorioso?
Sim, Senhor; porque Deus estava obrigado a manifestar a sua Justiça, exaltando àquele que se havia humilhado até à morte, e morte de cruz; porque era conveniente esta suprema prova da divindade de Cristo, para robustecer a nossa fé, arraigar a esperança, orientar e conformar a nossa vida transformada em ressurreição espiritual com a de Jesus ressuscitado e, finalmente, para que o Redentor desse manifestações, em sua própria pessoa, dos maravilhosos dotes da vida gloriosa que nos destina e que começou com a sua ressurreição (LIII, 1).

Quais foram os dotes do corpo de Cristo ressuscitado?
O corpo de Cristo ressuscitado foi o mesmo que ficou pendente da cruz e que os discípulos desencravaram e depositaram no sepulcro; porém, desde o momento da ressurreição, possuiu os dotes gloriosos da impassibilidade, da subtileza, da agilidade e da claridade que, como transbordamento da glória da alma em liberdade, com toda a abundância e plenitude se lhe comunicavam, fazendo participante o corpo da sua perfeição (LIX, 1-3).

Conserva o corpo de Cristo, depois da ressurreição, as cicatrizes dos pés, das mãos, e do lado?
Sim, Senhor, e é conveniente que as conserve afim de que contribuam para a sua glória, como troféus de vitória sobre a morte e porque serviram para convencer aos discípulos da verdade da ressurreição e porque são no céu como uma súplica viva, dirigida à clemência e misericórdia do Pai, e porque servirão para confundir os inimigos da Cruz no dia do juízo final (LIV, 4).

XXIII

DA ASCENSÃO DE JESUS CRISTO: AUTORIDADE E PODER JUDICIAL

Onde se encontra agora o corpo glorioso de Jesus Cristo?
No céu, para onde o Redentor, quarenta dias depois da ressurreição, subiu por virtude própria, à vista de seus discípulos, que do alto do monte das Oliveiras o contemplavam (LVII, 1).

Que significa a expressão 'Jesus Cristo subiu ao céu e está assentado à direita de Deus Pai'?
Significa que, sem sobressaltos, aflições, nem temores para o futuro, goza e desfrutará eternamente o repouso da bem-aventurança celestial e que, igual ao Pai, no uso de um privilégio exclusivo, é Rei do universo e julga a todos os seres da criação (LVII, LVIII).

Por que se atribui especialmente a Cristo o poder judicial?
Primeiramente, porque Jesus Cristo, enquanto Deus, é a Sabedoria do Pai, e o ato de julgar é um ato da Sabedoria e da verdade; em segundo lugar, porque Jesus Cristo, enquanto homem, é pessoa divina, e na sua natureza humana radica a dignidade de chefe da Igreja e, portanto, de todos os homens, já que todos hão de comparecer diante do tribunal de Deus; além disso, porque possui em toda a sua plenitude a graça santificante, que dá capacidade ao homem espiritual para emitir juízo reto e acertado; finalmente, porque merece ser denominado juiz dos céus e da terra aquele que, neste mundo, sofreu os rigores de um processo e que condena os injustos para defender os foros da Justiça divina (LIX, 1-4).

Começou Jesus Cristo a exercer o poder judicial, que constitui a prerrogativa mais excelsa da sua realeza, desde o momento em que subiu aos céus e tomou assento à direita de Deus Pai?
Sim, Senhor, e tudo quanto desde então ocorre no mundo, o movimento do universo, o desenvolvimento e evolução do gênero humano, o ciclo dos seres inanimados, as ações dos anjos bons e maus com sua influência nos acontecimentos. Ele o dirige e governa; e não só tem direito à realeza e mando enquanto Deus, de Quem a Providência é um dos atributos, mas também enquanto homem, por ser Filho de Deus e pessoa divina, e também porque, com a sua morte e paixão, conquistou tão elevado cargo e dignidade (LIX, 5).

Esta ação judicial tão intensa e minuciosa que Jesus Cristo vem exercendo desde o dia da sua Ascensão não faz inútil o juízo universal que há de realizar-se no fim dos tempos?
Não, Senhor; porque até então não haverá ocasião propícia para manifestar a plenitude e alcance do poder e da Soberania de Cristo; só quando se fechar o livro da história, se poderá apreciar em conjunto, não só o valor dos atos, mas também o de suas consequências e, portanto, premiar ou castigar a cada criatura conforme o total de seus merecimentos.

Governa Cristo aos anjos com os mesmos títulos com que rege aos homens?
Não, Senhor, porque, se bem que o Filho de Deus recompensa aos anjos bons com a glória eterna e castiga aos maus com o suplício da eterna condenação, nem os premia nem os castiga, enquanto homem, mas somente como Deus; os homens, ao contrário, recebem de Cristo, enquanto homem, o poderem entrar na posse da bem-aventurança; e dos seus lábios ouvirão os réprobos, no dia do juízo final, a sentença definitiva que os condena aos suplícios eternos. Apesar disto, os mesmos anjos, assim como os demônios, estão sujeitos ao poder soberano do Filho de Deus feito homem, desde o momento da sua Encarnação e, de um modo especial, desde o dia da sua Ascensão e entrada triunfal no céu. Todas as ações e intentos para salvar ou perder os homens ficam submetidos ao foro judicial de Jesus Cristo e os primeiros receberão dele, enquanto homem, o suplemento da recompensa devido aos seus bons ofícios, assim como os maus o aumento de pena de que os faz merecedores a sua perversidade (LIX, 6).

XXIV

DOS SACRAMENTOS INSTITUÍDOS POR CRISTO PARA COMUNICAR AOS HOMENS O FRUTO DA REDENÇÃO: NATUREZA, NÚMERO E CONVENIÊNCIA, NECESSIDADE E EFICÁCIA DOS SACRAMENTOS

Que meios estabeleceu Jesus Cristo para comunicar aos homens o fruto dos mistérios realizados em sua divina pessoa?
Os Sacramentos (LX, Prólogo).

Que entendeis por sacramento?
Uma coisa ou um ato sensível, acompanhado de certas palavras que precisam e particularizam o seu sentido, e aplicação, que significam e produzem na alma determinadas graças destinadas a conformar a nossa vida com a de Cristo (LX – LXIII).

Quantos são os sacramentos?
São sete: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Extrema Unção, Ordem e Matrimônio (LXI, 1).

Poderíamos achar alguma razão de conveniência que nos explicasse por que são sete?
Sim, Senhor, achamo-la na analogia existente entre o desenrolar da vida corporal e da vida da graça. Podemos considerar o homem como indivíduo e como ser social. Como indivíduo, tem necessidades e requer perfeições de duas classes, umas diretas e ordinárias e outras extraordinárias e indiretas; são perfeições do primeiro grupo, antes de tudo, a necessidade de existir, a de crescer e desenvolver-se e a de alimentar-se e nutrir-se. Acidentalmente pode contrair enfermidades, e neste caso, necessita de remédio para recuperar a saúde e regime higiênico para restabelecer-se. Pois, na ordem espiritual há um sacramento, o do Batismo, que nos comunica a vida da graça; outro, o da Confirmação que fortalece e desenvolve, e o da Eucaristia, pão do céu e alimento sobrenatural. Para o caso de enfermidade contraída depois do batismo, dispomos da medicina espiritual do sacramento da Penitência, e da Extrema-unção para apagar os vestígios da enfermidade passada. Para socorrer as necessidades do homem como ser social, existem outros sacramentos, o da Ordem, destinado a que jamais faltem ministros na Igreja e o do Matrimônio, cujo fim é a propagação do gênero humano (LXV, 1).

Qual dos sete Sacramentos tem a primazia e é como o centro para onde convergem todos os outros?
O da Eucaristia. Nele, como mais tarde veremos, está Cristo substancialmente, enquanto que os outros só têm o seu poder e virtude. Todos os outros se ordenam para este, ou para realizá-lo, como o Sacramento da Ordem, ou para tornar-nos capazes de sua recepção ou dispor-nos para recebê-lo dignamente, como o batismo, a confirmação, a penitência e a extrema-unção, ou pelo menos, para simbolizá-lo, como o Matrimônio. Além disso, quase todas as cerimônias relativas à administração dos outros sacramentos, até as do batismo quando o neófito é adulto, terminam com a recepção da Eucaristia (LXV, 3).

É facultativa e de simples conselho a recepção de todos os sacramentos ou é absolutamente, necessária para alcançar a graça correspondente a cada um?
É absolutamente necessária no sentido de que, se se deixam de receber por malícia ou negligência, nunca se receberá a graça correspondente e, além disso, há três que reproduzem um efeito particular, impossível de alcançar se não se recebeu de fato (LXV, 4).

Quais são e qual é o seu efeito?
O batismo, a confirmação e a ordem; e o efeito a que nos referimos é o caráter que imprimem (LXIII, 6).

Que entendeis por caráter?
Uma qualidade, espécie de potência espiritual da parte superior da alma, que nos faz participantes do Sacerdócio de Cristo, ou para exercermos faculdades hierárquicas anexas a este sacerdócio ou para sermos admitidos à participação dos benefícios que se derivam dos atos da hierarquia sacerdotal (LXIII, 1-4).

É indelével o caráter impresso na alma?
Sim, Senhor e durará eternamente naqueles que, uma vez o tenham recebido, para sua maior glória no céu se foram dignos dele ou para maior confusão no inferno para aqueles que não souberam cumprir as obrigações que ele impõe (LXIII,5).

Qual é o que imprime na alma a imagem de Cristo e faz a homem apto para participar dos bens do seu sacerdócio?
O caráter do sacramento do batismo (LXIII, 6).

XXV

DO SACRAMENTO DO BATISMO: NATUREZA E MINISTÉRIO DESTE SACRAMENTO

Que entendeis por sacramento do batismo?
Um rito instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, que consiste em lavar o neófito com água natural, enquanto o ministro pronuncia estas palavras: 'Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo' (LXVI, 1-5)*.

Pode administrar-se mais de uma vez à mesma pessoa?
Não, Senhor, porque imprime na alma caráter indelével (LXVI, 9).

O batismo de água pode ser suprido pelo chamado de sangue, e pelo de amor, ou batismo flaminis?
No sentido de que se pode alcançar a graça correspondente à recepção do Sacramento, quando este se torna impossível, sim; o batismo de água pode ser suprido pelo martírio ou batismo de sangue, que faz o homem imagem de Cristo em sua paixão e morte, e pelo de amor ou desejo, que consiste num movimento de anelo, procedente da caridade por impulso do Espírito Santo; porém, tenha-se presente que, nestes dois últimos casos, não se recebe o caráter sacramental (LXVI, 11).

Quem pode administrar este sacramento?
Validamente, qualquer homem ou mulher que tenha uso de razão, se executarem com exatidão o rito e tiverem intenção de fazer o que faz a Igreja Católica quando o administra (LXVII).

Que condições há de reunir o ministro para administrá-lo licitamente?
As que prescreve e determina a Igreja Católica (Ibid).

Quais são?
Nos casos ordinários, o sacerdote o administra por si mesmo e conforme ao que está legislado no direito canônico e prescrito no ritual ou faz administrá-lo por um diácono como ministro extraordinário; fora desses casos, é necessário que haja necessidade urgente, isto é, perigo de morte; neste caso pode administrá-lo licitamente a primeira pessoa disponível, quer seja sacerdote, clérigo, leigo, homem ou mulher, e até um pagão, guardando entre si a ordem e turno de preferência com que acabamos de enumerá-los, se vários puderem fazê-lo (LXVII, 1-5).

Quando se administra solenemente o batismo ou se suprem as cerimônias do de urgência, necessita o neófito de padrinhos?
Sim, Senhor; assim o ordena a Igreja seguindo uma tradição antiquíssima, fundada na necessidade que tem o recém batizado de alguém com o encargo e oficio de instruí-lo em seus deveres religiosos e animá-lo no cumprimento das obrigações contraídas (LXVII, 7).

Logo, o cargo de padrinho ou madrinha é oficio grave e de responsabilidade e não fórmula de mero expediente?
Sim, Senhor, pois que lhes incumbe a obrigação rigorosa de procurar, por todos os meios, que os seus afilhados se mantenham sempre fiéis ao prometido e jurado no batismo (LXVII, 8).

XXVI

QUEM PODE RECEBER ESTE SACRAMENTO E COMO TODOS NECESSITAM DELE

Estão obrigados todos os homens a receber o batismo?
Sim, Senhor; de tal sorte que se alguém, podendo e não o receber, é impossível que se salve. A razão é porque, mediante o batismo, somos incorporados a Cristo e começamos a ser seus membros e ninguém, depois do pecado de Adão, pode entrar no reino dos céus, senão com o título de membro de Cristo (LXVIII, 12).

Não basta a fé e a caridade para fazer parte do corpo místico de Jesus Cristo e ter direito à entrada na Glória?
Indubitavelmente que sim; porém, nem a fé pode ser sincera, nem a graça informar a alma, se voluntariamente se fecham os canais por onde ordinariamente fluem, recusando o batismo, que é o sacramento da fé e é destinado a produzir a primeira graça que nos une com Cristo.

Logo, pode receber-se o batismo em pecado mortal, quer se restrinja ao pecado original, quer a outros que acompanhem os que chegaram ao uso da razão?
Sim, Senhor; e por isto se lhe chama Sacramento de Mortos, visto como não supõe a alma na posse da graça, como os chamados sacramentos de vivos, mas tem por objeto infundi-la. Contudo, quando o batizado é adulto com pecados pessoais graves, está obrigado a arrepender-se convenientemente deles para alcançar o fruto do sacramento (LXVIII, 4).

Precisam os adultos ter intenção de recebê-lo?
Sim, Senhor; e sem ela o sacramento é nulo (LXV II, 8).

Precisam também ter fé?
Para receber a graça do sacramento, sim, Senhor, mas não para receber o sacramento ou o caráter (LXVII, 7).

Logo, é lícito batizar as crianças, posto que não podem ter nem fé, nem intenção?
Sim, Senhor; pois, têm fé e intenção por eles os que, em nome deles, pedem o batismo ou, na falta destes, a Igreja (LXVIII, 9).

Podem ser batizados, contra a vontade de seus pais e antes do uso da razão, os filhos dos infiéis e dos judeus e, em geral, daqueles que de nenhum modo estão sujeitos à autoridade da Igreja?
Não, Senhor; fazê-lo é pecar contra o direito natural, já que a mesma natureza concedeu aos pais o direito de tutela sobre os seus filhos até à idade em que livremente podem dispor de si mesmos. Se, contravindo esta lei, fosse algum batizado, o batismo seria válido e a Igreja adquire sobre o menino direitos preferenciais, visto que são da ordem sobrenatural fundados no batismo (LXVIII, 10).

Pode-se, em perigo de morte, batizar uma criança no seio materno?
Não, Senhor; porque, antes de desprender-se da mãe e sair à luz, não pode ser considerado como um membro mais da sociedade, nem esta tem ação sobre ele para administrar-lhe os sacramentos; deve-se, em tais casos, confiá-lo inteiramente aos imperscrutáveis juízos de Deus (XLVIII, 11 ad 1).

Podem salvar-se os meninos que morrem antes do batismo?
Não, Senhor; visto como Deus não estabeleceu no mundo outro meio de agregar-se ao corpo místico de Jesus Cristo e de receber a sua graça, sem a qual nenhum homem pode salvar-se (LXVIII, 3).

Podem receber o batismo os loucos e idiotas?
Se nunca tiveram uso da razão, correm a mesma sorte que os meninos e, portanto, podem ser como eles batizados; porém, se alguma vez tiveram uso da razão só podem batizar-se quando, em estado de lucidez, hajam manifestado desejos de receber este sacramento (LXVIII, 12).

XXVII

DOS EFEITOS DO SACRAMENTO DO BATISMO

Que efeitos produz o sacramento do batismo naqueles que não põem obstáculos à sua virtude e eficácia?
Incorpora o homem a Cristo, fazendo-o participante dos frutos da sua paixão; lava na alma até a última sombra do pecado e exime da obrigação de satisfazer a pena devida por todos os pecados anteriormente cometidos; tem poder para suprimir todas as penalidades e misérias desta vida; porém, Deus suspende este efeito até ao dia da ressurreição, para que o cristão se assemelhe a Jesus Cristo, encontre oportunidade de entesourar merecimentos e dê provas de que não o recebe para procurar comodidades na vida presente, e sim para conquistar a glória da vida futura (LXIX. 1-3).

Infunde o batismo a graça e as virtudes?
Sim, Senhor; porque une com Jesus Cristo, manancial da graça, donde flui para todos os seus membros e, como graça característica sua, confere especial agudeza de entendimento para fazer obras dignas do cristão (LXIX, 4,5).

Produz estes dois efeitos na alma das crianças?
Sim, Senhor; ainda que, em estado habitual e latente como germe que aguarda tempo oportuno, para desenvolver-se e produzir frutos (LXIX, 6).

Podemos dizer que o efeito próprio do batismo é o de nos abrir as portas do céu?
Sim, Senhor; porque, ao lavar o pecado e indultar-nos da pena devida por ele, aplaina o único obstáculo que, depois da paixão de Cristo, estorva a entrada no céu (LXIX, 7).

Produz o batismo todos os sobreditos efeitos no adulto que o recebe sem as devidas disposições?
Não, Senhor; só recebe o caráter sacramental; porém, como este é indelével, serve-lhe para que o batismo produza efeitos íntegros, desde o momento em que remova os obstáculos e se disponha convenientemente (LXIX, 9, 10).

Têm alguma eficácia os ritos e cerimônias com que se administra?
Sim, Senhor; ainda que de categoria e ordem muito inferior à da graça, visto que o seu objeto é dispor o catecúmeno para receber todos os efeitos do sacramento; por esta razão não se computam entre os sacramentos, mas entre os sacramentais (LXXI, 3).

XXVIII

DA DIGNIDADE E OBRIGAÇÕES DOS BATIZADOS

Confere a graça do batismo especial dignidade e nobreza e impõe, por sua vez, obrigações próprias de tão alto estado?
Os que tiveram a dita de recebê-lo e, na devida medida, correspondem a tão assinalado favor, excedem em dignidade a todas as criaturas cujo último destino é alcançar um fim natural. São filhos de Deus e irmãos de Cristo; poderemos dizer que são como a continuação de Jesus Cristo que, neles como membros, vive, se reproduz e prolonga a série de triunfos e merecimentos que pessoalmente conquistou quando vivia na terra; porém, por sua vez, tal nobreza obriga e o que a possui tem o dever de não manchar a sua vida, com atos ou costumes indignos, da própria pessoa de Jesus Cristo.

XXIX

DA NECESSIDADE, NATUREZA E EFEITOS DO SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO: INSTRUÇÃO QUE REQUER E OBRIGAÇÕES QUE IMPÕE

É suficiente a graça do batismo para levar em tudo vida digna de Jesus Cristo?
Não, Senhor; porque a graça do batismo é graça inicial ou de principiantes, se assim é lícito falar; comunica-nos a vida de Cristo, porém, não o vigor para crescermos e desenvolvermo-nos até à plenitude (LXV, 1; LXXII, 7, ad 1)*.

Que graças produzem tais resultados?
As da Confirmação e Eucaristia (LXV, 1).

Que entendeis por Confirmação?
O sacramento da Nova Lei, destinado a conferir a graça, em virtude da qual medra e se desenvolve o ser sobrenatural recebido no batismo (LXXII, 1).

Em que consiste?
Em ungir, em forma de cruz, com o crisma bento a fronte do confirmando, enquanto o ministro pronuncia estas palavras: 'Assinalo-te com o sinal da cruz e confirmo-te com o Crisma da salvação, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém' (LXXII, 2, 4, 9).

Que simboliza o Crisma empregado como matéria neste sacramento?
A plenitude da graça do Espírito Santo que conduz o cristão à vida perfeita para que, com a prática das virtudes, difunda, ao redor de si, o odor de Cristo. Por isso o Crisma está composto de azeite de oliveira, símbolo da graça, e da planta aromática por excelência, o bálsamo (LXXII, 2).

Que manifestações compreende a forma deste sacramento ou as palavras que o ministro pronuncia?
São três: nomeia-se a Santíssima Trindade, para dar a entender que ali está a fonte e manancial de toda a graça; diz-se: 'Eu te confirmo com o Crisma da salvação', para indicar que o efeito deste sacramento é conferir fortaleza e vigor, e imprime-se na fronte do confirmando o sinal da cruz, porque ele, instrumento do triunfo do nosso comandante e Rei, há de ser a bandeira, a divisa e o distintivo do soldado de Cristo, aprestado para os grandes combates da vida cristã (LXXII, 4) .

Logo, o sacramento da Confirmação é o sacramento da virilidade cristã, o que transforma o cristão menino em cristão homem, capaz de lutar e vencer os inimigos exteriores do nome de Cristo?
Sim, Senhor; e, por isso, o administra ordinariamente o bispo, a quem, por virtude do cargo, está encarregado tudo o que é perfeito na Igreja (LXXII, 11).

Se o sacramento da Confirmação é o que acabais de dizer, que necessidade têm os confirmados de ter padrinhos?
Porque, em toda milícia bem organizada, deve-se ter instrutores encarregados de adestrar os recrutas nas artes da milícia e da guerra (LXXII, 10).

Logo, têm os padrinhos da Confirmação dever estrito de velar pelos recém confirmados e iniciá-los nos caminhos e dificuldades da vida cristã?
Certamente que sim e seria muito de desejar que, na prática, tivessem cuidado mais exato de tão sagrada obrigação e a cumprissem melhor.

Imprime caráter este sacramento?
Sim, Senhor; e por isso não pode repetir-se (LXXII, 5).

Se alguém o receber sem as disposições convenientes, pode alcançar mais tarde os seus efeitos?
Sim, Senhor, porque, permanecendo o caráter, se logrará o fruto quando a alma ficar livre de obstáculos. Pela mesma razão, devemos revigorar a graça, própria deste sacramento, que é a graça de fortaleza espiritual, exercitando-nos com frequência em combater os inimigos da nossa fé.

Logo, este sacramento tem especial importância para os que vivem entre povos hostis à vida e nome cristãos?
Sim, Senhor; porque eles, mais que ninguém, necessitam de valor e fortaleza de ânimo para se manter fieis e para se  defender das arremetidas e ciladas de quantos os desprezam ou perseguem.

Que considerações deve fazer o cristão para não esmorecer e conservar o vigor adquirido na Confirmação?
Todo aquele que teve a ventura de receber este sacramento, e com ele a plenitude dos dons do Espírito Santo, deve ter sempre presente que leva gravada na alma com caracteres indeléveis, a insígnia gloriosa de soldado de Cristo e que, assim, como o ardor bélico e a fidelidade à bandeira são as primeiras e mais formosas virtudes militares, assim também não há qualificativo mais odioso e envilecedor que a nota de covarde, aplicada a quem com ela desonra o uniforme de combatente.

Se tais são as obrigações que impõe este sacramento, deverá exigir-se do confirmando sólida instrução em matéria de fé e práticas cristãs?
Sim, Senhor. Na verdade, deve possuir o suficiente, não só para ordenar e dirigir a sua vida privada, mas também para defender o seu credo e a sua moral contra os assaltos de quem as combate (LXX, II, 4 ad 3).

XXX

QUAL DOS SACRAMENTOS REQUER  INSTRUÇÃO RELIGIOSA MAIS SÓLIDA, O DA CONFIRMAÇÃO OU O DA EUCARISTIA?

Há outro sacramento para cuja recepção se necessita de um conhecimento bastante completo dos mistérios da fé?

Sim, Senhor; o da Eucaristia e, se bem que o ensino religioso começa antes de receber o batismo quando os catecúmenos são adultos e como nos países cristãos se administra comumente o batismo em muito tenra idade, não surge a obrigação de instruí-los até à época da Confirmação ou a de receber a Eucaristia, suposto o sacramento da Penitência.

Qual dos dois requer maior instrução, o da Confirmação ou o da Eucaristia?
Ambos requerem a mesma instrução sólida, se o confirmando está na idade em que já obriga o preceito de receber a Eucaristia. Porém, como pode suceder, e de fato ocorre na prática, que muitos recebem antes da Confirmação a Eucaristia, podemos assentar como regra geral que o segundo não requer preparação catequética tão completa como o primeiro, porque o confirmado deve, como temos dito, possuir um cabedal de conhecimentos religiosos suficientes para poder resistir às argúcias dos seus inimigos. Não se esqueça, apesar disso que, depois de receber um ou ambos os sacramentos, está obrigado o cristão a continuar estudando com ardor e diligência os mistérios da nossa santa religião.

XXXI

DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA

Que entendeis por sacramento da Eucaristia?
Um sacramento admirável e misterioso em que, sob as aparências ou espécies de pão e vinho, se dá em alimento o corpo e em bebida o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, ali realmente presente em forma sacramental, no mesmo estado de vítima imolada como esteve no Calvário (LXXIII - LXXXIII).

É necessário este sacramento para nos salvarmos?
Sim, Senhor; porque simboliza e leva ao extremo a unidade da Igreja, corpo místico de Jesus Cristo, à qual forçosamente hão de pertencer quantos hajam de entrar reino uno dos céus. Porém, tenha-se presente que para conseguir este efeito, basta que o homem tenha pessoal e real intenção de receber o sacramento ou, pelo menos, a tenha habitual, como a têm os meninos, comunicada pela Igreja o batismo (LXXIII, 3).

Que nomes tem a Eucaristia?
Considerada como recordação da paixão do nosso Divino Redentor, chama-se Sacrifício, visto como  aquela imolação foi o sacrifício por excelência; enquanto realiza a unidade de seu corpo místico, que é a Igreja, tem o nome de Comunhão; o de Viático, como prenda da glória futura e o de Eucaristia ou Boa Graça, porque contém realmente Jesus Cristo, fonte e origem de todas as graças (LXXIII, 4).

Quando foi instituído?
Na tarde da Quinta-Feira Santa, véspera do dia da Paixão, para consolar os homens e compensar a ausência de Cristo, prestes a voltar para os céus, cumprida na terra a sua missão; para fazer compreender o enlace íntimo deste sacramento com a paixão do Redentor, única origem da graça, e para promover o seu culto, escolhendo para instituí-lo aquelas memoráveis e soleníssimas circunstâncias (LXXIII, 5).

Teve, na antiga lei, figuras que de uma maneira especialíssima o simbolizavam?
Sim, Senhor; como sacramento ou sinal externo, foi prefigurado no pão e vinho do sacrifício de Melquisedeque; enquanto contém realmente o corpo de Cristo, pelos sacrifícios do Antigo Testamento e, em especial, pelo mais solene de todos, a expiação; como manjar espiritual, pelo maná, e em todos os conceitos, pelo cordeiro pascal que, depois de imolado, se comia com pão ázimo e cujo sangue protegia contra as iras do anjo exterminador (LXXIII, 6).

XXXII

MATÉRIA E FORMA DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA: TRANSUBSTANCIAÇÃO, PRESENÇA REAL E ACIDENTES EUCARÍSTICOS

Qual é a matéria do Sacramento da Eucaristia?
Pão de trigo e vinho de uva (LXXIV, 1, 2).

Que sucede na matéria no momento da consagração?
A substância do pão deixa de ser pão e a do vinho deixa de ser vinho (LXXIV, 2).

Em que se convertem as substâncias do pão e do vinho?
A do pão, no Corpo de Jesus Cristo e a do vinho, no seu Sangue (LXXV, 3, 4).

Que nome tem esta conversão ou troca?
O nome de Transubstanciação (LXXV, 4).

Que expressa a palavra transubstanciação?
A conversão de toda a substância do pão na substância do Corpo de Cristo e de toda a substância do vinho na substância do seu Sangue.

Quem é capaz de efetuar tão estupenda transformação?
Só a Onipotência Divina (Ibid).

Converte-se no Corpo e Sangue de Cristo somente a substância ou tudo o que existe no pão e no vinho?
Somente a substância, permanecendo sem alteração os acidentes (LXXV, 2 ad3).

Que entendeis quando afirmais que permanecem os acidentes?
Que continuam, no mesmo estado, a extensão ou quantidade, a figura, a cor, o gosto, a resistência e as mais propriedades ou entidades sensíveis, por meio das quais temos o conhecimento do pão e vinho, antes da consagração.

Por que não se transformam também os acidentes?
Porque são necessários para se manter e assegurar a presença sacramental de Jesus Cristo (Summa contra gentes, livro IV cap. LXIII).

Que aconteceria se os acidentes se transformassem em Corpo e Sangue de Cristo?
Que o que foi pão e vinho desapareceria absoluta e totalmente (Ibid).

Que se segue, pelo contrário, com a permanência das espécies sacramentais?
Que, ligados a elas, mediante as suas respectivas substâncias, estão o Corpo e Sangue de Cristo do mesmo modo como o estavam as substâncias do pão e vinho, de sorte que, assim como antes da transubstanciação, ao tocar os acidentes, tínhamos nas mãos as substâncias do pão e do vinho temos, depois da transubstanciação, o Corpo e o Sangue de Cristo (Ibid).

O que há sob as espécies depois da consagração é identicamente o mesmo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo?
Sim, Senhor (LXXV, 1).

Acha-se Jesus Cristo inteiro e completo no sacramento da Eucaristia?
Sim, Senhor; porque, se bem que sob as espécies do pão, em virtude das palavras sacramentais, só está o Corpo e sob as do vinho, o Sangue, por concomitância e já porque é impossível separar na sua humanidade os dois elementos, como foram separados na cruz, onde quer que esteja o corpo, ali está o sangue e a alma e onde se ache o sangue, o acompanham a alma e o corpo. Quanto à divindade não há dificuldades, pois nunca, nem mesmo durante a morte do Redentor, se separou a pessoa divina de cada um dos componentes de sua humanidade (LXXVI, 1, 3).

Está Jesus Cristo inteiro em cada parte das espécies sacramentais?
Enquanto as espécies permanecem indivisas, está completo em todo o Sacramento e quando se fracionam, está tantas vezes inteiro e completo, quantas partes se hajam feito (LXXVI, 3).

É possível ver, tocar ou de algum modo chegar ao Corpo de Jesus Cristo no estado sacramental?
Não, Senhor; porque aquelas espécies acessórias aos nossos sentidos não são acidentes do Corpo de Cristo, único meio de chegar à sua substância (LXXV, 4-8).

Que se deduz desta verdade?
Que as espécies sacramentais o encerram como prisioneiro, e por sua vez o protegem, de sorte que, quando algum desalmado intente enfurecer-se contra o Corpo de Cristo, só consegue profanar o Sacramento.

São inalteráveis as espécies sacramentais depois da consagração?
Não, Senhor; decompõem-se e transformam-se depois de poucos momentos de ingeridas como alimento, e também se corrompem abandonadas por muito tempo à ação dos agentes atmosféricos (LXXVII, 4).

Que sucede quando as espécies deixam de ser os acidentes do pão e do vinho consagrados?
Que no mesmo instante cessa a presença eucarística de Jesus Cristo, pelo fato de desaparecer o motivo que o retinha enlaçado aos acidentes e, mediante os acidentes, ao lugar por eles ocupado (LXXVI, 6 ad 3).

Logo, a presença eucarística de Jesus Cristo num lugar depende exclusivamente da consagração e da permanência dos mesmos acidentes do pão e do vinho consagrados?
Sim, Senhor; visto que a razão de tal presença não pode advir das mudanças operadas no Corpo impassível de Cristo, mas no pão e no vinho (Ibid).

Como se faz a consagração?
Pronunciando, com as devidas condições, a forma da Consagração (LXXVIII).

Qual é esta forma?
Para consagrar o pão: 'Isto é o meu Corpo'. Para consagrar o vinho: 'Este é o Cálice do meu Sangue, o Sangue do novo e eterno testamento, que por vós e por muitos será derramado em remissão dos pecados'.


XXXIII

EFEITOS DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA

Produz efeitos especiais e característicos o Sacramento da Eucaristia?
Sim, Senhor; pois que, como nenhum outro, enriquece a alma com tesouros de vida eterna.

Por que tem tanta eficácia?
Em primeiro lugar porque, real e verdadeiramente, contém o próprio Jesus Cristo, princípio e autor da graça; além disso, porque é o sacramento da sua paixão, cujos méritos vai distribuindo e aplicando a gerações sucessivas, visto que nele se nos dá em alimento o mesmo corpo e, em bebida, o próprio sangue do Redentor; e, finalmente, porque a eficácia dos sacramentos corresponde ao seu simbolismo e este representa a unidade formada por Jesus Cristo e o seu corpo místico, a Igreja (LXXIX, 1)*.

Fundamentados nestas razões, podemos assegurar que a entrada no reino dos céus é efeito especialíssimo deste sacramento?
Sim, Senhor; por ser uma prenda da glória que Cristo com sua morte nos mereceu (LXXIX, 2).

Tem eficácia para perdoar os pecados mortais?
Indubitavelmente que tem, porque contém Jesus Cristo em pessoa; atendendo, porém, a que está em forma de alimento espiritual, e que, para poder alimentar-se, é preciso viver, não pode experimentar os seus efeitos reparadores o que está morto pelo pecado. Sem embargo disso, quando alguém o recebe, crendo-se de boa fé na graça de Deus, ainda que assim não seja, a boa fé o salva e o sacramento lavará as culpas não perdoadas (LXXIX, 3).

Perdoam-se com este sacramento os pecados veniais?
Sim, Senhor; porque a graça que infunde é uma graça destinada a reparar as perdas e desperdícios da vida cotidiana, e a vigorar e dar fervor que compense a falta do ato de caridade que o pecado venial implica sempre (LXXIX, 4).

Perdoa-se na Eucaristia toda a pena devida pelos pecados?
Na qualidade de alimento espiritual, não tem por objeto remitir [perdoar] penas, mas reparar forças e estreitar os laços que unem cada membro da Igreja com os demais e com Jesus Cristo, sua cabeça; mas, por concomitância, remite-as, não na sua totalidade, mas na proporção com o fervor e devoção com que nos acercamos dele. Pelo contrário, considerado como sacrifício, em que se oferece a Deus a vítima do Calvário, é sacramento satisfatório, se bem que em seu poder de satisfação influi mais a devoção dos oferentes que o valor do sacrifício e, portanto, ainda que, como sacrifício, tem valor infinito, não remite toda a pena mas somente a parte correspondente ao fervor e devoção do sacerdote oferente e daqueles por quem se aplica (LXXIX, 5).

Preserva, além disso, de cometer novos pecados?
Sim, Senhor; e este é o efeito mais imediato e admirável porque, como sacramento de nutrição, tonifica e revigora o organismo espiritual para a luta contra os agentes que alteram ou minam a vida cristã e, como recordação da paixão do Redentor, põe em fuga os demônios vencidos por Cristo na Cruz (LXXIX, 7).

Pode a eficácia deste sacramento aproveitar a quem o não recebe?
Como alimento da alma, não Senhor; pois a comida só aproveita a quem a toma; porém, como sacrifício, pode e, em realidade, estende a sua ação a todos aqueles por quem se oferece se, unidos a Cristo e aos demais membros da Igreja pela fé e pela caridade, estão em disposição de aproveitar-se dos seus frutos (LXXIX, 7).

São compatíveis os frutos da Eucaristia com os pecados veniais?
Se se cometem no ato de receber o sacramento, por exemplo, no caso de chegar-se a comungar distraído ou dissipado ou com o espírito em pensamentos ou afetos impertinentes, priva necessariamente do gosto ou doçura, suavidade e deleite que produz aquele manjar divino, ainda que não prive do aumento da graça habitual; porém, se se trata de pecados veniais anteriormente cometidos, em nada estorvam o fruto do sacramento, contanto que se receba com o devido fervor (XXIX, 1).

XXXIV

DA RECEPÇÃO DA EUCARISTIA

De quantos modos se pode receber o sacramento da Eucaristia?
De dois: espiritual ou sacramentalmente (LXXX, 1).

Em que se diferenciam?
Em que, na recepção exclusivamente sacramental, os frutos e o proveito da comunhão não a acompanham e, na espiritual, sim — ou parcialmente, quando só se recebe com o desejo e a esta chamamos comunhão espiritual, ou plena e totalmente, quando a recepção efetiva do sacramento acompanha o desejo (Ibid).

É o homem o único habitante da terra que pode receber a Eucaristia?
Sim, Senhor; por ser o único que pode crer em Jesus Cristo e desejar recebê-lo conforme está no sacramento (LXXX, 2).

Comete falta grave o que recebe com consciência de pecado mortal?
Comete um sacrilégio porque, ao receber um sacramento que contém o próprio Filho de Deus feito homem e simboliza a unidade vital que forma com o seu corpo místico, despossuído e privado da única coisa que pode incorporá-lo e unificá-lo com Cristo, viola e atenta contra a própria natureza do sacramento, falseando o seu simbolismo e significação (LXXX, 4).

Logo, este é um pecado gravíssimo?
Sim, Senhor; porque com ele se injuria e escarnece a humanidade de Cristo no sacramento do seu amor (LXXX, 5).

É tão grave como a profanação do sacramento?
Não, Senhor; porque este pecado supõe intenção formal de injuriar a Cristo e isto aumenta a sua gravidade (LXXX, 11).

Que disposições se requerem para receber dignamente a Eucaristia?
Ter uso de razão, achar-se em estado de graça e ter veemente anelo de receber os seus frutos (LXXX, 9, 10).

Pode alguém considerar-se desobrigado de recebê-la?
Fora do caso de impossibilidade, não, Senhor; porque ninguém pode salvar-se se não tem a graça especial que ela confere, graça que ninguém pode possuir se, ao menos, não tem desejo de receber sacramentalmente a Eucaristia quando possa (LXXX, 11).

Há dias assinalados pela Igreja em que os cristãos têm obrigação de recebê-la?
Sim, Senhor; tem-na todos, depois de convenientemente instruídos, quando cheguem ao uso da razão, uma vez no ano durante o tempo pascal e, em forma de viático, sempre que se achem em perigo de morte (Código Canônico, cânons 354, 859 e 864).

[O Cânon 920 do atual Código Canônico (1883) prescreve que todo fiel, depois que recebeu a sagrada Eucaristia pela primeira vez, tem a obrigação de receber a sagrada comunhão ao menos uma vez por ano (§1) e que esse preceito deve ser cumprido no período pascal, a não ser que, por justa causa, sejam confortados com a sagrada comunhão como viático (§2)].

É permitido recebê-la com mais frequência e até mesmo diariamente?
Sim, Senhor; e, além de permitido, é muito recomendável e proveitoso, se se levam as devidas disposições. (LXXX, 10).

Há obrigação de recebê-la sob as duas espécies?
Somente está obrigado o sacerdote celebrante. Quanto aos fiéis, devem conformar-se e obedecer ao disposto pela Igreja; e, de fato, na Igreja latina, somente sob a espécie de pão se administra (LXXX, 12).

Qual é habitualmente o tempo mais a propósito para recebê-la?
Durante a celebração da missa, depois de o sacerdote consumir, por ser o momento da consumação da imolação sacramental de Jesus Cristo, em cujo sacrifício intervém e participam quantos se chegam para recebê-lo.

Que disposições se requerem por parte do corpo?
Estar em jejum desde a meia noite (Ibid).

[O Cânon 919 (§1) do atual Código Canônico (1983) prescreve que quem vai receber a sagrada Eucaristia deve abster-se de qualquer comida ou bebida, excetuando-se somente água e remédio, no espaço de ao menos uma hora antes da sagrada Comunhão (com exceção para pessoas idosas e enfermas e para quem cuida delas (§3)].

Logo, nunca pode receber-se sem este requisito?
Exceto quando, em perigo de morte, se toma em forma de viático, não, Senhor. Sem embargo disso, a Igreja tem concedido aos enfermos que levam um mês de cama, sem esperança fundada de próximo restabelecimento, e com anuência de prudente confessor, o privilégio de receberem a sagrada comunhão uma ou duas vezes por semana, ainda que depois da meia-noite tenham tomado remédio ou alimento líquido (Código Canônico, cânon 858).

[O Cânon 921 (§1) do atual Código Canônico (1983) prescreve que, no caso de fieis em perigo de morte, proveniente de qualquer causa, sejam confortados com a sagrada comunhão como viático: mesmo que já tenham comungado nesse dia, recomenda-se vivamente que comunguem de novo aqueles que vierem a ficar em perigo de morte (§2) e, persistindo o perigo de morte, recomenda-se que seja administrada a eles a sagrada comunhão mais vezes em dias diferentes (§3)].

XXXV

DO MINISTRO DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA

Quem pode consagrar o sacramento da Eucaristia?
Somente os sacerdotes validamente ordenados segundo o rito da Igreja Católica (LXXXII, 1).

Quem pode distribuí-la aos fiéis?
Por lei ordinária, os mesmos sacerdotes; e, onde a Igreja permitir a comunhão sob as duas espécies, os diáconos distribuem o precioso sangue contido no Cálice; podem também administrá-la estes últimos em toda a Igreja sob a espécie do pão, em caso de necessidade e com delegação do sacerdote (LXXXII, 3).

Pode qualquer sacerdote, ainda que esteja em pecado mortal, consagrar e administrar o sacramento da Eucaristia?
Validamente e sem diminuir a eficácia do sacramento, sim, Senhor; comete, porém, gravíssimo pecado (LXXXII, 5).

Diminui o valor e eficácia da missa quando a celebra um sacerdote pecador e indigno?
O valor e eficácia da missa, quando é comemoração sacramental do sacrifício do calvário, em nada depende da santidade do celebrante. Porém, como diversas orações acompanham o sacrifício, alcançarão estas tanto maior grau de eficácia, quando maior for a devoção de quem as recite; todavia, ainda que o celebrante não tivesse nenhuma devoção, sempre ficará em pé a eficácia apoiada na devoção da Igreja em cujo nome se proferem (LXXXII, 6).

Podem consagrar os hereges, cismáticos e excomungados?
Licitamente, não Senhor; mas validamente, sim, contanto que estejam ordenados e tenham intenção de fazer o que faz a Igreja Católica (LXXXII, 7).


Pode consagrar validamente um sacerdote degradado?
Sim, Senhor; porque a degradação não pode lavar o caráter indelével do sacramento da Ordem (LXXXII, 8).

É lícito ouvir missa e receber a sagrada comunhão das mãos de um sacerdote herege, cismático, excomungado ou notoriamente pecador e indigno?

Está absolutamente proibido, sob pena de pecado mortal, ouvir missa ou receber a sagrada comunhão das mãos de um sacerdote herege, cismático ou excomungado. Quanto ao indigno, se a sua indignidade é pública e notória por sentença da Igreja, privando-o das faculdades de celebrar, está compreendido na proibição anterior; no caso contrário, não senhor (LXXXII, 9).


XXXVI

DO SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA

Que entendeis por celebração do Santo Sacrifício da Missa?
Que o ato pelo qual se efetua o Sacramento da Eucaristia constitui um verdadeiro sacrifício ou imolação ritual, o único da religião católica, cujo culto, com exclusão dos demais, é agradável a Deus (LXXXIII, 1)*.

Por que o ato de que falamos constitui um verdadeiro sacrifício?
Porque consiste na imolação do mesmo Jesus Cristo, única vítima aceita aos olhos de Deus.

Por que é a imolação de Jesus Cristo?
Porque é o sacramento ou sinal da paixão com que o Redentor foi sacrificado no Calvário(LXXXII, 1).

Que entendeis quando afirmais que é sacramento ou sinal da paixão de Jesus Cristo?
Que assim como se separaram realmente o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo quando morreu na Cruz para redimir-nos do pecado, assim também, mediante o ato de consagrar primeiro o pão e depois o vinho, se separam sacramentalmente o Corpo e o Sangue de Cristo.

O que se conclui disso?
Que o sacrifício da missa é o mesmo sacrifício da Cruz.

Pode chamar-se reprodução daquele?
Propriamente, não, Senhor; porque o Sacrifício da Cruz teve lugar uma só vez e não se reproduz, e a missa não é reprodução, mas o mesmo sacrifício.

Pode chamar-se a missa representação do sacrifício da Cruz? 
Se com isso se intenta dizer que é só a sua imagem, não, Senhor, porque é o mesmo sacrifício; se bem que pode chamar-se representação, no sentido de que ele se nos apresenta diante dos olhos, para que de novo o presenciemos.

Como pode, pois, ser o mesmo sacrifício da Cruz, se ele já passou e se, além disso, Jesus Cristo então derramou o seu sangue e morreu e agora nem pode derramá-lo e nem morrer?
Porque da mesma maneira que o próprio Jesus Cristo que está nos céus, sem alteração nem mutação por sua parte, se faz presente na Eucaristia, ainda que com a aparência e forma exteriores das espécies sacramentais, assim também a paixão ou imolação que há tempo teve lugar no Calvário é a mesma que presenciamos no sacrifício, não com exterioridade de martírio cruento como aquela, mas em forma de sacramento; isto é, no altar se nos apresenta, no estado de separação indispensável para que haja sacrifício, o mesmo corpo e o mesmo sangue imolados e, portanto, separados na Cruz.

Logo, onde quer que se celebre o Santo Sacrifício da Missa, verifica-se realmente, ainda que em forma sacramental, o Sacrifício do Calvário?
Sim, senhor.

Logo, assistir à missa equivale a presenciar à paixão de Cristo?
Sim, senhor; equivale a presenciar ao grande sacrifício com que fomos redimidos, donde manam todas as graças e favores divinos, no qual Deus se compraz. Como ato de religião por excelência, é o único que dignamente o honra e o glorifica.

Logo, é este o motivo pelo qual a Igreja recomenda aos fiéis assistirem ao Santo Sacrifício da missa, com a maior frequência possível?
Sim, senhor; por isso não só o recomenda, senão que manda ouvi-la todos os domingos e dias festivos.

Que motivos escusam do cumprimento deste preceito?
A impossibilidade ou um inconveniente grave.

Que condições são necessárias para cumpri-lo devidamente?
Achar-se no lugar em que se celebra, não ter ocupado o corpo nem o pensamento em coisas incompatíveis com a participação em tão augusto sacrifício e não faltar durante os atos principais.

Que entendeis por atos ou partes principais, aos quais não se pode faltar, sob pena de não cumprir com o preceito?
Todos aqueles compreendidos entre o ofertório e a comunhão inclusive.

Qual é o modo mais proveitoso de ouvir a Santa Missa?
O de unir-se ao celebrante e seguir ponto por ponto as preces, ritos e cerimônias.

Logo, é conveniente ter livros litúrgicos para que os fieis a ouçam com maior aproveitamento?
Sim, senhor; e serão tanto mais úteis quanto melhor reproduzam o missal.

XXXVII

DA NATUREZA DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA E DA VIRTUDE DO MESMO NOME

Que entendeis por sacramento da penitência?
Um dos sete ritos sagrados instituídos por Jesus Cristo para restituir aos homens a graça do batismo, se depois dele têm a desgraça de perdê-la pelo pecado (LXXXIV, 1).

Em que consiste?
Em atos e palavras que significam, por parte do penitente, que ele detesta o pecado e, pela do sacerdote, que Deus lhe perdoa por intermédio do seu ministério (LXXIV, 2, 3).

Proporciona este sacramento grandes benefícios ao homem e deve ser, portanto, motivo de especial agradecimento a Cristo Nosso Redentor?
Indubitavelmente que sim porque, dada a fragilidade que afeta a natureza humana, sempre nos achamos em perigo de perder a vida sobrenatural recebida no batismo e, uma vez vítima da culpa, não teria o homem meio sacramental para repará-la e nem sair daquele estado, se Jesus Cristo não tivesse instituído o sacramento da penitência. Por isso se chama segunda tábua da salvação depois do naufrágio (LXXXIV, 6).

Se o homem recai, depois de recebê-lo, pode de novo recorrer a ele?
Sim, senhor; porque Jesus Cristo, compadecido do miserável estado do pecador, não limitou um número determinado as vezes que ele pode recorrer em demanda de perdão, contanto que sincera e lealmente se arrependa (LXXXIV,10).

Existe alguma virtude cujo ato seja indispensável na recepção do sacramento da penitência?
Sim, senhor; a virtude da penitência (LXXXV).

Em que consiste?
Na qualidade sobrenatural que inclina o homem a reparar a ofensa feita a Deus fazendo, livre e espontaneamente, tudo quanto está em suas mãos para satisfazer à justiça divina e, deste modo, obter o perdão (LXXXV, 1, 5).

Necessita a virtude da penitência o concurso de outras virtudes para produzir o seu ato próprio?
Tem esta virtude a propriedade característica de necessitar com o concurso de todas as demais. Pressupõe e requer fé na paixão de Cristo, causa meritória do perdão; implica a esperança na remissão e o ódio ao pecado enquanto se opõe ao amor de Deus que, por sua vez, pressupõe a caridade. Como virtude moral, tem apoio e direção na prudência que, como temos dito, mantém em justos limites os atos de todas as virtudes morais; como espécie da virtude da justiça, já que o seu objeto é obter o perdão de Deus, compensando a ofensa com uma satisfação voluntária; precisa utilizar-se da temperança para abster-se dos prazeres e da fortaleza para impor-se ou, pelo menos, suportar dura satisfação e penitência (LXXXV, 3 ad4).

Que objetivo tem a satisfação na penitência?
Aplacar a ira de Deus, justamente irritado, reconciliar-nos com o mais amoroso Pai, gravemente ofendido e volver à graça do mais amante Esposo, vilmente enganado (LXXXV, 3).

Deve o homem que tem a desgraça de ofender a Deus exercitar-se em frequentes atos da virtude da penitência?
O ato de arrependimento e dor interior de haver ofendido a Deus deverá ser, em certo modo, contínuo; quanto às mortificações e outras obras exteriores satisfatórias, se bem que têm um limite, além do qual não se deve passar, como sempre temos motivos para supor que a nossa satisfação seja incompleta, no nosso interesse está não nos darmos por satisfeitos, para satisfeitos nos acharmos no momento de comparecer ao tribunal de Deus; com mais a vantagem de praticar todas as virtudes cristãs, sempre que nos exercitarmos em atos de penitência (LXXXIV, 8, 9).

XXXVIII

EFEITOS DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA

É efeito próprio deste sacramento perdoar os pecados?
Sim, senhor; naqueles que o recebem com as devidas disposições.

Que pecados se perdoam no sacramento da penitência?
Todos os sujeitos ao poder das chaves [potestas clavium: a Igreja recebeu as chaves do Reino dos Céus para que se opere nela a remissão dos pecados pelo sangue de Cristo e pela ação do Espírito Santo], que são tantos quanto o homem pode cometer depois do batismo.

É possível alcançar o perdão dos pecados sem o sacramento da penitência?
Para obter a remissão dos pecados mortais é indispensável que o pecador tenha vontade ou desejo de submetê-los ao poder das chaves, pela forma e modo que lhe seja possível; para obter perdão dos veniais, suposto o estado de graça, é suficiente um ato fervoroso de caridade, sem recorrer ao sacramento (LXXXVII, 2 ad 2).

Se, obtido o perdão no sacramento da penitência, o homem recai nos mesmos ou outros pecados mortais, revestem-se estes de maior gravidade?
Sim, Senhor; não porque de novo se lhe imputem os perdoados, mas porque a recaída agrava os novos com os vícios de ingratidão e desprezo da misericórdia e bondade de Deus (LXXXVIII, 1, 2).

Logo, a ingratidão e desprezo da misericórdia e bondade divinas que a recaída leva consigo, constituem pecado distinto dos demais que se tenham cometido?
Se o pecador propôs e intentou diretamente tal desprezo, sim senhor; caso contrário, são circunstâncias agravantes dos novamente cometidos (LXXXVIII,4).

Imputa Deus ao homem e torna a debitar-lhe os pecados perdoados no tribunal da penitência?
Não, senhor, porque Deus jamais se arrepende dos favores concedidos (LXXXIII,1).

Recobram valor e vida no sacramento da penitência os bens espirituais de que o homem fica privado ao cometer o pecado mortal?
Certamente que sim; recobra, em primeiro lugar, o bem essencial que é a graça e o direito à glória, no mesmo grau em que, antes de pecar, o possuía, se as disposições com que recebe o sacramento equivalem ao antigo fervor e caridade; em maior grau, se são maiores e, em menor, se são menores. O mérito contraído no exercício das virtudes revive íntegro para ser premiado com recompensa acidental (LXXXIX, 1-4; 5 ad 6).

Logo, é importantíssimo receber este sacramento com as melhores disposições?
Sim, senhor; pois, como tenho dito, o fruto guarda com elas uma direta proporção.


XXXIX

DA PARTE QUE O PENITENTE TOMA NO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA; DA CONTRIÇÃO, CONFISSÃO E SATISFAÇÃO

Contribui o penitente para produzir os efeitos deste sacramento?
Sim, senhor; porque os atos por ele executados fazem parte do sacramento.

Por que?
Porque constituem a matéria, assim como os atos do ministro a forma (XC, 1)*.

Que atos do penitente constituem a matéria do sacramento?
Os de contrição, confissão e satisfação (XC, 2).

Por que são necessários estes três atos para constituir a matéria do sacramento?
Porque é sacramento de reconciliação do homem ofensor com Deus ofendido. Requer-se, para uma reconciliação desta natureza, que o homem ofereça e Deus uma compensação suficiente, a fim de que Deus esqueça a ofensa e fique saldada a injustiça; e, para consegui-lo, são necessárias três coisas: que o pecador esteja disposto a satisfazer pela forma que Deus determine; que se apresente ao confessor, lugar-tenente de Deus para conhecer as condições que Ele lhe impõe e que as aceite sem reservas e as cumpra lealmente. A contrição, a confissão e a satisfação coordenam-se no sentido do reto cumprimento destas três condições (Ibid).

Há verdadeiro sacramento se falta algum destes atos?
Sem alguma manifestação exterior dos três, não, senhor; porém, pode havê-lo, sem contrição interior e sem satisfação, ainda que não produza fruto atual (XC,3).

Que entendeis por contrição?
A dor sobrenatural que invade o espírito do pecador quando serenamente pensa em suas culpas, dor que o amargura e lhe faz detestável o prazer do pecado e lhe arranca a resolução de prostrar-se aos pés do sacerdote, ministro do Senhor, confessar-se, aceitar a satisfação que ele lhe imponha e cumpri-la escrupulosamente (Suplemento, I, 1).

Que se requer para que a dor seja sobrenatural?
Que a sua causa e motivo o sejam; começa pelo temor aos castigos que, conforme o que ensina a fé, impõe Deus justamente indignado pelos pecados dos homens, temor misturado com a esperança de conseguir perdão, mediante a penitência, e mais tarde se converte em ódio e detestação ao pecado, porque dá morte à alma, privando-a da graça, e sobretudo, por ser ofensa a Deus, bem e objeto supremo do amor (I, 1, 2).

Haverá contrição quando se detesta o pecado exclusivamente por temor à pena de sentido, inevitável neste mundo ou no outro?
Não, senhor; para que exista verdadeira contrição é necessário detestar o pecado ou pelos grandes prejuízos que acarreta à alma ou porque nos priva do amor de Deus e do direito de possuí-lo, mediante a graça neste mundo, e da glória do céu (I, 2).

Que nome tem a dor sobrenatural fundada no primeiro motivo?
Chama-se atrição (I, 2 ad 2).

Logo, a atrição se distingue da contrição pelas razões e motivos em que cada uma se funda?
Sim, senhor; porque na atrição a dor é resultado de um temor servil e a contrição baseia-se no temor filial (Ibid).

Basta a dor de atrição para alcançar o perdão dos pecados no sacramento da penitência?
É suficiente para nos aproximarmos dele, porém, no momento de receber a absolvição e com ela a graça, à dor de atrição sucede a da verdadeira contrição (I, 3; XVIII, 1).

É necessário condoer-se e arrepender-se de todos e cada um dos pecados cometidos?
Quando o pecador se dispõe a receber o sacramento, deve arrepender-se e conceber dor de cada pecado em particular, especialmente se são mortais; porém, quando a dor está já informada pela graça, basta que se arrependa de todos em conjunto, pela razão comum de ofensa feita a Deus (II, 3, 6).

Poderíeis ensinar-me alguma fórmula para exercitar-me em atos de contrição?
Sim, senhor; eis aqui uma: 'Pesa-me e arrependo-me, Deus e Senhor meu, de haver cometido tantos pecados que me mereceram a vossa inimizade e justa indignação, privando-me da vossa graça e paralisando em mim o exercício das virtudes, porque eram ofensas dirigidas a Vós, Bem Infinito; tende misericórdia de mim, perdoai-me; infundi-me de novo a vossa graça, na qual desejo e quero viver e morrer; de vossas mãos aceito a morte com todas as suas enfermidades, dores e padecimentos, e os uno aos da paixão e morte de Jesus Cristo, meu divino Salvador, em satisfação de minhas culpas e pecados'.

Que deve fazer o pecador arrependido e pesaroso das suas culpas para obter o perdão?
Estar pronto e disposto a confessá-las a um sacerdote, se a isso o obriga algum preceito da Igreja ou as circunstâncias em que se ache (VI, 1-5).

Quando obriga a Igreja a confessar?
Uma vez, pelo menos, ao ano, e com preferência no tempo pascal, porque então obriga também o preceito da comunhão e ninguém que tenha consciência de pecado mortal deve recebê-la sem se confessar (VI, 5; Código, c. 906).

Por que é a confissão parte do sacramento da penitência?
Por ser o único meio com que o confessor pode julgar, com conhecimento de causa, sobre as disposições do penitente para receber a absolvição e decretar, em nome de Deus, a pena satisfatória que há de cumprir, como justa compensação para recuperar a graça (VI, 1).

Como há de ser a confissão para que o sacramento seja válido?
É necessário que o penitente manifeste, quanto seja possível, o número e espécie dos pecados mortais e que o faça com o fim de receber a absolvição sacramental (IX, 2).

Perdoam-se no sacramento da penitência os pecados confessados sem dor de contrição nem de atrição?
Não, senhor; porém a confissão, enquanto relaciona um penitente com o sacerdote, pode existir ainda naquele que não tem contrição; permanece, não obstante isto, a obrigação de manifestar na confissão seguinte aquela falta de dor (Ibid).

Se o penitente, involuntariamente, se esquece de algum pecado grave, tem obrigação de manifestá-lo na confissão seguinte?
Sim, senhor; porque estamos obrigados a submeter ao poder das chaves todos os pecados mortais (IX, 2).

Em nome de quem recebe o sacerdote a confissão?
Em nome e lugar de Deus, de sorte que, exceto no ato de exercer esta função do seu ministério, não tem capacidade para ouvi-la e nem para manifestar coisa alguma com ela relacionada (XI, 1-5).

Que deve fazer o penitente depois de se confessar?
Cumprir com esmero o castigo satisfatório que, como condição para recuperar a amizade de Deus, e em seu nome, lhe imponha o sacerdote (XII, 1, 3).

A quantos grupos podem reduzir-se as penitências satisfatórias?
A três: esmola, jejum e oração, porque para satisfazer a Deus, justo é sacrificar alguns bens em sua honra. Três classes de bens possuímos: os da fortuna, os do corpo e os da alma. O sacrifício dos primeiros recebe o nome geral de esmola, o dos segundos, o de jejum e o dos terceiros, de oração (XV, 3).

Perde-se a graça recebida na absolvição, caso se não cumpra a penitência sacramental?
Não, senhor; quer seja por esquecimento quer seja por negligência, exceto quando se deixa de cumprir por desprezo ao sacramento; fica, porém, de pé a obrigação de sofrer, neste mundo ou no outro, a pena temporal devida pelos pecados e, além disso, não se recebe o aumento de graças, vinculado ao cumprimento da penitência.

XL

DO MINISTRO DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA: DA ABSOLVIÇÃO, INDULGÊNCIAS, COMUNHÃO DOS SANTOS E EXCOMUNHÃO

Que entendeis por poder das chaves?
A faculdade ou poder de abrir as portas do céu, tirando de permeio o pecado e a pena por ele devida, únicos obstáculos que as mantêm fechadas (XVII, 1).

Em quem reside este poder?
Primeiramente na Santíssima Trindade; depois, na humanidade de Jesus Cristo, pelos méritos da sua paixão; e suposto que a eficácia e virtude da paixão se comunica aos sacramentos, que são como canais por onde flui à alma a graça divina, segue-se que os ministros da Igreja, dispensadores dos sacramentos, são depositários, por delegação de Cristo, do poder das chaves (Ibid).

Como se exerce o poder das chaves no sacramento da penitência?
Pelo ato do ministro, quando julga do estado do pecador, absolvendo-o, depois de lhe impor a penitência ou negando-lhe a absolvição (XVII, 2).

Logo, o sacramento da penitência produz o efeito vinculado ao poder das chaves, por virtude da absolvição, e no momento em que o sacerdote a dá?
Sim, senhor; e sem ela, nem existiria sacramento e nem, por conseguinte, produziria efeito algum (X, 1, 2; XVIII, 1).

Quais são os depositários do poder das chaves?
Só os sacerdotes validamente ordenados, segundo o rito da Igreja Católica, têm o poder de abrir as portas do céu, perdoando os pecados mortais no tribunal da penitência (XIX, 9).

Basta que o sacerdote esteja validamente ordenado para que possa exercer o poder das chaves com todos os batizados que desejem receber o sacramento da penitência?
Não, senhor; é necessário, além disso, que esteja aprovado pela Igreja para ouvir confissões e que tenha jurisdição sobre o penitente (XX, 1-3).

Praticamente pode o sacerdote absolver a quantos se aproximem do tribunal da penitência, na localidade em que tenha faculdades para confessar?
Sim, senhor; exceto quando o penitente se acusa de pecados reservados ao superior.

Tem a Igreja, em virtude do poder das chaves, algum outro meio, distinto da absolvição e imposição da penitência sacramental, para perdoar a pena devida pelos pecadores?
Sim, senhor; tem a admirável faculdade de conceder indulgências (XXV, 1).

Em que consiste?
Em poder tirar do inesgotável tesouro, formado pelos méritos e valor satisfatório das obras de Jesus Cristo, da Santíssima Virgem e de todos os santos, o que for necessário para satisfazer, no todo ou em parte, à justiça divina, pela pena que neste mundo ou no outro, deve sofrer o pecador, uma vez perdoada a sua culpa, e de aplicar estes méritos a determinados indivíduos, livrando-os assim do merecido e inevitável castigo temporal (Ibid).

Que condições se requerem para que se lucre o efeito das indulgências?
São três: autoridade competente de quem as concede, estado de graça de quem se disponha a ganhá-las e motivo ou razão suficiente para concedê-las, que pode ser qualquer obra que redunde em honra de Deus e em utilidade da Igreja, como práticas piedosas, obras de zelo e apostolado, esmolas, etc.

Logo, são estas práticas o preço com que a Igreja taxa e concede as indulgências?
De modo algum, pois a indulgência não é indulto que se obtém por permuta com obras satisfatórias equivalentes; é uma transferência do valor satisfatório das boas obras de uns indivíduos em favor de outros, se estes cumprem certas condições que a Igreja impõe, transferência feita em virtude da comunhão dos santos e com o consentimento dos primeiros (XXV, 2).

Beneficiam-se delas somente quem cumpre as condições prescritas para ganhá-las?
Podem aproveitar às almas do purgatório, quando a Igreja assim o concede (XVII, 3 ad 2; Código, c. 930).

Quem pode concedê-las?
Somente aquele que, em virtude do supremo poder de ligar e desligar, em todos os assuntos espirituais dos fiéis, é depositário e administrador do tesouro formado pelos méritos de Jesus Cristo e dos santos, isto é, o Soberano Pontífice. Sem embargo disso, dentro dos limites fixados pelo supremo hierarca, podem também os bispos concedê-las aos seus súditos, considerando que são juízes ordinários das diversas igrejas e compartilham com o Soberano Pontífice das fadigas e solicitude pastorais (XVII, 1,3).

Que consequências práticas se deduzem da doutrina que acabamos de expor?
Se atentamente pensarmos na faculdade de conceder indulgências, no poder das chaves, no sacramento da penitência, e, em geral, no maravilhoso poder que tem a Igreja Católica de tomar e aplicar a cada um dos seus membros, os méritos da paixão do Redentor, deduziremos que o maior benefício que o homem pode receber neste mundo é o de ser admitido na Igreja Católica e gozar a plenitude dos direitos que o batismo confere, vivendo em comunhão perfeita com todos os seus membros e com o seu chefe supremo, o Pontífice Romano, único depositário do tesouro de graças sobrenaturais que constitui a herança dos membros de Cristo.

Pode dar-se o caso de que alguém, incorporado à Igreja Católica pelo batismo, não participe de todos os seus direitos e privilégios?
Sim, senhor; todos aqueles sobre quem haja recaído alguma censura eclesiástica e, em especial, a mais temível de todas, a excomunhão (XXI, 1, 2).

Os hereges e os cismáticos estão excomungados?
Sim, Senhor; e, por consequência, não têm parte na comunhão dos santos. 

Logo, só os batizados, sujeitos ao Pontífice Romano e isentos de censuras, têm pleno gozo dos direitos de católicos?
Sim, senhor; e, além disso, para obterem os benefícios das indulgências, devem estar em perfeita comunhão com os santos, pela graça e pela caridade.

Em que consiste o que vós chamais perfeita comunhão com os santos?

Em que todos os membros do corpo místico de Jesus Cristo, os que vivem neste mundo, os que expiam as suas faltas no purgatório e os que no céu já receberam a recompensa, vivem em estreita união e participação comum dos bens conducentes à felicidade eterna, mediante a hierarquia da Igreja visível, cuja alma é o espírito de Deus.


XLI

DO SACRAMENTO DA EXTREMA-UNÇÃO

Existe na Igreja algum sacramento especial cujo objeto seja dispor os moribundos para entrar no céu?
Sim, senhor; o Sacramento da extrema - unção (XXIX, 1)*.

Que entendeis por sacramento da Extrema-Unção?
Um rito instituído por Jesus Cristo, que consiste em ungir com óleo consagrado os enfermos em perigo de morte, pedindo a Deus que lhes perdoe os vestígios e restos das culpas passadas e lhes restitua completa saúde espiritual, para que, em pleno vigor da alma, entrem a desfrutar os gozos da bem-aventurança eterna (XXIX, XXXII).

Serve este sacramento para perdoar os pecados?
Não, senhor; pois nem foi instituído contra o pecado original como o batismo, nem contra os mortais, como a penitência, nem contra os veniais, como indiretamente o foi a Eucaristia. Todavia, como infunde uma graça especial, e a graça é incompatível com o pecado, indiretamente o perdoa, se o sujeito age de boa fé, e fez tudo quanto estava em suas mãos para obter o perdão das suas culpas (XXXI, 1).

Pode este sacramento restaurar a saúde do corpo?
Sim, senhor; de sorte que, se o sujeito se acha convenientemente disposto, em virtude da sua própria e exclusiva eficácia sacramental, devolve o vigor físico, quando recuperar a saúde corporal é útil e conveniente para desfrutar a espiritual, objeto próprio deste sacramento (XXX, 2).

Quando se pode e quando se deve receber?
Só pode receber-se quando a enfermidade ou extenuação corporal ponha o homem em transe de morte e deve fazer-se o possível para que o enfermo o receba com pleno conhecimento e grande fervor (XXXII, 1, 2).

Pode repetir-se?
Durante o mesmo perigo de morte, não senhor; porém, se o enfermo convalesce, ou, pelo menos, sai do perigo, pode recebê-lo tantas quantas vezes recair, quer em enfermidades distintas, quer nas alternativas da mesma doença (XXXIII, 1-2).

É a Extrema-Unção o último sacramento, instituído por Jesus Cristo, em favor dos homens?
Considerado o homem como pessoa privada, sim, senhor; porém, considerado como membro de uma sociedade a propagar-se por todo o mundo e a durar até ao fim dos tempos, desfruta os benefícios de outros dois.

Quais são?
A ordem e o matrimônio.

XLII

DO SACRAMENTO DA ORDEM - DOS SACERDOTES, BISPOS E SOBERANO PONTÍFICE; DA IGREJA, MÃE DAS ALMAS

Que entendeis por Sacramento da Ordem?
Um rito sagrado, instituído por Jesus Cristo, para conferir aos homens o poder de consagrar um corpo real em beneficio do corpo místico (XXXVII, 2).

O poder conferido neste Sacramento é um ou múltiplo?
É múltiplo; porém, a multiplicidade não prejudica a unidade do sacramento, porque as ordens inferiores são meras participações da superior (Ibid).

Que entendeis por ordem superior?
O presbiterado ou a ordem dos que têm faculdade para consagrar a Eucaristia (Ibid).

Que são ordens inferiores?
As que precedem o presbiterado e instituem ministros para servir ao sacerdote no ato da consagração. Ocupam, entre eles, o primeiro lugar os diáconos, os subdiáconos e os acólitos, cuja missão é servirem ao sacerdote no altar. É ofício dos primeiros distribuir a Eucaristia, pelo menos sob a forma de vinho, nos lugares em que os fiéis comungam em ambas as espécies; os segundos colocam nos vasos sagrados a matéria do sacramento, preparada e oferecida pelos terceiros. Vêm em segundo lugar os ministros cujo ofício é dispor os fiéis para receberem a Eucaristia, no que se refere à absolvição sacramental reservada ao sacerdote, expulsando os indignos, instruindo os catecúmenos e livrando os possessos do furor do demônio; e, se bem que estes ofícios não têm hoje aplicação, nos países católicos, tiveram-na nos primitivos tempos do Cristianismo, quando os fiéis se recrutavam entre os pagãos, e subsistem, com o fim de conservar íntegra a hierarquia eclesiástica (Ibid).

Quais são, por conseguinte, as ordens maiores e quais são as menores?
São ordens maiores o presbiterado, o diaconato e o subdiaconato, e menores as que servem para instituir acólitos, exorcistas, leitores e ostiários ou porteiros (XXXVII, 2,3).

Onde residem ordinariamente os ministros inferiores ao sacerdote?
Nos seminários e outros estabelecimentos eclesiásticos destinados à formação intelectual e moral dos que se preparam para a ordem suprema do sacerdócio.

Logo, ao receberem o presbiterado, é quando se põem os ministros da Igreja em contado com os fiéis para trabalhar na obra da sua santificação?
Sim, senhor.

Estão os sacerdotes investidos de algum caráter especial que os distingue dos demais fiéis?
Não só o estão os sacerdotes, mas também todos os membros da hierarquia eclesiástica, já que todas as ordens imprimem caráter. Todavia, está, podemos dizer, mais acentuado e impresso nos presbíteros, facultados para consagrar o corpo e sangue de Cristo e perdoar os pecados no tribunal da penitência.

Logo, os fiéis recebem, por intermédio dos presbíteros, todas as graças e bens espirituais vinculados aos sacramentos?
Sim, senhor; porque, se excetuarmos a confirmação, reservada ordinariamente aos bispos, aos simples presbíteros está entregue, por oficio, a administração de todos os sacramentos destinados a procurar a graça para o homem como pessoa privada, isto é, o batismo, a eucaristia, a penitência e a extrema-unção e assim também a faculdade suprema e divina de oferecer o augusto sacrifício do altar.

A quem são devedores os fiéis do inapreciável benefício de conhecer os mistérios e verdades de nossa santa religião ?
Aos sacerdotes, que tem como ministério cotidiano o de instruí-los nas verdades da fé.

De quem recebem os presbíteros os seus poderes e faculdades?
Dos bispos (XXXVIII, XL, 4).

Em que são os bispos superiores aos presbíteros e como podem conferir-lhes tais poderes?
Não são os bispos superiores aos simples presbíteros no tocante à consagração do corpo real de Cristo, mas no que se refere ao corpo místico, que é a Igreja; e em atenção a isso podemos dizer que Cristo instituiu o poder episcopal. Encontra-se dentro das suas atribuições tudo quanto seja necessário para criar e organizar igrejas e dispô-las para receber todas as graças vinculadas aos sacramentos. Por conseguinte, em virtude da consagração episcopal, adquirem a plenitude do sacerdócio, e podem, não só consagrar o corpo real de Jesus Cristo como os demais presbíteros, mas também administrar sem limites ou reservas todos os sacramentos, inclusive o da confirmação, consagrar ou ordenar sacerdotes e ministros inferiores, conceder-lhes jurisdição sobre os fiéis e confiar-lhes o seu governo e cuidado espiritual (XL, 4. 5).

Logo, podemos dizer que toda a vida e atuação da Igreja se concentra no bispo?
Sim, senhor.

Que necessita, por sua vez, o bispo para ser centro e origem da jurisdição na Igreja?
Viver em comunhão e dependência do Bispo de Roma, chefe e cabeça visível de todas as igrejas do mundo que, sob sua autoridade suprema e poder soberano, formam a congregação universal chamada Igreja de Cristo (XL, 6).

Logo, o Bispo de Roma tem faculdades que os outros não possuem?
No que se refere ao poder de ordem necessário para administrar todos os sacramentos, não, senhor; porém, no tocante ao poder de jurisdição, que compreende tudo o que é relativo ao governo da Igreja de Deus e designação de súditos e limites das diversas jurisdições, sim, senhor. Deste modo, o Soberano Pontífice concentra em sua pessoa todos os poderes da Igreja Católica, ao passo que os bispos só têm jurisdição em suas dioceses, partes integrantes da Igreja Universal, ou nas igrejas que, por ministério da lei eclesiástica, dependam da sua jurisdição no todo ou em parte, e ainda este poder limitado depende, em sua aquisição e exercício, da autoridade suprema do Soberano Pontífice (Ibid).

Por que reside na pessoa do Soberano Pontífice o poder Supremo de jurisdição e governo?
Porque assim o exige a unidade da Igreja; por isso Jesus Cristo deu a Pedro, de quem sucessor legitimo é e será até ao fim dos séculos o Pontífice de Roma, o cargo e ofício de apascentar todo o seu rebanho, tanto as ovelhas como os cordeiros (Ibid).

Logo, a união do homem com Jesus Cristo, mediante a graça dos sacramentos, e, por conseguinte, a salvação eterna de todos os mortais, depende e dependerá sempre e exclusivamente do Soberano Pontífice?
Sim, senhor; porque, se embora seja certo que a graça não está de modo absoluto ligada aos sacramentos, os quais podem ser supridos pela ação interior do Espírito Santo, pelo menos nos adultos impossibilitados, sem culpa sua, de recebê-los — não é menos certo que o homem que, conscientemente se separa da comunhão com o Romano Pontífice, se incapacita para receber a graça de Deus e, se em tal estado morre, está irremediavelmente perdido.

Logo, este é o sentido da frase 'fora da Igreja não há salvação'?

Sim, senhor; como também o é desta outra e equivalente: 'Não pode ter a Deus por pai quem não tem a Igreja por mãe'.


XLIII

DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO: SUA NATUREZA, IMPEDIMENTOS, OBRIGAÇÕES, DIVÓRCIO, SEGUNDAS NÚPCIAS E ESPONSAIS

Qual é o outro sacramento instituído por Jesus Cristo para aperfeiçoar o homem, enquanto membro de uma sociedade com fins sobrenaturais?
O sacramento do matrimônio (XLII)*.

De que modo está ordenado o Sacramento do Matrimônio para o bem da sociedade sobrenatural?
Pela propagação da espécie humana, cujos indivíduos são os destinados a formá-la (XLI, XLII).

Que entendeis por sacramento do matrimônio?
A união de um só homem com uma só mulher, indissolúvel até a morte de um deles, contraída por mútuo consentimento, entre pessoas batizadas, com direito recíproco e exclusivo, nos atos que têm por fim dar à pátria terrestre e à pátria celestial dignos moradores e cidadãos (Ibid).

Por que o contrato matrimonial entre cristãos tem categoria de sacramento?
Porque assim o quis Jesus Cristo, ao elevá-lo à dignidade de simbolizar a sua própria união com a sua esposa, a Igreja, nascida do seu lado aberto na cruz, à maneira da primeira mulher, da costela de Adão, misteriosamente adormecido (XLII, 2).

Que é necessário para que um homem e uma mulher batizados possam unir-se em matrimônio?
Que ambos possam livremente dispor de si mesmos e que não exista entre eles qualquer obstáculo.

Que obstáculos se opõem à união matrimonial?
Os chamados impedimentos do matrimônio.

São da mesma natureza todos os impedimentos do matrimônio?
Não, Senhor; pois que uns somente o fazem ilícito e outros o fazem completamente nulo.

Quais os nomes que têm os primeiros e os segundos?
Os primeiros chamam-se impedientes e os segundos, dirimentes (cânon 1036).

Quais são os impedientes?
O voto simples de virgindade, o de castidade perpétua ou de não contrair matrimônio, o de receber ordens sacras ou de abraçar o estado religioso; o parentesco legal procedente da adoção, nos países em que a lei civil o considera impedimento impediente, e o chamado de religião mista, que tem lugar quando um dos contraentes, ainda que validamente batizado, professa as doutrinas de alguma seita herética ou cismática (conforme o Código Canônico).

Que é necessário para contrair matrimônio quando existe algum dos preditos impedimentos?
Que a Igreja o dispense, se bem que, para fazê-lo, exige razões muito atendíveis, especialmente quando se trata de um matrimônio em que intervenha o impedimento de religião mista, exigindo à parte acatólica dar garantias suficientes para afastar todo perigo de perversão do outro cônjuge e para que a prole receba o batismo e educação católica (conforme o Código Canônico).

Quais são os impedimentos dirimentes?
Ei-los aqui, extraídos do novo Código do Direito Canônico: (i) a falta de idade legal, que são dezesseis anos completos, para o homem e quatorze para a mulher, igualmente completos; (ii) a impotência, conhecida ou desconhecida, absoluta ou relativa, contanto que seja perfeita e anterior ao matrimônio; (iii) o matrimônio válido, anteriormente contraído, ainda que não tenha sido consumado; (iv) a disparidade de cultos, que tem lugar quando um dos contraentes está batizado na Igreja Católica ou se converteu da heresia ou do cisma e o outro se acha sem batizar; (v) as ordens sagradas; (vi) a profissão religiosa solene e também a simples, quando assim o decretar a Santa Sé; (vii) o rapto ou detenção violenta feita com o objetivo de arrancar o consentimento, até que a pessoa raptada seja posta em lugar seguro e possa manifestar livremente a sua vontade; (viii) o crime de adultério com promessa ou tentativa civil de matrimônio, o adultério seguido de assassinato em que intervenham um ou ambos os adúlteros e a cooperação física ou moral no assassinato de um dos cônjuges, ainda que não haja precedido o adultério; (ix) a consanguinidade, em linha reta, indefinidamente e, em colateral, até ao terceiro grau inclusive; multiplica-se este impedimento quantas vezes se multiplica o tronco comum; (x) a afinidade, em linha reta indefinidamente e, em colateral, até ao segundo grau inclusive; multiplica-se este impedimento como o da consanguinidade que o origina e, por matrimônio subsequente, com o consanguíneo do cônjuge defunto; (xi) a pública honestidade, proveniente do matrimônio inválido, consumado ou não e de concubinato público e notório; dirime o matrimônio no primeiro e segundo grau da linha reta entre o homem e os consanguíneos da mulher e vice-versa; (xii) o parentesco espiritual que contraem com o batizado, o batizante, o padrinho e a madrinha; (xiii) o parentesco legal, proveniente da adoção, nos países em que a lei civil o considera impedimento dirimente (Código, Canônico 1067-1080; LLXII).

Dispensa alguma vez a Igreja nos impedimentos dirimentes?
Nem dispensa e nem pode dispensar nos impedimentos que são de direito divino ou natural estrito, como a impotência, o matrimônio consumado e a consanguinidade na linha reta e na colateral muito próxima. Pode e, de fato, dispensa nos outros, ainda que para fazê-lo exige causa grave.

Não existe outro impedimento dirimente que poderemos chamar extrínseco, visto que não afeta as partes contraentes?
Sim, Senhor; o da clandestinidade.

Que entendeis por impedimento de clandestinidade?
O que estabelece a lei eclesiástica, declarando nulos os matrimônios entre batizados na Igreja Católica, vivendo ou não no seu seio, entre católicos e acatólicos, estejam ou não estes últimos batizados, e entre latinos e orientais, quando não se contraem perante o pároco ou o ordinário do lugar em que se efetua ou perante um sacerdote delegado de qualquer deles, nos limites das suas respectivas jurisdições e com assistência de duas testemunhas pelo menos. É todavia válido o matrimônio celebrado apenas em presença de duas testemunhas quando, em perigo de morte, seja impossível ou muito difícil recorrer ao Ordinário ou ao Pároco, e quando as dificuldades para contraí-lo perante qualquer,deles hajam durado um mês (Código, cânons 1094-1099).

Quando as partes contraentes reúnem as devidas condições, que é preciso para que recebam o sacramento e quem é o ministro?
Basta, para o primeiro, que livremente, isto é, sem pressão, medo grave e injusto, nem violência exterior, prestem consentimento formal recíproco e atual, manifestado por palavras ou por meio de gestos inequívocos. São ministros do sacramento os mesmos contraentes (Código, cânons 1081-1087; XLVII, 1-6).

É nulo o consentimento matrimonial quando algum dos contraentes está em algum erro a respeito do outro?
Se o erro é acerca da pessoa do outro cônjuge, sim, senhor; porém, quando recai em suas qualidades pessoais, o matrimônio, ainda que ilícito, é válido (Código, cânon 1083).

É conveniente que assistam à missa própria do ato em que o sacerdote abençoa a sua união?
Sim, senhor; além de tudo, a Igreja deseja e recomenda que todos os seus filhos se disponham para receber tão grande sacramento, mediante uma boa confissão e fervorosa comunhão (Código, cânon 1101).

Que graça especial confere este sacramento aos que dignamente o recebem?
A de perfeita fidelidade e harmonia conjugal fundada num amor sincero e profundo, sobrenatural, suficiente para resistir até à morte, a quanto se tenda destruí-la ou quebrantá-la e, ao mesmo tempo, uma graça de generosidade, abnegação e espírito de sacrifício em favor dos futuros filhos, a fim de que os pais não estorvem a sua procriação, os recebam com alegria e lhes prodigalizem os mais minuciosos cuidados de alma e corpo, para fazer deles dignos cidadãos da pátria terrena e da pátria celeste (XLIX, 1-6).

Pode a lei do divórcio civil anular o matrimônio validamente contraído?
De maneira nenhuma, visto que nenhuma lei humana pode separar o que Deus uniu. Por conseguinte, ainda que decretado e executado o divórcio civil, permanecem ambos os cônjuges unidos com os laços do matrimônio e, se algum passa a segundas núpcias, Deus e a Igreja consideram a sua união como mero concubinato.

Ocorrida a morte de um dos cônjuges, pode o sobrevivente contrair novo matrimônio?
Não existe lei que o proíba, se bem que considerado em si mesmo, é mais perfeito o estado de viuvez; advirta-se que, se é viúva a mulher, ao celebrar o primeiro matrimônio, recebeu solenemente a benção nupcial, e não pode recebê-la segunda vez (LXIII, Código, cânons 1142, 1143).

São úteis e convenientes os esponsais?
Sim, senhor. Consistem, essencialmente, na promessa que fazem mutuamente os futuros cônjuges de contrair matrimônio. Para a sua validade, tanto no foro interno como no externo, é necessário que conste de escritura, firmada pelos interessados, pelo Pároco ou Ordinário do lugar e por duas testemunhas pelo menos. Se algum dos prometentes não sabe escrever ou está impossibilitado, é preciso fazer constar na ata e acrescentar a firma de outra testemunha (XLIII, 1; Código, cânon 1017).

Dão os esponsais direito de usar do matrimônio antes de celebrá-lo?

Não, senhor; e os desposados que o usem, além de cometer pecado mortal, expõem-se a que a justiça divina lhes faça, mais tarde, pagar caro semelhante abuso da honestidade dos esponsais.


XLIV

DO ESTADO INTERMEDIÁRIO DAS ALMAS ANTES DA RESSURREIÇÃO UNIVERSAL: O PURGATÓRIO

Para onde guia e conduz Jesus Cristo, por meio dos sacramentos e das inspirações do Espírito Santo com que governa a sua Igreja, a espécie humana redimida com o preço do seu sangue?
Ao reino da glória imorredoura.

É suficiente que a ação redentora de Jesus Cristo atinja os homens, para que instantaneamente e sem transição consigam a vida eterna?
Não, senhor; porque, se bem que os méritos de Jesus Cristo e os sacramentos, por cuja virtude se aplicam aqueles méritos aos homens, têm bastante eficácia para consegui-lo, dispôs a divina Sabedoria que não fosse plenamente restaurada em seus indivíduos a natureza humana, condenada como pecadora a expiar a culpa original, até o término da sua peregrinação na terra. Esta é a razão porque os batizados e os que recebem os sacramentos, ainda que pessoalmente santificados, continuam sujeitos às penalidades da vida presente e à mais terrível de todas, a morte (LXIX, 1).

Logo, só quando acabem as gerações, será completa e definitiva a vitória sobre a morte, e só então poderão ressuscitar os homens e gozar em corpo e alma as delicias da glória celeste?
Só então, e, até que aquele dia chegue, permanecerão, desde o dia da sua morte, num estado intermediário.

Que entendeis quando afirmais que permanecerão num estado intermediário?
Que, ou não recebem total e imediatamente o seu merecimento ou que, se bem que os justos alcançam o prêmio e os réprobos o castigo, devidos pelas respectivas obras que praticaram neste mundo, nem a recompensa dos primeiros é plena, nem o castigo dos segundos alcança a intensidade que há de ter eternamente, até que chegue o dia da ressurreição universal (LXIX, 2).

Como se chama o lugar intermédio onde moram os que não alcançam imediatamente a recompensa dos seus méritos?
Chama-se Purgatório (LXXI, 6; Apêndice, II).

Quais são as almas que vão para o Purgatório?
As dos justos que morrem em graça, porém, no instante de falecer não satisfizeram plenamente a pena temporal devida pelos seus pecados (Ibid).

Logo, o Purgatório é lugar de expiação destinado a satisfazer á Justiça divina antes de entrar no Céu?
Sim, senhor; e não há nada mais conforme com a Misericórdia e Justiça de Deus.

Como e em que resplandece no Purgatório a Misericórdia de Deus?
Primeiramente, em que Deus se digna conceder aos justos, ainda depois da morte, tempo e meios para satisfazer pelos seus pecados e para que, plenamente absolvidos no tribunal divino, se preparem para entrar no céu. Em segundo lugar, porque, mediante a comunhão dos santos, estabeleceu um meio para que os fiéis da Igreja militante possam auxiliá-los e apressar a sua entrada na glória, oferecendo, em compensação pelo que eles devem satisfazer, o valor satisfatório das suas obras e aplicando-lhes, por meio das indulgências, os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Santíssima Virgem e de todos os Santos (LXXI, 6).

Qual é o meio mais eficaz de que dispõem os justos da terra para mitigar os tormentos das almas do Purgatório?
O de oferecerem por elas o Santo Sacrifício da Missa.

Quando se oferece o sacrifício da missa pelas almas do Purgatório, tem grande importância e especialíssima eficácia o fervor e devoção do oferente, seja este o sacerdote que a celebra ou o simples fiel que a faz celebrar?
Sim, senhor; porque, tratando-se do valor satisfatório de uma obra boa, se bem que Deus atenda ao seu mérito intrínseco (e neste sentido o valor da missa é infinito), olha e atende mais ao fervor e boas disposições de quem o faz (LXXI, 9; Terceira Parte, LXXIX, 5).

Logo, Deus taxa o fruto aplicável da missa conforme a devoção de quem pede que se celebre?
Sim, senhor; e por aqui verão quanto lhes importa ter devoção.

Quando um justo oferece obras satisfatórias em sufrágio pelas almas do Purgatório em geral, por um grupo determinado, ou por alguma em particular, aplica Deus o sufrágio conforme o pede o oferente?
Sim, senhor (LXXI, 6).

Podem, também aplicar-se às almas do Purgatório em geral, ou a algumas em particular, as indulgências, quando a Igreja o autoriza?
Sim, senhor; já que neste caso, tudo depende da intenção de quem as ganha e das condições que a Igreja estabelece nos termos da concessão (Ibid.; Código cânon 930).

Entram no céu as almas detidas no Purgatório no momento em que completam a satisfação?

Sim, senhor (LXIX, 2; Apêndice, II, 6).

XLV

O CÉU

Que entendeis por Céu?
O lugar onde, desde o princípio do mundo, moram os anjos bem-aventurados e, desde o dia da gloriosa ascensão de Cristo, os justos redimidos com o seu Sangue.

Que condições hão de reunir os justos para entrar no Céu?
Ter terminado a sua vida mortal e satisfeito à Justiça divina pelos seus pecados (LXIX, 2).

Pode entrar no Céu alguma alma, imediatamente depois da morte?
Sim, senhor; entram as dos justos que, além de morrer incorporadas a Cristo mediante a graça, satisfizeram plenamente neste mundo a pena correspondente aos seus pecados (Ibid).

Entram também no Céu, imediatamente depois da morte, os meninos batizados que falecem antes do uso de razão?
Sim, senhor; porque no batismo se lhes perdoou o pecado original, único que podia impedi-los.

Sucede o mesmo aos que, já adultos e com pecados pessoais, recebem com as devidas disposições o batismo e morrem antes de cometer novas culpas?
Sim, senhor; porque o batismo, recebido com as disposições convenientes, tem eficácia para aplicar-lhes em toda a sua plenitude, os méritos da paixão de Cristo (Terceira Parte, LXIX.1, 2, 7, 8).

E os que, depois do batismo, cometeram pecados mortais ou veniais e não fizeram a penitência suficiente para a remissão da pena temporal, podem entrar imediatamente no Céu, se entregam o espírito a Deus num ato de caridade perfeita?
Sim, Senhor; e especialmente se este ato é o martírio (2.a, 2.a, CXXIV, 3).

Em que se ocupam os bem aventurados no Céu?
Em gozar, desde o primeiro momento, da felicidade quase infinita, que é a visão de Deus (l.a, XII, 11).

Podem os justos no Céu ver a essência divina por virtude própria ou necessitam que Deus lhes infunda uma qualidade nova, ou perfeição intelectual distinta das que já possuíam, originadas na graça, nas virtudes e nos dons?
Necessitam que Deus lhes conceda a perfeição suprema da ordem sobrenatural (Ibid., XII,5).

Como se chama?
A luz da glória (Ibid).

Que entendeis por luz da glória?
Uma qualidade produzida por Deus na mente dos bem aventurados, que lhes permite unirem-se à essência divina, como a princípio do ato da visão intelectual (Ibid).

Que se segue da união da essência divina com a inteligência dos justos, provida da luz da glória?
Que vêem e contemplam a Deus como Deus é em si mesmo (Ibid).

É este modo de ver o que se procura fazer compreender com as palavras: 'ver a Deus face a face'?
Sim, senhor; tal é a visão prometida nas Sagradas Escrituras, última e mais nobre perfeição da obra divina, pois que faz o homem semelhante a Deus, na medida em que pode sê-lo uma criatura.

Logo, a visão da essência divina é o fim que Deus se propõe ao criar, conservar e reger o universo?
Sim, senhor; e quando, devido ao seu governo providencial, se tenha santificado o último eleito, e com sua entrada no céu se complete o número dos predestinados, terminará a evolução e a marcha do mundo atual e começará a que corresponde ao estado da ressurreição.

Podemos saber quando sucederá isto?
Não, senhor; porque depende da ordem da predestinação, que é o segredo mais impenetrável do plano divino.

Interessa aos bem aventurados saber a vida dos homens e os sucessos do mundo em que viveram?
Sim, senhor; porque no mundo continua desenrolando-se o mistério da predestinação, cujo cumprimento há de coincidir com a sua ressurreição gloriosa e com a absoluta plenitude da sua felicidade.

Sabem e vêem o que sucede na terra?
Vêem no mesmo Deus os sucessos que particularmente dizem respeito a cada um, na ordem da predestinação.

Chegam ao seu conhecimento as orações que se lhes dirigem, e conhecem as necessidades espirituais ou temporais de quem lhes toca mais de perto?
Certamente que sim e estão sempre dispostos a atender as orações e prover às necessidades, interpondo a sua valiosa influência junto de Deus (LXXII, 1).

Logo, por que nem sempre experimentamos os efeitos da sua intercessão?
Porque no Céu se julga das coisas com critério divino, e pode suceder que não se ache bom, nem conforme com o plano da providência o que, visto com critério humano, assim nos parece (LXXII, 3).

Logo, pode haver comunicação permanente entre nós que vivemos desterrados no mundo e os que gozam a segurança da pátria celestial?
Sim, senhor; pois que consiste em lembrarmo-nos deles, congratularmo-nos da sua ventura, e pedir-lhes que nos ajudem com a sua intercessão a alcançá-la também.

XLVI

DO INFERNO

Existe algum lugar de condições diametralmente opostas às do Céu, e que nome tem?
Sim, senhor; existe e recebe o nome de Inferno (LXIX, 2).

Que é o Inferno?
O lugar onde padecem horríveis tormentos todos os que se rebelaram contra a ordem da divina providência e predestinação, e em seus pecados e crimes se obstinaram para nunca mais se converterem.

Quais são os que se acham em tão miserável estado?
Os anjos rebeldes e os homens que morreram em impenitência final (Ibid).

Que se segue do fato dos condenados jamais poderem arrepender-se das suas culpas?
Que serão eternos os tormentos que por elas padecem.

Não poderia Deus por limites a tais suplícios?
De modo absoluto, sim, senhor, já que é Onipotente; porém, não o fará, porque Ele mesmo decretou (e as suas determinações são irrevogáveis) que os seres racionais, chegados ao termo da sua peregrinação, sejam confirmados para sempre no bem ou no mal e, enquanto dure o pecado, durar deve o seu castigo (XCIX, 1, 2).

Logo, os condenados padecerão eternamente as penas do inferno?
Sim, senhor (Ibid).

Quais são essas penas?
Há penas de duas classes: a pena de dano e a do sentido (XCVIII 1, 2).

Em que consiste a pena de dano?
Em ver-se privado da posse do Bem infinito que os justos contemplam na glória.

É esta a maior pena dos condenados no Inferno?
É e será eternamente o seu tormento mais cruel.

Por que?
Porque, chegados ao seu estado de finalidade, têm noção exata da grandeza do Bem que perderam, por terem corrido atrás de outros bens cuja pequenez agora compreendem, e pela convicção profundíssima que têm de havê-lo perdido exclusivamente por sua culpa. 

Logo, o remorso da consciência e a convicção da sua responsabilidade na perda do Bem infinito, é o que o Evangelho designa com o nome de verme roedor que nunca morre?
Sim, senhor; porque o tormento mais atroz para um ser consciente é este verme roedor, cujas mordeduras seriam suficientes para matá-lo mil vezes se pudesse morrer (Ibid).

Entende-se também em sentido metafórico e puramente espiritual a outra pena do Inferno que o Evangelho chama fogo que não se apaga?
Não, senhor; este é um fogo material, visto que o Evangelho fala da pena do sentido (XCVII, 5 ad 3).

Mas como pode o fogo material atormentar os espíritos e as almas separadas dos seus corpos?
Porque Deus lhe comunica a virtude preternatural para que sirva de instrumento à sua justiça (LXX, 3).

Atormenta por igual a todos os condenados?
Não, senhor; porque, como instrumento da divina justiça, a sua ação será proporcionada à espécie, número e gravidade dos pecados de cada réu (XCVII, 5 ad 3).

Cresce o suplício dos condenados com a companhia e horrível sociedade de todos os criminosos e malfeitores do gênero humano, misturados com os demônios cujo fim é atormentá-los, às ordens do seu príncipe e rei das trevas?
Sim, senhor, e isto parece significar o Evangelho quando fala das trevas exteriores onde só se ouvem prantos e ranger de dentes (XCVII, 3, 4).


XLVII

DO JUÍZO OU ATO EM QUE SE CLASSIFICAM OS DESTINADOS AO CÉU, AO PURGATÓRIO E AO INFERNO

Quando se apartam e segregam os que imediatamente hão de entrar no Céu dos destinados a ir para o Purgatório ou para o Inferno?
No ato do Juízo.

Que entendeis por Juízo?
O ato em que a Justiça divina decide sobre a sorte eterna do indivíduo, pronunciando sentença de prêmio ou castigo.

Quando se realiza o Juízo?
Imediatamente depois da morte, isto é, no momento em que a alma se separa do corpo.

Onde se realiza?
Onde ocorrer a morte.

Quem o realiza?
O mesmo Deus, cujo poder reside na humanidade de Jesus Cristo, desde o dia da sua gloriosa ascensão.

As almas vêem a Deus ou a sacratíssima humanidade de Jesus Cristo?
Somente vêem a essência divina e a humanidade de Cristo as almas que hão de entrar imediatamente na glória.

De que forma se celebra o juízo das outras?
Fazendo com que elas contemplem, instantaneamente e de um só golpe, todo o curso de sua vida, donde tirarão a convicção íntima e inquebrantável de que, com justiça, merecem o lugar que se lhes destina, quer no Inferno, quer no Purgatório.

Logo, quando morre um homem, no mesmo instante e quase no mesmo ato, é a alma julgada, sentenciada e colocada no Céu, no Purgatório ou no Inferno?
Sim, senhor, porque o poder divino obra instantaneamente.

De que coisas se examina e se acusa a alma neste tremendo juízo?
De todos os atos de sua vida moral e consciente, desde o primeiro, executado com o uso da razão, até ao que precede o último suspiro.

Pode suceder que o último ato consciente decida, por si só, a sorte eterna de uma alma e lhe franqueie a entrada no Céu?
Sim, senhor; porém, requer-se uma graça especialíssima de Deus, que somente costuma concedê-la quando o homem, de certo modo, a preparou com obras boas anteriormente feitas e a rogos e vivas instâncias dos justos.

Que coisas entende e vê a alma submetida a juízo, mercê da ilustração instantânea que lhe põe diante dos olhos o curso inteiro da sua vida?
Verá, dia por dia, e momento por momento, todos e cada um dos atos por ela praticados e de que pode ser responsável, com as suas mais insignificantes circunstâncias e pormenores; todos os seus pensamentos, por íntimos e rápidos que tenham sido; todos os movimentos afetivos, qualquer que fosse o seu objeto e caráter; todas as palavras, ainda as mais leves, inconsideradas, vãs ou ociosas, todas as suas ações e a parte que nelas tomaram os sentidos, os órgãos e os membros corporais. Compreenderá o alcance, a conformidade ou desconformidade de todos os seus atos com todas as virtudes e vícios, começando pela virtude da Temperança e suas numerosas aplicações, seguindo pela da Fortaleza e suas anexas, a Justiça e suas infinitas ramificações, a Prudência e seu constante exercício na prática das demais, quer se considerem estas virtudes como hábitos naturais, quer como sobrenaturais e infusas, e sobretudo compreenderá como se ajustaram as suas ações às grandes virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade que deviam ter sido a norma da sua vida. Verá a estimação em que teve o sangue de Cristo e os meios de salvação com que a presenteou o Redentor nos sacramentos administrados pela Igreja; como utilizou a grande virtude da penitência e como se aproveitou das facilidades que, por intermédio do soberano poder das chaves, se lhe davam para satisfazer por suas culpas e pecados. Este conhecimento universal, compreensivo e instantâneo, será o que lhe fará exclamar com a plácida alegria dos bem-aventurados, ou com a doce resignação dos justos no Purgatório, ou com a raiva desesperada dos condenados no Inferno: 'Vosso juízo e vossa sentença, ó Deus, são a mesma justiça'.

XLVIII

DO LUGAR DESTINADO AOS QUE NÃO SÃO JULGADOS: O LIMBO DAS CRIANÇAS

Há homens que, ao morrerem, não são julgados?
Sim, senhor; todos os que, por qualquer motivo, não tiveram uso da razão (LXIX, 6)*.

Correm todos a mesma sorte?
Não, senhor; porém, também se lhes não dá destino diverso, no ato do juízo, em atenção aos seus méritos ou deméritos.

Logo a que se atende?
A que uns hajam recebido o batismo e outros não.

Para onde vão os que o recebem?
Para o Céu diretamente.

E os que o não recebem?
Para um lugar especial conhecido com o nome de Limbo.

É o Limbo lugar distinto do Purgatório e do Inferno?
Sim, senhor; porque ali não se padece a pena do sentido, pelos pecados pessoais (Ibid).

Padece-se ali a pena de dano?
Sim, senhor; porque os seus habitantes compreendem que estarão eternamente privados da felicidade proveniente da visão beatífica, se bem que neles não se reveste o caráter de suprema tortura, como nos condenados ao Inferno (Apêndice, 1, 2).

Por que esta diferença na dureza da pena de dano?
Porque os condenados do Limbo compreendem que, se estão privados da visão beatífica, não é em castigo de qualquer pecado pessoal, mas por serem filhos de Adão pecador, isto é, pelo pecado de natureza que pessoalmente contraíram pelo simples fato de terem nascido (Ibid).

Logo, conhecem os mistérios da Redenção?
Certamente que sim, ainda que o conhecimento que deles têm é superficial e puramente externo, se assim nos podemos exprimir (Ibid).

Podemos dizer que possuem a luz da fé?
Se por luz da fé entendemos a claridade interior sobrenatural que aperfeiçoa a inteligência e de algum modo lhe permite penetrar no mais íntimo dos mistérios, e sentir no seu conhecimento gosto e complacência sobrenaturais e desejo eficaz de possuir o que se crê, não, senhor; posto que conhecem as verdades da fé especulativamente, à maneira dos que estão convencidos da verdade da revelação, porém, incapacitados para crê-la sobrenaturalmente e aprofundar-se no seu conhecimento, por faltar-lhes o impulso da graça.

Logo, podemos dizer que vêem os mistérios da fé à claridade de uma luz mortiça e fria que não tem cores nem comunica vigor?
Sim, porque, nem é luz a cujos resplendores se destaquem as negras cores da ingratidão, nem que ocasione acessos de raiva impotente como a raiva dos condenados, nem calor de adesão, de esperança e de caridade como a dos justos na terra, nem a luz ardente e embriagadora da felicidade que ilumina os santos no céu; é uma luz sem radiações sobrenaturais, sem esperança, que não causa remorso nem pesar, e que se limita a dar-lhes conhecimento da existência de um bem que não lhes pertence, de uma felicidade que jamais possuirão, notícia que não lhes causa tristeza, pranto, nem ranger de dentes; pelo contrário, experimentam intensa alegria, ao pensar nos dotes e qualidades naturais recebidas de Deus e nas da mesma ordem com que as dotará o dia da ressurreição (Ibid, ad 5).

Não fala a Igreja de outro limbo situado junto ao das crianças que morrem sem batismo?
Sim, senhor; o limbo em que aguardavam a vinda do Redentor os justos completamente isentos de estorvos pessoais para entrar no céu.

Está agora desabitado?
Recordando que Jesus Cristo baixou a esse limbo no instante de ressuscitar, levando consigo as almas dos que ali estavam detidos, é evidente que não tem nem pode ter o primitivo destino; pode ser, sem embargo disso, que hoje sirva de morada aos inocentes, formando um só com o limbo das crianças.

XLIX

DO FIM DO MUNDO E DO QUE A ELE SE SEGUIRÁ

Dissestes que, no momento em que o último predestinado chegue ao grau de preparação e merecimento a que Deus o destina, sobrevirá o fim do mundo; em que consistirá tal fim e que ordem de coisas se seguirá? Consistirá, exclusivamente em trasladar para o céu o último eleito, e em determinar o estado e lugar definitivo que hão de ocupar os condenados no inferno e as crianças no limbo?
Não, senhor; ao fim do mundo se seguirão os dois atos mais transcendentais e importantes da obra e plano divino; a ressurreição e o Juízo final.

Como acabará este mundo?
O Apóstolo São Pedro nos ensina que no momento em que Jesus Cristo descer, envolto em nuvens de glória para julgar os vivos e os mortos, o mundo terá acabado por meio do fogo (LXXIV, 1, 2).

Logo, a conflagração universal será o ato preparatório do Juízo?
Sim, senhor; pois que servirá para purificar todos os elementos e dispô-los para serem úteis no novo estado de coisas.

O fogo da conflagração final queimará e destruirá somente com a sua energia natural ou possuirá qualidades superiores como instrumento de Deus?
Atuará como instrumento da divina justiça para que nele possam expiar as suas faltas, as almas que deveriam estar mais ou menos tempo no Purgatório (LXXIV, 3-8).

Logo, o tempo de purificação dos que então morrerem durará um só instante?
Sim, Senhor; porque Deus graduará a intensidade e a energia dos tormentos conforme ao que cada um deve, em Justiça, padecer.

Sabemos quando se dará o fim do mundo?
Não, senhor; porém, estamos certos de que à vinda do Juiz Supremo precederão certos sinais e formidáveis avisos.

Quais serão?
Extraordinários transtornos e comoções em toda a natureza, a cuja vista, na expressão do Evangelho, andarão os homens desfalecidos de terror.

Podemos determinar, em concreto, quais serão?

Não, senhor; porém, serão tais que, à sua vista, os justos ou os homens simples e sinceros e não obstinados em cegueira voluntária, reconhecerão a próxima vinda do Juiz.


L

DA RESSURREIÇÃO

Que sucederá depois ou ao mesmo tempo em que o mundo esteja sendo reduzido a cinzas?
Ouvir-se-á, em todos os âmbitos da terra, o som da trombeta de que fala o Apóstolo São Paulo na sua primeira epístola aos Tessalonicenses; à sua voz se levantarão os mortos das suas sepulturas e, por ela chamados, comparecerão na presença do Juiz Supremo que, para julgá-los, descerá do céu sobre nuvens de glória e revestido de soberana majestade (LIXXV, 1)*.

Quais são os que ressuscitarão?
Imediatamente, os que morreram no transcurso do tempo desde o princípio do mundo e, além disso, todos os que se acharem vivos, no momento de Jesus Cristo descer e de soar a trombeta do Juízo final.

Ressuscitarão estes últimos no sentido de passar da morte para a vida?
Sim, senhor; porque, ainda que todos estes acontecimentos sejam instantâneos, como parece indicar São Paulo na primeira epístola aos Coríntios (Cap. XV, v. 51), sucederá que os homens, vivos um momento antes, passarão por uma morte instantânea e imediatamente irão ocupar o lugar que por suas obras lhes corresponda (LXXVIII, 1, 2).

Logo ressuscitarão em estado glorioso os corpos de todos os santos, vindos do céu, saídos do purgatório ou surpreendidos na vida mortal pelos últimos acontecimentos?
Sim, senhor, e todos juntos comparecerão diante da humanidade gloriosa de Jesus Cristo, cuja vinda será a causa da sua ressurreição.

Ressuscitarão os justos com os mesmos corpos que neste mundo tiveram?
Sim, senhor; com a diferença de que então não terão deformidade, nem imperfeição, nem estarão sujeitos a debilidade alguma, mas que, pelo contrário, possuirão qualidades e dotes que os converterão, de certo modo, em espirituais (LXXXI).

Quem será capaz de efetuar tão nobre transformação?
A Onipotência divina que, assim como tirou do nada todos os seres, pode transformá-los à sua vontade.

Quais serão os dotes dos corpos gloriosos?
Os de impassibilidade, subtileza, agilidade e claridade.

Em que consiste a impassibilidade?
No domínio e senhorio absolutos da alma sobre o corpo, em virtude dos quais este, sob a tutela daquela, estará isento e livre de toda debilidade e padecimento LXXXII, 1).

Alcança este dote o mesmo grau de perfeição nos corpos de todos os bem-aventurados?
No sentido de que a nenhum alcançará a dor por falta de submissão da alma, sim, senhor; porém, as faculdades e atribuições senhoriais da alma guardarão proporção com a glória de que desfruta que, por sua vez, depende do grau de intensidade, na visão beatífica (LXXXII, 2).

Se os corpos gloriosos são impassíveis, serão, também insensíveis?
Não, senhor; pois têm uma sensibilidade rara e delicadíssima. Assim os olhos possuirão uma agudeza visual penetrantíssimo, o ouvido finíssima audição e assim os demais sentidos perceberão os objetos próprios e os comuns com uma intensidade e perfeição impossível de compreender nem imaginar, sem que o objeto produza jamais doenças nem ofenda à sensibilidade, limitando-se a cumprir a sua 
missão que é prover de matéria as percepções mais delicadas (LXXXII, 3, 4).

Em que consiste a subtileza dos corpos gloriosos?
No dote mais peregrino que possuir podem, pois, mercê da união e sujeição à alma glorificada, sem perder a sua qualidade de verdadeiros corpos, sem transformar-se em corpos aéreos ou fantásticos, se tornarão puros e etéreos, sem coisa alguma das que agora os fazem toscos e espessos (XXXIII, 1).

Logo, perdem a propriedade física da impenetrabilidade e podem, por consequência, dois ocupar o mesmo lugar ou subtrair-se às condições do espaço e não o ocupar nenhum?
Não, senhor; conservarão todas as dimensões e ocupará cada um o seu próprio lugar (LXXX, 2).

Foi em virtude da subtileza que o corpo glorioso de Cristo penetrou no cenáculo com as portas fechadas?
Não, senhor; mas por virtude divina de Jesus Cristo, e da mesma maneira como nasceu das puríssimas entranhas da Santíssima Virgem, sem destruir a sua virgindade (LXXXIII, 2 ad 1).

Que entendeis por agilidade dos corpos gloriosos?
Um dote que consiste em sujeitá-los tão plena e absolutamente aos impulsos motores da alma, que os obedecerão com uma prontidão e rapidez maravilhosas (LXXXIV, 1).

Utilizarão os santos esta qualidade?
Desde logo se servirão dela para ir ao encontro de Jesus Cristo quando venha a julgar o mundo, e para subir ao céu com Ele. É possível que desde logo empreendam voluntárias e agradáveis excursões, já para exercício de uma qualidade em que tão maravilhosamente resplandece a sabedoria divina, já também para recrear-se, contemplando as belezas e encantos do universo, pregoeiros da glória de Deus (LXXXIV, 3).

É instantâneo o movimento dos corpos gloriosos?
Não, senhor; pois ainda que imperceptível (tal será a sua rapidez), necessita de algum tempo para efetuar-se (LXXXIV, 3).

Que entendeis ao dizer que os corpos gloriosos possuem o dote da claridade?
Que o resplendor das almas glorificadas comunicará e infiltrará nos corpos uma claridade que os tornará luminosos e radiantes como o sol, e transparentes como o mais puro cristal; apesar disso, a luminosidade não apagará as cores naturais; pelo contrário, se amoldará às suas distintas tonalidades para realçá-los, embelezá-los e comunicar-lhes uma formosura mais divina de que humana (LXXXVI, 1).

Possuirão todos os corpos o mesmo grau de claridade?
Não, senhor; porque a claridade dos corpos é o reflexo da alma e, portanto, proporcional ao grau de glória de que esta desfruta. Por isso, querendo São Paulo dar-nos a entender algo destas verdades sublimes, nos disse que serão os corpos gloriosos como os astros do firmamento, entre os quais um é o brilho do sol, outro o da lua e outro o das estrelas, e ainda, umas estrelas diferem das outras em brilho e claridade (l Cor 15, 41).

Logo. o conjunto dos corpos gloriosos, formará um quadro vistosíssimo e de incomparável formosura?
Tão grandioso, sugestivo e embelezador que os mais belos panoramas do céu e da terra não poderão dar-nos dele sequer uma ideia aproximada.

Poderão ver com os olhos carnais a claridade dos corpos gloriosos, aqueles que não possuem a glória?
Sim, senhor; e assim a verão os próprios condenados (LXXXV, 2).

Será facultativo à alma glorificada deixar ver ou ocultar a claridade do seu corpo?
Sim, senhor; porque provém dela e aos seus mandatos se sujeita (LXXXV, 3).

De que idade ressuscitarão os corpos dos justos?
Da que corresponde à plenitude do desenvolvimento e energia vital (LXXXI, 1).

Ressuscitarão no mesmo estado os corpos dos condenados?
Sim, senhor; porém, desprovidos em absoluto das qualidades dos gloriosos (LXXXVI, 1).

Logo, serão corruptíveis?
Não, senhor; porque então terá terminado o reinado da morte e da corrupção (LXXXVI, 2).

Logo serão ao mesmo tempo passiveis e imortais?
Sim, senhor, pois Deus, justiceiro e onipotente, dispôs as coisas de maneira que nenhum agente exterior possa alterá-los e muito menos destruí-los, e que, apesar disso, todos, e particularmente o fogo do inferno, lhes inflijam formidável tormento e dor (LXXXVI, 2, 3).

Em que estado ressuscitarão as crianças mortas sem batismo?
No de inteira perfeição natural, diferenciando-se dos justos, em que não possuirão os dotes do corpo glorioso, e dos condenados, em que jamais experimentarão enfermidades nem dor (Apêndice, 1, 2).

LI

DO JUÍZO FINAL

Depois da ressurreição, comparecerão todos os homens na presença do Juiz Supremo?
Sim, senhor (XXXIX, 5).

De que forma se apresentará o Juiz?
Aparecerá a sua humanidade sacratíssima revestida da glória e majestade a que lhe dá direito a sua união pessoal com o Verbo, e o triunfo alcançado sobre os poderes do mal (XC, 1, 2).

Verão todos os homens a glória do Redentor quando aparecer para julgá-los?
Sim, senhor (Ibid).

Verão também todos a sua glória como Deus?
Somente a verão os eleitos (XC, 3).

Serão julgados quantos comparecerem na presença do Juiz?
Não, senhor; somente serão submetidos a Juízo os que neste mundo tiveram uso de razão.

E os que não o tiveram?
Não serão julgados, e se, como os demais, são conduzidos ao tribunal divino, vão ali para ver e admirar a glória de Cristo, e a tremenda justiça e absoluta imparcialidade dos juízos de Deus (LXXXIX, 5 ad 3).

Logo, serão julgados, absolutamente, todos os homens que neste mundo foram senhores dos seus atos?
Se por juízo entendemos a separação entre os bons e os maus e a colocação dos primeiros à direita do Juiz, para ouvirem como os convida a tomar posse do reino dos céus, e dos segundos à esquerda para escutarem a sentença de eterna condenação, sim, senhor; porém, se por juízo entendemos o processo, e pública e convincente demonstração do mal obrar, somente os réprobos serão julgados (LXXXIX, 6,7).

Produzirá nos réprobos grande confusão e vergonha o ver como se descobrem e publicam à face dos céus e da terra os seus crimes e pecados?
Isso lhes causará confusão suprema e tortura horrível porque, no fundo de todo pecado, principalmente se é grave, aninha-se o mais inconfessável orgulho, e naquele tremendo dia passarão pela vergonha de presenciar como o Juiz Supremo, a cujo olhar nada se oculta, põe a descoberto os seus atos, projetos e maquinações, e os segredos mais ocultos do seu orgulho e soberba, pai de todos os vícios e pecados.

Logo, no dia do Juízo, se publicarão à face do mundo inteiro quantos atos reprováveis fizeram durante a sua vida?
Sim, senhor; ali se publicarão os pecados da vida privada, os cometidos como membros da família e da sociedade, conjuntamente com as consequências mais ou menos lamentáveis que de sua intervenção nos negócios públicos se tivessem seguido, quer seja no exercício do poder ou por meio da palavra falada ou escrita; e quanto mais neste mundo tivessem colhido louros, alcançado mais favor público e obtido maiores triunfos, mercê das intrigas dos inimigos de Deus, de Cristo e da sua Igreja, mais esmagados se sentirão, sob o peso da reprovação universal (LXXXVIII 1,2, 3).

De que mais se servirá Deus para por as suas vidas no conhecimento do mundo inteiro?
Da própria ilustração e iluminação do Juízo particular, com a diferença de que nesta assembléia, única em que se acharão presentes quantos homens existiram desde o princípio até ao fim do mundo, não somente verá cada um a sua própria consciência, mas também a de todos os outros (Ibid).

Logo, também estará patente aos olhos de todos a consciência dos justos?
Sim, senhor; e isso constituirá a mais consoladora e sublime compensação da sua humildade e voluntário obscurecimento na terra, porque só então se realizará plenamente a promessa de Jesus Cristo no Evangelho: 'o que se exalta será humilhado, o que se humilha será exaltado' (LXXXIX, 6).

Podemos dizer que não se discutirão as ações dos justos, e, neste sentido, que não serão julgados?
Tratando-se daqueles cuja vida é inteiramente santa e sem mistura notável do mal, como a dos que, olhando as vaidades do mundo, põem todo o seu afã em servir a Deus, sim, senhor; porém, quanto aos outros, isto é, aqueles que, sem amarem as criaturas mais do que a Deus até ao extremo de perdê-lo, viveram afeiçoados às coisas do mundo e com elas mais ou menos transigiram, verão expostas diante dos olhos dos demais as duas facetas de sua vida com o fim de que todos contemplem a preeminência do bem sobre o mal, pois assim o requer a escrupulosidade do Juízo divino (Ibid).

Logo, publicar-se-ão todas as suas faltas, apesar do arrependimento e da penitência?
Sim, senhor, pela razão referida; porém esta manifestação, em vez de ser para eles vergonhosa, será motivo de glória, pois conjuntamente com a culpa se publicará a penitência, e tanto maior será a satisfação, quanto mais a penitência tenha sido fervorosa e generosa (LXXXVII, 2 ad 3).

Haverá justos que, em lugar de réus, serão juízes, e como tais tomarão assento com o Juiz supremo?
Sim, senhor; os que, a exemplo dos Apóstolos, abandonaram tudo para seguir a Cristo, e cuja vida foi, poderemos dizer, a perfeição evangélica encarnada e viva (LXXXIX, 1, 2).

Naquele dia serão juízes também os anjos do Senhor?
Não, senhor; porque os adjuntos daquele tribunal devem ser semelhantes ao Juiz, e este será o Verbo divino enquanto homem. Logo, só os homens podem ser seus assistentes (LXXXIX, 7).

Se não são Juízes serão réus?
Propriamente também não, porque o juízo da sua causa se celebrou no princípio do mundo, quando os que permaneceram fiéis entravam na glória, e os rebeldes foram precipitados no inferno. Sem embargo disso, atenta a parte que os anjos bons tomam na santificação dos justos e considerados os obstáculos e tropeços que lhes põem os maus, encontram-se indiretamente envoltos no Juízo, os primeiros para receberem um prêmio acidental, e os segundos, um aumento de pena e suplícios (LXXXIX, 3).

Como terminará o Juízo final?
Com o Juiz pronunciando a sentença definitiva.

Sabeis qual será?
Sim, senhor; pois Ele mesmo a revelou.

Quais serão os seus termos?
Ei-los aqui como se leem no Evangelho: 'Então dirá o Rei aos que estão à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde a formação do mundo. E dirá aos que se acham à sua esquerda: Ide, malditos, ao fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos.

Qual será o efeito desta sentença?

Que 'os maus irão para o suplício eterno e os justos para a vida eterna'.


LII

DO SUPLÍCIO ETERNO

A sentença contra os réprobos será executada pela mão dos demônios?
Sim, senhor; apenas pronunciada a sentença, ficarão relegados à ação dos demônios que, superiores a eles por natureza e acostumados a fazer-se obedecer neste mundo, continuarão, como justo castigo, exercendo sobre aqueles desditosos, durante toda a eternidade, o império de seu ominoso e tirânico poder (LXXXIX, 4)*.

É causa de novo suplício para os condenados o haverem-se unido aos seus corpos e arrastá-los ao inferno?
Sim, senhor; porque, para o futuro não só padecerão os tormentos da alma, mas também os do corpo (XCVII).

Será geral e muito intensa a tortura do corpo?
Sim, senhor; porque o lugar que ocupam estará disposto para atormentar cruelmente todos os sentidos e potências, apesar do que nem todos padecerão iguais suplícios, mas os que corresponderem ao número e gravidade dos seus pecados (XCVII, 1, 5, ad 3).

O suplício dos condenados se mitigará com o tempo?
Não, senhor; porque, dada a sua inquebrantável obstinação no mal, não diminui, nem se atenua a perversidade de ânimo em que os surpreendeu a morte e o juízo particular (XCVIII,1, 2; XCIX, 1).

A obstinação com que a sua vontade adere a todo o mal implica ódio universal ao quanto existe?
Sim, senhor; de forma que não pensarão nem em coisa nem em pessoa, seja criatura, seja o próprio Criador, sem experimentar um acesso de ódio reconcentrado e desesperada raiva; detestam tudo; quereriam ver a Deus e a todos os seus santos padecendo com eles os suplícios do inferno e, nos paroxismos ao desespero, chamarão e buscarão a morte, seguros de não alcançar tão triste consolo, pois sabem muito bem que sobre eles pesará eternamente a maldição divina, e que estão condenados, sem possibilidade de remissão, a padecer tormentos que jamais terão fim (XCVIII, 3, 4, 5).

LIII

DA VIDA ETERNA

Ao mesmo tempo que são entregues os réprobos ao poder e à ação dos demônios para que os conduzam ao seu destino, que efeito produzirá a sentença do Juiz Supremo, em favor dos justos?
O de abrir as portas do reino celestial, para eles preparado desde o princípio do mundo.

Entrarão imediatamente nele?
Sim, senhor; entrarão após Jesus Cristo, seu Rei, que consigo os levará para fazê-los participantes da glória e bem estar do seu reino.

Acrescerá a felicidade dos bem-aventurados por terem-se juntado aos seus corpos?
Sim, senhor; pois, ainda que na visão beatífica saboreavam doçuras e bem estar quase infinitos, todavia aumentarão em indizível proporção com o prazer de haverem achado de novo os seus corpos (XCIII, 1).

Haverá no céu diversos graus e categorias, e contribuirá para a beleza e harmonia do conjunto, a sua própria diversidade e perfeita subordinação?
Sim, senhor; pois que o grau de glória corresponde ao da graça e caridade; porém, a mesma caridade cuja posse, ainda que em grau mínimo, é suficiente para entrar na glória, fará que todos, de certo modo, se comuniquem e façam participantes aos outros da sua própria felicidade e que cada um se sinta mais feliz ao ver que os outros o são (XCIII, 2, 3).

Possuirão os homens alguma coisa a que os anjos não tenham idêntico direito?
Sim, senhor; visto que propriamente só aos homens compete formar a Igreja Triunfante, esposa de Jesus Cristo, com a qual celebrará, cheia de inefáveis delícias, o eterno banquete das suas núpcias espirituais (XCV, 1, 2).

Estarão excluídos os anjos deste banquete?
Certamente que não, ainda que, não fazendo parte da Igreja Triunfante, não terão com Jesus Cristo, seu Rei, as mesmas conexões que a porção desta Igreja formada pelos homens (XCV, 4).

Por que?
Porque os homens e não os anjos se assemelham com Jesus Cristo em ter a mesma natureza humana; por isso terão com Ele relações de amizade e confiança que, com igual título, não correspondem aos anjos, se bem que a intimidade com o Verbo na visão beatífica, corresponde a todos com o mesmo direito (XCV, 1, 4).

Que se segue desta doutrina?
Que, à semelhança do que ocorre nos desposórios deste mundo, no dia, em que a Igreja, esposa de Cristo, entrar no céu, a Santíssima Trindade a dotará com bens e presentes de incalculável valor para que dignamente possa apresentar-se e contrair eternas núpcias com seu Esposo Celestial (XCV, 1).

Serão estes regalos e presentes o que se conhece com o nome de dotes dos bem-aventurados?
Sim, senhor.

Quantos são?
Três, que da alma transbordarão para o corpo comunicando-lhe as quatro qualidades de que temos falado (XCV, 5).

Em que consistem?
Numa como envoltura luminosa de extremada e delicadíssima sensibilidade para gozar do bem infinito com tal intensidade, que nenhum prazer da terra pode dar ideia aproximada do delicado e supremo deleite de que se desfrutará nos atos da visão, possessão e fruição. Isto queria expressar o Apóstolo São Paulo depois de contemplar o terceiro céu, isto é, o céu dos bem-aventurados: 'nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem o coração humano jamais pôde sentir, o que Deus tem reservado para os que o amam' (Ibid).

Não se conhece também com o nome de reino dos céus o conjunto dos eleitos, e a bem aventurança de que desfrutam, comparável, como dissemos, a um banquete eterno de bodas espirituais?
Sim, senhor; e dá-se-lhe este nome para indicar que formam um congresso de reis, não só por não terem outro superior senão Deus, mas também porque cada um deles está revestido da dignidade real no sentido mais elevado da palavra (XCVI, 1).

Como é possível que se achem todos investidos da dignidade real?
Porque a visão beatífica que os une a Deus e constitui, em sentido próprio, a vida eterna, os faz participantes da Divindade e, por conseguinte, sendo Deus Rei imortal, a quem toda glória é devida, participam os justos da sua glória e realeza (Ibid).

Não se fala também de auréolas dos justos?
Sim, senhor; porém, a auréola só a alguns corresponde, ao passo que a coroa é atributo de todos.

Por que tal diferença?
Porque a coroa é o brilho ou emanação luminosa, produzida pela bem-aventurança essencial, ou visão beatífica, que a título de recompensa desfrutam todos, e a auréola é uma radiação acidental, procedente da complacência ou gozo com que Deus premia a alguns eleitos por ações meritórias especiais (Ibid).

Podem os anjos cingir auréola?
Não, senhor; porque não são do seu ministério as obras que dão direito a possuí-la (XCVI, O).

Quais são as obras meritórias que Deus recompensa com a auréola?
O Martírio, a Virgindade e o Apostolado da doutrina (XCVI, 5,6, 7).

Por que?
Porque imprimem em quem as executa especial semelhança com Jesus Cristo, perfeito e soberano vencedor dos três inimigos da alma: mundo, demônio e a carne (Ibid).

Logo a auréola é o distintivo ou condecoração dos vencedores?
Sim, senhor; e neste sentido, podemos aplicar especialmente aos mártires, virgens e apóstolos, as palavras que Deus pronunciou, falando dos predestinados em geral: 'o que vencer possuirá estas coisas, eu serei seu Deus e ele será meu filho'.

Há na Sagrada Escritura alguma frase que compendie tudo o que se refere à felicidade dos justos no céu?
Sim, senhor: aquela do Apocalipse de São João, Capítulo XX, v. 5: 'O Senhor será a sua luz e reinarão durante perpétuas eternidades'.

EPÍLOGO

Podereis, ao terminar a exposição catequética da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, ensinar-nos alguma oração para pedir a Deus que nos conceda praticar e conseguir o aprendido em tão admirável doutrina?
Sim, senhor; eis aqui uma.

ORAÇÃO A NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Ó meu Jesus, filho amoroso da Santíssima Virgem Maria e ao mesmo tempo Filho único de Deus; Deus verdadeiro e eterno, junto com o Pai que, no seio de sua natureza infinita, vos formou, dando-vos o seu próprio ser, e com o Espírito Santo, procedente do Pai e de Vós, espírito de ambos e subsistente amor vosso, eu vos adoro e reconheço por meu único e verdadeiro Deus, Criador do Universo ao qual conservais e governais com infinita sabedoria, bondade soberana e supremo poder! Suplico-vos, Senhor, pelos méritos de Vossa Sacratíssima humanidade, que me purifiqueis com o vosso sangue, de todos os meus pecados; que derrameis sobre mim a abundância do Vosso Espírito junto com as virtudes e os dons; que me concedais a graça de crer e esperar em Vós, de amar-vos sobre todas as coisas, de que todas as minhas ações sejam merecedoras de vida eterna e a graça, sobre todas apreciável, de possuir-vos eternamente na glória com os vossos anjos e santos. Amém.

(Por decreto de Santo Ofício, de 22 de janeiro de 1914, sua santidade o papa Pio X dignou conceder in perpetuum 100 dias de indulgência, aplicáveis em sufrágio às almas do purgatório, a todos os fiéis que, devotos e contritos, rezarem uma vez ao dia a oração anterior)

FINIS.


referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)