SUMA TEOLÓGICA I - PRIMEIRA E SEGUNDA PARTES

PRIMEIRA PARTE

DEUS

Criador e Soberano Senhor de todas as coisas

I

DA EXISTÊNCIA DE DEUS

Há Deus?
Sim, Senhor (II*).

Por que o dizeis?
Porque, se não o houvesse, não poderia existir coisa alguma (II, 3).

Como o demonstrais?
Mediante o seguinte raciocínio: O que necessariamente há de receber de Deus o ser não existiria, se Deus não existisse. Assim é que coisa alguma pode existir, exceto o mesmo Deus, se não recebe Dele a existência. Logo, se não houvesse Deus, não poderia existir coisa alguma.

E como demonstrais que nenhuma coisa pode existir, exceto o mesmo Deus, se não recebe Dele a existência?
Desenvolvendo o mesmo raciocínio: O que existe e pode não existir, depende, em última análise, de alguma coisa que existe necessariamente, e a esta alguma coisa chamamos Deus. Assim é que nada do que existe, exceto Deus, existe por si mesmo, isto é, em virtude de forçosa exigência de sua natureza. Logo, há de, necessariamente, receber de Deus a existência.

Por que dizeis que nada do que existe, exceto Deus, existe por si mesmo ?
Porque nenhum ser que necessita de alguma coisa, existe em virtude de exigências de sua natureza. Assim é que todos os seres, exceto Deus, necessitam de alguma coisa. Logo nenhum pode existir por si mesmo.

Por que os seres que necessitam de alguma coisa não podem existir por si mesmos?
Porque, o que existe por si mesmo, não depende, nem pode depender de coisa alguma, nem de pessoa alguma; e o que forçosamente necessita de alguma coisa ou pessoa, dessa coisa ou pessoa depende.

E por que o ser que existe por si mesmo não depende, nem pode depender de qualquer pessoa ou coisa?
Porque no fato de existir per se já vai incluída a posse atual de todas as perfeições, por virtude de sua natureza e com absoluta independência: Não pode, portanto, receber coisa alguma de fora.

Portanto, a existência dos seres contingentes é prova evidente da existência de Deus?
Assim é.

Que fazem, por consequência, os que o negam?
Sustentam a verdade da seguinte proposição: O ser que tudo necessita, de nada tem necessidade.

Isto, porém, não é contraditório?
Evidentemente: Como é possível negar a existência de Deus sem se contradizer?

É, portanto, uma loucura negar a existência de Deus?
De verdadeira loucura se pode qualificar.

II

NATUREZA E ATRIBUTOS DE DEUS

Quem é Deus?
Um Espírito em três Pessoas; Criador e Soberano Senhor de todas as coisas.

Que quereis dizer quando dizeis que Deus é espírito?
Quero dizer que não tem corpo como nós, que está, absolutamente, isento de matéria e de qualquer elemento estranho ao seu ser (III, 14).

Que consequências se derivam destes princípios?
Resulta que Deus é, no sentido mais absoluto e transcendental, o Ser por essência e as restantes coisas são seres particulares, são tais seres e não o Ser. (III, 4).

Deus é perfeito?
Sim, Senhor; porque nada lhe falta (VII, 1).

É bom?
É a própria bondade, como princípio e fim de todos os amores (VI).

É infinito?
Sim, Senhor; porque coisa alguma pode limitá-lo.

Está em toda a parte?
Sim, porque tudo quanto existe, Nele e por Ele existe (VII).

É imutável?
Sim, porque nada pode adquirir (IX).

É eterno?
Sim, porque Nele não há sucessão (X).

Quantos deuses há?
Um só (XI).

Existem em Deus os referidos atributos?
Sim, Senhor, e se não os possuísse não seria o Ser por essência.

Podeis demonstrá-lo?
Sim, Senhor; Deus não seria o ser por essência, se não fosse o que existe per se, ou como dissemos, por necessidade de sua natureza. O que existe per se concentra em si mesmo todos os modos do ser; é, portanto perfeito e, sendo perfeito, necessariamente há de ser bom. É, além disso, infinito, condição indispensável para que nenhum ser tenha ação sobre Ele e o limite, e se é infinito possui o dom da ubiquidade. É imutável, porque, se mudasse, havia de ser em busca de uma perfeição que lhe faltasse. Sendo imutável, é eterno, porque o tempo é sucessão e toda sucessão revela mudança. Sendo perfeito em grau infinito, não pode haver mais do que um; se houvesse dois seres infinitamente perfeitos, nada teria um que o outro não possuísse, não haveria meios de distingui-los e seriam, portanto um (III-XI).

Podemos ver a Deus enquanto vivemos neste mundo?
Não, Senhor; não o consente o nosso corpo mortal (XI, 11).

Poderemos vê-lo no céu?
Sim, Senhor; com os olhos da alma glorificada (XII, 1-10).

De quantos modos podemos conhecer a Deus neste mundo?
De dois: por meio da fé e da razão (XII-12-13).

Que coisa é conhecer a Deus por meio da razão?
É conhecê-Lo, mediante as criaturas, obras de suas mãos (XII, 12).

E conhecê-Lo pela Fé?
É conhecê-Lo, sabendo o que Ele é, pelo que nos revelou de Si mesmo (XII, 13).

Qual destes dois modos de conhecimento é mais perfeito?
Indubitavelmente, o da fé, dom sobrenatural que nos mostra Deus com uma claridade como jamais o pode conjeturar a razão humana; e ainda que, devido à imperfeição de nosso entendimento percebemos esta claridade, manchada de sombras e obscuridades impenetráveis, é todavia dela, como aurora do dia feliz da visão perfeita, que se constituirá a nossa Bem-aventurança no céu (XII, 15).

As palavras e proposições que usamos para falar de Deus expressam alguma coisa de positivo, determinado e real?
Sim, Senhor; porque, se bem que tenham sido inventadas para designar as perfeições das criaturas, podem empregar-se para manifestar o que em Deus corresponde a essas perfeições (XIII, 1-4).

Têm o mesmo sentido aplicadas a Deus e às criaturas?
Sim, Senhor; porém, com alcance diverso: quer dizer que, aplicadas às criaturas, manifestam plenamente a natureza e as perfeições que expressam; porém, usadas para designar perfeições divinas, se bem que em Deus existe realmente quanto de positivo encerra o seu significado, não alcançam expressá-lo de modo supereminente como está em Deus (XIII, 1-4).

Por conseguinte, Deus é inefável, qualquer que seja a nossa linguagem e a sublimidade das expressões que usemos para falar Dele?
É inefável: apesar disso, não pode ter o homem ocupação mais digna e proveitosa do que a de falar de Deus e dos seus atributos, apesar do confuso e impreciso de nossa linguagem, durante esta vida mortal (XIII, 6, 12).

III

OPERAÇÕES DIVINAS

Qual é a vida íntima de Deus?
A sua vida consiste em conhecer-se e amar-se (XIV - XXVI).

Deus sabe todas as coisas?
Sim, Senhor (XIV, 5).

Sabe tudo o que se passa no mundo?
Sim, Senhor (XIV, 11).

Conhece todos os segredos dos corações?
Sim, Senhor (XIV, 10).

Conhece o futuro?
Sim, Senhor (XIV, 13).

Em que vos fundais para atribuir a Deus tão profunda ciência?
Em que ocupando Deus o grau supremo do imaterial, possui inteligência infinita; é impossível, portanto, que ignore coisa alguma, presente, passada, futura e possível, visto que não há ser que pertença, quer à ordem entitativa quer à operativa, que não dependa da sua ciência, como o efeito da sua causa (XIV, 1-5).

Logo em Deus há também vontade?
Sim, porque a vontade é inseparável do entendimento (XIX, 1).

Logo, todos os seres dependem da vontade divina?
Sim, Senhor; visto que a vontade de Deus é causa primeira e suprema de todas as coisas (XIX, 4-6).

Ama Deus a todas as criaturas?
Sim porque as criaturas são obra do seu amor (XX, 2).

Produz o amor de Deus algum efeito nas criaturas?
Sim, Senhor.

Que efeito produz?
O de dar-lhes todo o bem que possuem (XX, 3, 4).

Deus é justo?
É a mesma justiça (XXI, 1).

Por que dizeis que Deus é a mesma Justiça?
Porque dá a todos o que exige a natureza de cada um (XXI, 1-2).

A Justiça divina reveste alguma modalidade especial a respeito dos homens?
Sim, Senhor.

Em que consiste?
Em que Deus premia os bons e castiga os culpados (XXI, 1 ad 3).

Recebem os homens neste mundo o merecido prêmio ou castigo?
Em parte, sim, mas nunca por inteiro.

Onde recompensa Deus por inteiro os justos e castiga os pecadores?
No céu os primeiros e os segundos no inferno.

Há em Deus misericórdia?
Sim, Senhor (XXI, 3).

Em que consiste a misericórdia divina?
Consiste em que Deus dá a cada coisa mais do que exige a sua natureza e também em que dá aos justos mais do que lhes é devido, e castiga os pecadores com pena inferior à que merecem as suas culpas (XXI, 4).

Governa Deus este mundo?
Sim, Senhor.

Como se chama o governo de Deus no mundo?
Chama-se Providência (XXI, 1).

A Providência Divina estende-se a todas as coisas?
Sim, porque não há nada no mundo que Deus não tenha previsto e predeterminado desde toda a Eternidade (XXII, 2).

Estende-se aos seres inanimados?
Sim, porque fazem parte da obra de Deus (XXII, 2 ad 4).

Atinge também os atos livres do homem?
Sim, Senhor (XXII, 2, ad 4).

Explicai como.
Os atos livres, de tal maneira estão sujeitos às disposições da Providência Divina, que coisa nenhuma pode o homem fazer, se Deus a não ordena ou a permite, pois a liberdade não lhe confere independência a respeito de Deus (Ibid.).

Tem nome especial a Providência Divina em relação aos justos?
Chama-se Predestinação.

Que quer dizer predestinado?
O homem que há de gozar no Céu a bem-aventurança da glória (XXIII, 2).

Que nome recebem os que não hão de gozar da bem-aventurança?
O de réprobos ou não eleitos (XXIII, 3).

Por que uns hão de ser felizes e os outros não?
Porque os predestinados foram eleitos do Senhor, ou amados com amor de preferência, em virtude do qual governa Deus o curso da sua vida de tal modo que chegarão a conseguir a felicidade eterna (XXIII, 3).

E por que não alcançarão os réprobos a mesma felicidade?
Porque não foram amados com o amor dos predestinados (XX, 3).

Não haverá nisso injustiça por parte de Deus?
Não, Senhor; porque Deus a ninguém deve por justiça a bem-aventurança eterna, e os que a conseguem só a alcançarão a título de graça (XXIII, 3 ad 2).

E os que não hão de alcançá-la, serão castigados pelo fato de não a possuir?
Serão castigados por não a possuir, porém, só em razão das culpas em virtude das quais se tornaram indignos de recebê-la (XXIII, 3).

Como podem ser culpados de não a haver recebido?
Podem sê-lo, e, com efeito, o são, porquanto Deus a oferece a todos: porém, os homens que, debaixo do império dos decretos divinos, conservam a liberdade, podem aceitar o oferecimento ou recusá-lo, pondo em seu lugar outro fim (Ibid.).

Ofendem com isso a Deus?
Tão gravemente, que merecem duro castigo, visto que, ao fazê-lo, caem voluntariamente em grave pecado pessoal (Ibid.).

Os que aceitam o oferecimento e conseguem a glória, a quem devem o ter correspondido ao chamamento de Deus?
À virtude causal do decreto predestinante (XXIII, 3 ad 2).

É eterna a predestinação por parte de Deus?
Sim, Senhor, (XXIII, 4).

Que significa a predestinação a respeito dos eleitos?
Significa que Deus assinalou a cada um o seu lugar na glória, e, mediante a graça, o porá em condições de possuí-la (XXIII, 5-7).

Que devem fazer os homens ante o pavoroso mistério da predestinação absoluta por parte de Deus?
Abandonar-se inteiramente à ação da graça e convencer-se, na medida do possível, que os seus nomes estão escritos no livro dos predestinados (XXIII, 8).

Deus é Todo-Poderoso?
Sim, Senhor (XXV, 1-6).

Por que?
Porque, sendo o ser por essência, a Ele há de estar submetido tudo quanto existe ou possa existir (XXV, 3).

Deus é feliz?
É a mesma felicidade porque goza infinitamente do Bem infinito, que é Ele mesmo (XXVI, 1-4).

IV

DAS PESSOAS DIVINAS

Que quereis dizer quando afirmais que Deus é um espírito em três Pessoas?
Que há Nele três Pessoas, cada uma das quais se identifica com Deus, e possui os atributos da divindade (XXX, 2).

Quais são os nomes das três Pessoas divinas?
Pai, Filho e Espírito Santo.

Quem é o Pai?
O que, sem ter tido princípio, gera o Filho e dá origem ao Espírito Santo.

Quem é o Filho?
O gerado pelo Pai, e do qual, conjuntamente com o Pai, procede o Espírito Santo.

Quem é o Espírito Santo?
O que procede do Pai e do Filho.

As Pessoas divinas são distintas de Deus, em si mesmo?
Não Senhor.

São distintas entre si?
Sim, Senhor.

Que quereis dizer, quando afirmais que as Pessoas divinas são distintas entre si?
Que o Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo; que o Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo e que o Espírito Santo não é o Pai, nem o Filho.

Podem separar-se as Pessoas divinas?
Não, Senhor.

Estão unidas desde a eternidade?
Sim, Senhor.

Possui o Pai, com relação ao Filho, tudo o que temos visto que há em Deus?
Sim, Senhor.

E o Filho com relação ao Pai?
Também.

E o Pai e o Filho com relação ao Espírito Santo?
Também.

E o Espírito Santo com relação ao Pai e ao Filho?
Sim, Senhor.

Logo, são três Deuses com conexões eternas?
Não, Senhor; são três Pessoas que se identificam com Deus, apesar do que, permanecem realmente distintas.

As Pessoas divinas formam sociedade?
Sim, e a mais perfeita de quantas existem (XXXI, 3 ad 1).

Por que?
Porque, sendo três, cada uma delas possui de modo infinito a perfeição, a duração, a ciência, o amor, o poder, a felicidade, e todas e cada uma, constituem a sua própria Bem-aventurança no seio da divindade.

Como sabemos que há três Pessoas em Deus?
Porque Ele mesmo no-lo revelou.

Pode a razão humana, sem o auxílio da fé, perscrutar a existência das Pessoas divinas?
Não, Senhor (XXXII, 1, 2).

Como se chamam as verdades inacessíveis à inteligência e que só pela fé conhecemos?
Chamam-se mistérios.

É, por conseguinte, um mistério, a existência das Pessoas divinas?
É mistério e o mais profundo de todos.

Que nome tem?
Mistério da Santíssima Trindade.

Poderemos chegar a compreendê-lo?
Sim, e com seu conhecimento seremos eternamente felizes.

Poderemos nesta vida entrever alguma coisa dos admiráveis segredos do mistério da Santíssima Trindade, estudando a natureza das operações dos seres espirituais?
Sim, Senhor; dois são os atos imanentes do ser espiritual: entender e amar, e em cada um se estabelecem relações de princípio a termo, e de termo a princípio de operação. Daqui se deduz, conforme o que ensina a fé, que o Pai, no ato de entender, é princípio, porquanto diz e pronuncia um verbo, e o Verbo tem relação de termo, dito ou pronunciado. O mesmo sucede no ato de amor. O Pai e o Filho formam um princípio de amor, com relação ao Espírito Santo, que é o termo.

Em que qualidade divina se funda o mistério da Santíssima Trindade?
Na fecundidade e riqueza infinitas da divina natureza, em virtude da qual se estabelecem em Deus misteriosas processões de origem (XXVIII, 1).

Como se chamam as processões de origem?
Geração e Processão (XXVIII, 1, 3).

Que se deduz da existência da geração e processão?
Que entre os dois termos de cada processão há relação real constituída pelos mesmos termos.

Quantas e quais são as relações em Deus?
São quatro: Paternidade, Filiação, Inspiração Ativa e Processão ou Inspiração Passiva (XXVIII, 4).

Relação é o mesmo que Pessoa Divina?
Sim, Senhor (XL, 1).

Por que sendo quatro as relações, não são mais que três as pessoas?
Porque a relação chamada inspiração ativa, não só não se opõe, relativamente, à Paternidade e à Filiação, mas convém a uma e a outra; portanto, as Pessoas constituídas pela Paternidade e pela Filiação, podem e devem ser sujeito da inspiração ativa, a qual não constitui Pessoa, senão que convém conjuntamente às pessoas do Pai e do Filho (XXX, 2).

Guardam ordem entre si as Pessoas divinas?
Sim, guardam a ordem de origem, em virtude da qual o Pai pode enviar o Filho, e o Filho enviar o Espírito Santo (XLII, XLIII).

As ações divinas (excetuando os atos de noção, de gerar e inspirar) são comuns às três Pessoas?
Sim, Senhor; assim o conhecer e amar de Deus, é um só ato realizado pelas três pessoas, e bem assim todas as ações divinas que produzam algo de extrínseco à divindade (XXXIX, XLI).

Não há, apesar disso, alguns atos que se atribuem especialmente a determinadas Pessoas?
Sim, Senhor; atribuem-se-lhes, em virtude de certa conveniência entre aqueles atos e os caracteres distintivos da Pessoa: assim, por apropriação, se atribui ao Pai a Onipotência, ao Filho a Sabedoria, e a Bondade ao Espírito Santo, ainda que os três são igualmente poderosos, sábios e bons (XXXIX, 7, 8; XLV, 6).

Logo, sempre que falamos de Deus em relação com o mundo, entendemos falar Dele como uno na essência e trino em Pessoas?
Sim, Senhor; exceto quando falamos da Pessoa do Verbo no Mistério da Encarnação (XLV, 6).


V

DA CRIAÇÃO



Que se entende por Deus Criador de todas as coisas?
Que todas foram tiradas do nada por virtude de sua onipotência (XLIV, XLV*).


Antes de Deus ter criado o mundo, existia alguma coisa, exceto Ele mesmo?

Não, Senhor; porque só Ele existe necessariamente, e tudo o mais, em virtude do seu poder (XLIV, 1).


Quando criou Deus o mundo?
Quando aprouve ao seu divino querer (XLIV).

Podia, por consequência, deixar de criá-lo?
Sim, Senhor.

Por que o criou?
Para manifestar a sua glória (XLIV, 4).

Que devemos entender, quando dizeis que Deus criou o mundo para manifestar a sua glória?
Que se propôs dar-nos a conhecer a sua bondade, comunicando aos seres parte do bem infinito que possui.

Logo, Deus não criou o mundo por necessidade nem por ambição?
Muito ao contrário; criou-o por pura benevolência, para comunicar às criaturas parte da sua bondade infinita (XLIV, 4 a 1).


VI

DO MUNDO


Que nome tem o conjunto de todos os seres criados?
Universo ou mundo (XLVII, 4).

Logo o mundo é obra de Deus?
Sim, Senhor (XLVII, 1, 2, 3,).


Que seres completam o Universo?
Três categorias de seres distintos: os espíritos puros, os corpos e os compostos de matéria e espírito.

Deus os criou a todos?
Sim, Senhor.

Criou-os imediatamente, sem auxílio e intervenção de pessoa alguma?
Sim, Senhor; porque só Ele pode criar (XLV, 5).

Como criou Deus o Universo?
Pelo império da sua palavra e influxo do seu amor (XL, 6).

VII

DOS ANJOS: SUA NATUREZA


Por que quis Deus que no mundo houvesse espíritos puros?
Para que fossem digno remate e coroa da obra de suas mãos (L).


E que quer isso dizer?
Que eles são a porção mais formosa, nobre e perfeita do Universo.

Que coisa é um espírito?
É uma substância completa, que não está unida à matéria, nem tem relação com ela (L, 3).

São muito numerosos os espíritos?
Sim Senhor; numerosíssimos (L, 3).

Excede o seu número ao de todas as demais naturezas criadas?
Sim, Senhor (Ibid.).

Para que tantos?
Porque era conveniente que, na obra de Deus, o perfeito sobrepujasse ao imperfeito (Ibid.).

Qual é o nome comum a todos os espíritos puros?
É o de Anjos.

Por que?
Porque são os enviados de que o Senhor se serve para o governo das demais criaturas.

Podem os anjos unir-se substancialmente a um corpo, assim como as almas humanas?
Não, Senhor; e se bem que em algumas ocasiões tenham aparecido em forma humana, não tinham de homens, mais que a aparência exterior (LI, 1, 2, 3).

Estão os Anjos em algum lugar?
Sim, Senhor (LII, 4).

Onde moram habitualmente?
No céu (LXI).

Podem trasladar-se de um lugar para outro?
Sim, Senhor (LIII, 1).

Necessitam de tempo para trasladar-se?
Não, Senhor; podem fazê-lo instantaneamente quaisquer que sejam as distâncias (LIII, 2).

Podem, se assim o desejam, abandonar lentamente um lugar e ocupar outro da mesma forma?
Sim, Senhor; porque o movimento angélico consiste na atuação sucessiva em lugares distintos ou em diversas partes do mesmo lugar (LIII, 3).

VIII

VIDA ÍNTIMA DOS ANJOS


Em que consiste a vida íntima dos anjos?
Suposto que são espíritos puros, consiste em conhecer e amar.


Que espécie de conhecimento possuem?
Conhecimento intelectual (LIV).

Não possuem também conhecimento sensitivo como os homens?
Carecem absolutamente dele (LIV, 5).

Por que?
Porque não se dá conhecimento sensitivo sem corpo orgânico e os anjos são incorpóreos (Ibid.).

O conhecimento intelectual dos anjos é mais perfeito do que o nosso?
Sim, Senhor.

Por que?

Porque nem o seu conhecimento tem origem nas espécies tomadas do mundo exterior, nem a sua ciência progride mediante o raciocínio, pois que abrange de uma só visão os princípios e as consequências (LV, 2 LVIII, 3, 4).



A ciência dos anjos é infinita?
Não, Senhor; porque é finita a sua natureza; unicamente Deus, Ser infinito, possui ciência infinita.

Conhecem o conjunto das criaturas?
Sim, Senhor; porque o exige a sua qualidade de espíritos puros (LV, 2).

Sabem o que acontece no mundo?
Sim, Senhor; porque o vêem nas suas espécies naturais, à medida que vai sucedendo (Ibid.).

Conhecem os pensamentos e os segredos dos corações?

Não, Senhor; porque, sendo pensamentos e afetos livres, não concorrem necessariamente com a mudança e sucessão das coisas (LVII, 4).

Como podem chegar a conhecê-los?
Pela revelação divina ou pela manifestação do agente (Ibid.).

Sabem o futuro?
Sem revelação especial, não Senhor.

Que coisas amam os anjos necessariamente?
A Deus sobre todas as coisas, a si mesmos e às criaturas, exceto quando o pecado contraria ou destrói na ordem sobrenatural a livre propensão do amor natural (LX).

IX

DA CRIAÇÃO DOS ANJOS

Criou Deus imediatamente a todos os anjos?
Sim, Senhor; porque todos são espíritos puros e não podiam de outro modo vir à existência (LXI, 1).

Quando foram criados?
No princípio dos tempos e no mesmo instante que os elementos do mundo material (LXI, 3).

Foram criados os anjos nalgum lugar corpóreo?
Sim, Senhor; porque assim convinha aos desígnios da divina Providência.

Como chamamos o lugar em que foram criados?
Chamamo-lo ordinariamente céu e também céu empíreo (LXI, 4).

Que coisa é o céu empíreo?
Um lugar ameníssimo, pleno de luz e resplendor, resumo e compêndio das maiores delícias do mundo corporal (Ibid.).

O céu empíreo é o mesmo que o céu dos bem-aventurados ou simplesmente céu?
Sim, Senhor (Ibid.).

X

DA TENTAÇÃO DOS ANJOS

Em que estado foram criados os anjos?
No estado de graça (LXII, 3).

Que entendeis quando afirmais que foram criados em estado de graça?
Que no primeiro instante da sua criação, receberam, conjuntamente com a natureza, a graça santificante que os fazia filhos adotivos de Deus e, por seu mérito, podiam alcançar a glória eterna (LXII, 1, 2, 3).

Foi necessário que os anjos merecessem a glória por virtude de algum ato livre?
Sim, Senhor (LXII, 4).

Em que consistiu aquele ato de seu livre alvedrio?
Em seguir o movimento da graça que os inclinava a submeter-se a Deus por inteiro, para receberem dEle com acatamento e ação de graças, o dom da glória que lhes havia prometido (Ibid.).

Necessitaram muito tempo para escolher, debaixo do influxo da graça, a submissão ou a rebeldia?
Um só instante.

Feita a devida escolha, foram imediatamente admitidos ao gozo da bem-aventurança?
Sim, Senhor (LXII, 5).

XI

DA QUEDA DOS ANJOS

Permaneceram fiéis todos os anjos na prova meritória, a que Deus os submeteu?
Não, Senhor (LXIII, 2, 3).

Por que recusaram alguns submeter-se a Deus?
Por sentimento de orgulho, por quererem ser como Deus e gozar a felicidade, independentemente das divinas disposições (LXIII, 2, 3).

Este ato de soberba foi pecado grave?
Foi tão grande que provocou imediatamente a ira divina.

E Deus, justamente indignado, que fez para castigá-los?
Precipitou-os no inferno para que ali padeçam tormentos eternos (LXIV, 4).

Que nome têm os anjos rebeldes e condenados ao inferno?
Chamam-se demônios (LXIII, 4).

XII

DO MUNDO CORPORAL - A CRIAÇÃO E A OBRA DOS SEIS DIAS

Qual é a segunda categoria dos seres criados por Deus?
A segunda categoria está formada pelo mundo corpóreo.

Criou Deus também o conjunto dos seres materiais?
Sim, Senhor (LXV, 5)*.

Criou por si, e imediatamente, a terra com todas as suas maravilhas, o mar e tudo o que misteriosamente nele se contém, o céu, a lua e as estrelas?
Sim, Senhor.

Quando criou Deus o mundo corporal?
No princípio dos seres, ao mesmo tempo que criava o mundo dos espíritos (LXVI, 3; LXVI, 4).

Criou Deus o mundo instantânea ou sucessivamente?
A Criação, quer se trate da matéria, quer do espírito, é instantânea (Ibid.).

Formou Deus o mundo, desde o princípio, tal como hoje o vemos?
Não, Senhor (LXVI, 1).

Em que estado o criou?
No estado caótico.

Que entendeis, ao dizer que Deus criou o mundo em estado caótico?
Que Deus criou primeiramente os elementos ou materiais com que havia de construí-lo na forma e estado que agora tem (LXVI, 1, 2),

Quem ordenou e compôs aqueles primeiros elementos e deu ao mundo corpóreo a sua forma atual?
Deus.

Rematou Deus a sua obra de uma só vez?
Não, Senhor, mas mediante intervenções sucessivas.

Quantas vezes interveio até dar ao mundo a forma definitiva?
Seis vezes.

Que nome têm aquelas seis intervenções?
Conhecem-se com o nome de 'os seis dias da criação' (LXVII, 1,2).

Que fez Deus no primeiro dia?
No primeiro dia fez a luz (LXVII, 4).

E no segundo?
Fez o Firmamento (LXVII, 4).

E no terceiro?
Separou os mares dos continentes e produziu as plantas (LXIX).

Que fez no quarto?
O sol, a lua e as estrelas (LXX, 1).

E no quinto?
As aves e os peixes (LXXI).

E no sexto?
Produziu os animais terrestres e criou o homem (LXXII).

Como sabemos que Deus criou o mundo na ordem predita?
Porque Ele mesmo nos revelou.

Donde consta o testemunho divino no que se refere à Criação do mundo e à disposição que agora tem?
Do primeiro capítulo do Gênesis que é, por sua vez, o primeiro da Sagrada Escritura.

Existem conflitos entre a ciência e o primeiro capítulo do Gênesis?
A verdadeira ciência sempre estará de acordo com o primeiro capitulo do Gênesis.

Por que?
Porque a verdadeira ciência vê as coisas como elas são e ninguém as conhece melhor como são, do que o mesmo Deus que as criou e que no primeiro capitulo do Gênesis nos revelou como as fez.

É, por conseguinte, impossível que haja contradição entre o relato da Escritura e os descobrimentos científicos, no que se refere à Criação do mundo?
Não há contradição e não a haverá jamais (LXVII, LXXIV).

XIII

DO HOMEM E SUA NATUREZA: ESPIRITUALIDADE E IMORTALIDADE DA ALMA

Há entre os seres corporais algum que forme um mundo à parte ou categoria distinta no conjunto dos demais?
Sim, Senhor; o homem.

Que é o homem?
Um ser composto de espírito e matéria, no qual, de algum modo, se compendiam os mundos espiritual e material (LXXV)*.

Com que nome se conhece o espírito humano?
Com o nome de alma (LXXV, 1-4).

Há, além do homem, algum outro ser corpóreo que tenha alma?
Sim, Senhor; as plantas e os animais.

Que diferença existe entre a alma humana e as almas das plantas e dos animais?
A alma das plantas é exclusivamente vegetativa; a dos animais vegetativa e sensitiva; e a humana, além destas faculdades, possui a inteligência.

Logo, é a inteligência que distingue o homem dos demais seres corpóreos?
Sim, Senhor.

A alma, como princípio intelectual, exerce a sua função própria, independentemente do corpo?
Sim, Senhor (LXXV, 2).

Em que vos apoiais para assegurá-lo?
Em que o objeto do entendimento é o imaterial.

E por que, se a alma exerce a sua função própria independentemente do organismo, se deduz que é incorpórea?
Porque, se não o fosse, não poderia unir-se ao objeto do entendimento, que é o imaterial (Ibid.).

Que se segue desta verdade?
Segue-se que a alma humana é imortal (LXXV, 6).

Poderíeis dar a razão da consequência?
Sim, Senhor; porque se é independente do organismo no obrar, forçosamente há de sê-lo no existir.

E o que deduzis deste princípio?
Deduzo que, se bem que o corpo perece, ao separar-se da alma, a alma, ao contrário, não pode morrer (Ibid.).

Logo, durará eternamente?
Sim, Senhor.

Para que se une a alma ao corpo?
Para formar um todo harmônico e substancial, chamado homem (LXXV, 4).

Não é, portanto, acidental a união da alma com o corpo?
Não, Senhor; porque a alma exige por natureza a união substancial (LXXVI, 1).

Que faz a alma no corpo?
Dá-lhe todas as perfeições que possui: o existir, o viver e sentir, reservando para si, unicamente, o ato de entender (LXXVI, 3, 4).

XIV

DAS POTÊNCIAS OU FACULDADES VEGETATIVAS E SENSITIVAS

Há na alma faculdades distintas ou princípios diversos de operação?
Sim, Senhor; pois quanto no homem há, procede imediatamente de faculdades ou potências do espírito, exceto a perfeição fundamental, o ser corpo, que recebe imediatamente da essência da alma (LXXVII).

Em virtude de que potências vive o corpo?
Em virtude das vegetativas.

Quantas e quais são?
São três: o poder de nutrição, de crescimento e de reprodução (LXXVIII, 2).

Em virtude de que potências sente?
Em virtude das potências sensitivas.

Quereis dizer-me quantas e quais são?
Existem duas classes: cognoscitivas e afetivas.

Quais são as cognoscitivas?
Os cinco sentidos exteriores.

Que nome têm?
Potência ou faculdade de ver, ouvir, cheirar, gostar e apalpar (Ibid.).

Como se chamam os órgãos correspondentes?
Vista, ouvido, olfato, gosto e tato (Ibid.).

Há também faculdades cognoscitivas sensíveis, sem órgão externo?
Sim, Senhor; e são: o senso comum, a imaginação, o instinto e a memória (LXXVIII, 4).

XV

DA INTELIGÊNCIA E DO ATO DE ENTENDER

Há no homem alguma outra faculdade cognoscitiva?
Há outra e é a mais nobre e principal.

Que nome tem?
Inteligência ou razão (LXXIX, 1).

A inteligência e a razão são uma ou duas potências?
Uma só (LXXIX, 8).


Por que tem dois nomes?
Porque há verdades que o entendimento compreende intuitivamente de um só golpe e outras que necessita adquirir mediante o raciocínio (Ibid.).

Por conseguinte, o discurso é o ato característico do homem?
Sim, Senhor; porque nenhum outro ser da Criação pode e necessita discorrer.

É o discurso perfeição da inteligência humana?
Sim, Senhor; porém, revela imperfeição a necessidade de discorrer.

Por que é perfeição, no homem, a faculdade de discorrer?
Porque, por ela, pode o homem conhecer a verdade, inatingível aos seres inferiores, como são os animais privados de razão.

Por que revela imperfeição a necessidade de discorrer?
Porque, se bem que por virtude do raciocínio pode o homem conhecer a verdade, só com tempo e perigo de enganar-se, o consegue; ao contrário, os seres que não o necessitam, como Deus e os Anjos, se apoderam da verdade com uma só visão e assim estão isentos até da possibilidade de se enganarem.

Que significa conhecer a verdade?
Ter conhecimento do que existe.

E que implica o desconhecê-la?
Ignorância ou erro.

Há alguma diferença entre a ignorância e o erro?
Sim, Senhor; e muito grande: a ignorância é a carência do conhecimento de uma coisa; erro é atribuir existência ao que não a teve nem tem.

É um mal viver no erro?
Sim, Senhor; porque o bem próprio do homem consiste na verdade, que é o bem da inteligência.

Tem o homem ciência inata?
Não, Senhor; porque se bem que, desde o princípio, possui inteligência, há de aguardar, para adquirir a verdade, que se desenvolvam as faculdades sensitivas destinadas a servi-la (LXXXIV, 5).

Quando começa o homem a conhecer a verdade?
Quando tem uso de razão, aos sete anos aproximadamente.

Pode a razão humana investigar e conhecer todas as verdades?
Com o exercício próprio de suas forças naturais, de nenhum modo, pode adquirir conhecimento próprio de todas elas (XII, 4; LXXXVI, 2, 4).

Que coisas pode conhecer naturalmente?
As coisas sensíveis e as verdades que deste conhecimento se derivam.

Pode o homem conhecer-se a si mesmo?
Sim, Senhor; porque há nele alguma coisa que pertence ao domínio dos sentidos, e partindo do sensível mediante o discurso, pode investigar o que necessita para saber o que é (LXXXVIII, 1, 2).

Pode conhecer os espíritos puros?
Só de um modo imperfeito.

Por que?
Porque não pertencem ao mundo do sensível, objeto próprio da razão humana.

Pode conhecer a Deus, em si mesmo?
Não, Senhor; porque a sua natureza soberana dista infinitamente do objeto proporcionado à inteligência, no conhecimento natural, que, como dissemos, é o mundo sensível (LXXXVIII, 3).

Logo a razão humana, abandonada às suas próprias forças, como pode conhecer a Deus?
De modo muito imperfeito.

Apesar dessa imperfeição, enobrece ao homem o conhecimento natural de Deus?
Sim, Senhor; em primeiro lugar, porque, por meio dele, se levanta muito acima dos irracionais; segundo, porque o convence que será elevado, mediante a graça, à soberana dignidade de filho de Deus e que, em virtude desse conhecimento, está chamado a conhecê-lo como é, primeiro de modo imperfeito, mediante a fé, depois intuitivamente, pelo Lumen Gloriae** (XII, 4 ad 3).

**[Luz da Glória]: termo técnico dado em teologia ao auxílio suplementar que Deus deve dar à inteligência humana para capacitá-la a gozar da visão beatífica uma vez que a visão beatífica, que constitui a felicidade essencial no céu, está acima da capacidade de entendimento pela inteligência humana.

Em virtude da elevação à dignidade de filho de Deus, igualou-se o homem com os anjos?
Em virtude dessa elevação pode ser igual e até superior aos anjos na ordem da graça, porém sempre inferior na da natureza (CVIII 8).


XVI

DAS FACULDADES AFETIVAS: O LIVRE ARBÍTRIO

Há no homem faculdades distintas das cognoscitivas?
Sim, Senhor; as afetivas.

Que entendeis por faculdades afetivas?
O poder que o homem tem de propender para o que as faculdades cognoscitivas lhe apresentam como bom e de fugir do que como mau lhe põem diante dos olhos.

Quantas classes de faculdades afetivas há no homem?
Duas, correspondentes às duas espécies de conhecimento que estudamos.

Que nome recebe a primeira?
O de apetite sensitivo (LXXXI)*.

E a segunda?
A segunda chama-se vontade (LXXXII).

Recebe também a vontade o nome de apetite?
Sim, Senhor; porém em sentido mais nobre e espiritual.

Qual das duas faculdades é mais perfeita?
A vontade.

Se o homem possui livre arbítrio, é devido à vontade?
Sim, Senhor; porque, sendo o bem em geral (bonum commune) o único que a vontade ama necessariamente, quando solicitada por bens particulares permanece senhora de seus atos, podendo por consequência, inclinar-se a querer ou a não querer (LXXXVIII).

A liberdade humana reside exclusivamente na vontade?
Não Senhor; na vontade unida à inteligência.

O homem dotado de livre arbítrio, em virtude da inteligência e da vontade, é o rei da criação neste mundo corpóreo?
Sim, Senhor; porque os outros seres materiais são inferiores a ele, por natureza, e todos foram criados para que o servissem na peregrinação que há de empreender, até que volte ao seio de Deus, de cujas mãos saiu.

XVII

ORIGEM DIVINA DO HOMEM

Descendem dos mesmos pais todos os homens que existem e têm existido no mundo?
Sim, Senhor.

Como se chamavam os primeiros pais da linhagem humana?
Adão e Eva.

E eles, por sua vez, donde procediam?
Foram criados por Deus.

Como Deus os criou?
Dando-lhes corpo e alma.

Como produziu Deus as suas almas?
Por criação.

E os corpos?
O mesmo Deus nos revelou que modelou com barro o corpo de Adão e, de uma das suas costelas, formou o corpo de Eva (XCI, XCII).

O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus?
Sim, Senhor (XCIII).

Que quer dizer que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus?
Que a natureza e operações mais elevadas do homem lhe permitem entrever a natureza divina e a vida íntima da Augusta Trindade e imitam de certo modo a perfeição das pessoas divinas (XCIII, 5).

Por que se reflete, na natureza e nas operações mais nobres do homem, a natureza divina?
Porque também a nossa alma é espiritual e as suas operações mais perfeitas, entender e amar, têm por objeto a primeira Verdade e o Bem supremo, que é o mesmo Deus (XCII, 5-7).

Por que nos atos de entender e amar podemos ver uma semelhança da vida íntima da Augusta Trindade?
Porque o nosso Espírito, ao pensar em Deus, concebe um verbo interior que lhe serve de objeto e, sob a influência do pensamento produtor do Verbo, brota o ato de amar o objeto concebido pelo espírito (XCIII, 6).

De que modo podemos imitar a perfeição própria das Pessoas divinas?
Podemos, à sua semelhança, ter como primeiro objeto e último fim de nossos pensamentos e afetos a Deus, concebido no entendimento e adorado no coração (XCIII, 6).

Não há no mundo corpóreo, além do homem, algum outro ser feito à imagem e semelhança de Deus?
Não, Senhor; porque somente o homem possui natureza espiritual (XCIII, 2).

Logo, nas criaturas inferiores, nada há por onde venhamos ao conhecimento de Deus?
Sim, Senhor; porque, em razão das perfeições materiais de que foram dotadas, são como impressões ou vestígios da mão de Deus, seu criador (XCIII, 6).

XVIII

DO ESTADO FELIZ EM QUE FOI CRIADO O HOMEM

Criou Deus o homem perfeito?
Sim, Senhor.

Que bens compreendia o primitivo estado de felicidade em que o homem foi criado?
Ciência claríssima e universal, justiça original unida à prática de todas as virtudes, império absoluto da alma sobre o corpo e domínio sobre todas as criaturas (XCIV, XCV, XCVI).

Possuía o primeiro homem estes bens, na qualidade de privilégio exclusivo e intransferível?
Em relação à ciência, sim Senhor; porém, a justiça original e os dons de integridade se transmitiriam por geração a todos os seus descendentes, porque eram inseparáveis da natureza humana enquanto deles não fosse o homem despojado pelo pecado (XCIV, 1).

Estava o homem sujeito à morte?
Não, Senhor (XCVI, 2).

Estava isento de sofrimento e de dor?
Sim, Senhor; visto que a alma, por especial privilégio, protegia o corpo contra todo o mal e ela por sua vez de coisa alguma podia receber dano, enquanto a vontade permanecesse submissa a Deus (XCVII, 2).

Logo, o homem foi criado em estado de verdadeira felicidade?
Sim, Senhor.

E aquela felicidade era a última e suprema a que podia aspirar?
Não, Senhor; era temporal e a ela devia seguir-se outra mais alta e definitiva (XCIV, 1, ad 1).

Como poderíamos chamá-la?
A primeira felicidade inicial, durante a qual o homem contrairia méritos para alcançar, a titulo de recompensa, o estado de felicidade último e perfeito (XCIV, 1,2, 2; XCV, 4).

Onde receberia o homem o galardão que havia de coroar a sua felicidade?
No céu da glória, em companhia dos anjos, para onde seria levado por Deus, depois de algum tempo de prova e méritos no primitivo estado (XCIV. 1, ad 1).

Onde habitaria o homem, enquanto contraía méritos para ser levado á glória?
Num jardim de delicias, expressamente preparado por Deus (CII).

Como se chamou aquele lugar de delícias?
Paraíso terreal.

XIX 

CONSERVAÇÃO DOS SERES E PROVIDÊNCIA DO MUNDO 

Que entendeis, quando afirmais que Deus é Soberano Senhor de todas as coisas? 
Que todos os seres do mundo estão sujeitos ao governo e domínio supremo, único e absoluto de Deus (CIII, 1, 2)*. 

Explicai-me o que quereis dizer? 
Queremos dizer que coisa alguma existe no mundo espiritual, material e humano, independente da ação divina, a qual conserva a existência de todos os seres e os conduz ao fim para que foram criados (CIII, 4, 8).

Qual é o fim que Deus tem em vista na conservação e governo do mundo? 
Deus mesmo, isto é, a sua própria glória (CIII, 2). 

Por que?
Porque, se Deus rege e conserva o universo, é para que na ordem e concerto do mundo se possa refletir e manifestar o pensamento Daquele que o criou, o conserva e o governa (Ibid). 

Logo, o concerto e a ordem admirável do universo proclamam e manifestam a glória de Deus? 
Sim, Senhor (Ibid). 

Pode haver conjunto mais perfeito e grandioso que a obra da Criação, conservação e governo do Universo? 
No plano atual da Providência, não, Senhor. 

Por que dizeis 'no plano atual da Providência?' 
Porque Deus é onipotente, e, sendo-o, nenhuma criatura, nem conjunto delas, por perfeitas que sejam, podem exaurir o seu poder infinito.


XX

AÇÃO PESSOAL DE DEUS NO GOVERNO DO MUNDO: O MILAGRE

De que modo governa Deus o universo?
Conservando-o no ser e conduzindo-o ao fim para que foi criado (CIII, 4).

É o próprio Deus quem conserva a existência dos seres?
Sim, Senhor; posto que é também certo, utilizar-se de uns para conservar outros, segundo a ordem de dependência que Ele mesmo estabeleceu ao criá-los (CIV, 1, 2).

Que quereis dizer, quando afirmais que Deus conserva por si mesmo todas as coisas?
Entendemos que todas as criaturas recebem de Deus diretamente, e sem intervenção estranha, o que nelas há de mais íntimo, aquilo, em virtude do que todas participam do fato da existência (CIV).

A conservação do universo, assim como a Criação, são obra própria e exclusiva de Deus?
Sim, Senhor; porque ambas têm por fim direto e imediato a existência, e a existência é efeito privativo de Deus (CIV, 1).

Pode Deus aniquilar o mundo?
Sim, Senhor (CIV, 3).

Que seria necessário para o realizar?
Seria bastante que Ele suspendesse por um instante a ação, por virtude da qual lhe dá e continua dando em cada momento o ser.

Logo, a existência das coisas só se mantém debaixo da ação direta, absoluta e constante de Deus?
Sim, Senhor; do mesmo modo que a luz do dia depende em absoluto da presença e atividade solar; com a notável diferença, porém, de que o sol emite necessariamente os seus resplendores e, pelo contrário, a ação divina é toda liberdade e bondade infinitas.

Destruiu Deus alguma parte da criação?
Não, Senhor (CIV, 4).

Destruí-la-á no futuro?
Também não (Ibid.).

Por quê?
Porque o fim da Criação é a sua glória e esta glória exige, não a destruição, mas a conservação do criado (Ibid.).

Experimentam as criaturas mudanças e transformações?
Sim, Senhor; mais ou menos profundas, em conformidade com cada espécie, e dentro da mesma espécie, conforme os seus diversos estados.

Estão previstas estas transformações no plano da Providência?
Sim, Senhor; posto que podem contribuir, e de fato contribuem, para o fim previsto, que é a glória de Deus e o bem do universo.

São algumas delas devidas à ação direta e imediata de Deus?
Sim, Senhor (CV, 1-8).

Quais são?
As que se efetuam nos últimos elementos componentes dos seres materiais, ou nas faculdades afetivas dos espirituais, e o princípio de qualquer ação em toda criatura (CV, 6, 7).

A quem devem atribuir-se as mudanças e transformações produzidas nos seres materiais, quando as causas segundas são incapazes ou insuficientes para efetuá-las, atento o curso ordinário da natureza?
Devem atribuir-se a Deus e se chamam milagres (CV, 1, 2, 4, 5).

Logo, Deus faz milagres?
Sem duvida; Deus faz milagres que podemos agrupar em três categorias: aqueles, para cuja execução são impotentes todas as forças criadas; os que estas forças não poderiam efetuar pela razão do sujeito em que se realizam e os que não se podem atribuir a forças naturais, pelo modo como se efetuam (CV, 8).

Por que Deus fez e faz milagres?
Deus faz milagres quando apraz ao seu divino beneplácito, para fazer sentir ao homem a sua grandeza e obrigá-lo a reconhecer como intervém no mundo, para a sua glória e bem dos homens.

XXI

AÇÃO DAS CRIATURAS NO GOVERNO DO MUNDO: ORDEM DO UNIVERSO

Podem as criaturas exercer o influxo de umas nas outras para efetuar as mudanças e alterações que se observam no mundo?
Sim, Senhor; e neste mútuo influxo se funda a ordem do universo (XLVII, 3)*.

Estão reguladas estas ações pelas leis da Providência divina?
Sim, Senhor; e de modo especialíssimo (CIII, 6).

Por que?
Porque são o meio ou instrumento de que Deus se utiliza para conduzir as criaturas em conjunto ao fim que lhes assinalou (Ibid).

Pode Deus prescindir do concurso das criaturas no governo do mundo?
Sem dúvida alguma pode, porém foi melhor que as utilizasse, pois deste modo Ele aparece maior e a criatura, mais enobrecida e perfeita.

Por que ganham as criaturas em nobreza e perfeição?
Porque concorrem com a ação soberana de Deus, na obra de guiar os seres ao seu fim último (CIII, 6-3).

Por que Deus aparece maior?
Porque manifesta-se nEle sinal de grandeza e poderio soberano o ter a seu serviço uma legião de ministros que executem submissos os seus mandatos (Ibid).

Logo, quando as criaturas exercem mútuo influxo limitam-se a cumprir as ordens absolutas de Deus?
Sim, Senhor; porque é impossível que executem atos não previstos, nem ordenados no plano da Providência Divina (Ibid).

É possível que a atuação da criatura, obrando como instrumento de Deus no governo do mundo, perturbe ou contrarie o plano divino?
Não, Senhor; porque quaisquer que sejam os seus atos, ordenados estão por Deus, para o bem do universo (CIII, 8, ad 1).

Podem, não obstante isto, ser causa de algum mal particular?
Sim, Senhor; podem ocasionar alguns males físicos e até morais, porque, em determinadas ocasiões, umas vezes perturbam a ordem inferior de um grupo de seres e outras vezes impedem alguma manifestação secundária do poder e da vontade de Deus.

Ferem estes males particulares a ordem estabelecida no plano divino?
Considerando o plano em conjunto, não Senhor.

Por que?

Porque o soberano poder de Deus é tal, que se utiliza do mal particular, e depois de o ter subordinado a um fim mais elevado, ele vai contribuir para o bem universal (Ibid, XIX, 6; XXIII 5 ad 3).

Logo, não há ação das criaturas que não esteja maravilhosamente disposta, para cooperar, sob a direção suprema de Deus, para o bem do universo?

Não, Senhor; e se alguma coisa aparece prejudicial ou deslocada num plano inferior, considerado de um ponto de vista mais alto, ela tem sempre a razão suficiente, sapientíssima e profundíssima.

Pode o homem, neste mundo, abranger e compreender a maravilhosa grandeza e harmonia do plano divino?
Não, Senhor; porque necessitaria conhecer todas as criaturas, assim como os incontáveis segredos do plano divino.

Onde as compreenderá?
Somente no céu.

XXII

AÇÃO DOS ANJOS NO GOVERNO DO MUNDO - ORDENS E HIERARQUIAS ANGÉLICAS

Atuam também umas criaturas sobre as outras no mundo dos espíritos?
Sim, Senhor.

Como se chama este influxo?
Chama-se iluminação (CVI, 1).

Por que?
Porque um espírito puro influi no outro para transmitir-lhe a iluminação que recebe de Deus, relacionada com o governo do mundo (Ibid).

Logo, a iluminação, que procede de Deus, comunica-se aos espíritos, ordenada e gradualmente?
Comunica-se com graduação e ordem maravilhosa.

Que entendeis, quando afirmais que se comunica com graduação e ordem maravilhosa?
Que Deus a comunica diretamente aos que estão mais próximos dEle, e estes aos demais anjos, porém com ordem tão severa que a iluminação dos primeiros só pode chegar aos últimos por ação dos intermediários (CVI, 3).

Logo há anjos superiores, intermediários e últimos na ordem estabelecida para se comunicarem entre si as iluminações que emanam de Deus?
Sim, Senhor (CVIII, 2).

Podereis esclarecer com um exemplo em que consiste esta subordinação?
Poderíamos compará-la a um rio que, em vistosas cascatas, se precipita de rocha em rocha, alimentando o seu curso, sem cessar, com as águas de um lago, situado no alto da montanha.

Há, em cada uma das ditas categorias angélicas, diversos agrupamentos?
Sim, Senhor (CVIII).

De quantas classes são?
De duas classes.

Que nome têm?
Chamam-se Hierarquias e Ordens Angélicas (Ibid).

Que significa o nome de Hierarquia?
Hierarquia é uma palavra derivada do grego que significa 'Principado Sagrado'.

Que coisas se expressam com a palavra Principado?
Duas: O príncipe e a multidão a ele subordinada (Ibid).

Qual é, pois, o significado completo da expressão 'Principado Sagrado'?
Significa e designa o conjunto de todas as criaturas racionais, chamadas a participar das coisas santas, debaixo do governo único de Deus, Rei dos Reis e Príncipe Soberano (Ibid).

Logo, só há uma hierarquia e um principado sagrado no mundo?
Considerado por parte de Deus, Rei Soberano de todas as criaturas racionais por Ele regidas, só há uma hierarquia ou principado sagrado, que compreende os anjos e os homens (Ibid).

Por que, pois, e em que sentido, se fala das hierarquias no plural e especialmente no mundo dos espíritos puros ou anjos?
Porque, atendendo aos súbditos, classificam-se os principados segundo os diversos modos como o príncipe os governa (Ibid).

Poderíeis elucidá-lo com um exemplo?
Sim, Senhor; debaixo do cetro de um monarca pode haver cidades e províncias regidas sob diversas leis e diferentes ministros (ibid).

São os homens da mesma hierarquia que os anjos?
Enquanto vivem neste mundo, não, Senhor (Ibid).

Por que dizeis 'enquanto vivem neste mundo'?
Porque no céu serão admitidos nas hierarquias angélicas (CVIII, 8).

Logo, há várias hierarquias angélicas?
Sim, Senhor (CVIII, 8).

Quantas são?
São três (Ibid).

Em que se distinguem?
Na forma diversa de conhecer a razão das coisas concernentes ao governo divino (Ibid).

Como as conhecem os da primeira hierarquia?
Com a iluminação direta procedente do mesmo Deus.

Que se segue daqui?

Segue-se que os anjos da primeira hierarquia são os mais próximos de Deus e, portanto, as ordens desta hierarquia tomam os seus nomes de algum ministério que tenha por objeto o mesmo Deus (CVIII, 1,6).

Como conhecem os anjos da segunda hierarquia a razão das decisões concernentes ao governo do mundo?
Nas suas causas universais criadas (Ibid).

Que se deduz deste princípio?
Que os anjos da segunda hierarquia as conhecem, mediante a iluminação dos da primeira e suas ordens tomam o nome de algum ministério que tenha por objeto o conjunto de todas as criaturas (ibid).

Como as conhecem os anjos da terceira hierarquia?
Enquanto são executivas e dependem de suas causas próximas (Ibid).

Que se deduz deste modo de conhecer?
Que os anjos da última hierarquia recebem as ordens divinas tão concretas e particularizadas como é necessário para comunicá-las às nossas inteligências e as suas ordens recebem denominação de atos limitados a um homem, como os anjos da guarda, ou a uma província, como os principados (CVIII, 6).

Podereis esclarecer a doutrina exposta com uma comparação?
Com a seguinte: nas cortes dos reis há assessores e conselheiros áulicos que assistem à pessoa do monarca; há secretários da real cúria e despacho a cujas secretarias vêm ter os negócios gerais de todo o reino: há, por fim. governadores e prepostos nas diversas províncias e nos diversos ramos da administração.

São as ordens angélicas distintas das hierarquias?
Sim, Senhor (CVIII, 2).

Em que se distinguem?
Em que as hierarquias se integram com diversas multidões de anjos que formam diferentes principados. debaixo do governo divino, e as ordens constituem classes distintas dentro das multidões que formam uma mesma hierarquia (Ibid).

Quantas ordens há em cada hierarquia?
Há três (Ibid).

Por que?
Porque é uma semelhança do que se passa entre os homens, onde se agrupam as classes sociais em aristocracia, classe média e povo inferior (Ibid).

Logo, em cada hierarquia, há anjos superiores, médios e inferiores?
Sim, Senhor e a estas categorias chamamos ordens angélicas (Ibid).

Logo, são nove as ordens angélicas?
As principais são nove (CVIII, 5, 6).

Por que dizeis 'as principais'?
Porque em cada ordem há infinitas sub-ordens, visto que cada anjo tem a sua categoria e ofício particular, ainda que nos não é dado conhecê-las neste mundo (CVIII, 3).

Ordem é o mesmo que coro angélico?
Sim, Senhor.

Por que se dá o nome de coros às ordens angélicas?
Porque, cumprindo as diversas ordens a missão que Deus lhes confia no governo do mundo, formam grupos harmônicos, onde maravilhosamente se retrata a glória divina.

Que nome têm as ordens angélicas?
Enumerados, em ordem descendente, chamam-se: Serafins, Querubins, Tronos, Dominações, Virtudes, Potestades, Principados, Arcanjos e Anjos (CVIII, 5).

Há ordens ou classes entre os demônios?
Sim, Senhor; porque a ordem angélica depende da natureza de cada anjo, e esta permaneceu nos demônios.

Logo, há subordinação entre eles, como a havia antes da queda?
Sim, Senhor.

Algum dos demônios utiliza esta superioridade para praticar o bem?
Nunca, sempre para praticar o mal (CIX, 3).

Não existe, portanto, iluminação entre os demônios?
Não, Senhor, por isso que seu reino é chamado de império das trevas.

XXIII

AÇÃO DOS ANJOS BONS NO MUNDO CORPÓREO

Serve-se Deus dos anjos bons no governo do mundo material?
Sim, Senhor, porque este mundo é inferior ao dos anjos, e, em todo governo bem ordenado, os inferiores são regidos pelos superiores (CX, 1)*.

Qual é o seu ministério?
Velar pelo exato cumprimento do plano providencial e dos decretos divinos concernentes às coisas materiais.

A que ordem pertencem os anjos administradores das coisas materiais?
À ordem das Virtudes (CX, 1, 2, 2).

Que fazem os anjos que servem na administração do mundo corporal?
Velam pela perfeita execução do plano da Providência e pelas manifestações da vontade divina, em tudo o que se passa nos diversos seres que constituem o mundo material.

Logo, Deus executa por meio dos anjos que pertencem à ordem das Virtudes quantas alterações e mudanças se efetuam no mundo corporal, inclusive os milagres?
Sim, Senhor (CX, 4).

Têm os anjos virtude ou poder suficiente para fazer milagres?
Não, Senhor. Somente Deus pode fazê-los e o anjo concorre ou com intercessão ou como causa instrumental (CX, 4, ad 1).

XXIV

AÇÃO DOS ANJOS NO HOMEM - O ANJO DA GUARDA

Podem os anjos influir no homem?
Sim, Senhor; porque são de natureza puramente espiritual, e, portanto, superior à humana (CXI).

Podem iluminar a nossa inteligência?
Sim, Senhor; dando-lhe vigor e pondo ao nosso alcance a Verdade puríssima que eles contemplam (CXI, 1).

Podem intervir diretamente na nossa vontade?

Não, Senhor; porque a volição é um movimento interior que só depende de Deus, sua causa (CXI, 2).

Logo, somente Deus pode atuar diretamente e mudar, como lhe apraz, os movimentos da vontade humana?
Só Deus o pode fazer (Ibid).

Podem os anjos excitar a imaginação e as demais faculdades sensitivas?
Sim, Senhor; porque estando intimamente ligadas ao organismo dependem do mundo corpóreo submetido à ação dos anjos (CXI, 3).

Podem impressionar os sentidos externos?
Sim, Senhor; pela mesma razão, exceto quando a excitação provém do demônio, e neste caso pode ser contrabalançada por outra de um anjo bom (CXI, 4).

Por consequência, os anjos podem dificultar e impedir a obra dos demônios?
Sim, Senhor; porque a justiça divina submeteu os demônios, como castigo do seu pecado, ao domínio dos anjos (Ibid).

Envia Deus os seus anjos a exercer algum ministério entre os homens?
Sim, Senhor; Deus se serve deles para promover o bem e para executar os seus desígnios junto dos mortais (CXII, 1).

Envia, com este fim, todos os anjos?
Não, Senhor (Ibid).

Quais são os que nunca são empregados?
Os da primeira hierarquia (CXII, 2, 3).

Por que?
Porque é privilégio desta hierarquia o de permanecer constantemente junto ao Trono de Deus (Ibid).

Que título obtêm os anjos da primeira hierarquia, em atenção a este privilégio?
O de anjos assistentes (Ibid).

Quais são, pois, os enviados?
Todos os da segunda e terceira hierarquias, porém note-se que as Dominações presidem ao cumprimento dos decretos divinos e as outras ordens, Virtudes, Potestades, Principados, Arcanjos e Anjos, são os executores (CXII, 4).

Destina Deus alguns anjos para guarda dos homens?
Sim, Senhor; porque a divina Providência decretou que o homem, ignorante no pensar, inconstante e frágil no querer, tivesse como guia protetor, na sua peregrinação até ao céu, um daqueles espíritos ditosos, confirmados para sempre no bem (CXIII, 1).

Destina Deus um anjo para a guarda de cada homem, ou um só para guardar muitos?
Destina um para cada homem, porque mais ama Deus uma alma do que todas as espécies de criaturas materiais, e, apesar disto, determinou que cada espécie tivesse um anjo custódio encarregado do seu governo (CXIII, 2).

De que ordem toma Deus os anjos da guarda?
Toma-os do último coro (CXIII, 3).

Têm todos os homens, sem exceção, anjo custódio?
Sim, Senhor; todos o têm, enquanto vivem neste mundo, em atenção aos obstáculos e perigos do caminho que têm de percorrer até chegar ao fim (CXIII, 4).

Teve-o Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto homem?
Considerando que era pessoa divina, não convinha que o tivesse; porém, teve anjos com a nobilíssima missão de servi-Lo (Ibid).

Quando começa cada anjo custódio a exercer o seu ministério?
No instante em que o homem aparece no mundo (CXIII, 5).

Abandonam, alguma vez, os anjos custódios os homens confiados à sua guarda?
Não, Senhor; velam por eles sem interrupção até que exalem o último suspiro da sua vida (CXIII, 6).

Afligem-se à vista das tribulações e males do seu protegido?
Não, Senhor; porque, depois de fazerem o que está em suas mãos para evitá-los, reconhecem e adoram neles a grandeza insondável dos juízos de Deus (CXIII, 7).

É boa e recomendável a prática de invocarmos com frequência o nosso anjo da guarda e lhe confiarmos nossas pessoas e coisas?
É prática excelente e muito recomendável.

Quando invocamos os anjos da guarda, acodem eles, infalivelmente, em nosso socorro?
Sim, Senhor; porém com sujeição e conformidade com os decretos divinos e de modo que seja em coisa ordenada, em harmonia com a glória de Deus (CXIII, 8).

XXV

AÇÃO DOS ANJOS MAUS OU DEMÔNIOS

Podem os demônios combater e tentar os homens?
Sim, Senhor.

Por que?
Porque o seu todo é malícia e, além disso, porque Deus sabe tirar proveito das tentações em benefício dos eleitos (CXIV, 1).

É próprio dos demônios o tentar?
Sim, Senhor.

Em que sentido o dizeis?
No sentido de que os demônios só tentam aos homens com o propósito de seduzi-los e perdê-los (CXIV, 2).

Podem com este objetivo fazer milagres?
Verdadeiros milagres, não, Senhor; porém, 'alguma coisa parecida com os milagres'.

Que entendeis por estas palavras 'alguma coisa parecida com os milagres'?
Entendemos alguns fatos prodigiosos que excedem as forças dos agentes mais próximos e conhecidos, porém, não a virtude natural de todas as criaturas (CXIII, 4).

Como os distinguiremos dos milagres?
Em que se realizam sempre com fim ilícito ou meios reprováveis e não podem, por consequência, ser obra de Deus (CXIV, 4, ad 1).

XXVI

AÇÃO DOS SERES MATERIAIS

Não há mais cooperadores de Deus no governo do mundo do que os espíritos bons e maus?
Também cooperam outros seres.

Quais são?
Os agentes cósmicos ordenados e regidos por Deus (CXIV, 1)*.

Logo, em todas as ações e fenômenos que se realizam no Universo, intervém o poder e a mão  divina?
Sim, Senhor (CXVI, 2).

Logo, o movimento acorde dos céus, o nascimento regular do sol, os períodos harmônicos das estações, a sucessão majestosa e inalterável dos dias, os meses, os anos e os séculos, têm por objetivo cantar a glória de Deus e realizar os seus eternos desígnios?
Assim é.

Podemos dizer que Deus organizou e mantém o curso regular do Universo, em obséquio e proveito do homem?
Sim, Senhor.

O homem é, pois, a criatura para quem Deus dispôs todas as outras, tendo em vista prover a todas as suas necessidades?
Sim, Deus dispôs tudo, no sentido de servir o homem em todas as suas misérias.

Por que Deus assim procedeu com o homem?
Porque é a criatura mais débil e a que mais necessita de cuidados espirituais e materiais.

XXVII

AÇÃO DO HOMEM NO MUNDO

Pode o homem, apesar de sua fraqueza, cooperar com a ação divina, no governo do mundo?
Sim, Senhor.

De que maneira?
Procurando o bem dos seus semelhantes.

Como pode o homem cooperar para o bem de seus semelhantes?
Como instrumento de Deus em benefício das almas e dos corpos.

De que modo pode o homem ser instrumento de Deus em bem das almas?
Primeiro, porque pode ser, mediante os seus atos, causa ocasional da Criação de novas almas, e segundo, porque estas almas infantis se nutrem e medram em perfeição, com seus exemplos e ensinos.

Como pode ser instrumento de Deus em beneficio dos corpos?
Porque, por lei natural, estabelecida por Deus, o corpo humano tem origem no ajuntamento do varão com a mulher (CXIX).

XXVIII

LUGAR A QUE CONVERGEM TODOS OS MOVIMENTOS 
ORDENADOS NO PLANO DIVINO

Logo, é o berço do infante o ponto cêntrico do universo onde podemos admirar as sábias disposições da amorosa Providência?
Sim, Senhor; porque todas as coisas estão dispostas e ordenadas para o bem deste infante. Os pais para ampará-lo, a natureza para robustecê-lo, os anjos para o assistir e Deus para predestiná-lo e conduzi-lo à Bem-aventurança.

Houve um berço no mundo, em torno do qual brilharam de modo incomparável os desvelos da divina Inteligência governadora do Universo?
Sim, Senhor; e no berço daquele infante começou, como mais tarde veremos, o caminho a que o homem tem de recorrer para volver ao seio de Deus de onde saiu (CXIX, 2, ad 4).

Que prodígios se viram no nascimento daquele menino?
Viu-se um Homem, concebido por obra do Espírito Santo, uma Virgem Mãe, Reis e Magos guiados por uma estrela e uma multidão de Espíritos celestiais que entoavam hinos de alegria, dizendo: Glória a Deus nas alturas, e na terra, paz aos homens de boa vontade.

Quem é e como se chama aquele Filho de Benção?
É Emanuel ou 'Deus conosco', e se chama Jesus.

SEGUNDA PARTE

O homem procede de Deus e para Deus deve voltar

 PRIMEIRA SEÇÃO

Noções gerais acerca do modo como o homem tem de voltar para Deus

I

SEMELHANÇA ENTRE AS OPERAÇÕES DE DEUS E AS DO HOMEM

Há alguma semelhança entre as operações divinas e as humanas?
Sim, Senhor.

Em que consiste?
Em que, assim como Deus é livre para dispor do Universo a seu agrado, também o é o homem no que dele depende (Prólogo)*.

II

ÚLTIMO FIM DOS ATOS HUMANOS - A FELICIDADE

Tem em vista o homem algum fim em todas as suas ações?
Quando obra como homem e não como máquina, por impulso ou reação física e instintiva, sim, Senhor (I, 1).

É o homem o único ser material que se propõe algum fim em suas ações?
Somente o homem é capaz de se propor uma finalidade.

Logo, os outros seres materiais obram ao acaso?
Não, Senhor; as suas operações estão ordenadas à consecução de um fim determinado, porém, não o intentam, nem o propõem, porque isto, em seu lugar, o faz Deus (I, 2).

Logo, todos se movem para realizar o fim que Deus se propôs?
Sim, Senhor.

Assinalou Deus algum fim às ações humanas?
Na verdade, Deus lhes assinalou um fim.

Que diferença há entre as ações do homem e as dos outros seres materiais?
Diferenciam-se em que o homem pode, sob o impulso e dependência de Deus, determinar o fim dos seus atos, ao passo que os outros seres propendem cegamente, por natureza ou instinto, para o fim que Deus lhes assinalou (Ibid).

Em que se baseia esta diferença?
Em que o homem possui inteligência e os demais seres, não (Ibid).

Propõe-se o homem, com seus atos, alcançar algum fim último e supremo?
Sim, Senhor; porque se não quisesse e não intentasse o seu fim último, nada poderia intentar nem querer (I, 4, 5).

Subordina ao dito fim todas as suas ações?
Ordena-as a todas para a consecução do fim último ou de modo consciente e explícito, ou implicitamente em virtude de certa espécie de instinto racional (I, 6).

Qual é este objeto tão desejado?
A felicidade (I, 7).

Logo, o homem quer necessariamente ser feliz?
Sim, Senhor.

Não haverá algum que queira ser desgraçado?
É impossível que o haja (V, 8).

Pode equivocar-se ao escolher o objeto da sua felicidade?
Sim, Senhor; porque, estando em suas mãos escolher entre muitos bens, pode confundir os verdadeiros com os aparentes (I, 7).

Que sucede se se engana?
Que em lugar de encontrar a felicidade no fim da jornada, só encontra a mais desconsoladora e irreparável desgraça.

Logo é de excepcional importância o acerto na opção?
É importantíssimo.

III

OBJETO DA FELICIDADE

Em que consiste objetivamente a felicidade do homem?
Num bem superior a ele e o único capaz de acumulá-lo de perfeições (II, 1-8).

Este bem pode consistir nas riquezas?
Não, Senhor; porque as riquezas são coisa inferior ao homem, e incapazes, por si mesmas, de aperfeiçoá-lo (II, 1).

São as honras?
Também não; porque as honras não dão perfeição, já a supõem, sob pena de serem postiças, e se são postiças nada são (II, 2).

E a glória e o renome?
Também não; já porque supõem méritos, já por serem, neste mundo, coisa mui frágil e volúvel (II, 4).

Consiste no poder?
Não, Senhor; porque o poder não se dá para o bem próprio, senão para o dos outros e está à mercê do capricho e do espírito de insubordinação (II, 4).

Consiste na saúde e na beleza corporal?
Também não; porque a saúde e a beleza são bens inconsistentes e passageiros e, além de tudo, só dão perfeição ao exterior e não ao interior do homem (II, 5).

Serão os prazeres dos sentidos?
Não, Senhor; porque são grosseiros demais, comparados com os gozos delicados da alma (II, 6).

Logo, o objeto da felicidade consiste nalgum bem que traz perfeição diretamente ao espírito?
Sim, Senhor (II, 7).

Qual é este bem?
Deus, Sumo Bem, Soberano e Infinito (II, 8).

IV

POSSE DA FELICIDADE

De que modo pode o homem chegar a possuir a Deus?
Mediante um ato do entendimento movido para este feito pela vontade (III, 4)*.

Que condições deve reunir este ato intelectual?
É necessário que, por seu intermédio, conheça o homem a Deus, não de maneira imperfeita, como pode reconhecê-lo nas criaturas, mas como é em Si mesmo (III, 5-8).

Logo, a felicidade do homem consiste na visão de Deus?
Sim, Senhor (III, 8) .

A visão divina é suficiente para fazer feliz não só a alma, como também o corpo com todos os seus sentidos e potências?
Sim, Senhor; porque, sendo a perfeição suprema da parte mais nobre e elevada, por influência dela derrama-se a sua ação por todos os demais elementos do composto humano (IV, 1-8).

Logo, integra o homem na posse de todos os bens sem mistura de mal algum?
Sim, Senhor (Ibid).

V

MEIOS PARA ALCANÇAR A BEM-AVENTURANÇA

Pode o homem, nesta vida, gozar da visão divina, objeto supremo da felicidade?
Não, Senhor; porque a plenitude da bem-aventurança é incompatível com as atribulações e misérias deste mundo (V, 3) .

A quem se deve recorrer para alcançá-la?
A Deus, que é o único que pode concedê-la (V, 5).

Concede-la-á sem méritos e sem preparação?
Não, Senhor (V, 7).

Qual é, por consequência, a obrigação suprema do homem nesta vida mortal?
A de entesourar merecimentos, para fazer-se digno de alcançar, algum dia, a graça suprema da visão beatífica.

VI

DO MÉRITO E DO DEMÉRITO EM GERAL

De que modo pode o homem dispor-se para alcançar, como recompensa, a visão beatífica?
Unicamente por meio dos seus atos (VI, Prólogo).

Que ações merecem tão grande recompensa?
As ações virtuosas.

Que entendeis por ação virtuosa?
Aquela que a vontade humana executa, em conformidade com a vontade divina e sob o impulso da graça (VI-CXIV).

Que condições há de reunir o ato humano para ser voluntário?
Há de ser espontâneo e feito sob conhecimento de causa (VI, 1-8).

Que entendeis por ação espontânea?
Aquela que a vontade executa por impulso próprio e isenta de violência e coação (VI, L, 4, 5, 6).

De quantas maneiras pode obrigar-se o homem a executar atos contra sua vontade?
De dois: por meio da violência e do medo (VI, 4, 5, 6).

Que entendeis por violência?
Toda força exterior que impede o exercício voluntário dos membros ou os obriga a executar atos que a vontade recusa (V, 4, 5).

Que é o medo?
Um movimento interior que, em determinadas circunstâncias, e para evitar males que se consideram iminentes, arrasta a vontade a consentir no que, em outras circunstâncias, não consentiria (VI, 6).

São voluntários os atos realizados por violência?
São involuntários quando procedem de violência exterior (VI, 6).

Por que ajuntais a palavra exterior?
Porque, em certas ocasiões, também se chama violência ao movimento interior da ira.

São também voluntários os atos praticados por impulsos da ira ou de qualquer outra paixão interior?
Sim, Senhor; exceto o caso em que a paixão seja tão violenta que impeça o exercício da razão (VI, 7).

São voluntários os atos praticados por medo?
Sim, Senhor; ainda que juntos com alguma coisa de involuntário; porque, se bem que nestes casos não se possa negar, em absoluto, o consentimento da vontade, esta, todavia, consente a seu pesar e para evitar males maiores (VI, 6).

Que quereis dizer quando afirmais que o ato voluntário deve realizar-se com conhecimento do fim?
Que, se o agente se engana no que há de fazer, o ato é involuntário (VI, 8).

É sempre involuntário?
Só é involuntário, se o agente, conhecendo o erro, o não executasse.

Podem, apesar do que fica dito, ser voluntários os atos ou omissões que procedem do erro ou da ignorância?
Sim, Senhor; quando o sujeito é culpado da ignorância ou do erro.

Quando o será?
Quando recusa ou é negligente, com negligência culpável, no aprender as suas obrigações (Ibid).

Acompanham o ato voluntário algumas circunstâncias que devam tomar-se em conta, para apreciar devidamente a sua moralidade?
Sim, Senhor.

Quais são elas?
As circunstâncias da pessoa, objeto, consequências, lugar, intenção, meios e tempo (VII, 3).

A que se refere cada uma delas?
A primeira, ao caráter ou condição do agente; a segunda, à realidade do fato e seus efeitos e consequências; a terceira, ao lugar da operação; a quarta, ao fim ou objeto que se propõe o operante; a quinta, aos meios e auxílios que utiliza; e sexta, ao tempo em que a executa (VII, 3).

Qual é a mais importante?
A quarta, ou seja o fim do operante (VII, 4).

Os atos que chamamos voluntários procedem sempre da vontade?
Sim, Senhor; ou exclusiva e imediatamente, ou mediante as outras faculdades e membros exteriores, sob as ordens e impulso da vontade (VIII - XVII).

Logo, o valor dos atos humanos e sua virtualidade para nos acercarmos ou afastarmo-nos da bem-aventurança tem raízes exclusivamente na vontade?
Sim, Senhor; porque o ato só tem valor, quando o executa a vontade, ou só, ou por meio das outras faculdades (VIII - XXI).

Entre os atos interiores da vontade, qual é o mais importante e que leva como vinculada a responsabilidade?
O ato de escolher ou a eleição (XIII, 1, 6).

Por que?
Porque, mediante a eleição, a vontade, com conhecimento de causa e prévia deliberação, adere a um bem determinado que desde logo aceita e ao qual trata de apropriar-se com preferência a outros (XIII, 1).

É a eleição, propriamente, um ato do livre arbítrio?
Sim, Senhor (XIII, 1).

Logo, os atos humanos tomam o seu caráter moral e o valor de meios para conseguir a bem aventurança, da faculdade de eleger?
Sim, Senhor.

Como se divide a eleição?
Em boa e má (XVIII - XXI).

Quando dizemos que é boa?
Quando forem bons o objeto, o fim e as circunstâncias (XVIII).

Donde recebe a bondade, o objeto, o fim e as circunstâncias?
Da sua conformidade com a reta razão (XIX, 3, 6).

Que quer dizer 'rela razão?'
A razão humana que opera esclarecida com a luz divina, ou, ao menos, quando voluntariamente não lhe opõe obstáculos.

Logo, para que um ato seja bom, é necessário que o objeto seja conforme a reta razão, que esta aprove o fim e não oponha reparo às circunstâncias?
Sim, Senhor; e se falta alguma das ditas condições, o ato deixa de ser bom e se converte, ainda que em graus distintos, em ato mau (XVIII - XXI).

Como se chamam as más ações?
Chamam-se culpas ou pecados (XXI, 1).

VII

DOS MOVIMENTOS AFETIVOS CHAMADOS PAIXÕES

Há no homem, além dos atos da vontade, outros impulsos afetivos capazes de contribuir para a consecução do último fim?
Sim, Senhor.

Quais são?
As paixões (XXII - XLVIII)*.

Que entendeis por paixões?
Os movimentos afetivos da parte sensível.

São as paixões próprias e exclusivas do homem?
Não, Senhor; têm-nas também os animais (XX, 1, 2, 3).

As paixões dos animais podem ser sujeito de moralidade?
Não, Senhor; só podem sê-lo as do homem.

Por que?
Porque só no homem estão submetidas ao império da vontade livre (XXIV, 1, 4).

A que chamamos propriamente movimentos afetivos ou paixões?
Aos movimentos do coração, que nos impelem a procurar o bem e a fugir do mal, conforme o apresentam os sentidos (XXIII - XXV).

Quantas são?
São onze (XXII, 4).

Como se chamam?
Amor, desejo, prazer ou alegria, ódio, tédio, tristeza, esperança, audácia, temor, ira e desesperação.

Em muitos dos nossos atos encontra-se o impulso passional?
Sim, Senhor.

Por que?
Porque somos compostos de duas naturezas, uma racional e outra sensitiva, e esta é a primeira que atua, por estar em contato com o mundo exterior sensível, donde tomamos os dados originários de todo conhecimento e ação.

Logo, as paixões nem sempre são más?
Por si mesmas, não Senhor.

Algumas vezes elas são más?
Sim, Senhor, quando não estão de acordo com a reta razão.

E quando é que não estão?
Quando nos afastam do bem e nos impelem para o mal sensível, antecipando ou contrariando o juízo da razão (XXIV, 3).

As paixões que mencionamos radicam-se, exclusivamente, na parte sensível do homem?
Não, Senhor; encontram-se também na vontade (XXVI, 1).

Que diferença existe entre as paixões da parte sensível e as da vontade?
Diferenciam-se em que o organismo toma sempre parte nos movimentos das paixões sensitivas, ao passo que as da vontade são totalmente espirituais (XXXI,4).

Quando se fala dos movimentos do coração, trata-se das paixões sensitivas ou das da vontade?
Propriamente das sensitivas, porém, em sentido metafórico, aplica-se também a frase às da vontade.

Logo, ao falarmos do coração humano, referimo-nos indiferentemente às duas espécies de paixões?
Sim, Senhor.

Que queremos exprimir quando aplicamos a um homem a expressão 'homem de coração'?
Umas vezes queremos dizer que é afetuoso e terno, assim na ordem sensível, como na ordem superior da vontade; outras, que é homem de valor e energia.

Por que se recomenda vigiar atentamente os movimentos do coração, e que significa tal conselho?
Significa que devemos por grande cuidado em não seguir inconsideradamente os primeiros movimentos afetivos, visto que só nos impelem a procurar o prazer e a fugir do sofrimento.

Também se recomenda educar o coração. Que significa este outro preceito?
Que devemos ocupar-nos em desarraigar os movimentos afetivos que nos inclinam ao mal.

É importante educar o coração no sentido explicado?
É como o resumo de todos os esforços do homem para adquirir a virtude e afastar-se do vício.

VIII

DO PRINCÍPIO DAS BOAS AÇÕES OU DAS VIRTUDES

Que significa adquirir virtudes?
A aquisição e aperfeiçoamento de todos os hábitos que inclinam o homem a proceder bem (XLIX - LVIII).

Que são os hábitos virtuosos?
São certas disposições e inclinações das diversas faculdades, que fazem bons os atos correspondentes (LV, 1, 4).

Qual é a sua origem?
Há ocasiões, ainda que parcialmente, em que são conaturais ao homem; outras, adquiridas com o exercício e, às vezes, infundidos direta e sobrenaturalmente por Deus (LXIII).

Existem hábitos ou virtudes intelectuais?
Sim, Senhor (LXVI, 3).

Que efeito produzem?
O de conduzir sempre o homem pelos caminhos da verdade (Ibid).

Quais são?
Inteligência, sabedoria, ciência, prudência e arte (LXVII, 1, 3).

Qual é o objeto de cada uma?
O da inteligência é facilitar o conhecimento dos primeiros princípios; a sabedoria, o das causas segundas, supremas; a ciência, o das conclusões; a prudência dirige a vida moral e a
arte, a execução das obras externas (Ibid).

Qual é, moralmente considerada, a mais importante na prática?
A prudência (LVII, 5).

Não há na inteligência humana mais virtudes que as enumeradas?
Sim, Senhor; há outra de ordem muito mais elevada (LXII, 1, 4).

Qual é?
A Fé (Ibid).

Existem na vontade algumas virtudes da mesma categoria que a Fé?
Sim, Senhor (Ibid).

Quais são?
A Esperança e a Caridade (Ibid).

As virtudes da fé, esperança e caridade, têm nome especial?
Sim, Senhor; chamam-se virtudes teologais (Ibid).

Que significa a expressão 'Virtudes teologais'?.
Significa que as virtudes da fé, esperança e caridade provém exclusivamente de Deus e a Deus na ordem sobrenatural têm por objeto (LXII, 1).

Existe alguma outra virtude na vontade?
Sim, Senhor; a virtude da Justiça e as que dela se derivam (LVI; LIX; LX, 2, 3).

Além do entendimento e da vontade, há no homem outras potências que possam ser sujeito de virtudes?

Sim, Senhor; as potências afetivas da ordem sensitiva (LVI, 4; LX, 4).

Que virtudes as adornam?
A Fortaleza e a Temperança, com as demais que delas dependem.

Que nome tem o conjunto das virtudes de Justiça, Fortaleza e Temperança, unidas à Prudência?
O de virtudes morais (LVIII, 1).

Não se chamam também virtudes cardeais?
Sim, Senhor (LXI, 1-4).

Que significa este nome?
Que são virtudes de capital importância, por serem como o eixo (em latim cardocardinis), em volta do qual giram todas as demais, exceto as teologais (Ibid).

As virtudes naturais e adquiridas, quer sejam intelectuais, quer morais, requerem como complemento outras virtudes correspondentes da ordem sobrenatural, infundidas por Deus, com o fim de facilitar ao homem todos os meios necessários para que suas ações sejam perfeitas na ordem moral?
Sim, Senhor; porque unicamente as virtudes infusas são proporcionadas aos atos de que o homem necessita para sua elevação à ordem sobrenatural, e que deve alcançar mediante as virtudes teologais (LXIII, 3, 4).

Necessita o homem possuir todas as virtudes, tanto as teologais como as cardeais, para que as suas ações sejam boas em conjunto?
Sim, Senhor.

Se lhe falta uma só, já não se pode chamar virtuoso?
Não, Senhor; porque, faltando uma, as demais são informes, ou não têm os caracteres de virtude completa.

IX

DOS DONS, COMPLEMENTOS DAS VIRTUDES

É suficiente que o homem possua as virtudes de que temos falado, para que possa alcançar a eterna Bem-aventurança?
Não, Senhor; necessita além disso dos dons do Espírito Santo (LXVIII)*.

Que se entende por dons do Espírito Santo?
Certas disposições habituais e infusas que fazem o homem dócil e submisso às inspirações e movimentos interiores com que o Espírito de Deus o guia e encaminha para a felicidade eterna (LXVIII, 1, 2, 3).

Por que, além das virtudes, necessita o homem dos dons do Espírito Santo?
Porque está elevado, como dissemos, à vida da graça, e para que as suas ações alcancem nesta ordem a perfeição precisa, é necessário um auxílio direto e especial de Deus, com que se leve a bom termo o que, com o exercício das virtudes, só se pode iniciar; pois os dons do Espírito Santo preparam e dispõem para receber esta ação de Deus (LXVIII, 2).

Quantos são os dons do Espírito Santo?
São sete (LXVIII, 4).

Quais são?
Sabedoria, entendimento, ciência, conselho, piedade, fortaleza e temor de Deus (Ibid).

X

DAS BEM-AVENTURANÇAS E FRUTOS DO ESPÍRITO SANTO, RESULTANTES DOS DONS E VIRTUDES

Possui o homem, adornado com as virtudes e dons do Espírito Santo, tudo o que de sua parte necessita para levar uma vida perfeita na ordem sobrenatural?
Sim, Senhor.

Podemos dizer que a sua vida, neste caso, é na terra já o começo da que depois há de levar no céu?
Sim, Senhor; e em atenção a isso falamos, neste mundo das bem-aventuranças e dos frutos do Espírito Santo.

Que entendeis por bem-aventuranças?
Os atos das virtudes e dos dons, conforme as enumerou Jesus Cristo, como consta do Evangelho, que, por sua presença na alma, ou pelos merecimentos que em sua virtude entesoura, são como uma antecipação e um penhor da vida eterna (LXIX, 1).

Que entendeis por frutos do Espírito Santo?
As boas ações de ordem sobrenatural que, realizadas sob a inspiração do Espírito Santo, têm a virtude de produzir prazer e alegria quando se praticam (LXX, 2).

São distintas das bem-aventuranças?
Distingamos: enquanto significam o bem supremo do homem, não, Senhor, porque neste sentido se confundem com o fruto por excelência, que é a bem-aventurança celestial. Pela mesma razão, podem identificar-se com as bem-aventuranças aqui na terra. Porém, distinguem-se em que as bem-aventuranças são obras excelentes e perfeitas, e ao fruto lhe basta a razão de obra boa, sem ser perfeita (LXX, 2).

Quais são as bem-aventuranças e qual a sua recompensa?
São as seguintes: Bem-aventurados os pobres de Espírito, porque deles é o reino do céu; bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra; bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça, porque serão fartos; bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia; bem-aventurados os limpos do coração, porque verão a Deus. bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus (LXIX, 2-4).

Quais são os frutos do Espírito Santo?
Caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência e castidade (LXX, 3).

Donde consta a sua existência?
Da Epístola de São Paulo aos Gálatas (V, 22, 23).

Onde se enumeram as bem-aventuranças?
A enumeração completa lê-se em São Mateus (Mt 5, 3-13). Encontra-se outra, se bem que incompleta, em São Lucas (LC 6, 20-22).

Consigna São Mateus e reproduz São Lucas outra bem-aventurança, que seria a oitava?
Sim, Senhor; e é a bem-aventurança dos que sofrem perseguição por amor à Justiça, porém, se põe a modo de resumo e conclusão das sete anteriores, nas quais está incluída (LXXXIX, 3 ad 5).

Há, neste mundo, alguma coisa mais proveitosa para o homem do que o exercício assíduo dos dons e virtudes conducentes às bem-aventuranças e frutos do Espírito Santo?
Não, Senhor.

XI

DOS VÍCIOS, FONTE E ORIGEM DOS ATOS PECAMINOSOS

Há. neste mundo, algum método de vida oposto ao que acabamos de descrever?
Sim, Senhor; a vida do vício e do pecado (LXXI-LXXIX).

Que entendeis por vício?
O estado do homem que vive em pecado (LXXI, 1-6).

Que entendeis por pecado?
Um ato ou omissão voluntária em matéria ilícita (Ibid).

Quando devemos dizer que um ato ou omissão voluntária é pecaminoso?
Quando é contrário ao bem de Deus, ao bem próprio ou ao do nosso próximo (LXXII, 4).

Como é possível que possa o homem querer coisas opostas ao bem de Deus, ao seu próprio bem e ao do seu próximo?
Porque pode querer um bem incompatível com aqueles bens (LXXI, 2).

Que bens podem ser estes incompatíveis com o de Deus, o próprio e o do próximo?
Os que deleitam os sentidos ou lisonjeiam a ambição e o orgulho (LXXII, 2, 3; LXXVII, 5).

Por que pode o homem querer semelhantes bens?
Porque os sentidos têm a faculdade de inclinar-se para o que proporciona prazeres, antecipando-se ao exercício da inteligência e da vontade, ou arrastando estas duas faculdades para o seu partido, se elas não se opõem, podendo e devendo fazê-lo (LXXIII, 2 ad 3).

Qual é, por conseguinte, a raiz, a origem, e, em certo modo, a razão de todos os pecados humanos?
A prossecução desatenta dos bens sensíveis e temporais.

Como se chama o estado que inclina o homem a procurar sem razão, nem medida, os bens sensíveis?
Chama-se cobiça ou concupiscência (LXXVII, 1-5).

XII

DO PECADO ORIGINAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS, OU FERIDAS DA NATUREZA HUMANA

Existia a concupiscência no estado primitivo em que Deus criou o homem?
Não, Senhor.

Por que existe agora?
Porque o homem se acha em estado de natureza decaída (LXXXI-LXXXIII)*.

Que entendeis por estado de natureza decaída?
O estado que se seguiu como efeito e consequência do primeiro pecado do primeiro homem (LXXX, 4; LXXXII, 1).

Por que se estendem a todos e a cada um dos homens, os efeitos e consequências daquele primeiro pecado do nosso primeiro pai?
Porque a nossa natureza é a sua e dele a recebemos (Ibid).

Se não tivesse pecado o primeiro homem, ter-nos-ia transmitido a natureza em outro estado?
Sim, Senhor; no estado de integridade e justiça original (LXXXI, 2).

O estado em que atualmente a recebemos é estado de pecado?
Sim, Senhor (LXXXI, 1; LXXXII, 1).

Por que?
Porque recebemo-la como ela é e conforme ficou em consequência do pecado (Ibid).

Como se chama esta mancha do pecado que se nos transmite, junto com a natureza, efeito da queda do primeiro homem?
Chama-se pecado original (Ibid).

Logo, o pecado original transmite-se a todos os homens pelo fato de receber a natureza de Adão pecador?
Por este único fato se transmite (Ibid).

Que efeito produz em cada indivíduo da espécie humana o chamado pecado original?
A privação dos dons sobrenaturais e gratuitos que Deus misericordiosamente havia concedido à natureza, na pessoa do primeiro homem e pai comum dos mortais (LXXXII, 1).

Quais eram os dons de que nos privou o pecado original?
Em primeiro lugar, a graça santificante com as virtudes sobrenaturais infusas e os dons do Espírito Santo; além disso, o privilégio da integridade vinculado aos dons sobrenaturais.

Que efeito produzia o privilégio da integridade?
A subordinação perfeita dos sentidos à razão, e do corpo à alma.

Que bens se conseguiam com tão perfeita subordinação?
Conseguia-se que as faculdades afetivas não podiam experimentar nenhum movimento desordenado, e que o corpo fosse impassível ou imortal.

Logo, a morte e as outras misérias corporais são o efeito próprio do pecado?
Sim, Senhor (LXXXV, 5).

Como se chamam os efeitos do pecado na alma?
Chamam-se feridas.

Quais são?
Ignorância, malícia, fragilidade e concupiscência (LXXXV; 3).

Que entendeis por ignorância?
A condição a que ficou reduzida a inteligência quando perdeu a disposição infalível para a verdade, como a possuía no estado de integridade (Ibid).

Que entendeis por malícia?
A condição a que ficou reduzida a vontade, desapossada da disposição infalível para o bem, que tinha no estado de Justiça original (Ibid).

Que entendeis por fragilidade?
A condição a que ficou reduzida a parte afetiva sensível, destituída da ordem conatural para com tudo o que é mau ou difícil e que ela possuía no estado de integridade original.

Que entendeis por concupiscência?
A condição a que se reduziu a parte afetiva sensível quando sacudiu a autoridade que, no estado de inocência, a mantinha nos limites do prazer sensível, moderado pela razão (Ibid).

São estas quatro feridas efeitos do primeiro pecado do primeiro homem?
Sim, Senhor.

Podem agravá-las os nossos pecados pessoais e os dos nossos ascendentes?
Sim, Senhor (LXXXV, 1, 2).

Têm alguns pecados pessoais a propriedade de produzir no homem disposições e inclinações especiais para cometer outros novos?
Sim, Senhor; os chamados pecados capitais.

Quais são?
Soberba, Avareza, Gula, Luxúria, Preguiça, Inveja e Ira.

Apesar de todos estes motivos de pecado, herdados de nosso primeiro progenitor e ascendentes, devemos sustentar que o homem é livre quando executa atos morais e que jamais peca por necessidade?
Sim, Senhor.

Como poderiam as ditas causas de pecado destruir a liberdade humana?
Privando o homem do uso da razão (LXXXVII, 7).

Logo, enquanto o homem conserva o uso da razão, é livre e depende dele evitar ou não o pecado?
Sim, Senhor.

As preditas causas podem, apesar do exposto, entorpecer o exercício da liberdade até ao ponto de diminuir ou atenuar a gravidade do pecado?
Sim, Senhor; exceto o caso em que as agrava o pecado pessoal (LXXXVII, 6).

XIII

DISTINÇÃO DA GRAVIDADE DOS PECADOS E DE SEUS CORRESPONDENTES CASTIGOS

Têm os mesmos caracteres de gravidade todos os pecados cometidos pelos homens?
Não, Senhor.

A que se atende para determinar a gravidade de um pecado?
A categoria e necessidade do bem de que priva e à maior ou menor liberdade com que se executa (LXXIII, 1-8).

Merecem castigo todos os atos pecaminosos?
Sim, Senhor (LXXXVII, 1).

Por que?
Porque, todo pecado é usurpação do direito alheio e o castigo é a maneira de restituição do que injustamente se tomou (Ibid).

Logo, o castigo do pecado é ato de rigorosa Justiça?
Sim, Senhor.

Quem pode impor a pena devida pelo pecado?
Os encarregados de velar pela ordem e pela justiça, contra os atentados do pecador (Ibid).

Quais são?
Primeiramente Deus, depois, a autoridade humana, nos assuntos de sua competência; e, por último, o próprio pecador (Ibid).

Como pode o pecador castigar o seu próprio pecado?
De duas maneiras; por meio da penitência e do remorso da consciência (Ibid).

Como intervém a autoridade humana?
Impondo castigos (Ibid).

Como Deus pode castigar?
De duas maneiras, mediata ou imediatamente (Ibid).

Quando dizemos que castiga mediatamente?
Quando o faz mediante a autoridade humana ou a consciência do pecador (Ibid).

Por que chamais castigos divinos aos impostos pela autoridade humana e pela consciência do pecador?
Porque a autoridade humana e a própria consciência participam do poder de Deus, de quem são de algum modo instrumentos (Ibid).

Emprega Deus algum outro meio para castigar o pecado?
Sim, Senhor; utiliza as próprias criaturas, que a Ele pertencem e cuja subordinação e harmonia o pecador procura perturbar (Ibid).

Podemos neste sentido dizer que há uma justiça imanente?
Sim, Senhor; e, em virtude dela, as mesmas coisas inanimadas servem como instrumento à Justiça divina para castigar o pecado, fazendo padecer o pecador as consequências de sua culpa (Ibid).

Que entendeis por intervenção imediata de Deus no castigo do pecado?
Uma intervenção particular e sobrenatural, em virtude da qual Ele mesmo castiga os atentados do pecador contra a ordem sobrenatural por Ele estabelecida (LXXXVII, 3, 5).

Em que se diferencia o castigo imposto imediatamente por Deus, na ordem sobrenatural, dos impostos pelas criaturas?
Em que Deus castiga alguns pecados com penas que durarão eternamente (LXXXVII, 3).

XIV

PECADOS MORTAIS E PECADOS VENIAIS

Que pecados castiga Deus com a pena eterna?
Os pecados mortais (Ibid).

Que entendeis por pecado mortal?
O que causa a morte da alma, destruindo nela a caridade, que é o princípio e fonte da vida sobrenatural (LXXXVIII, 1)*.

Por que castiga Deus esses pecados com pena eterna?
Porque, ao destruir-se o princípio da vida sobrenatural infundido por Deus na alma, fica o pecador impossibilitado de remediar os efeitos da sua culpa naquela ordem; portanto, enquanto durar o estado de pecado, e durará sempre, deve durar o castigo (Ibid).

São mortais todos os pecados que o homem comete?
Não, Senhor (LXXXVIII, 1, 2).

Que nome têm os que o não são?
Chamam-se pecados veniais (Ibid).

Que entendeis por pecados veniais?
Os pecados menos graves, a cujos efeitos o homem pode resistir com o auxílio ordinário da graça, visto que não têm o funesto poder de privar a alma da vida sobrenatural da caridade; não merecem, por conseguinte, castigo eterno, e se chamam veniais, isto é, facilmente perdoáveis, da palavra latina venia, que significa perdão.

Se um homem, em pecado mortal, comete outros veniais e neste estado o surpreende a morte, padecerá também castigo eterno pelos pecados veniais?
Sim, Senhor; porque, privado de caridade, não pode nesta vida dar-lhes remédio, e depois da morte, todos são eternamente irreparáveis.

De que provém que uns pecados são mortais e outros veniais?
Por parte do objeto, da natureza e importância da desordem que provoca o ato pecaminoso, por parte do sujeito do grau de liberdade com que se executa (LXXXVII, 2).

Que quereis dizer, quando afirmais que, por parte do objeto, da natureza e importância da desordem que provoca o ato pecaminoso?
Entendo que há pecados que, por sua natureza, se opõem diretamente ou são incompatíveis com a submissão e amor a Deus, na ordem sobrenatural; e há os que constituem uma menor insubordinação e são, contudo, compatíveis com o amor habitual de Deus na ordem da graça (Ibid).

Quais são os pecados que se opõem diretamente ao amor sobrenatural de Deus ou são com este amor incompatíveis?
São os daquele que recusa prestar a Deus o obséquio do amor sobrenatural; os que essencialmente quebram e, enquanto deles depende, destroem a subordinação do homem a Deus; os que lesam gravemente a harmonia e boa ordem da sociedade; os que invertem a ordem de dependência e subordinação entre as diversas partes do indivíduo.

Podereis dizer-me alguns em concreto?
Sim, Senhor; tais são os pecados de desprezo do amor divino e os cometidos contra a honra de Deus; os de roubo, homicídio, adultério e os pecados contra a natureza.

Qual é o critério mais seguro para distinguir as diversas classes de pecados e sua gravidade?
O de contrastá-los com as virtudes opostas, não só em geral, como em particular.

Teremos ocasião de verificar este contraste?
Fá-lo-emos, com o auxílio divino, ao terminar o estudo em geral dos meios conducentes à prática das virtudes, e necessários para evitar vícios e pecados.

Que nos resta por conhecer nesta matéria?
O referente aos auxílios ou princípios exteriores das ações boas.

Quais são os auxílios exteriores de que o homem necessita para bem proceder?
São dois: a lei para dirigi-lo e a graça, para socorrer a sua debilidade (XC-CXIV).

XV

DA LEI OU PRINCÍPIO EXTERIOR QUE REGULA OS ATOS HUMANOS

Que entendeis por Lei?
Um preceito da razão, ordenado ao bem comum, emanado de autoridade competente e por ela promulgado (XC, 1,4).

Um preceito, contrário à razão, é Lei?
Não, Senhor; é um ato arbitrário e tirânico (XC, 1 ad 3).

Que entendeis quando afirmais que a lei é um preceito da razão ordenado para o bem comum?
Que a lei deve antes de tudo prover ao bem da coletividade e que não se ocupe dos indivíduos senão enquanto contribuem para o bem estar comum (XC, 2).

Qual é a autoridade competente para legislar?
A razão obrigada a velar pelo bem comum, como se fosse próprio (XC, 3).

É necessária a promulgação da lei para que tenha força de obrigar?
Sim, Senhor (XC, 4).

E aquele que a ignora, por sua culpa, está desobrigado de cumpri-la?
Não, Senhor.

Temos, pois, obrigação grave de nos instruir nas leis que nos dizem respeito?
Sim, temo-la e gravíssima.

XVI

DIFERENTES CLASSES DE LEIS A LEI ETERNA

Podemos estar, e de fato estamos, sujeitos a diferentes classes de leis?
Sim, Senhor.

Quais são?
A lei eterna, a natural, a humana e a divina (XCI, 1-5).

Que entendeis por lei eterna?
A lei suprema que rege todas as coisas e da qual dependem todas as outras leis, visto como em princípio não são mais que derivações e determinações particulares daquela (XCIII).

Onde se encontra a lei eterna?
Em Deus (Ibid).

Quando se promulgou?
Ao estabelecer Deus a ordem, a harmonia e a sucessão entre os seres que formam o universo (XCIII, 4-6).

XVII 

A LEI NATURAL 

Imprimiu Deus no homem, como nos demais seres, a lei eterna? 
Sim, Senhor (XCIII, 6)*. 

Como se chama a manifestação ou impressão da lei eterna no homem? 
Chama-se lei natural (XCLV, 1). 

Que entendeis por lei natural? 
É o ato da razão e vontade de Deus, que prescreve a observância da ordem moral, proíbe a sua violação, e que se manifesta às criaturas na luz natural da razão. 

Existe algum princípio fundamental no senso prático ou, o que é o mesmo, algum preceito supremo da lei natural? 
Sim, Senhor; assim como o primeiro princípio de toda demonstração especulativa se baseia no conceito do ente, assim as leis do senso prático se apoiam no conceito do bem (XCIV, 2). 

Em que consiste este primeiro preceito da lei natural? 
Em nos ordenar que pratiquemos o bem e evitemos o mal (Ibid). 

Fundamenta-se neste preceito a razão de ser de todos os demais? 
Sim, Senhor, já que os outros são aplicações mais ou menos concretas deste primeiro (Ibid). 

Qual é a aplicação primária e imediata do dito princípio? 
O reconhecimento, por parte da razão, dos três bens de categoria distinta que aperfeiçoam a natureza humana. 

Em que consiste esta primeira determinação do preceito supremo da lei natural? 
Em decretar o seguinte: É bom o que serve para conservar e desenvolver a vida física, também o é, o que serve para perpetuar a espécie; por último, declara-se bom tudo o que aperfeiçoa o homem como.ser racional (Ibid). 

Que se segue da promulgação desta tríplice lei? 
Que a razão prática de cada homem reconhecerá e imporá como obrigatório tudo o que é essencial para conservar os bens enumerados, se bem que estabeleça entre eles a devida subordinação, pois o bem da inteligência precede em dignidade ao da conservação da espécie, e este ao do indivíduo (Ibid). 

Que obrigações essenciais impõe a lei natural a respeito da conservação do indivíduo? 
A de alimentar-se e a de jamais atentar contra a própria vida. 

Quais são as que dizem respeito à conservação da espécie? 
Que haja quem aceite os pesados encargos e também as doçuras da paternidade e da maternidade e que jamais se execute ato algum contrário aos fins da procriação (Ibid). 

Que obrigações se impõem em relação ao bem da razão? 
Provado que o homem é feitura de Deus e é, além disso, ser inteligente e, como tal, destinado ã viver em sociedade, impõe as obrigações de honrar a Deus, como seu soberano, dono e Senhor, e tratar os semelhantes conforme o exija a natureza das relações que com eles mantêm (Ibid). 

E nestes três preceitos fundamentais, convenientemente subordinados, apoiam-se todos os demais preceitos da razão prática? 
Imediatamente ou mediatamente, sim, Senhor (Ibid). 

Os preceitos secundários derivados dos primeiros, por via de consequência mais ou menos afastada, são os mesmos para todos os homens? 
Não, Senhor; porque, à medida que as consequências vão perdendo o contato com os primeiros princípios referentes à conservação e fomento da inteligência, da espécie e do organismo individual, penetra-se nos domínios da lei positiva variável, visto que indefinidamente variáveis são as condições e meios em que os homens vivem (XCLV, 4). 

Quem deduz as ditas consequências e formula os preceitos secundários da lei natural? 
A razão de cada indivíduo da espécie humana, e a autoridade competente, diretora dos diversos agrupamentos chamados sociedades. 

XVIII 

A LEI HUMANA 

O que a lei natural não concretiza pode ser objeto de outra lei? 
Sim, Senhor. 

De qual? 
É o objeto próprio da lei humana (XCV-XCVII). 

Que entendeis por lei humana? 
Um preceito da razão, ordenado ao bem comum da sociedade em particular, emanado da autoridade competente e por ela promulgado (XCVI, 4). 

Têm os membros de cada sociedade a obrigação de acatar e obedecer as suas leis? 
Sim, Senhor (XCVI, 5). 

Este dever obriga em consciência e diante de Deus? 
Sim, Senhor (XCVI, 4). 

Há casos em que não estejam obrigados a obedecer? 
Sim, Senhor (Ibid). 

Quais são? 
Os casos de impossibilidade e dispensa (Ibid). 

Quem pode dispensar do cumprimento de uma lei? 
Seu autor, quem tenha igual ou superior autoridade que ele e as pessoas a quem se delegue este poder (XCVII, 4). 

Está o homem obrigado a obedecer às leis injustas? 
Diretamente, não senhor; mas pode estar indiretamente, se da não obediência se segue escândalo ou outros inconvenientes graves (XCVI, 4). 

Que entendeis por lei injusta? 
A que é dada por quem não tem autoridade; a que se opõe ao bem comum e a que lesa direitos legítimos dos membros da sociedade (Ibid). 

Está o homem obrigado a obedecer a uma lei que é injusta porque se opõe às prerrogativas de Deus e aos direitos essenciais da Igreja? 
Não, Senhor (Ibid). 

Que entendeis por prerrogativas de Deus e direitos essenciais da Igreja? 
Tudo o que se refere à honra e ao culto de Deus e à missão confiada à Igreja Católica, de santificar as almas por meio da pregação e ensino da verdade e da administração dos sacramentos. 

Logo, se uma lei humana se opõe a estes direitos, deve obedecer-se? 
De maneira nenhuma (Ibid).
Será neste caso verdadeira lei? 
Não, Senhor; será uma imposição odiosa e tirânica (XC, 1. ad 3). 

XIX 

DA LEI DIVINA - O DECÁLOGO 

Que entendeis por lei divina? 
A lei que Deus impôs aos homens quando se lhes deu a conhecer na ordem sobrenatural (XCI 4.5). 

Quando foi promulgada? 
Primeiramente no Paraíso, antes da queda de nossos primeiros pais; mais tarde, e também mais particularizada, por meio de Moisés e dos Profetas; ultimamente, e em toda a sua plenitude, por meio de Jesus Cristo e de seus Apóstolos (XCI, 5). 

Como se chama a lei divina dada por meio de Moisés? 
Chama-se a Antiga Lei (XCVIII, 6). 

E a lei dada por meio de Jesus Cristo e dos Apóstolos? 
Lei Nova (XCVI, 3, 4). 

Foi dada a lei antiga a todos os homens? 
Não, Senhor; só ao povo judeu (XCVIII, 4, 5). 

Por que o distinguiu Deus assim? 
Porque estava destinado para que dele saísse o Salvador do Mundo (Ibid). 

Que preceitos obrigavam só ao povo Judeu e caducaram com a Lei Antiga?
Os judiciais e os cerimoniais (XCIX, 3, 4).
Havia na Lei Antiga preceitos que mantêm sua força obrigatória na Nova Lei? 
Sim, Senhor. 

Quais são? 
Os preceitos morais (XCIX, 1, 2). 

Por que passaram para a Lei Nova os preceitos morais da antiga? 
Porque constituem a essência e o fundamento imutável das regras da moralidade que obrigam a todo homem, pelo mero fato de ser homem (C, 1). 

Logo, os preceitos morais foram e serão sempre os mesmos para todos os homens? 
Sim, Senhor (C, 8). 

Identificam-se, portanto, com a lei natural? 
Sim, Senhor (C, 1). 

Por que, pois, dizeis que fazem parte da lei divina? 
Primeiramente, porque Deus houve por bem promulgá-los, por si mesmo, de maneira solene, para evitar que a inteligência, em seus desvarios, os esquecessem ou os distorcessem e, além disso, porque guiam os homens para o fim sobrenatural a que estão destinados (C, 3). 

Que nome tem a coleção dos ditos preceitos? 
Conhece-se com o nome de Decálogo (C, 3, 4). 

Que significa Decálogo? 
É um termo grego que significa dez palavras ou enunciados, porque dez é o número dos mandamentos divinos. 

Quais são? 
Os seguintes: 1.° — Não terás outros deuses distintos de mim; 2.° — Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus; 3.° — Santificarás o dia do Senhor; 4.° — Honrarás a teu pai e a tua mãe; 5.° — Não matarás; 6.° — Não cometerás adultério; 7.° — Não furtarás; 8.° — Não dirás falso testemunho contra teu próximo; 9.° — Não desejarás a mulher de teu próximo; 10.° — Não cobiçarás as coisas alheias (C, 4,5,6). 

É suficiente a observância destes dez mandamentos para que o homem alcance a perfeição de todas as virtudes? 
É suficiente para o exercício das virtudes referentes aos deveres essenciais para com Deus e para com o próximo; mas para adquirir a perfeição de todas as virtudes, foi necessário que os explicassem e completassem, na antiga Lei, os ensinos dos Profetas e os mais amplos e acabados de Jesus Cristo e dos Apóstolos na Nova Lei (C, 3,11). 

Qual é o meio mais apropriado para bem entender os preceitos e as explicações, assim como a sua aplicação à vida moral? 
O de estudá-los em suas conexões com cada virtude em particular. 

Teremos ocasião de fazer este estudo? 
Sim, Senhor; porque o modo de ser de cada virtude manifesta a extensão e o alcance do respectivo preceito. 

Compreenderemos então a nobreza e a perfeição da Nova Lei? 
Sim, Senhor; porque a perfeição desta lei consiste na sua aptidão para levar-nos até ao heroísmo na prática das virtudes (C, 2; CVIII). 

O que tem de especial para conseguir tais resultados? 
O de ajuntar conselhos aos preceitos (CVIII, 4). 

Que entendeis por conselhos? 
Entendo certos convites que Jesus Cristo dirige aos homens de boa vontade, para que, por seu amor e com a esperança de alcançar maior recompensa no céu, se desprendam de certos bens que, apesar de serem lícitos e compatíveis com a salvação eterna, podem, todavia, ser obstáculos para adquirir a perfeição da virtude (CVIII. 4). 

Quantos são os conselhos evangélicos? 
Podem reduzir-se a três: pobreza, castidade e obediência (Ibid). 

Há algum estado em que eles são praticados com perfeição? 
Sim, Senhor; o estado religioso (Ibid).

XX 

DA GRAÇA OU PRINCÍPIO EXTERIOR QUE AUXILIA O HOMEM NA PRÁTICA DO BEM 

É suficiente a tutela da lei para se praticar a virtude e livrar-se do pecado? 
Não Senhor; necessita-se, além disso, o auxílio da graça (CIX - CXIV). 

Que entendeis por graça? 
Um auxílio especial que Deus concede ao homem para ajudá-lo a praticar o bem e fugir do mal. 

Necessita o homem deste auxílio em todas as ocasiões? 
Sim, Senhor. 

Logo, não pode, por suas próprias forças, fazer obras boas nem evitar mal algum? 
Sim, Senhor; pode, mercê de suas faculdades operativas e com os auxílios da ordem natural, exercitar atos de virtude e evitar pecados; porém, se Deus não vem em seu auxílio, remediando os estragos causados na natureza pelo pecado, não poderá praticar todas as virtudes nem evitar todos os pecados. Isto dizemos quando falando de virtudes e pecados na ordem natural, porque, se considerarmos a virtude sobrenatural e seu exercício como meio de se conquistar a glória, absolutamente nada pode fazer o homem sem o auxílio da graça (CIX). 

De quantas maneiras participa o homem, da graça sobrenatural? 
De duas: uma habitual e permanente, e outra em forma de moções sobrenaturais transitórias (CIX, 6). 

Que entendeis por estado habitual de graça? 
Um conjunto de qualidades que Deus produz e conserva na alma com o fim de divinizar sua essência e suas faculdades (CX, 1-4). 

Como se chama a qualidade permanente que diviniza a essência da alma? 
Chama-se graça habitual ou santificante (CX, 1,2,4). 

E as que divinizam as faculdades? 
Virtudes e dons (CX, 3). 

Logo, as virtudes e dons estão vinculados à graça santificante? 
Sim, Senhor; e dela se derivam de tal maneira que é impossível que exista graça na alma sem que os dons e as virtudes adornem suas faculdades. 

A graça, as virtudes e os dons são coisas de grande estima e valia? 
Sim, Senhor; porque conferem ao homem a dignidade de filho de Deus e lhe proporcionam meios para comportar-se como filho de tal Pai. 

A graça, juntamente com as virtudes e os dons, fazem do homem o ser mais perfeito da criação na ordem natural? 
Sim, Senhor; fazem-no superior aos anjos, atenta somente à sua natureza (CXIII, 9, ad 2). 

Haverá, por conseguinte, neste mundo, alguma coisa mais digna de ser ambicionada do que a graça divina? 
De maneira nenhuma pode haver objeto mais digno de desejar-se do que a posse, conservação e aumento da graça, das virtudes e dos dons. 

De que modo podemos alcançá-la, conservá-la e fazer nela progressos? 
Correspondendo fielmente às inspirações do Espírito Santo, que nos convida a preparar-nos para recebê-la, se ainda a não possuímos e a aumentá-la incessantemente, se já temos a dita de possuí-la (CXII, 3; CVIII 3, 5). 

Que nome tem a moção ou a inspiração do Espírito Santo? 
Chama-se graça atual (CIX, 6; CXII, 3). 

Logo é a graça atual a que nos proporciona os meios de dispor-nos para receber a Graça Santificante e para aumentá-la, uma vez adquirida? 
Sim, Senhor. 

Pode a graça atual produzir o seu efeito a contragosto nosso e sem nossa cooperação? 
Não, Senhor (CXIII, 3). 

Logo é necessário que nosso livre arbítrio coopere com a sua ação? 
Sim, Senhor. 

Como se chama esta cooperação? 
Correspondência à graça. 

Que qualidade adquire o ato do livre arbítrio que coopera com a graça atual, quando possuímos a Santificante? 
Adquire a qualidade de ato meritório (CXIV, 1, 2). 

Quantas classes há de méritos? 
Duas: uma chamada de condigno e outra de côngruo (Ibid). 

Que entendeis por mérito de condigno? 
O que dá direito estrito e de justiça à recompensa (Ibid). 

Que condições deve reunir o ato humano para ser meritório de condigno? 
Que se execute debaixo do influxo da graça atual; que proceda da graça santificante por meio da caridade; que se ordene para a consecução da própria felicidade eterna, ou para adquirir maior grau de graça e virtudes (CXIV, 2,4). 

Podemos merecer, de condigno para outro, a vida eterna, a graça Santificante ou seu aumento? 
Não, Senhor; pois só Jesus Cristo pode merecer de condigno para os demais, como chefe e cabeça da Igreja (CXIV, 5, 8). 

Que entendeis por mérito de côngruo? 
O mérito de côngruo fundamenta-se em que Deus, em atenção à intimidade que o une com os justos, recompensa de conformidade com as leis da amizade e não da Justiça, os empenhos de seus amigos por lhes agradar; fazendo-lhes mercê do que pedem e desejam (CXIV, 6). 

Logo, as únicas fontes de mérito, para o homem, reduzem-se à amizade com Deus e à vida da graça e à prática das virtudes sob a inspiração divina do Espírito Santo? 
Sim, Senhor; e quanto, em outras circunstâncias, trabalhe e se afadigue, é inútil, de nenhum proveito para merecer a recompensa eterna (Ibid). 

Podereis explicar-me, de forma concreta, como se fomenta e se desenvolve a vida da graça, visto que ela constitui o objeto principal de nossa passagem por este mundo? 
Sim, Senhor; tal estudo será a matéria tratada a seguir. 

SEGUNDA SEÇÃO 

Estudo concreto dos meios que o homem deve empregar para voltar para Deus


DOS ATOS BONS E MAUS EM PARTICULAR - VIRTUDES TEOLOGAIS 

Quais são as mais nobres entre as virtudes e aquelas cujos atos têm maior transcendência? 
As teologais.

Por que? 
Porque, por meio delas, o homem se encaminha para o fim sobrenatural, na medida que pode e deve procurar realizá-lo neste mundo. 

Logo, sem as virtudes teologais, não pode o homem executar atos meritórios de prêmio sobrenatural? Não, Senhor. 

Quais e quantas são elas? 
Três: Fé, Esperança e Caridade. 

II 

DA NATUREZA DA FÉ — FÓRMULA E QUALIDADES DE SEUS ATOS — O CREDO PECADOS OPOSTOS À FÉ: INFIDELIDADE, HERESIA, APOSTASIA E BLASFÊMIA 

Que coisa é a fé? 
Uma virtude sobrenatural, por cujo influxo o entendimento adere irrestritamente e sem temor de errar a Deus, como fim e objeto da eterna bem-aventurança, e às verdades por Ele reveladas, ainda que as não compreenda (I, II, IV)*.

Como pode o entendimento admitir de modo tão absoluto verdades que não compreende? 
Baseando-se na autoridade de Deus que nem pode enganar-se, nem enganar-nos (I, 1). 

Por que Deus não pode enganar-se nem enganar-nos? 
Porque é a verdade por essência (I, 1; IV, 8). 

Como podemos certificar-nos de quais sejam as verdades reveladas por Deus? 
Mediante o testemunho daqueles a quem as revelou ou daqueles a quem confiou o depósito da revelação (I, 6-10). 

A quem as revelou? 
Primeiramente a Adão, no Paraíso; mais tarde, aos Profetas do Antigo Testamento; por último, aos Apóstolos no tempo de Jesus Cristo (I, 7). 

Como o sabemos? 
Pelas asserções bem comprovadas da história a que se referem o fato da revelação sobrenatural e os milagres realizados por Deus, em testemunho de sua autenticidade. 

É o milagre prova concludente da intervenção sobrenatural divina? 
Sim, Senhor; visto que é ato próprio de Deus e nenhuma criatura pode realizá-lo com seus próprios meios. 

Onde se acha escrita a história da revelação e de outras ações sobrenaturais de Deus? 
Na Sagrada Escritura, chamada também a Bíblia. 

Que entendeis por Sagrada Escritura? 
Uma coleção de livros divididos em dois Grupos, chamados Antigo e Novo Testamento. 

São talvez estes livros resumo e síntese de outros livros? 
Não, Senhor; porque os demais livros foram escritos pelos homens, e estes pelo próprio Deus. 

Que quer dizer 'que foram escritos pelo próprio Deus'? 
Que Deus é seu autor principal e que, para escrevê-los, utilizou, à maneira de instrumentos, alguns homens por Ele escolhidos. 

Logo, é divino o conteúdo dos livros sagrados? 
Atendendo ao primeiro autógrafo original dos Escritores Sagrados, sim, Senhor; as cópias o são na medida em que se conformem com o original.  

Logo, a leitura destes livros equivale a ouvir a palavra divina? 
Sim, Senhor. 

Podemos equivocar e torcer o sentido da divina palavra? 
Sim, Senhor; porque, se bem que na Sagrada Escritura há passagens claríssimas, também abundam as difíceis e obscuras. 

Donde provém a dificuldade de entender a palavra divina? 
Em primeiro lugar, dos mistérios que encerra, visto que não raro enuncia verdades superiores ao alcance das inteligências criadas, e que somente Deus pode compreender; provém além disso da dificuldade que existe em interpretar livros antiquíssimos, escritos primeiramente para povos que tinham idioma e costumes muito diferentes dos nossos; finalmente, dos equívocos que tenham podido escapar tanto nas cópias como nos originais, como nas traduções feitas por elas e em suas cópias. 

Há alguém que esteja seguro de não se equivocar ao interpretar o sentido da palavra de Deus consignada na Bíblia Sagrada? 
Sim, Senhor; o Pontífice Romano e com ele a Igreja Católica, no magistério universal (I, 10). 

Por que? 
Porque Deus quis que fossem infalíveis. 

E por que o quis? 
Porque, se o não fossem, careceriam os homens de meios seguros para alcançar o fim sobrenatural para que estão chamados (Ibid). 

Por conseguinte, que entendemos quando se diz que o Papa e a Igreja são infalíveis em matéria de fé e costumes? 
Que quando enunciam e interpretam a palavra divina, não podem enganar-se nem enganarnos no referente ao que estamos obrigados a crer e a praticar para conseguirmos a bem aventurança eterna. 

Existe algum compêndio das verdades essenciais da fé? 
Sim, Senhor; o Credo ou Símbolo dos Apóstolos (1,6). Ei-lo aqui conforme o reza diariamente a Igreja: 'Creio em Deus Pai Todo Poderoso, Criador do Céu e da terra; e em Jesus Cristo seu único Filho, Nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito Santo; nasceu de Maria Virgem; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu aos infernos; ao terceiro dia ressuscitou de entre os mortos; subiu aos céus e está sentado à mão direita de Deus Pai, Todo Poderoso; donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na Comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém'. 

É a recitação do Credo ou Símbolo dos Apóstolos o ato de fé por excelência? 
Sim, Senhor; e nunca devemos cessar de recomendar aos fiéis a sua prática diária. 

Podereis indicar-me alguma outra fórmula breve, exata e suficiente para praticar a virtude da fé sobrenatural? 
Sim, Senhor; eis aqui uma, em forma de súplica: 'Deus e Senhor meu; confiado em vossa divina palavra, creio tudo o que haveis revelado para que os homens, conhecendo-Vos, Vos glorifiquem na terra e gozem um dia de vossa presença no céu'. 

Quem pode fazer atos de fé? 
Somente os que possuem a correspondente virtude sobrenatural (IV, V). 

Logo, não podem fazê-los os infiéis? 
Não, Senhor; porque não creem na Revelação, ou seja porque, ignorando-a, não se entregam confiadamente nas mãos de Deus, nem se submetem ao que deles exige ou porque, conhecendo-a, recusam prestar-lhe assentimento (X). 

Podem fazê-los os ímpios? 
Tampouco, porque, se bem que têm por certas as verdades reveladas, fundadas na absoluta veracidade divina, a sua fé não é efeito de acatamento e submissão a Deus, a quem detestam, ainda que com pesar próprio se vejam obrigados a confessá-lo (V, 2 ad 2). 

É possível que haja homens sem fé sobrenatural e que creiam desta forma? 
Sim, Senhor; e nisto imitam a fé dos demônios (V, 2). 

Podem crer os hereges com fé sobrenatural? 
Não, Senhor; porque, embora admitam algumas verdades reveladas, não fundam o assentimento na autoridade divina, senão no próprio juízo (V, 3). 

Logo, os hereges estão mais afastados da verdadeira fé que os ímpios e até dos próprios demônios? Sim, Senhor; porque não se apoiam na autoridade de Deus. 

Podem crer com fé sobrenatural os apóstatas? 
Não, Senhor; porque desprezam o que haviam crido por virtude da palavra divina (XII). 

Podem crer os pecadores com fé sobrenatural? 
Podem, contanto que conservem a fé como virtude sobrenatural; e podem tê-la, se bem que em estado imperfeito, ainda quando, por efeito do pecado mortal, estejam privados da caridade (IV, 1-4). 

Logo, nem todos os pecados mortais destroem a fé? 
Não, Senhor (X, 1, 4). 

Em que consiste o pecado contra a fé chamado infidelidade? 
Em recusar submeter o entendimento, por veneração e amor de Deus, às verdades sobrenaturalmente reveladas (X, 1-3). 

E, sempre que isto sucede, é por culpa do homem? 
Sim, Senhor; porque resiste à graça atual com que Deus o convida e impele a submeter-se (VI, 1, 2). 

Concede Deus esta graça atual a todos os homens? 
Com maior ou menor intensidade e em medida prefixada nos decretos de sua providência, sim, Senhor. 

É grande e muito estimável a mercê que Deus nos faz ao infundir-nos a virtude da fé? 
É em certo modo a maior de todas. 

Por que? 
Porque, sem a fé sobrenatural nada podemos intentar em ordem à nossa salvação, e estamos perpetuamente excluídos da glória, se Deus não se digna a nos concedê-la antes da morte (II, 5-8, IV, 7). 

Logo, quando se tem a dita de possuí-la, que pecado será, frequentar companhias, manter conversações ou dedicar-se a leituras capazes de fazê-la perder? 
Pecado gravíssimo, fazendo-o espontânea e conscientemente, e de qualquer modo ato reprovável, que sempre o é, expor-se a semelhante perigo. 

Logo, importa sobremaneira escolher com acerto as nossas amizades e leituras para encontrar nelas, não obstáculos mas estímulos para arraigar a fé? 
Sim, Senhor; e especialmente nesta época, em que o descontrole de expressão, chamado liberdade de imprensa, oferece tantas ocasiões e meios de perdê-la. 

Existe algum outro pecado contra a fé? 
Sim, Senhor; o pecado da blasfêmia (XIII). 

Por que a blasfêmia é pecado contra a fé? 
Por ser diretamente oposta ao ato exterior da fé que consiste em confessá-la por palavras, e a blasfêmia consiste em proferir palavras injuriosas contra Deus e seus Santos (XIII, 1). 

É sempre pecado grave a blasfêmia? 
Sim, Senhor (XIII, 2-3). 

O costume de proferi-las escusa ou atenua a sua gravidade? 
Em vez de atenuá-la, agrava-a, pois o costume demonstra que se deixou arraigar pelo mal, em lugar de dar-lhe remédio (XIII, 2 ad 3). 

III 

DOS DONS DO ESPÍRITO SANTO CORRESPONDENTES À FÉ: DOM DE ENTENDIMENTO E DOM DE CIÊNCIA - VÍCIOS OPOSTOS: CEGUEIRA DO ESPÍRITO E INSENSIBILIDAD

É suficiente a virtude da fé para conhecer as verdades sobrenaturais na medida com que podemos conhecê-las neste mundo? 
Com a cooperação de alguns dons do Espírito Santo, sim, Senhor (VIII, 2)*. 

Quais são os dons do Espírito Santo destinados a cooperar com a fé? 
Os de entendimento e ciência (VIII, IX). 

De que maneira auxilia o dom do entendimento a virtude da fé, para conhecer as verdades reveladas?
Se se trata de verdades que não excedem a capacidade de nosso entendimento, fazendo que este, debaixo do influxo direto do Espírito Santo, penetre no sentido íntimo e mais recôndito dos enunciados divinos e das proposições que com eles guardam relação; e quando se trate de mistérios, fazendo-lhe ver que não se lhes opõe nenhuma outra verdade conhecida, apesar dos problemas e dificuldades que os mistérios apresentam (Ibid). 

Logo, o dom do entendimento é o dom de iluminação por excelência? 
Sim, Senhor, e quanto de claridade e puros gozos intelectuais da ordem sobrenatural há em nós, o devemos ao dom de entendimento, o qual faz frutificar na alma os germes da verdade infinita, objeto próprio e direto da virtude da fé. 

Influi também o dom do entendimento na prática das virtudes? 
Sim, Senhor; visto como tem por objeto por em relevo os bens sobrenaturais anunciados e prometidos na Revelação, com o intuito de que a vontade, divinizada pelo amor de caridade, as busque como meio de alcançar a eterna bem-aventurança (VIII, 3, 4, 5). 

Podereis dizer-me em que se distinguem a fé e outros dons do Espírito Santo, tais como os de sabedoria, ciência e conselho, do dom do entendimento, suposto que a fé e os outros dons aperfeiçoam a mesma inteligência? 
Sim, Senhor; a fé tem por objeto propor-nos três classes de verdades reveladas: umas referentes a Deus na ordem sobrenatural, outras às criaturas, e outras à direção e governo dos atos humanos. Pode o homem prestar-lhes assentimento, mediante a fé; porém, não pode compreendê-las, nem penetrar o seu sentido íntimo, de modo que lhe sirvam de base para formular juízo fundado e seguro. Manifestar o sentido íntimo, próprio e exclusivo das verdades reveladas é objeto do dom do entendimento; formar juízo reto e seguro, nas referentes a Deus, é o objeto próprio do dom da sabedoria; nas concernentes às criaturas é objeto do dom de ciência e no que diz respeito aos atos humanos é objeto do dom de conselho (VIII, 6). 

Tomando em conta estas doutrinas, podeis explicar-me o objeto e alcance do dom de ciência? 
É o dom da ciência uma virtude por mercê da qual, o cristão, no estado de graça e diretamente movido pelo Espírito Santo, conhece e distingue imediatamente, sem discurso, nem raciocínio, de modo direto, poderemos dizer, intuitivo, o que é objeto da fé, regra de bem proceder e ato virtuoso, daquilo que não é objeto de fé, e a maneira como havemos de servir-nos das criaturas para nos acercarmos da Verdade Suprema, objeto da fé e último fim de nossas ações (IX, 1, 3). 

Tem este dom importância especial em nossos dias? 
Sim, Senhor; porque é o remédio por excelência para uma das maiores pragas que afligem o gênero humano desde a época da Renascença. 

A que praga vos referis? 
A uma que prevaleceu até nos povos, em outro tempo, profundamente cristãos, o reinado da falsa ciência que, esquecida de como as criaturas devem servir de meios para nos acercarmos do Criador, na ordem especulativa converteu o estudo em arma para combater a fé e, na prática, renovou os costumes corrompidos dos antigos pagãos, tanto mais perniciosos, quanto sucediam a uma esplêndida floração das virtudes sobrenaturais praticadas pelos Santos. 

É esta uma das principais causas dos males que afligem a sociedade moderna? 
Sim, Senhor. 

Onde, pois, acharemos um poderoso remédio contra os males desta sociedade ímpia e afastada de Deus? 
Na virtude da fé, e em seus inseparáveis aliados, quando o homem está em graça, os dons de entendimento e ciência. 

Quais são os vícios opostos a estes dons? 
Ao dom da ciência, se opõe a ignorância; ao do entendimento, a cegueira do espírito e a insensibilidade ou embrutecimento dos sentidos. 

Donde provêm estes vícios, especialmente estes dois últimos? 
Particularmente dos pecados carnais que asfixiam a alma (XV, 3) 

IV 

PRECEITOS CONCERNENTES À FÉ - O ENSINO CATEQUÉTICO E A SUMA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO 

Existem na lei divina preceitos concernentes à fé? 
Sim, Senhor; e particularmente na lei nova.

Por que não se exigiu do povo Judeu conhecimento e fé explícita dos mistérios em concreto, ou pelo menos dos principais, o da Trindade e o da Encarnação, como se exige, hoje de todos os homens? Porque o mistério da Encarnação não existia no Antigo Testamento senão em sua figura e promessa, e estava reservada a Jesus Cristo a missão de revelá-lo conjuntamente com o da Santíssima Trindade.

Por conseguinte, que coisas estavam obrigados a crer os fiéis da antiga lei? 
Explicitamente, nada em particular, nem em concreto dos dois grandes mistérios; implicitamente, tudo, já que acreditavam na inefável grandeza de Deus e confiavam nas suas divinas promessas (XVI, 1). 

Era isto suficiente para que seus atos de fé fossem atos de virtude sobrenatural? 
Sim, Senhor. 

É nossa fé mais completa e perfeita que a dos Judeus?
Sim, Senhor. 

Em que consiste esta superioridade? 
Em que a eles apenas foi dado entrever de uma maneira vaga e simbólica os mistérios sobrenaturais da glória, que a nós, ainda que velados e entre sombras, expressamente se nos declaram. 

Estamos obrigados a meditar neles com frequência e a exercitar-nos em penetrar o mais recôndito do seu sentido, mediante os dons do Espírito Santo? 
Sim, Senhor; e com o fim de facilitar-nos o cumprimento desta obrigação, emprega a Igreja todo o zelo e diligência em ensinar aos fiéis as verdades da fé. 

Que método emprega ordinariamente a Igreja? 
O de ensinar o catecismo. 

Logo, têm obrigação todos os fiéis de aprender o catecismo na medida que lho permitam as suas faculdades? 
Sim, Senhor. 

Tem o Catecismo importância e autoridade especiais? 
Sim Senhor; porque é uma iniciação no estudo e conhecimento das mais sublimes e deslumbradoras verdades da ordem sobrenatural. 

Quem exerce o magistério catequético? 
A Igreja, por intermédio dos seus maiores gênios e doutores. 

Podemos dizer que o ensino do catecismo é fruto dos dons do Espírito Santo, na Igreja de Deus? 
Sim, Senhor; porque no fundo se reduz a propor aos fiéis, com maior ou menor extensão, o mais apreciado e maravilhoso fruto dos dons do Espírito Santo, a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. 

Tem a Suma Teológica grande e especialíssima autoridade na Igreja de Cristo? 
Sim, Senhor; a Igreja impõe a todos os que ensinam em seu nome a obrigação de inspirar-se nela e ensinar as suas doutrinas (Código de Direito Canônico, 589, 1366). 

É, por conseguinte, digno do maior encômio, o labor dos que a este ensino se dedicam? 
Sim, Senhor; porque é o meio mais seguro para que ninguém se desvie do que ensina a fé e do que exige a razão.


DA VIRTUDE DA ESPERANÇA — VÍCIOS OPOSTOS: PRESUNÇÃO E DESESPERAÇÃO — FÓRMULA DO ATO DE ESPERANÇA — QUEM ESTÁ OBRIGADO A FAZÊ-LO 

Qual é a segunda Virtude Teologal? 
A virtude da Esperança. 

Que entendeis por virtude da Esperança? 
A virtude teologal cujo efeito é mover a vontade para que, com o auxílio divino, se dirija e encaminhe para Deus, como objeto de nossa eterna felicidade, segundo no-lo mostra a fé (XVII, 1, 2)*. 

É possível ter esperança sem fé? 
Absolutamente impossível (XVII, 7). 

Por que? 
Porque é a fé quem propõe à esperança o seu objeto e os motivos em que há de apoiar-se (Ibid). 

Qual é o objeto da Esperança? 
Antes de tudo, Deus em si mesmo, como termo e objeto de sua própria felicidade, e enquanto, por um rasgo de infinita benevolência, quis ser também o objeto de nossa dita no céu (XVII, 1, 2). 

Há alguma outra coisa que possa ser objeto da Esperança? 
Sim Senhor; qualquer bem real, subordinado à consecução do objeto primário (XVII. 2 ad 2). 

Qual é o motivo ou razão em que se apóia a Esperança? 
Deus mesmo, considerado como auxiliar de nossa fraqueza, na conquista da felicidade (Ibid). 

Logo, o motivo da Esperança implica e supõe necessariamente ações virtuosas meritórias e conducentes à posse de Deus na ordem sobrenatural? 
Sim, Senhor. 

Logo, pecará contra a esperança o que confia salvar-se, sem contrair o hábito de praticar a virtude? Sim, Senhor. 

Como se chama este pecado? 
Pecado de presunção (XX-I). 

É o único pecado que pode o homem cometer contra a virtude da esperança? 
Não, Senhor: pode cometer outro chamado desesperação (XX). 

Em que consiste? 
É o pecado daqueles que, tomando em conta ou a grandeza e excelência infinitas de Deus, ou as dificuldades com que tropeçam no exercício das virtudes sobrenaturais, fazem a Deus a injúria de supor que jamais chegarão a possuí-lo ou a praticar a virtude como convém; em consequência, renunciam à felicidade e abstêm-se de invocar a Deus e chamá-lo em seu auxílio, ainda que bem o possam fazer (XX 1, 2). 

Reveste especial gravidade o pecado de desesperação? 
Sim, Senhor; porque inutiliza todo o movimento na ordem sobrenatural, e faz que o pecador pronuncie, em certo modo, contra si mesmo, a sentença de eterna condenação (XX, 3). 

Logo, o homem jamais deve desesperar por grandes que sejam as suas misérias e enormes as suas culpas e pecados? 
Não, Senhor; porque superior a tudo isso, é a onipotência e misericórdia divinas. 

Que deve, pois, fazer quando se sente acabrunhado sob o peso de suas culpas? 
Corresponder à graça que naquele momento o convida a voltar-se para Deus, com firme esperança de que lhe perdoará e dará forças para sair do seu mau estado e levar depois vida digna de recompensa eterna. 

Podereis ensinar-me alguma fórmula para praticar o ato da Virtude Teologal chamada Esperança? Eis aqui uma: 'Deus meu, com grande confiança, espero de vossa misericórdia e poder infinitos que me dareis graça para levar uma vida digna do prêmio destinado aos justos, e que, no fim da vida, se vossa graça não me deixar cair na desesperação, me admitireis a participar da vossa própria e eterna bem-aventurança'. 

Poderia abreviar-se esta fórmula? 
Sim, Senhor; pode reduzir-se ao seguinte: 'Deus meu, santa e firmemente espero em Vós'.

Quem pode exercitar-se em atos de esperança? 
Todos os fiéis, enquanto vivem neste mundo. 

Conservam os Santos no céu a virtude da esperança? 
Não, Senhor; porque a esperança supõe ausência, e eles já entraram na posse de Deus (XVIII, 2). 

Têm esperança os condenados no inferno? 
Também não, porque jamais poderão gozar de Deus, objeto da esperança (Ibid). 

Conservam a esperança as almas no Purgatório? 
Conservam-na, como virtude, porém os seus atos não são inteiramente iguais aos desta vida, porque, se bem que não possuem e esperam a bem-aventurança, não contam com o auxílio divino para alcançá-la, pois, nem a podem merecer, nem abrigam o temor de perdê-la, visto que não podem pecar (XVIII, 3).

VI 

DO DOM DO TEMOR CORRESPONDENTE À VIRTUDE DA ESPERANÇA 
TEMOR SERVIL — TEMOR FILIAL 

Qual é o efeito que produz a esperança nos fiéis enquanto vivem neste mundo? 
O de fortalecer a vontade contra o excessivo temor de não alcançar a glória (XVIII, 4). 

Existe alguma espécie de temor essencialmente bom e enlaçado com a virtude da esperança? 
Sim, Senhor. 

Qual é? 
O temor de Deus, chamado temor filial (XIX, 1, 2). 

Que entendeis por temor filial? 
O que nos obriga a venerar a Deus em atenção à sua excelência e infinita majestade, e a considerar como a maior das desgraças a de ofendê-Lo, ou expor-nos a perdê-lo por toda a eternidade (XIX, 2). 

Existe algum temor de Deus, distinto do filial? 
Sim, Senhor; o conhecido com o nome de temor servil. 

Que coisa se designa com as palavras 'temor servil'? 
Certo sentimento ínfimo, próprio dos escravos, que temem o amo porque ameaça com castigos (Ibid). 

O temor das penas com que Deus ameaça o pecador é sempre temor servil? 
Sim, Senhor; porém, nem sempre é defeituoso ou envolve pecado (Ibid). 

Quando será pecaminoso? 
Quando se considera o castigo ou perda de qualquer bem criado como mal supremo (XIX, 4). 

Logo. se alguém temesse o castigo, não como objeto principal do temor, mas enquanto leva consigo a perda de Deus, a quem ama sobre, todas as coisas, experimentaria temor servil pecaminoso? 
Não, Senhor; seu temor seria bom, ainda que de ordem muito inferior ao temor filial (XIX. 4, 6). 

Por que seria inferior? 
Porque o que tem amor filial jamais se preocupa com a perda dos bens criados, contanto que consiga a posse de Deus, Bem Incriado (XIX, 4, 5). 

Qual é, por conseguinte, o motivo do temor filial? 
Unicamente o pesar e o sentimento de perder o bem infinito, ou de expor-se a perdê-lo (XIX, 2). 

Tem alguma conexão o temor filial com o dom do Espírito Santo chamado dom de temor? 
Tem-na e muito estreita (XIX, 9). 

Logo, o dom do Espírito Santo chamado temor anda unido de uma maneira especial à virtude da Esperança? 
Sim, Senhor. 

Em que consiste o dom de temor? 
Em que, por sua virtude, o homem se mantém sujeito a Deus, e, em vez de resistir aos movimentos da graça, segue com docilidade seus impulsos. 

Em que se diferenciam o dom de temor e a virtude da Esperança? 
Em que a Esperança olha diretamente ao bem infinito alcançável com o favor divino, e o dom de temor considera a irreparável desdita de perder a Deus, fazendo-se, pelo pecado, indigno dos auxílios sobrenaturais (XIX, 9 ad 2). 

É mais nobre a virtude da esperança que o dom de temor? 
Sim, porque as virtudes teologais são superiores aos dons, e também porque a esperança nos move e impele para Deus em qualidade de bem supremo, e o temor se estaciona na consideração do mal que resultaria em perdê-lo. 

É o dom de temor inseparável da caridade? 
Sim, Senhor; porque dela depende, como o efeito da sua causa (XIX, 10). 

Pode a caridade coexistir com o temor servil no caso deste não ser pecaminoso? 
Sim Senhor; e quando isto sucede, recebe o nome de temor inicial; porém à medida que toma incremento a caridade, evoluciona o temor até adquirir todos os caracteres do filial, o único saturado de amor de Deus, como objeto e termo de uma felicidade cuja perda seria o maior, ou para melhor dizer, o único mal (XIX, 8). 

Permanece o dom do temor no céu? 
Sim, Senhor; porém, em estado perfeito e com atos algo distintos dos deste mundo (XIX, 11). 

Em que consistem esses atos? 
Numa espécie de aniquilamento, produzido, não pelo temor de perder a Deus, mas pela admiração de sua soberana grandeza e estremecedora majestade, comparada com a própria pequenez, pois o bem-aventurado tem sempre a mais íntima convicção de que sua felicidade só depende de Deus (Ibid).

VII 

DOS PRECEITOS RELATIVOS À ESPERANÇA 

Existe na lei divina algum preceito relativo à virtude da Esperança ou ao dom de temor? 
Sim, ainda que, como os relativos à fé, têm em seus princípios um caráter especial que os distingue dos propriamente chamados mandamentos da lei de Deus (XXII, 1,2)*. 

Que caráter ou forma têm os preceitos da fé e esperança considerados como preâmbulo da lei? 
Que não se deram com caráter de preceitos; os da fé deram-se em forma de enunciados, e os de esperança e temor em forma de promessas e ameaças (Ibid).

Por que se deram desse modo? 
Porque eram destinados a preparar convenientemente os homens para receber com fruto os mandamentos (Ibid). 

Por que razão? 
Porque, antes de promulgar a lei, era necessário, primeiramente, que o homem reconhecesse e acatasse o seu Autor, e que, depois, se lhe propusesse o quadro de recompensas e castigos como incentivo para observá-la; o primeiro se conseguiu mediante os preceitos relativos à fé, o segundo mediante os relativos à esperança e ao temor (Ibid). 

Quais são os que propriamente constituem a substância da lei? 
Suposta a preparação de que falamos, os que dão regras para ordenar e governar a vida, especialmente no que se refere à virtude da Justiça. 

Logo, são os mesmos que formam o Decálogo? 
Sim, Senhor. 

Fazem parte do Decálogo os preceitos relativos à fé e à esperança? 
Propriamente não, Senhor; pois o seu objeto primitivo foi o de preparar os homens para o advento e promulgação do Decálogo, se bem que, mais tarde, quando Jesus Cristo e os Apóstolos explicaram e ampliaram a lei, tomaram, às vezes, a forma de conselho e, não raro, de preceitos formais complementares (XXII, 1 ad 2). 

Existe, portanto, coisa mais necessária, ou rigorosamente preceituada, do que a submissão absoluta do espírito a Deus por meio da fé, e o ato de esperança, baseado nos auxílios divinos? 
Não, Senhor. 

Há alguma virtude especial cuja missão seja converter a vida da alma em vida sobrenatural, e merecedora do mesmo Deus, como prêmio? 
Sim, Senhor, a virtude da Caridade. 

VIII 

NATUREZA DA CARIDADE — ATO PRINCIPAL DA CARIDADE E SUA FÓRMULA 

Que coisa é a Caridade? 
Uma virtude que nos proporciona comunicação e amizade íntima com Deus, fundada na participação do mesmo Deus como objeto que é da sua bem-aventurança e da nossa (XXIII, 1). 

Que pressupõe a amizade íntima com Deus? 
Primeiramente, requer em nós uma participação da natureza de Deus, capaz de deificar a nossa, de elevar-nos acima de tudo o que é criado, seja homem ou anjo, até equiparar-nos em nobreza com Deus, de fazer-nos seus filhos, verdadeiros Deuses; em segundo lugar, requer faculdades operativas proporcionadas à dignidade de Deuses e filhos de Deus, para conhecê-Lo como Ele se conhece, amá-Lo como Ele se ama, e, como Ele, gozar da sua própria bem-aventurança (XXIII, 2).

Acompanham a caridade, necessariamente, estes dois grupos de bens? 
Sim, Senhor; já que a caridade não é mais que seu complemento. 

Logo, todo aquele que possui a caridade, necessariamente tem graça santificante, virtudes e dons? Sim, Senhor (XXIII, 7). 

É a caridade a rainha das virtudes? 
Sim, Senhor (XXIII, 6). 

Por que? 
Porque, só sob seu império, executam as virtudes atos meritórios de vida eterna (Ibid). 

De que maneira nos une a Caridade com Deus? 
Por meio do amor (XXVII). 

Em que consiste o ato de amor, mediante o qual a Caridade nos une com Deus? 
Consiste em amá-Lo por ser quem é, Bem Infinito, e em querer unir-se a Ele para participar da sua eterna felicidade (XXV, XXVII). 

Em que se diferenciam estes dois amores? 
Em que o primeiro é um amor de complacência em Deus por ser o que é em si mesmo, e o segundo se compraz em que o acúmulo de perfeições divinas esteja destinado a fazer o homem feliz. 

Podem separar-se estes dois amores na virtude da caridade? 
Não, Senhor. 

Por que? 
Porque, se Deus não fosse o objeto da nossa bem-aventurança, não haveria motivo suficiente para amá-Lo, e se não estivessem Nele a fonte e primeira origem de toda felicidade com que nos brinda, não O amaríamos como O amamos (XXV, 4). 

É cada um destes amores um ato de amor puro e perfeito? 
Sim, Senhor. 

É cada um ato de caridade? 
Sim, Senhor. 

Há alguma subordinação entre eles, e em caso afirmativo, qual obtém a preferência? 
Guardam subordinação entre si, e ocupa o primeiro lugar o ato de complacência em Deus, por ser Bem Infinito. 

Por que ocupa o primeiro lugar? 
Porque Deus é maior e mais excelso em si mesmo, do que enquanto se comunica à alma no céu. Não quer isto dizer que Deus, objeto da bem-aventurança, seja distinto de Deus em si mesmo, mas que as suas perfeições estão Nele de modo infinito e à alma se comunicam de modo finito e limitado. 

Estende-se este amor a algum outro ser, fora de Deus?
Sim, Senhor; a todos os que O gozam, ou se acham em estado de O gozar algum dia (XXV, 6,10).

Quem são os que já gozam de Deus? 
Os anjos e os justos que estão no céu. 

Quem são os que se acham em estado de possuí-Lo? 
As almas do Purgatório e quantos homens vivem na terra. 

Logo, devemos amar a todos os homens com amor de caridade? 
Sim, Senhor. 

Estamos obrigados a guardar alguma ordem e preferência no amor de caridade que devemos a Deus, ao próximo e a nós mesmos? 
Sim, Senhor. Depois de Deus, primeiramente devemos amar-nos a nós mesmos; depois aos outros e entre eles, com preferência, aos que estão mais próximos de Deus na ordem sobrenatural, e aos que estão mais ligados a nós ou com laços de sangue ou com os da amizade, comunidade de vida, etc. (XXVI). 

Qual é o sentido das palavras: 'depois de Deus, primeira e principalmente devemos amar-nos a nós mesmos?' 
Quer dizer que, depois de Deus, a quem amamos como fonte do bem para onde se encaminha a caridade, devemos querer possuí-Lo, com preferência a todos os homens. 

Logo, em virtude da caridade, somente devemos querer a posse de Deus, o mesmo para nós que para os nossos próximos? 
Podemos e devemos querer também tudo o que se ordene para consegui-la. 

Há alguma coisa expressamente destinada para alcançá-la? 
Sim, Senhor; os atos das virtudes sobrenaturais (XXV, 2). 

Logo, depois da posse de Deus, e como meio para consegui-la, devemos querer a prática das virtudes sobrenaturais? 
Sim, Senhor. 

Podemos, em virtude da caridade, querer bens temporais para nós e para o nosso próximo? 
Podemos, e, em determinadas ocasiões, devemos querê-los. 

Quando devemos querê-los? 
Quando sejam indispensáveis para viver e para praticar a virtude. 

Quando podemos? 
Quando, sem serem indispensáveis, são úteis e convenientes. 

Se fossem obstáculo para o exercício das virtudes, poderíamos desejá-los sem faltar à caridade? 
Não, Senhor. 

Poderíeis ensinar-me uma fórmula breve e exata para exercitar-me na virtude da caridade? 
Eis aqui uma: 'Deus e Senhor meu; amo-vos sobre todas as coisas; não quero outra recompensa mais do que a Vós mesmo, e amo-a, primeiramente, porque vós com ela sois ditoso, e depois por ser a bem-aventurança de todos os que vos possuem e dos chamados a possuir-vos algum dia'.

IX 

DOS EFEITOS DA CARIDADE - ALEGRIA OU GOZO, PAZ, MISERICÓRDIA, BENEFICÊNCIA, ESMOLA E CORREÇÃO FRATERNA 

Que efeitos produz na alma o exercício da virtude da Caridade? 
Primeiramente gozo ou alegria (XXVIII, 1)*. 

O gozo, efeito da Caridade, anda misturado com alguma tristeza? 
Quando é gozo de complacência em Deus como Bem Infinito, não, Senhor; mas afirmativamente, quando nos alegramos em Deus, termo de nossa bem-aventurança futura e não possuída, como sucede às almas do Purgatório e a quantos vivem na terra (XXVIII, 2). 

Por que anda neste caso acompanhado de tristeza? 
Porque há ou pode haver algum obstáculo físico ou moral que se oponha à união íntima com Ele. 

E, em tal caso, predomina a alegria ou a tristeza? 
Predomina a alegria que tem por objeto e causa principal a felicidade e o gozo eterno, pacífico, seguro, que, na contemplação de sua essência, desfruta o divino Amigo (Ibid). 

Produz algum outro efeito o ato principal da Caridade? 
Sim, Senhor; produz a paz (XXIX, 3). 

Em que consiste? 
Na tranquilidade que desfruta o espírito quando todos os nossos pensamentos e afetos, e os de todas as criaturas intelectuais, se orientam e dirigem a Deus, fim supremo da felicidade (XXIX,1). 

Produz a caridade algum outro fruto ou ato secundário? 
Sim, Senhor; o ato de misericórdia (XXX). 

Que entendeis por misericórdia? 
Uma virtude especial, fruto da Caridade, ainda que distinta dela, que inclina o ânimo a compadecer-se das misérias e desgraças do próximo, considerando-as, de algum modo, como próprias, visto que afligem ao nosso irmão, e tendo em conta que podemos ver-nos em idênticas condições (XXX, 1-3). 

Possui nobreza especial a virtude da Misericórdia? 
É por excelência a virtude de Deus, não porque Ele seja capaz de sentimentos afetivos de dor ou tristeza, mas pelos benefícios que concede por impulsos do seu amor (XXX, 4). 

É entre os homens a virtude própria dos perfeitos?
Sim, Senhor; pois quanto mais um ser se aproxima de Deus, tanto mais compassivo e inclinado está para remediar desgraças e misérias, por todos os meios espirituais e temporais ao seu alcance (Ibid). 

É de grande proveito a prática desta virtude para restabelecer e garantir a paz social? 
Sim, Senhor. 

Há algum ato exterior que seja efeito da virtude da caridade? 
Há vários, e o primeiro é a beneficência (XXXI, 1). 

Em que consiste a beneficência? 
Como o seu próprio nome indica, consiste em fazer algum bem a outrem (Ibid). 

É sempre ato da virtude da caridade? 
Sempre, sim, Senhor (Ibid). 

Pode ser ato de virtudes distintas da caridade, ainda que dela dependentes? 
Pode e efetivamente o é, quando à razão geral do bem que se faz ao próximo, se ajunta a de ser necessário, devido, ou outras razões especiais (Ibid). 

Que virtude intervém na beneficência, quando é obrigatória? 
A virtude da Justiça (XXX, 1, ad 3). 

E quando, sem o ser, se acha o próximo em necessidade? 
A virtude da misericórdia (Ibid). 

Como se chama o ato de caridade que consiste em beneficiar ao próximo, mediante a virtude da misericórdia? 
Chama-se esmola (XXXII, 1). 

Quantas classes há de esmola? 
Duas: espiritual e corporal (XXXII, 2). 

Quais são as esmolas corporais? 
São as seguintes: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, visitar os enfermos, remir os cativos e sepultar os mortos (Ibid). 

Quais são as espirituais? 
Rogar a Deus por vivos e defuntos, ensinar os ignorantes, dar bom conselho a quem o for mister, consolar os tristes, castigar os que erram e perdoar as injúrias (Ibid). 

Deus dá grande importância à esmola? 
Dá-lhe tanta que, segundo o Evangelho, ela servirá de critério no dia de Juízo para fundamentar a sentença de prêmio ou condenação eterna. 

Quando teremos obrigação grave e estrita de dar esmola? 
Quando o próximo se ache em necessidade espiritual ou corporal grave e não haja quem o socorra (XXXII, 5).

Ainda que a necessidade não seja grave, nem opressora, há obrigação estrita de não acumular, mas de empregar em proveito do próximo ou da sociedade, os bens espirituais e temporais supérfluos que tenhamos recebido de Deus? 
Sim, Senhor. 

Há alguma esmola que tenha particularíssima importância? 
Sim, Senhor: a correção fraterna (XXXIII, 1). 

Que entendeis por correção fraterna? 
A esmola espiritual ordenada a dar remédio aos pecados do próximo (Ibid). 

É esta esmola ato da virtude da caridade? 
Sim, Senhor; por intermédio da misericórdia e com o concurso da prudência, encarregada de excogitar meios adequados para conseguir fim tão excelente, como delicado e difícil (Ibid). 

Constitui obrigação de preceito? 
Havendo ocasião e circunstâncias oportunas, sim, Senhor (XXXIII, 2). 

Quem está obrigado a corrigir? 
Todos os que se sentem animados do espírito de caridade e sem as faltas ou pecados que tratam de emendar, estão obrigados a corrigir o seu próximo, quem quer que seja, ainda que seja superior, com a obrigação de guardar as devidas atenções e considerações, e contanto que possam abrigar a esperança fundada de emenda; em caso contrário, estão dispensados, e devem abster-se de corrigir (XXXIII, 3 – 6).


DOS VÍCIOS OPOSTOS À CARIDADE E DE SEUS ATOS - ÓDIO, TÉDIO OU PREGUIÇA ESPIRITUAL, INVEJA, DISCÓRDIA, OBSTINAÇÃO, CISMA, GUERRA, RIXA (DUELO), SEDIÇÃO E ESCÂNDALO 

Qual é a primeira coisa de que deve estar isento o coração do homem para tratar com seus semelhantes? 
Do sentimento do ódio (XXXIV).

Que é o ódio?
É o vício mais funesto e diametralmente oposto ao ato principal da caridade, o amor de Deus e do próximo (XXXIV, 2-4). 

É possível que alguma criatura tenha ódio a Deus? 
Sim, Senhor (XXXIV, 1). 

Como pode isto ser, considerando-se que Deus é Bem Infinito e Autor de todos os bens, naturais e sobrenaturais das criaturas? 
É tal a depravação moral de alguns seres, que não consideram a Deus como bem infinito e fonte de toda a perfeição e de toda luz, mas apenas como legislador que proíbe cometer pecados e juiz que castiga os cometidos, dos quais não querem arrepender-se (Ibid). 

Logo, o ódio a Deus é uma espécie de obstinação diabólica no mal?
Sim, Senhor. 

Há pecado maior do que este? 
Não, Senhor (XXXIV, 2). 

Pode ser lícito em alguma ocasião odiar ao próximo? 
Não, Senhor (XXXIV, 3). 

Mas se há homens que praticam o mal, por que não havemos de odiá-los? 
Não devemos odiar aos que procedem mal, mas tão somente detestar o seu pecado, em atenção ao amor que devemos ter-lhes (Ibid). 

Não poderemos jamais desejar-lhes algum mal? 
Não, Senhor; se bem que, em virtude do amor que devemos ao próximo, à sociedade e sobre tudo a Deus, podemos desejar-lhes alguns males e castigos como meios de trazê-los ao bom caminho e ressalvar os direitos da sociedade e da honra de Deus (Ibid). 

Podemos desejar a alguém a condenação eterna? 
Por grandes que sejam seus crimes e pecados, nunca será lícito, pois tal ato é diretamente oposto à caridade que nos ordena desejar a todos, exceto aos demônios e aos réprobos que já estão no inferno, a bem-aventurança celestial. 

Há algum vício oposto particularmente ao segundo ato de caridade, chamado gozo ou alegria? 
Sim, Senhor; o vício da tristeza quando se manifesta em forma de fastio das coisas e bens sobrenaturais que são o objeto da caridade (XXXV). 

Como é possível tal fastio? 
Porque os homens têm o gosto espiritual tão depravado, que não acham prazer em Deus e assim consideram o que a Ele se refere como coisa odiosa, sombria e melancólica. 

É sempre pecado mortal? 
Quando degrada o apetite sensitivo e chega a invadir a razão, sim Senhor (XXXV, 1). 

Por que neste caso é pecado mortal? 
Porque é diretamente contrário à caridade que, ao impor-nos a obrigação de amar a Deus sobre todas as coisas, nos manda buscar nele a alegria, o repouso e a tranquilidade (XXXV, 3). 

É a tristeza, de que vimos falando, pecado capital? 
Sim, Senhor; porque é origem de outros muitos que os homens cometem, certas vezes pretendendo evitá-la e em outras vezes impelidos por ela mesma (XXXV, 4). 

Que nome tem? 
Chama-se tédio ou fastio espiritual. 

Podereis enumerar os pecados derivados da preguiça? 
Sim, Senhor; desesperação, pusilanimidade, indolência para observar os mandamentos, rancor, malícia e divagação pelos campos do ilícito (XXXV, 4 ad 2). 

É a preguiça o único vício oposto à alegria da caridade? 
Não, Senhor; há outro, chamado inveja (XXXVI). 

Em que se diferencia a inveja da preguiça ou tédio espiritual? 
Em que, o tédio se opõe a alegrar-se no bem divino conforme é e está em Deus e que nós teremos de gozar algum dia, e a inveja se opõe a alegrar-se no bem do próximo (XXXV, XXXVI). 

Logo, que entendeis por inveja? 
Um pesar do bem alheio, não porque nos prejudique, mas porque outro o possui (XXXVI, 1- 3). 

A inveja é pecado? 
Sim, Senhor, porque o bem do próximo produz ao invejoso desgosto e incômodo, quando lhe deveria causar alegria (XXXYI, 2). 

É sempre pecado mortal? 
Sim, Senhor, por ser essencialmente contrário à caridade; só pode ser venial quando se limite aos primeiros movimentos indeliberados da sensibilidade (XXXVI, 3). 

É pecado capital? 
Sim, Senhor, porque origina outros muitos, já por se derivarem dela, já por entrarem nela inteiramente (XXXVI, 4). 

Que pecados se derivam da inveja? 
A murmuração, a maledicência ou difamação, a alegria na adversidade do próximo, a tristeza na sua prosperidade e o ódio (Ibid). 

Há vícios opostos à caridade, por se oporem também à paz? 
Sim, Senhor. 

Quais são? 
A discórdia, que reside no coração, a porfia nas palavras e na ação: o cisma, a rixa, a sedição e a guerra (XXXVII, XLII). 

Em que consiste a discórdia? 
Na atitude do que, deliberadamente e consciente do seu erro, se opõe ao parecer e ditame dos outros, em coisas que pertencem à honra de Deus ou ao bem do próximo; em manter a dita atitude ainda que seja de boa fé, em matéria indispensável para a salvação; e, em qualquer circunstância, sustentá-la com obstinação e pertinácia (XXXVII, 1). 

Em que consiste a porfia? 
Em contender com palavras (Ibid). 

É pecado a porfia ou contenção? 
É pecado quando se porfia pelo prazer de contradizer; também o é, com maioria de razão, quando se prejudica o próximo, ou os foros da verdade; também o é finalmente, quando, ainda que se defenda a verdade, se faz em tom imoderado e com palavras mortificantes (XXXVIII, 1). 

Que entendeis por cisma? 
A cisão ou ruptura com que alguém, livre e espontaneamente, se aparta da unidade eclesiástica, recusando obstinadamente submeter-se à Autoridade do Soberano Pontífice, ou conviver com os demais fiéis, como membro da mesma Igreja (XXXIX, 1). 

Por que enumerais a guerra entre os pecados opostos à caridade? 
Porque a guerra injusta é um dos maiores crimes que se podem cometer contra o próximo. 

É lícito em alguma ocasião fazer a guerra? 
Com causa suficiente e sem cometer injustiças durante o seu desenvolvimento, sim, Senhor (XL, 1). 

Que entendeis por causa suficiente? 
A dura necessidade de fazer respeitar pelas armas os direitos essenciais para as boas relações entre os homens, rompidas por uma nação que se nega a desagravar e satisfazer (Ibid). 

Sem estas duas condições é alguma vez lícita a guerra? 
Não, Senhor (Ibid). 

Praticam ato de virtude os que pelejam na guerra justa e pessoalmente não cometem injustiças? 
Sim, Senhor; porque se expõem aos maiores perigos, para defender a causa de Deus e de seus irmãos. 

Em que consiste o pecado oposto à paz, chamado rixa? 
Em uma espécie de guerra entre particulares, estabelecida sem mandato da autoridade pública; por este único conceito é sempre falha grave para quem a provoca (XLI, 1). 

Acha-se compreendido neste vício o combate especial chamado duelo? 
Sim, Senhor; com a agravante de que o duelo se combina a sangue frio e não sob o impulso repentino das paixões. 

É o duelo ato essencialmente mau? 
Sim, Senhor; porque o duelista põe em grave perigo a sua vida e a do seu adversário, contra o disposto por Deus. 

Em que consiste a sedição como vício oposto à Caridade? 
Na formação de partidos ou bandos, no seio de uma nação ou Estado com o objeto de conspirar ou de promover arruaças e tumultos, uns contra os outros, ou contra a autoridade e o poder legítimo (XLII, 1). 

Tem especial gravidade o pecado de sedição? 
Sim, Senhor; porque assim como não pode haver bem mais apreciado num povo do que a ordem pública, base e condição indispensáveis para a sua prosperidade, assim também não se pode cometer contra ele maior crime do que o da guerra intestina; assim, em certo modo, a sedição é um crime superior ao da guerra injusta (XLII, 2).

Há algum pecado especial oposto à caridade per ser contrário ao seu ato exterior, chamado beneficência?
Sim, Senhor; o pecado de escândalo (XLIII). 

Em que consiste o pecado de escândalo? 
Em dizer ou fazer alguma coisa capaz de ocasionar a ruína espiritual do próximo, ou em tirar das palavras e feitos de outros, ocasião de pecar; no primeiro caso se dá escândalo, no segundo se recebe (XLIII, 5). 

Escandalizam-se somente os imperfeitos? 
Ainda que qualquer ato reprovável possa levar a turbação ao ânimo dos mais virtuosos, no sentido próprio da palavra, só os imperfeitos se escandalizam (XLIII, 5). 

Podem os justos dar escândalo? 
Não, Senhor; porque, enquanto forem justos, nada farão que possa escandalizar e, se alguém tira dos seus feitos motivos de escândalo, deve atribuí-lo à própria malícia e perversidade (XLIII, 6). 

Têm os justos, em determinadas ocasiões, a obrigação de abster-se de algumas coisas para não escandalizar os pusilânimes? 
Não sendo em coisas necessárias para a salvação eterna, sim, Senhor (XLIII,7). 

Há obrigação de abandonar algum bem para evitar o escândalo dos maus? 
Não, Senhor (XLIII, 7, 8).

XI 

DOS PRECEITOS RELATIVOS À CARIDADE 

Existe na lei de Deus algum preceito relativo à Caridade? 
Sim, Senhor (XLIV, 1)*

Qual é? 
É o seguinte: Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu ser e com todas as tuas forças (XLIV, 4).

Que se nos manda com estas palavras? 
Que as nossas intenções terminem sempre em Deus; que a Ele estejam submetidos e por Ele regulados todos os nossos pensamentos e afetos sensíveis, e que a norma de nossas ações exteriores seja o cumprimento de sua santíssima vontade (XLIV, 4, 5). 

Tem grande importância este preceito? 
Tem e é tão grande que constitui o resumo e centro de todos os demais (XLIII, 1-3). 

É um ou múltiplo? 
É um e múltiplo, ambas as  coisas, ainda que se considere unicamente como preceito da Caridade; quer dizer que, bem entendido, bastaria um só, porque é impossível amar a Deus sem amar também ao próximo; mas para que melhor o compreendamos, se lhe ajuntou outro: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo (XLIV, 2. 3, 7). 

Encontram-se estes preceitos no Decálogo? 
Não, Senhor; são anteriores, porque os preceitos do Decálogo estão destinados a assegurar o cumprimento dos da Caridade (XLIV, 1. ad 3). 

Suposta a ordem sobrenatural, são estes preceitos evidentes e conaturais, sem necessidade de especial promulgação? 
Sim, Senhor: porque assim como é lei natural, gravada nos corações, amar a Deus sobre todas as coisas, a mesma lei, pelas mesmas razões, rege a ordem sobrenatural. 

Logo, é contrário ao Direito Natural e ao bom emprego das potências afetivas, não amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos? 
Sim, Senhor. 

XII 

DO DOM DA SABEDORIA CORRESPONDENTE À CARIDADE - VÍCIO OPOSTO 

Existe algum dom do Espírito Santo correspondente à Caridade? 
Sim, Senhor, e o mais excelente: o dom de Sabedoria (XLV). 

Que entendeis por dom de Sabedoria? 
Um dom do Espírito Santo, mercê do qual o homem forma juízo e opinião acerca das coisas, tomando por norma e regra a sua causa suprema, a ciência infinita de Deus, na medida em que ele consegue conhecê-la pela revelação (XLV, 1). 

Poderíeis dizer-me em que se distingue o dom de sabedoria da virtude intelectual do mesmo nome, e dos dons de inteligência, ciência e conselho, distintos por sua vez das virtudes intelectuais chamadas entendimento, ciência e prudência ? 
Sim, Senhor: possui o entendimento, relativamente às verdades da fé, multiplicidade de atos essencialmente distintos, aos quais correspondem virtudes e dons diferentes. O ato de fé consiste em dar assentimento às proposições reveladas. O ato de assentir leva consigo outros complementares; tais são a percepção da verdade sobrenatural e o juízo e ditame a respeito dela. O juízo e ditame dependem do critério que se empregue; quando se tomam por norma os ensinos da fé, corresponde-lhes o dom de sabedoria e a virtude intelectual do mesmo nome; se se baseia em critério e razões humanas, o dom e a virtude intelectual, chamada ciência; quando deixando a ordem especulativa, se trata de reduzir o ditame à prática, a virtude intelectual da prudência e o dom de conselho. 

Que nome genérico poderíamos dar a esta doutrina? 
O de plano e economia no desenvolvimento do organismo psicológico sobrenatural. 

A quem devemos tão prodigiosa síntese doutrinal? 
Ao gênio de Santo Tomás de Aquino. o qual nos adverte que, só depois de largos estudos e profundas meditações, chegou a surpreender tão maravilhosa harmonia (VIII, 6). 

Qual é a mais importante das virtudes e dons que aperfeiçoam o entendimento? 
A virtude da fé, centro de todas as outras, visto que o seu objeto é auxiliar e facilitar os seus atos. 

Qual é o dom que segue em categoria à fé? 
O dom de sabedoria. 

Que benefícios nos traz o dom de sabedoria, especialmente em relação com a ciência? 
O dom da ciência nos dá a faculdade de formar juízo acerca das verdadeiras relações das coisas com suas causas e fins imediatos, e o de sabedoria com a causa suprema e fim último, aos quais todos os outros estão subordinados. 

Logo, em virtude do dom de Sabedoria, elevamo-nos ao mais alto grau de ciência que se pode alcançar neste mundo? 
Sim, Senhor. 

Existe algum vício oposto a tão excelso dom? 
Sim, Senhor; o que consiste em querer formar juízo cabal de uma coisa sem ter em conta o destino que Deus lhe assinalou (XLVI, 1). 

Como deverá chamar-se? 
Insensatez e necedade supremas. 

É muito comum este pecado? 
Sim, Senhor; e cometem-no todos os que forjam planos ou ajustam projetos, sem lembrar-se de Deus, ou prescindindo dEle. 

Podem cair nele homens mesmo acostumados e peritos no manejo dos negócios? 
Sim, Senhor. 

Há oposição irredutível entre a sabedoria do mundo e a de Deus? 
Sim, Senhor; visto que uma, no conceito da outra, é loucura. 

Em que consiste esta oposição irredutível? 
Em que as gentes têm por sábio àquele que, considerando os bens deste mundo como fim supremo, organiza a vida de forma que nada falta aqui na terra, ainda em coisas que redundam em detrimento e desprezo de Deus, Bem supremo, prometido no céu; ao passo que a Sabedoria dos Filhos de Deus consiste em subordinar todos os bens da vida presente à futura posse da Glória. 

Logo, estes dois gêneros de sabedoria são totalmente diversos? 
Sim, Senhor; porque conduzem fatalmente a termos distintos e o fim ou o termo é o que especifica a ação. 

Logo, a prática das virtudes teologais e dos dons correspondentes, constituem os únicos meios de que dispõe o homem para orientar-se e encaminhar-se para o seu verdadeiro fim último? 
Sim, Senhor. 

XIII 

DAS VIRTUDES MORAIS - A PRUDÊNCIA: SUA NATUREZA, PARTES DA PRUDÊNCIA. VIRTUDES ANEXAS: ESPÉCIES, PRUDÊNCIA INDIVIDUAL, FAMILIAR, REAL E MILITAR 

Que deve fazer o homem para gozar um dia no céu, o que a fé, a esperança e a caridade lhe propõem?
Além de possuir as ditas virtudes, deve exercitar-se na prática das morais e de seus correspondentes dons. 

Qual é a primeira virtude moral? 
A virtude da Prudência (XLVII). 

Que entendeis por Prudência? 
Uma regra moral do senso prático que põe no homem tato e discrição suficientes para ordenar a sua vida e mandar em cada caso, aos seus subordinados, o mais apropriado à observância das virtudes (XLXIII, 1-9). 

Tem muita importância? 
Grandíssima, porque sem ela é impossível praticar ato algum virtuoso (XLVII, 13). 

É suficiente o influxo da prudência, em todo o seu vigor, para garantir e manter em seus limites o exercício de todas as virtudes? 
Sim, Senhor (XLVII, 14). 

Donde lhe provém tal privilégio? 
Da propriedade que tem de congregar todas as virtudes, de forma que nenhuma pode existir sem ela, nem ela pode existir sem o concurso de todas as outras. 

É necessário o concurso de muitas condições para que o ato da prudência seja perfeito? 
Sim, Senhor. 

Como podereis classificá-las? 
Em três grupos: umas são elementos constituintes ou partes integrantes essenciais; outras, virtudes adjuntas e ordenadas a atos secundários em conexão com o principal; por último, o ato principal encerra tantas classificações, como o dirigido e governado (XLVIII-LI). 

Quais são os elementos constitutivos ou partes integrantes essenciais? 
São as seguintes: memória ou recordação do passado; inteligência ou conhecimento do presente, quer seja em geral quer em particular; docilidade e respeito ao disposto por antecessores sábios e prudentes; sagacidade para saber o que no momento dado se pode esperar de alguém; firmeza e segurança de juízo para aplicar as regras gerais aos casos particulares; providência ou determinação do tempo e do lugar de cada ato para obter o fim desejado; circunspecção ou conhecimento das circunstâncias; precaução contra tudo o que puder ser obstáculo ou comprometer o êxito da empresa (XLIX, 1-8). 

Quais são as virtudes adjuntas e ordenadas para atos secundários em conexão com o principal? 
A virtude do conselho e as duas virtudes do bom senso prático, uma referente à maneira de portar-se nos casos e circunstâncias ordinárias e outra nas extraordinárias e de grande empenho (LI, 1-4). 

Supostos, os atos das anteriores virtudes, qual é o ato próprio da prudência? 
O mandato executivo (XLVIII, 8). 

Logo, a prudência é propriamente a virtude que serve para dirigir e mandar? 
Sim, Senhor. 

Não será melhor a virtude de obrar sem arrebatamentos, ou inconsiderações, visto que todos chamam prudente ao homem que mede e aquilata as suas obras e ditames? 
É certo que assim o entendem; mas, apesar disso, o ato próprio da prudência consiste em mandar com energia e decisão quando chega o momento oportuno (XLVIII, 8 ad 2). 

Quantas são as espécies de prudência? 
Tantas, quantas as espécies de mandatos necessários, a respeito de atos difíceis na prática da virtude. 

A quantas podemos reduzi-las? 
A quatro: o mando e governo de nós mesmos, o da família, o da sociedade civil e o da militar (L, 1-4). 

Como se chamam as espécies da virtude da prudência correspondentes a estes atos? 
Prudência individual, familiar, real e militar (Ibid). 

Que entendeis por prudência individual? 
A que cada um necessita para governar sua vida moral e procurar o bem próprio. 

Que entendeis por prudência familiar? 
A que necessita cada membro da família para manter-se e atuar em sua própria esfera e sob a direção do chefe, para bem e proveito da sociedade familiar (L, 3). 

Que entendeis por prudência real? 
A prudência especial que necessita o chefe supremo de toda sociedade perfeita e independente para governá-la como convém (L, 3). 

É suficiente, para que esteja bem regida uma nação, que sejam prudentes seus governantes? 
Não, Senhor; é necessário que os governados possuam outra prudência proporcionada à dos primeiros (L, 2). 

Em que há de consistir a prudência dos súditos? 
Em submeterem-se às ordens e decisões do governante, de forma que os seus atos sociais jamais sejam peia ou obstáculo à consecução do bem comum (Ibid). 

Ordena-se também a prudência militar para a consecução do bem da sociedade? 
Sim, Senhor, e é da maior importância, porque tem por destino assegurar a defesa eficaz do Estado contra os inimigos exteriores, e isto só pode conseguir-se mediante a prudência mais delicada no mando e a mais completa disciplina nos subordinados (L, 4). 

XIV 

DO DOM DE CONSELHO CORRESPONDENTE À PRUDÊNCIA 

Existe algum dom do Espírito Santo correspondente à virtude da prudência?
Sim, Senhor; o dom de conselho (LII)*.

Que entendeis por dom de conselho? 
Ainda que suponhamos o homem provido de todas as virtudes infusas e adquiridas para melhor discernir o lícito do ilícito, é impossível que possa apreciar todos os casos particulares e contingentes, e a variedade quase infinita de circunstâncias capazes de modificar a sua moralidade. Tendo isto em conta, o dom de conselho é uma disposição ou qualidade transcendente da razão prática, em virtude da qual o homem abraça com prontidão e docilidade as ilustrações e moções com que o Espírito Santo vem em seu auxílio, quando se põe a meditar e discernir, no conglomerado de atos e práticas humanas, as que podem servir-lhe para alcançar a vida eterna (LII, 1, 2). 

Permanece este dom no céu? 
Sim, Senhor; ainda que em forma muito particular e distinta da de cá (LII, 3). 

Em que consiste? 
No conhecimento perfeitíssimo que têm os bem-aventurados de tudo o que contribuiu para a felicidade que já possuem e com ela se relaciona, como propriedade e consequência da posse atual ou como meio para iluminar, auxiliar e socorrer os que neste mundo lutam por se lhes juntar no céu (Ibid). 

XV 

DOS VÍCIOS OPOSTOS À PRUDÊNCIA: IMPRUDÊNCIA, PRECIPITAÇÃO OU TEMERIDADE, INCONSIDERAÇÃO E INCONSTÂNCIA — VÍCIOS QUE A SIMULAM: PRUDÊNCIA DA CARNE, ASTÚCIA, DOLO, FRAUDE E FALSA SOLICITUDE 

Existem vícios opostos à prudência? 
Há-os de duas classes; uns que se opõem por defeito, e outros por excesso. 

Com que nome se conhecem os opostos por defeito? 
Com o nome geral de imprudência (LIII). 

Que entendeis por imprudência, em geral? 
Todo ato que não se ajuste às normas da reta razão e da prudência (LIII). 

O ato imprudente pode ser pecado mortal? 
Sim, Senhor; quando se menosprezam ou infringem regras e normas divinas (Ibid). 

Quando será pecado venial? 
Sempre que se executa algum ato, ainda que seja bom, com precipitação, inconsideração ou negligência (LIII, 2). 

Que entendeis por precipitação? 
Um ato contra a prudência, que consiste em tomar resoluções antes de informar-se convenientemente (LIII, 3). 

Que entendeis por inconsideração? 
O pecado daquele que não toma em conta todos os elementos de que dispõe para formar juízo acertado nas coisas práticas (LIII, 4). 

Por que a inconstância se opõe à prudência?
Porque se opõe ao seu ato principal, que, como vimos, é o de mandar; o inconstante carece de firmeza e resolução para levar à prática os seus projetos e desígnios (LIII, 5). 

Há algum outro defeito oposto ao ato principal da prudência? 
Sim, Senhor; a negligência (LIV). 

Que entendeis por negligência? 
A falta de solicitude e presteza em ordenar a execução das resoluções tomadas depois de maduro exame, no concernente à prática da virtude (Ibid). 

É grande o pecado de negligência? 
De muito grande podemos qualificá-lo, pelo pernicioso influxo que exerce em toda a economia espiritual, pois ou a paralisa inteiramente, estorvando os seus atos ou fazendo que sejam frouxos, indolentes e como que forçados, perdendo deste modo o seu valor e mérito (LIV, 3). 

Como se chama a negligência quando se estende aos atos exteriores? 
Chama-se preguiça, e enervamento ou tardança (LIV, 2 ad 1). 

É distinta da negligência propriamente dita? 
Sim, Senhor; porque a negligência consiste na falta de presteza e energia para ordenar a execução e este defeito provém da indolência da vontade (LIV, 2). 

Devemos ter cuidado especialíssimo em combater a negligência? 
Sim, Senhor; pois como estende o seu influxo a todos os domínios da atividade, é veneno posto na fonte, capaz de contaminar todo o caudal de obras e virtudes. 

Pode ser em alguma ocasião pecado mortal? 
Quando impede que o homem se resolva a fazer algo de necessário para salvar-se, sim; porém, ainda no caso de que não o seja, produz um estado de apatia e indolência que conduz fatalmente à caducidade e à morte, se não se põe grande empenho em desarraigá-la (LIV, 3). 

Que nome têm os vícios que pecam por excesso contra a prudência? 
Prudência ou solicitude fingidas ou simuladas (LV). 

Que entendeis por prudência simulada? 
Um conjunto de vícios que desnaturalizam o caráter da verdadeira prudência, abusando dos seus meios próprios, para procurar-se um fim ilícito (LV, 1-5). 

Qual é o vício que, simulando prudência, busca um fim ilícito? 
A prudência da carne (LV, 1). 

Em que consiste a prudência da carne? 
Em dispor e ordenar a vida, procurando como fim a maior soma possível de prazeres sensuais (Ibid). 

A prudência da carne é pecado mortal? 
Quando o homem busca o prazer como fim último de seus atos, sim Senhor; se o busca e procura com excessiva afeição, porém considerando habitualmente a Deus como fim último, será pecado venial (LV, 2). 

Quais são os vícios opostos à prudência, por abuso dos seus meios? 
O de astúcia, e seus anexos, o dolo e a fraude (LV, 4). 

Que entendeis por astúcia? 
Uma simulação da prudência que consiste em excogitar meios tortuosos e artes de dissimulação e de engano para conseguir um fim, quer seja bom, quer seja mau (LV, 3). 

Em que consiste o dolo? 
Na execução exterior dos planos forjados pela astúcia (LV, 4). 

Em que se diferenciam os vícios de dolo e fraude? 
Em que o dolo consiste na execução exterior dos planos forjados pela astúcia, empregando indistintamente palavras ou obras e a fraude tem o mesmo objeto, empregando somente obras (LV, 5). 

A astúcia, o dolo e a fraude confundem-se com a mentira? 
Não, Senhor; porque a mentira tem por fim enganar, e nestes vícios o engano não é fim, senão meio para conseguir alguma coisa. 

Que se segue desta distinção?
Que a mentira é um pecado especial, exclusivamente oposto à virtude da veracidade, ao passo que a astúcia, o dolo e a fraude, como opostos à da prudência que se incorpora a todas as outras virtudes, podem andar misturados com todo gênero de pecados e vícios. 

Que entendeis por falsa solicitude? 
A daquele que se preocupa exclusivamente com os bens temporais; a do que põe, em procurá-los, mais trabalho e solicitude que nos da alma; e a do que teme que possam faltar-lhe, se cumpre com seu dever (LV, 6). 

Temos obrigação de ser solícitos em procurar os bens temporais? 
Com diligência moderada, ordenando-os à consecução da glória e confiando sempre na Divina Providência, sim, Senhor (Ibid). 

Que opinião tendes da preocupação do porvir? 
Que é má, quando peca por excessiva, ou se antecipa, usurpando o lugar de outros cuidados mais peremptórios (LV, 7). 

Quando será boa esta preocupação? 
Quando se limita a prevenir para o futuro o que depende e há de ser consequência do presente e deixa para mais tarde cuidados que terão de trazer tempos vindouros (Ibid).

XVI

DOS PRECEITOS RELATIVOS À PRUDÊNCIA 

Existe no Decálogo algum preceito relativo à prudência? 
Não, Senhor; porque os preceitos do Decálogo, expressão do que a lei natural exige, têm por objeto os fins da vida humana, e a prudência versa sobre os meios de consegui-los; se bem que, em certo modo a ela se referem todos os mandamentos, como reguladora de todas as virtudes (LVI. 1)*. 

Logo, os preceitos relativos à prudência são posteriores e complementares dos do Decálogo? 
Sim, Senhor; e se encontram também na Sagrada Escritura, no Antigo Testamento, e de modo mais concreto no Novo (Ibid). 

Não há no Antigo Testamento preceitos severíssimos contra os vícios opostos à prudência? 
Sim, Senhor; contra a astúcia, o dolo e a fraude (LVI, 2). 

Por que proibiu Deus de modo tão especial estes pecados? 
Porque quase sempre se tocam com as matérias da Justiça, ponto de vista de todo o Decálogo (Ibid). 

XVII 

DA VIRTUDE DA JUSTIÇA — O DIREITO NATURAL, POSITIVO, PRIVADO, PÚBLICO, NACIONAL, INTERNACIONAL, CIVIL E ECLESIÁSTICO — JUSTIÇA LEGAL E PARTICULAR — VÍCIOS OPOSTOS 

A virtude da justiça segue em categoria e importância à da prudência? 
Dado o seu caráter particular, a prudência, sem a qual não pode existir nenhuma virtude moral, ocupa o primeiro lugar; depois dela, a Justiça (LVII, CXXI). 

Que entendeis por Justiça? 
A virtude que tem por objeto o direito, isto é, o justo (LVII, 1). 

Que entendeis quando afirmais que tem por objeto o direito ou o justo? 
Que está destinada a manter a paz e harmonia entre os homens, fazendo que cada um respeite as pessoas, atribuições, faculdades e bens legitimamente adquiridos e possuídos pelos outros (Ibid). 

A que normas devemos atender para averiguar quais são os direitos legítimos dos outros? 
Primeiramente, ao que dita a razão natural; em segundo lugar, aos convênios havidos entre os homens prudentes e, por último, às disposições da autoridade legitima (LVII, 2-4). 

Como se chama o direito fundado nos ditames da razão? 
Chama-se direito natural. 

E o fundado em convênios e em leis promulgadas pela autoridade competente? 
Direito positivo, o qual se divide em privado e público, e este, por sua vez, em nacional e internacional, baseado o primeiro em convênios privados e em leis da nação e o segundo, em pactos entre os diversos Estados (Ibid). 

Não falastes também de direito civil e eclesiástico? 
Sim, Senhor; e se distinguem em que o primeiro se apóia em atos emanados da autoridade civil e o outro nos da eclesiástica. 

Limita-se o direito, enquanto objeto da virtude da Justiça, a impor ordem nas relações dos particulares entre si, ou estende-se às dos particulares com o conjunto ou sociedade? 
Abrange as duas coisas (LVTII, 5-7). 

Que nome tem a virtude da Justiça no segundo caso? 
Chama-se Justiça legal (Ibid). 

E no primeiro? 
Justiça particular (Ibid). 

Poderíeis definir com precisão a virtude da justiça? 
Sim, Senhor; consiste na disposição consciente, duradoura e irrevogável da vontade, mediante a qual se dá a cada um tudo o que lhe pertence (LVTII, 1). 

Como se chama o vício oposto a esta virtude? 
Chama-se injustiça; e o mesmo se opõe tanto à justiça legal quando prejudica o bem comum, como à particular, cujo objeto é manter as relações dos cidadãos sobre a base da igualdade (LIX). 

Em que consiste propriamente este último pecado de injustiça? 
Em atentar livre e espontaneamente contra o direito de outrem, isto é, em negar o que outro natural e razoavelmente deve e pode querer (LIX, 3). 

XVIII 

DO JUÍZO COMO ATO DA JUSTIÇA PARTICULAR

Tem a Justiça algum ato de especial importância, considerada, sobretudo, como justiça particular?
Sim, Senhor; o ato do Juízo, que consiste em determinar com exatidão aquilo que a cada um se deve dar, principalmente se se trata de ofício para administrar justiça aos litigantes, cargo próprio dos juízes, ou em particular para discernir em consciência e por amor à Justiça, até onde se estendem os deveres e os direitos de cada um (LX). 

Em caso de dúvida, deve inclinar-se o Juízo para o lado da benevolência? 
Tratando-se do próximo, sim, Senhor; pois a Justiça exige que jamais se pronuncie sentença condenatória, quer seja exterior, ou simplesmente interior e de pensamento, enquanto permaneça de pé alguma dúvida (LX. 4). 

Apesar disto, podemos em determinadas ocasiões presumir e suspeitar da existência do mal sem provas suficientes? 
Sim, Senhor; quando devamos preveni-lo ou remediá-lo, pois a Justiça legal, a prudência e a caridade nos mandam ser cautelosos e supor, ao menos como possível, a maldade de certos homens, ainda que dela não tenhamos a certeza, mas apenas conjecturas (LX, 4, ad 3). 

Tendes que formular alguma reserva a esta doutrina? 
Sim, Senhor; porque ainda neste caso, temos obrigação de não emitir contra quem quer que seja, juízo formalmente desfavorável. 

Poderíeis explicar-me com um exemplo? 
Se eu visse um homem de catadura suspeita, não teria o direito de julgá-lo ladrão, nem mesmo consigná-lo como tal; porém se o visse rondar a minha casa ou as dos meus amigos, teria direito de tomar cuidado para que tanto dentro de minha casa como das deles, tudo estivesse a salvo de uma surpresa ou tentativa de roubo.

XIX

ESPÉCIES DA JUSTIÇA PARTICULAR: JUSTIÇA COMUTATIVA E DISTRIBUTIVA 

Quantas espécies compreende a justiça particular? 
Duas: a distributiva e a comutativa (LXI, 1)*. 

Que entendeis por justiça distributiva? 
A justiça particular que estabelece o equitativo nas relações do grupo ou sociedade com as partes ou indivíduos (Ibid). 

Que entendeis por justiça comutativa? 
A justiça particular que governa as relações entre duas partes na mesma sociedade (Ibid). 

Que espécie de justiça preside às relações dos homens considerados como partes ou indivíduos subordinados ao todo ou sociedade?
A grande virtude da justiça legal (LXI, 1-acl 4). 

XX 

DA RESTITUIÇÃO COMO ATO DE JUSTIÇA COMUTATIVA 

Existe algum ato característico da justiça comutativa? 
Sim, Senhor; a restituição (LXII, 1). 

Que entendeis por esta palavra 'restituição'? 
O ato de restabelecer a igualdade exterior entre os homens, quando algum a quebra, apoderando-se do alheio (Ibid). 

O ato de restituir envolve sempre a reparação de uma injustiça? 
Não, Senhor; porque compreende também o ato de devolver com exatidão e escrúpulo o que em espécie se havia tomado. 

Poderíeis dar-me em poucas palavras as regras essenciais da restituição? 
Ei-las aqui como as dita a equidade natural: a restituição tem por objeto dar ou devolver o que a outro pertence ou que injustamente se lhe tirou. Deve devolver-se o subtraído ou o seu equivalente exato, no estado e forma em que atual ou virtualmente o possuía seu dono, antes do ato que modificou a posse, com mais a obrigação de compensar os estragos e prejuízos que naquele ato, ou em consequência dele, tenham sobrevindo em prejuízo do legítimo possuidor. Está obrigado a restituir o detentor ou causante voluntário da injustiça cometida. Excetuando-se a impossibilidade, deve restituir-se sem demora (LXII, 2, 8). 

XXI 

DA ACEPÇÃO DE PESSOAS: VÍCIO OPOSTO À JUSTIÇA DISTRIBUTIVA — VÍCIOS OPOSTOS À JUSTIÇA COMUTATIVA: DO HOMICÍDIO, DA PENA DE MORTE, MUTILAÇÃO, VERBERAÇÃO E ENCARCERAMENTO 

Entre os vícios opostos à virtude da justiça, há algum particularmente oposto à distributiva? 
Sim, Senhor; a acepção de pessoas (LXIII). 

Que entendeis por acepção de pessoas? 
A injustiça que comete o governante em conceder ou negar mercês e em impor ou isentar de impostos, em atenção às pessoas e não à dignidade e merecimentos que possam fazê-las dignas (LXVIII, 1). 

Quais são os vícios opostos à justiça comutativa? 
São muito numerosos e classificam-se em dois grupos (LXIII-LXXVIII). 

Quais são os que figuram no primeiro grupo? 
Os que prejudicam o próximo contra sua vontade (LXIV-LXVI). 

Poderíeis dizer-me o primeiro deles? 
O primeiro é o homicídio, pecado de ação contra o próximo e que consiste em arrebatar-lhe o maior bem que possui, que é a vida (LXIV). 

É muito grave o pecado de homicídio? 
É o maior dos pecados contra o próximo. 

Nunca é lícito atentar contra a vida do próximo? 
Não, Senhor. 

É a vida do homem um bem que nunca é lícito arrebatar-lhe? 
Nunca, exceto quando por um crime mereça ser privado dela (LIV, 2, 6). 

Quem tem neste caso o direito de a tirar? 
Somente a autoridade pública (Ibid). 

Em que se baseia este direito da autoridade pública? 
Na obrigação que tem de velar pelo bem comum (Ibid). 

Pode erigir o bem comum que se imponha a um homem a pena de morte? 
Sim, Senhor; porque bem pode ocorrer o caso em que não haja outro meio eficaz de por termo à arrogância dos criminosos ou em que a consciência pública exija esta satisfação por alguns crimes odiosos e execráveis (Ibid). 

Logo é o crime a única razão que pode invocar a autoridade pública para impor a pena de morte? 
Sim, Senhor (LIV, 6). 

A razão do bem público não poderia em algum caso justificar a morte do inocente? 
Não, Senhor; porque o bem supremo da sociedade é o bem da virtude (Ibid). 

É lícito aos particulares matar ao injusto agressor em defesa de suas pessoas ou bens? 
Não, Senhor; exceto quando seja necessário para defender a própria vida e a dos seus e não haja nenhum outro meio de repelir a agressão; e ainda neste caso, o que se defende não há de ter intenção de tirar a vida alheia, senão defender a própria (LXIV, 7). 

Quais são os outros pecados contra o próximo? 
Os de mutilação ou atentado contra a integridade; verberação, que consiste em privá-lo do repouso e tranquilidade e o encarceramento ou privação da liberdade (LXV, 1-3). 

Quando são pecaminosos estes atos? 
Quando os impõe quem não tem autoridade sobre o paciente ou se a tem, quando se excede no castigo (Ibid). 

XXII 

DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SEUS DEVERES ANEXOS — VIOLAÇÃO DO DIREITO DA PROPRIEDADE: O ROUBO E A RAPINA 

Qual é o maior pecado contra o próximo, depois dos que o prejudicam na sua pessoa? 
Os que lhe ocasionam prejuízo em seus bens. 

Tem o homem direito de possuir alguma coisa como própria? 
Sim, Senhor; tem o direito de propriedade e de administrar suas posses, como melhor entender, sem que os outros possam intrometer-se nos seus negócios ou coagir a sua liberdade de ação (LXVI, 2). 

Em que se funda este direito? 
Na natureza humana porque, sendo o homem um ser racional, criado para viver em sociedade, assim o exige o seu próprio bem, o da família e o da coletividade de que faz parte (LXVI, 1, 2). 

Por que? 
Porque a propriedade é condição necessária para ter independência e liberdade de ação; porque é o meio por excelência para constituir e perpetuar a família e, por último, porque a sociedade obtém grandes benefícios não só porque a propriedade individual evita inumeráveis litígios e desavenças que sobre o uso das coisas possuídas em comum se produziriam, mas também porque os bens serão melhor administrados e gozados em benefício da coletividade. 

O direito de propriedade tem obrigações anexas? 
Sim, Senhor, ei-las em poucas palavras: a primeira obrigação do proprietário é não deixar improdutivos os seus bens. Descontando dos produtos o que necessita para sua vida e decoro seu e de sua família, não lhe é permitido considerar o restante como propriedade privada, excluindo em absoluto de sua participação os demais membros da sociedade; tem, por conseguinte, o dever de justiça social de repartir o supérfluo com a maior equidade possível, principalmente facilitando trabalho e ocupação para o desenvolvimento do bem estar comum e como meio para que todos possam atender às suas necessidades. A razão do bem público autoriza o Estado a tomar da propriedade o que julga necessário e útil com o objetivo de socorrer as necessidades sociais, e neste caso, os súditos estão obrigados, em justiça estrita, a conformar-se e obedecer. As necessidades particulares não impõem ao proprietário deveres tão imperiosos como as públicas e não há nesta matéria lei positiva alguma, cujo cumprimento possa exigir-se por via judicial; porém fica de pé, com toda a sua força e vigor, a lei natural e peca contra ela, faltando à obrigação primária de amar e socorrer ao próximo, quem, possuindo bens supérfluos, se desinteressa da miséria e angustiosa situação do necessitado. Esta obrigação, rigorosa por lei natural, adquire o caráter de dever sagrado em virtude da lei positiva divina, e particularmente da lei evangélica, como se Deus quisesse corroborar, impondo sanção penal, o preceito que gravara nos corações humanos (conforme LXVII, 2-7; XXXII, 5,6). 

Supostas as ditas obrigações, que direitos tem os proprietários? 
Têm direito a que todos respeitem os seus bens e a que ninguém lhes arrebate o domínio legitimo contra a sua vontade (LXVI, 5,8). 

Como se chama o ato de apropriar-se do alheio contra a vontade do proprietário?
Chama-se roubo e rapina (LXVI, 3-4). 

Que entendeis por roubo? 
O ato de tomar o alheio às escondidas do dono (Ibid). 

E o que é a rapina? 
O ato de despojar alguém de alguns dos seus bens, não às escondidas como no roubo, mas ostensiva e violentamente (LXVI. 4). 

Qual dos dois pecados é o mais grave? 
O segundo; todavia, tanto o roubo como a rapina são sempre, por sua natureza, pecados mortais, se não os escusa o pouco valor do objeto roubado (LXVI. 9). 

Logo têm os homens obrigação de abster-se de todo ato que tenha aparência de roubo? 
Sim, Senhor; porque assim o requer o bem da sociedade.

XXIII

 PECADOS DE PALAVRA CONTRA A VIRTUDE DA JUSTIÇA — PECADOS DOS ENCARREGADOS DE ADMINISTRAR A JUSTIÇA: POR PARTE DO JUIZ, DO ATO DO JUIZ, DO ACUSADOR, DO ACUSADO, DAS TESTEMUNHAS E DO ADVOGADO 

Além dos pecados de obras, cometem-se também contra o próximo pecados de palavra? 
Sim, Senhor; e dividem-se em duas categorias: uns, em que se incorre no ato de administrar justiça e outros nas ações correntes e ordinárias da vida (LXVII-LXXVI)*. 

Qual é o primeiro pecado na administração da justiça ?
A do Juiz que não julga ou que decide em desacordo com a razão e a equidade natural (LXVII). 

Que qualidades necessita possuir o Juiz para estar à altura do seu cargo? 
Precisa ser uma como uma personificação da Justiça, encarregado pela sociedade de reconhecer e amparar, em seu nome, os direitos daqueles que, achando-se prejudicados, recorrem à sua autoridade (Ibid). 

Logo, a que normas deve ater-se para cumprir dignamente o seu ofício? 
Às seguintes: Não pode conhecer de causas que não sejam de sua jurisdição e incumbência; está obrigado a fundamentar a sentença nos fatos e dados que resultem juridicamente comprovados no processo e tais como as partes os expõem; não deve intervir, se ninguém se queixa, nem reclama justiça; porém, quando interpõe a sua autoridade, deve administrá-la íntegra e imparcial, sem mal entendida compaixão com os delinquentes, quaisquer que sejam as penas que haja de impor-lhes, em conformidade ao direito, quer seja divino quer humano (LXVII, 2,4). 

Qual é o segundo pecado contra a Justiça no ato do Juízo? 
O pecado dos que faltam à obrigação de denunciar, ou acusam injustamente (LXVIII). 

Que entendeis por obrigação de denunciar? 
A que tem todo cidadão que conhece algum ato prejudicial à sociedade de por o autor nas mãos do Juiz, para que aplique a devida sanção. Só a impossibilidade de provar juridicamente o fato o excusa deste dever (LXVIII, 1). 

Quando dizeis que é injusta a acusação? 
Quando maliciosamente se imputa a alguém um crime que não cometeu e também quando não se persegue, como a Justiça requer, o crime, quer entendendo-se fraudulentamente com a parte contrária, quer desistindo, sem motivo, da acusação (LXVIII, 3). 

Qual é o terceiro pecado contra a Justiça, no ato do Juízo? 
O do acusado que não conforma o seu proceder com as normas do direito (LXIX). 

Quais são as normas do direito a que deve ajustar-se o acusado, sob pena de pecar contra a Justiça? 
Tem obrigação de dizer a verdade quando o Juiz, no uso das suas atribuições, lhe perguntar e a de não empregar em sua defesa meios reprováveis (LXIX, 1,2). 

Pode o acusado apelar da sentença condenatória? 
Já que nenhum acusado tem direito de defender-se empregando meios ilícitos, não pode apelar de uma sentença justa com o fim exclusivo de ganhar tempo e retardar a execução; quando, porém, for vítima de uma injustiça manifesta e, sempre dentro dos limites que a lei lhe faculta, pode apelar da sentença condenatória (LXIX, 3). 

Pode um condenado à morte resistir à execução da sentença? 
Se a condenação é injusta, pode resistir, usando, se for preciso, astúcia e violência, contanto que evite o escândalo. Se a sentença é justa, tem o dever de sofrer a execução sem opor resistência. Pode, apesar disso, fugir, se achar ocasião propícia, pois ninguém é obrigado a cooperar para a sua própria morte (LXIX, 4). 

Qual é o quarto pecado que pode cometer-se contra a justiça, no ato do Juízo? 
O das testemunhas que faltam ao seu dever (LXX). 

De quantas maneiras podem faltar as testemunhas à sua obrigação? 
Abstendo-se de declarar, não só quando lhes requer a autoridade judicial a que estão obrigados a obedecer no concernente à administração da justiça, mas também quando seja necessária a sua declaração para evitar dano de terceiro e, com maior razão, quando prestam declarações falsas (LXX, 1.4). 

A declaração judicial falsa é sempre pecado mortal? 
Sim, Senhor; porque ainda que, pela razão da parvidade da matéria, possa ser venial em determinadas ocasiões, é sempre mortal em atenção ao perjúrio e também à injustiça quando atenta contra alguma causa justa (LXX, 4). 

Que outros pecados se cometem contra a Justiça no ato do Juízo? 
Os dos advogados, quando se negam a patrocinar uma causa justa e não é possível recorrer a outro; quando defendem causa injusta, especialmente em assuntos cíveis e quando exigem por seu trabalho retribuição excessiva (LXX, 1, 3, 4). 

XXIV 

PECADOS DE PALAVRA NOS ATOS ORDINÁRIOS DA VIDA: INJÚRIA, DIFAMAÇÃO (MALEDICÊNCIA E CALÚNIA), MURMURAÇÃO, IRRISÃO E MALDIÇÃO 

Quais são as injustiças de palavra que na vida se cometem contra o próximo? 
São as de injúria, difamação, murmuração, irrisão e maldição (LXXII - LXXVI). 

Que entendeis por injúria? 
Entendem-se por injúria, insulto, ultraje e, às vezes, por menosprezo, censura e repreensão, as palavras que se usam para qualificar excessos ou injustiças, o fato de afrontar a alguém por palavra ou obra, agravando-o tanto na honra, como no respeito e consideração que se lhe merece (LXXII, 1). 

A injúria é pecado mortal? 
Quando as palavras ou fatos constituem por sua natureza ultraje grave e existe intenção formal de ofender, sim, Senhor; porém, será venial, apesar do exposto, quando a honra do ofendido não fica seriamente comprometida ou falta no agressor intenção de injuriar (LXXII, 2). 

Têm todos os homens obrigação estrita de justiça de tratar os outros, quaisquer que sejam, com a devida consideração e respeito? 
Sim, Senhor; visto que este respeito mútuo é de grande importância para a boa harmonia nas relações sociais (LXXII, 1-3). 

Em que se funda e qual é a importância desta obrigação? 
Funda-se em ser a honra um dos bens que os homens têm em maior estima, e, por consequência, há obrigação de tratar com as devidas considerações até os mais humildes e pequenos, sempre em harmonia com a sua condição; afrontá-los, deprimi-los, humilhá-los com olhares, gestos e palavras é mortificá-los naquilo que mais amam (Ibid).

Logo, estamos obrigados a evitar em presença de outros, qualquer palavra ou fato que possa mortificá-los, humilhá-los ou entristecê-los? 
Sim, Senhor (Ibid). 

A ninguém é permitido afastar-se desta regra?
A ninguém, exceto aos superiores, com o fim exclusivo de corrigir os seus súbditos, quando realmente o mereçam, ainda que, neste caso, jamais devem fazê-lo alucinados pela paixão, nem com formas e modos arrebatados ou indiscretos (LXXII, 2 ad 2). 

Como devemos portar-nos com os que nos injuriam e ofendem? 
A caridade e a mesma justiça podem exigir que não deixemos impunes os atentados diretos ou indiretos contra a nossa honra ou de outras pessoas que nos estão confiadas. Porém, ao reprimir a audácia do ofensor, devemos guardar a circunspecção precisa e sobretudo o modo de não devolver novo agravo ou injustiça (LXXII, 3). 

Que entendeis por difamação? 
No sentido estrito, consiste em atentar por meio de palavras contra a reputação e bom nome do nosso próximo, ou em fazer-lhe perder, total ou parcialmente, e sem razão nem motivo justificado, a estima e consideração dos outros (LXXIII, 1). 

É a difamação um pecado muito grave? 
Sim, Senhor; porque arrebata ao próximo bens mais estimáveis que a riqueza, objeto do pecado do roubo (LXXIII, 2, 3). 

Quantas classes há de difamação? 
Quatro diretas: imputar ao próximo culpa ou delito que não cometeu; exagerar os seus defeitos, divulgar segredos que lhes sejam desfavoráveis e atribuir-lhe intenções e propósitos torcidos ou. ao menos, suspeitos, nas suas melhores ações (LXXIII, 1. ad 3). 

Existe alguma outra maneira de difamar o próximo? 
Há outra, indireta, que consiste em negar-lhe as suas boas qualidades ou silenciá-las com malícia ou diminuí-las dissimuladamente (Ibid). 

Que entendeis por murmurar ou semear cizânia? 
O pecado do que diretamente se propõe, por meio de frases ambíguas e pérfidas insinuações, introduzir a discórdia entre os que se acham unidos com laços de amizade e mútua confiança (LXXIV, 1). 

É pecado muito grave? 
É o mais grave, odioso e digno de reprovação perante Deus e os homens, de quantos de palavra se cometem contra o próximo (LXXXIV, 2). 

Que entendeis por irrisão? 
A irrisão, zombaria ou chacota injuriosa é um pecado da palavra contra a justiça e consiste em ridicularizar o próximo em sua presença, encontrando nele defeitos e torpezas que lhe façam perder o domínio de si mesmo, nas relações com os outros (LXXV, 1). 

É um pecado grave?
Sim, Senhor; porque envolve desprezo da pessoa e o desestimar e ter em pouco a outrem é ato detestável e digno de reprovação (LXXV, 2). 

Confunde-se a ironia com o pecado de irrisão e tem a mesma gravidade? 
Pode a ironia ser falta venial, quando, com ela, a modo de diversão, se criticam defeitos leves, sem desdenhar, nem ofender as pessoas. Pode acontecer que não seja falta quando não passa de travessura e passatempo inocente e nem haja perigo de mortificar, nem contrariar a quem dela é alvo. De qualquer modo, é um sistema de diversão muito delicado e melindroso e convém usá-lo com extrema prudência (LXXV, 1 ad 1). 

Pode ser a ironia, em alguma ocasião, ato de virtude? 
Manejada com habilidade e delicadeza, é um meio de que pode utilizar-se o superior para admoestar e repreender os súditos e também pode empregar-se entre iguais, a modo de caritativa correção fraterna. 

Que precauções devem tomar-se nestes casos? 
Antes de tudo, deve usar-se com grande tato e discrição, porque, se bem que às vezes pode ser útil abater até limites justos, a vã opinião que de si mesmo têm os propensos à jactância, é preciso também não destruir a segurança e confiança legítima que cada um deve ter em si mesmo, sem a qual se paralisa toda iniciativa e espontaneidade, convertendo a vítima da ironia em um ser tímido e irresoluto, degradado e envilecido aos seus próprios olhos. 

Que relações têm a injúria, a difamação, a murmuração e a irrisão com o hábito vicioso de mal dizer? 
Tem de comum estes vícios o serem pecados de palavra contra o próximo e diferenciam-se em que os quatro primeiros consistem em proposição ou enunciados com que se imputam males ou se negam bens, e a maldição em invocar o mal para que caia sobre os nossos semelhantes. 

É a maldição ou praga ato essencialmente mau? 
Sim, Senhor; porque é desejar o mal pelo mal; por consequência, é sempre por sua natureza, falta grave (LXXVI, 3).

XXV

PECADOS QUE SE COMETEM ENGANANDO O PRÓXIMO OU ABUSANDO DELE: A FRAUDE E A USURA

Qual é a última classe de pecados contra a justiça comutativa? 
Aqueles, mediante os quais, indevidamente, se obriga ao próximo o consentir naquilo que o prejudica (LXXVII, Prólogo)*. 

Que nome têm? 
Chamam-se fraude e usura (LXXVII; LXXVIII). 

Que entendeis por fraude? 
O ato, contrário à justiça, de enganar o próximo nos contratos de compra e venda, persuadindo-o a que aceite como bom o que não o é (LXXVII). 

Por quantos modos se comete o pecado de fraude? 
Comete-se, umas vezes, no preço, quer comprando por muito menos do que valem as coisas, quer vendendo por preços excessivos; outras, enganando nas qualidades e natureza da mercadoria, saiba disso ou não o vendedor; outras vezes comete-o o comerciante, ocultando os defeitos do gênero; comete-se, por último conforme o fim a que se destinam os lucros ou o propósito que sobre eles forme o negociante (LXXVII, 1-4). 

Nunca se pode comprar cientemente uma coisa por menos ou vendê-la por mais do que vale? 
Não, Senhor; porque o preço dos contratos de compra e venda deve corresponder ao valor real da mercadoria; pedir mais ou dar menos, é ato essencialmente injusto e impõe obrigação de restituir (Ibid). 

É contra a justiça vender uma coisa por outra? 
Sim, Senhor; porque é enganar na natureza ou espécie, quantidade e qualidades da mercadoria; é pecado, se se faz conscientemente e obriga à restituição. Mesmo no caso em que não tenha havido pecado, permanece a obrigação de ressarcir prejuízos ao vendedor ou ao comprador de boa fé, quando se descobre a fraude (LXVII, 2). 

Está o vendedor sempre obrigado a manifestar os defeitos da mercadoria? 
Quando são ocultos e podem acarretar danos e prejuízos, sim, Senhor (LXXVII, 3). 

É lícito a alguém dedicar-se ao negócio de compra e venda com o fim exclusivo de obter lucros e amontoar dinheiro? 
O negócio pelo negócio tem algo de brutal e agressivo, porque fomenta o afã desmedido do lucro, insaciável por natureza (LXXVII, 3). 

Que fins ou circunstâncias poderiam legitimá-lo? 
É necessário que não seja o lucro a finalidade do negócio, mas haja um fim mais honrado e moral, por exemplo, sustentar a família, socorrer os indigentes; dedicar-se-lhe tendo em vista a utilidade pública, para que não faltem no mercado os artigos de consumo necessário, ou ainda, querer o lucro como retribuição do trabalho empregado em sua aquisição (Ibid). 

Que entendeis por pecado de usura? 
O ato de injustiça, que consiste em aproveitar a indigência ou a situação crítica de um homem para emprestar-lhe dinheiro ou coisa de valor apreciável, porém destinada a cobrir as suas necessidades e sem outro uso que o consumo, obrigando-o a devolver-lho em data fixa, com mais uma quantia adicional a título de usura (LXXVIII, 1, 2, 3). 

O empréstimo com juro é o mesmo que usura? 
Não, Senhor; porque, se bem que toda usura é empréstimo com juros, nem todo empréstimo com juros é usura. 

Em que se distinguem? 
Em que, no empréstimo com juros, se considera o dinheiro como coisa produtiva, dadas as condições sociais e econômicas em que hoje se desenrola a vida. 

E que condições deve reunir o empréstimo com juros para não degenerar em usura? 
Duas: 1.ª que a taxa de juros não exceda à legal ou a usada entre pessoas de boa consciência; 2.ª que os ricos, que possuem bens supérfluos, não sejam exigentes com os pobres, se estes pedem emprestado, não para negociar, mas para atender às necessidades mais imperiosas da vida. 

XXVI 

COMPONENTES DA VIRTUDE DA JUSTIÇA: PRATICAR O BEM E EVITAR O MAL — VÍCIOS OPOSTOS: A OMISSÃO OU TRANSGRESSÃO 

Podemos achar elementos constitutivos ou partes integrantes da virtude da justiça, conforme fizemos ao falar da prudência, prescindindo de suas diversas espécies? 
Sim, Senhor; e se condensam neste aforismo: pratica o bem e evita o mal (LXXIX, 1). 

Por que não se distinguem estes dois componentes nas outras virtudes morais? 
Porque, na fortaleza e temperança, não fazer mal se identifica com a prática do bem; mas na virtude da justiça, fazer o bem consiste em estabelecer a igualdade jurídica com o nosso próximo e evitar o mal, em abster-nos de tudo o que possa destruir aquela igualdade (Ibid). 

Como se chamam os pecados contra o primeiro componente? 
Pecados de comissão ou transgressão (LXXIX, 3). 

E os cometidos contra o segundo? 
Pecados de omissão (LXXIX, 2). 

Quais são mais graves? 
Por natureza, os de comissão, ainda que há omissões mais graves do que algumas transgressões. Assim, por exemplo, falta mais grave é injuriar a alguém do que deixar de demonstrar-lhe o devido respeito; porém, maior injúria comete quem falta ao respeito ou se nega a prestar o devido acatamento a um superior de elevada hierarquia, sobre tudo se o faz em público (pecado de omissão), do que quem desdenha ou ligeiramente mortifica a um homem de categoria ínfima (pecado de comissão) (LXXXIX, 4). 

XXVII 

DAS VIRTUDES ANEXAS À JUSTIÇA: RELIGIÃO, AMIZADE, LIBERALIDADE E EQUIDADE NATURAL 

Relacionam-se com a Justiça outras virtudes que sejam como que suas partes potenciais ou virtudes anexas?
Sim, Senhor (LXXX, 1). 

Em que se distinguem da Justiça propriamente dita? 
Em que a Justiça tem por objeto dar a outrem, sem cercear-lhe coisa alguma, quanto em direito se lhe deve, e estas outras virtudes, ainda que concordem com ela em terem por objeto os direitos de outrem, diferenciam-se em que ou versam sobre direitos ou ações que propriamente e conformemente à Justiça fundada em lei não se devem, nem são exigíveis perante os tribunais; ou, se bem que em rigor se devem, nunca podem satisfazer-se ou cumprir-se inteira e cabalmente (Ibid). 

Quantas e quais são as virtudes deste modo subordinadas à Justiça?
As nove seguintes: religião, piedade, observância, gratidão, vindicta, verdade, amizade, liberdade e equidade natural (Ibid). 

Podereis dar razão desta divisão? 
Sim, Senhor; as oito primeiras referem-se à justiça particular e a nona à geral ou legal. Entre as primeiras há três, a religião, a piedade e a observância, que têm de comum com a justiça regular estritos e imperiosos deveres, porém se diferenciam dela em que são deveres em cujo cumprimento nunca se enche a medida do correspondente direito; a religião abrange todos os deveres para com Deus, a piedade para com os pais e a pátria, e a observância para com os virtuosos e os constituídos em dignidade. Também não se identificam com a justiça as cinco últimas, porque as obrigações que elas impõem não são legais, nem exigíveis perante um tribunal de direito, mas simplesmente morais, sem outros limites ou condições que os prescritos pela consciência do homem virtuoso, ainda que sempre necessários para manter a ordem, facilidade e boa harmonia nas relações sociais; e ainda porque admitem dois graus: ou são absolutamente necessárias para a convivência humana, como a verdade, a gratidão e a vindicta, ou muito convenientes, como a amizade e a fidelidade (Ibid).

XXVIII

NATUREZA DA VIRTUDE DE RELIGIÃO

Que entendeis por virtude de religião?
A virtude de religião é assim chamada porque constitui o vínculo que deve ligar o homem com Deus, como princípio de todo bem, e uma perfeição da vontade, mediante a qual se aprecia e estima em seu verdadeiro valor a relação de dependência do homem para com Deus, como primeiro princípio, último fim, ser infinitamente perfeito e causa primeira de toda a perfeição (LXXXI, 1-5)*.

Quais são os seus atos?
Os atos próprios da religião são todos os que, por sua natureza, manifestam e confessam esta dependência. Pode, além disso, a virtude da religião ordenar para este mesmo fim os atos das outras virtudes e, neste caso, podemos dizer, que converte a vida do homem em um ato de culto permanente (LXXXI, 7-8).

Como poderemos chamá-la neste último caso?
Podemos chamá-la de santidade, porque santo é o homem cuja vida se transforma num ato de religião (LXXXI, 8).

É grande e excelente a virtude da religião?
Depois das Virtudes Teologais, é a mais excelsa (LXXXI-6).

Por que?
Porque, entre todas as virtudes morais, cuja finalidade é disciplinar a atividade consciente do homem para lançá-lo na conquista de Deus, conhecido pela fé, prometido pela esperança e amado pela caridade, nenhuma tem objeto mais elevado e próximo do último fim. As outras virtudes regulamentam os atos e deveres do homem para consigo mesmo ou para com as outras criaturas; a religião ensina-lhe as suas obrigações para com Deus, a reconhecer e acatar a sua soberana majestade, a servi-lo e honrá-lo como servido e honrado quer ser Aquele cuja grandeza e perfeição excedem, com diferença infinita, a de todas as criaturas (Ibid).

XXIX

ATOS INTERIORES DA RELIGIÃO: A DEVOÇÃO E A ORAÇÃO: SUA NECESSIDADE E FÓRMULA  O PAI NOSSO OU ORAÇÃO DOMINICAL E SUA EFICÁCIA

Qual é o primeiro ato da religião?
O ato interior chamado devoção.

Que entendeis por devoção?
Um movimento da vontade, em virtude do qual ela (e quanto dela depende) se acha sempre disposta para empregar-se no serviço de Deus. (LXXXII, 1, 2).

Qual é, depois da devoção, o primeiro ato com que o homem se ocupa no serviço de Deus?
A oração.

Que entendeis por oração?
No sentido mais elevado da palavra, é um ato da razão prática, mediante o qual intentamos persuadir a Deus para que cumpra os nossos desejos e, para consegui-lo, empregamos a súplica e a petição (LXXXIII, 1).

É possível e razoável semelhante intento?
Sim, Senhor; e não há coisa no mundo mais razoável, nem mais conforme com a nossa natureza (LXXXIII,2).

Por que?
Posto que sejamos seres racionais e conscientes, temos necessidade de saber quem é Deus e quem somos nós: Ele é fonte e origem de todo o bem e perfeição; nós pura indigência; logo, com quanta maior firmeza nos formos convencendo da nossa pequenez e miséria, tanto em geral como em cada caso particular, e de que só Ele pode remediar-nos, mais nos ajustaremos ao que de nós exige a própria natureza; este é, pois, o objeto da oração: donde se segue que, tanto mais perfeita será quanto melhor nela adquiramos o conceito mais cabal da própria pequenez e da grandeza e generosidade divinas: e por onde viremos ao conhecimento da razão por que Deus, em sua infinita misericórdia, quis que orássemos e decretou não conceder-nos coisa alguma se não com a condição de pedirmos.

Logo, quando tratamos de forçar a Deus para satisfazer os nossos desejos, limitamo-nos a cumprir a sua vontade?
Quando pedimos bens conducentes à nossa salvação, sim, Senhor.

Deus ouve e atende sempre às nossas orações?
Quando, movidos pelo Espírito Santo, pedimos alguma coisa em harmonia com a nossa felicidade, sim, Senhor (LXXXIII, 15).

Existe alguma fórmula de orar com cujo emprego podemos estar seguros de pedir sempre o que convém?
Há uma que podemos chamar fórmula por excelência, conhecida com o nome de Pai Nosso ou Oração Dominical (LXXXIII, 9).

Que entendeis por Oração Dominical?
A que Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou no Evangelho.

Qual é?
Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai as nossas dividas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.

Contém esta oração tudo o que podemos e devemos pedir a Deus?
Sim, Senhor; e quanto lhe pedimos e se é justo o nosso desejo, ele se acha incluído em alguma das petições do Pai Nosso (LXXXIII, 9).

Tem a Oração Dominical alguma outra qualidade própria e exclusiva dela?
Sim, Senhor; a de por nos lábios, com a mesma ordem que deve ter no coração, o que estamos obrigados a querer e a desejar (Ibid).

Podereis dar a razão da ordem das suas petições?
Sim, Senhor; a primeira coisa que estamos obrigados a desejar é a glória de Deus, fim e objeto da criação; donde se segue que também nós devemos cooperar para ela, e o único meio eficaz de cooperar consiste em sermos admitidos a participar dela no céu. Este é o significado das duas primeiras petições: 'Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino'. A glória de Deus e a nossa Nele é o término da jornada da vida; mas para obtê-lo, necessitamos conquistá-lo e merecê-lo; a única maneira de merecê-lo é fazer neste mundo, do modo mais perfeito possível, a vontade de Deus. Isto pedimos ao dizer: 'Faça-se a vossa vontade assim na terra, como no céu'. Porém, como não podemos cumprir devidamente a vontade de Deus, se Ele não vem em auxílio de nossa fraqueza, tanto nas necessidades materiais, como nas espirituais, por isso ajuntamos: 'O pão nosso de cada dia nos dai hoje'. Com este auxílio teríamos o suficiente, se além disso não tivéssemos necessidade de afastar certos obstáculos que se opõem, uns à aquisição do reino dos céus, outros ao cumprimento da vontade de Deus, e outros que impedem de nos dedicarmos ao serviço divino, como os padecimentos, as penas e a falta do necessário para viver; por isso dizemos: 'Perdoai as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores; e não nos deixeis cair em tentação; mas livrai-nos do mal' (LXXXIII, 9).

Por que iniciamos a oração Dominical com as palavras 'Pai Nosso que estais no céu'?
Para excitar em nós uma confiança ilimitada, pois Aquele a quem invocamos é Pai, e reina no céu como Dono Onipotente do universo (LXXXIII, 9 ad 5).

É conveniente rezar com frequência o Pai Nosso?
Convém, antes de tudo, nutrir-se da sua seiva e espírito, e depois rezá-lo de quando em quando, com a maior frequência que nos permitam as nossas ocupações e gênero de vida (LXXXIII, 14).

Quaisquer que sejam as nossas ocupações, não devemos passar nem um dia sem rezá-lo?
Não, Senhor.

A quem devemos dirigir as nossas orações?
Exclusivamente a Deus, pois só Dele esperamos o que lhe pedimos. Podemos contudo, orar a algumas criaturas, suplicando-lhes que intercedam em nosso favor diante do trono do Senhor (LXXXIII, 4).

Quais são as criaturas a quem podemos orar?
Os Anjos e Santos do céu e os justos da terra (LXXXIII, 11).

É conveniente e louvável encomendar-se aos santos e solicitar as suas orações?
Sim, Senhor.

Existe alguma criatura que tenha títulos especiais para que os homens se acolham ao seu amparo e proteção?
Sim, Senhor; a Santíssima Virgem Maria, Mãe do Verbo Encarnado e Senhor Nosso, Jesus Cristo.

Que nome se deu à Santíssima Virgem, atenta a missão especial que tem de rogar pelos homens?
O de Onipotente pela intercessão.

E isto o que quer dizer?
Que Deus acolhe favoravelmente as súplicas daqueles por quem ela intercede.

Há alguma fórmula consagrada de orar para pedir a mediação e amparo da Santíssima Virgem?
Sim, Senhor: a Ave Maria.

Como a rezamos?
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém.

Quando devemos rezá-la?
Com a maior frequência possível e particularmente, nas orações privadas, depois do Pai Nosso.

Existe algum modo de orar em que de maneira singularmente perfeita se juntem e enlacem estas duas orações para assegurar a sua eficácia?
Sim, Senhor; o Santíssimo Rosário.

Que entendeis por Rosário?
Uma maneira de orar que consiste em meditar os quinze principais mistérios da nossa Redenção e rezar durante a Meditação de cada um, um Pai Nosso e dez Ave-Marias, terminando com o 'Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e sempre, por todos os séculos dos séculos. Amém'.

XXX

ATOS EXTERIORES DA RELIGIÃO: ADORAÇÃO. SACRIFÍCIO. OBLACÃO. EXPENSAS DO CULTO. VOTO. JURAMENTO. INVOCAÇÃO DO SANTO NOME DE DEUS

Além dos atos anteriores, que outros tem a virtude da religião?
Todos os exteriores destinados a honrar a Deus (LXXXIV-CXI)*.

Quais são?
Em primeiro lugar, certos movimentos corporais, como inclinação de cabeça, genuflexão, prostrações e, em geral, todos os compreendidos na palavra adoração (LXXXIV).

Em que consiste a sua bondade?
Em que, por meio deles, se honra a Deus com o corpo, e, sobretudo, em que atuam a modo de excelentes auxiliares, para fazer melhor os interiores, quando se praticam como convém (LXXXIV. 2).

Não podemos utilizar mais que o nosso próprio corpo para honrar a Deus com a virtude da religião?
Podemos oferecer-lhe também as coisas exteriores em sacrifício, homenagem e tributo (LXXXV-LXXXVIII).

Se considerarmos o sacrifício no sentido próprio de imolação de uma vítima, quantas formas há na Nova Lei?
Uma só, o sacrifício da Missa, em que, sob as espécies sacramentais do pão e do vinho, se oferece a Deus a única vítima agradável aos seus olhos, imolada no sacrifício da Cruz (LXXXV, 4).

É ato de religião grato a Deus contribuir, conforme o permitam os bens da fortuna, para estabelecer e realçar o culto e sustentar aos seus ministros?
Sim, Senhor (LXXXVI-LXXXVII).

Pratica-se este ato de religião, só quando se dá alguma coisa a Deus ou para o sustento dos seus ministros?
Não só se pratica, dando, como também prometendo coisas do agrado divino (LXXXVIII).

Que nome têm tais promessas?
Chamam-se votos (LXXXVIII, 1, 2).

Há obrigação de cumprir o prometido com voto?
Exceto em casos de impossibilidade ou dispensa, sim, Senhor (LXXXVIII, 3, 10).

Há alguma outra classe de atos externos de religião?
Sim, Senhor; o uso e manejo de coisas destinadas a honrar a Deus (LXXXIX).

Quais são?
Os objetos sagrados e o Santo Nome de Deus.

Que entendeis por objetos sagrados?
Os que, por intermédio da Igreja, receberam de Deus uma benção e consagração especiais, tais como as pessoas consagradas a Deus, os sacramentos, os sacramentais como a água benta, os objetos de piedade e os lugares destinados ao culto (LXXXIX Prólogo).

De que maneira podemos usar o Santo Nome de Deus em sua honra?
Amando-O por testemunha dos nossos assertos e invocando-O, para louvá-Lo e bendizê-Lo (LXXXVIX-XCI).

Como se chama o ato de invocar o Nome de Deus por testemunha do que dizemos ou prometemos?
Chama-se juramento (LXXXIX, 2).

É o juramento ato virtuoso e recomendável?
Somente o é em caso de grande necessidade e usando-o com a mais severa circunspecção (LXXXIX, 2).

Em que consiste a adjuração?
Em invocar o nome de Deus ou de alguma coisa sagrada para obrigar outrem a executar ou desistir de algum propósito (XC, 1).

É lícita?
Feita com o respeito que merece o invocado, sim, Senhor.

É louvável evocar com frequência o Nome de Deus?
Fazendo-o com o devido respeito e veneração, sim, Senhor (XCI).

XXXI

DOS VÍCIOS OPOSTOS À RELIGIÃO: SUPERSTIÇÃO, ADIVINHAÇÃO. DA
IRRELIGIÃO: TENTAR A DEUS, PERJÚRIO E SACRILÉGIO

Que vícios se opõem à virtude da religião?
Há vícios de duas classes; uns opostos por excesso e conhecidos com o nome de superstição e outros por defeito, chamados em geral irreligião (XCII, Prólogo).

Que entendeis por superstição?
Uma aglomeração de vícios que consiste em dar a Deus um culto indigno Dele ou em dar às criaturas o que só a Deus pertence (XCII-XCIV).

Qual é o motivo mais frequente de se cometerem estes pecados?
O desejo imoderado de conhecer o oculto e secreto e o futuro, pelo que se entregam os homens a práticas divinatórias e vãs e ridículas observâncias (XCV - XCVI).

Que excessos abrange a irreligião?
Dois: o de ver com indiferença ou desdém o que se refere ao culto e serviço de Deus e o de abster-se inteiramente de praticar atos de religião.

Reveste o último especial gravidade?
Sim, Senhor; visto como supõe desprezo ou esquecimento desdenhoso Daquele a quem todos os homens estão obrigados a servir e honrar.

Em que forma se propaga hoje em dia este vício?
Em forma de laicismo.

Que entendeis por laicismo?
Consiste o laicismo em por de parte completamente a Deus, já positivamente, perseguindo-o e tratando de expulsá-lo de toda a parte, a Ele, Dono e Senhor de tudo quanto existe, já negativamente, organizando a vida social, familiar ou individual, como se Ele não existisse.

Donde provém o grande pecado do laicismo?
A forma positiva, do ódio e fanatismo sectários; a negativa, de uma espécie de entorpecimento ou estupidez intelectual e moral, na ordem sobrenatural e metafísica.

Temos obrigação de nos opor energicamente e por todos os meios ao laicismo?
Sim, Senhor.

Que outros vícios abrange a irreligião?
O tentar a Deus, e o perjúrio, por opostos ao mesmo Deus e à reverência devida ao seu Santo Nome; o sacrilégio e a simonia, por serem contrários às coisas sagradas (XCVII-XCVIX).

Que entendeis por tentar a Deus?
O pecado que, contra a virtude da religião, cometem os que, sem respeito pela Majestade Divina, pedem e exigem a intervenção de Deus, como pondo à prova a sua onipotência ou a esperam em circunstâncias em que Deus não poderia intervir, sem negar-se a si mesmo (XCVII, 1).

Tentamos a Deus quando confiamos em seu auxílio, sem por de nossa parte o que podemos e devemos?
Sim, Senhor (XCVII, 1, 2).

Que entendeis por perjúrio?
O pecado contra a virtude da religião que consiste em confirmar uma falsidade apelando para o testemunho divino ou negar-se a cumprir o prometido com juramento (XCVIII, 1).

Tem conexões com o perjúrio a invocação irrefletida do nome de Deus, por costume e com qualquer pretexto?
Sem ser propriamente perjúrio, relaciona-se com ele e é, desde logo, intolerável falta de respeito ao Santo Nome de Deus.

Que entendeis por sacrilégio?
Uma profanação de pessoas, lugares ou coisas santificadas e consagradas ao culto e serviço de Deus (XCIX, 1).

É o sacrilégio um pecado muito grave?
Sim, Senhor; porque atentar contra o consagrado a Deus é de algum modo atentar contra o próprio Deus, que por isso impõe aos sacrílegos, os mais severos castigos, ainda neste mundo (XCIX, 2-4).

Que entendeis por simonia?
O pecado especial de irreligião que cometem os que, imitando a impiedade de Simão, o Mago, vilipendiam as coisas sagradas, considerando-as como vulgares mercadorias que os homens podem por à venda e comprar com dinheiro (C, 1).

XXXII

DA PIEDADE PARA COM OS PAIS E A PÁTRIA

Depois da religião, qual é a virtude mais importante entre as agregadas à Justiça?
A virtude da piedade (CI)*.

Que entendeis por virtude da piedade?
A que tem por objeto honrar e venerar aos pais e à pátria pelo grande benefício de nos terem dado a vida, conjuntamente com tudo o mais que a conserva e completa (CI, 1-3).

São estes deveres especialmente sagrados e obrigatórios ?
Depois dos deveres para com Deus, não há outros mais sagrados.

Que obrigações impõe a piedade para com os pais?
As obrigações de respeitá-los sempre, obedecer-lhes enquanto se vive debaixo da sua autoridade e socorrê-los em suas necessidades (CI, 2).

E para com a pátria?
A obrigação de reverenciar àqueles que a personificam e a representam, obedecer às suas leis e sacrificar, se necessário, a vida por ela na guerra justa.

XXXIII

DA OBSERVÂNCIA PARA COM OS SUPERIORES

Além das virtudes de religião e piedade, há alguma outra em que possa intervir também a obediência?
Sim, Senhor; a virtude de observância (CII).

Que entendeis por virtude da observância?
A que tem por objeto regular as relações dos inferiores com os superiores, feita a exceção dos casos em que os superiores sejam Deus, os pais ou as autoridades que governam em nome da pátria (CII, CIII).

Logo, é a virtude da observância a que põe ordem nas relações entre professores e discípulos, entre patrões e operários e em geral entre superiores e inferiores?
Sim, Senhor (CIII, 3).

A observância inclui a obediência? 
Somente nos casos em que o superior tenha jurisdição sobre o inferior.

Logo, há superioridades sem jurisdição?
Sim, Senhor; por exemplo, as do talento, engenho, riquezas, idade, virtude etc. (CIII, 2).

Pode exercer-se nestes casos a virtude da observância?
Sim, Senhor; visto que o seu objeto, como dissemos, é honrar e acatar todo gênero de superioridades, começando sempre pelos superiores com autoridade e jurisdição (Ibid).

É necessária a prática desta virtude nas relações sociais?
É indispensável, porque não se concebe sociedade sem membros e subordinação, e todo subordinado está no dever de praticá-la, sob pena de perturbar a harmonia e boas relações sociais.

É virtude que todos os homens podem praticar?
Sim, Senhor; pois, por elevada que seja a hierarquia de um homem, sempre tem, nessa mesma hierarquia ou em ordem distinta, algum superior (CIII, 2 ad 3).

XXXIV

DA GRATIDÃO OU RECONHECIMENTO

Qual é a primeira das virtudes agregadas à Justiça, que tem por objeto, não propriamente um débito em rigor impossível de satisfazer cabalmente, mas uma dívida moral, ainda mesmo em matéria necessária para o bem comum?
O reconhecimento ou gratidão (CVI).

Qual é o seu objeto?
A obrigação de agradecer e recompensar os benefícios particulares que tenhamos recebido (CVI, 1).

É virtude muito necessária?
Sim, Senhor, e evidencia-se a sua necessidade, considerando o odioso e repugnante vício contrário, a ingratidão (CXII).

Deve o agraciado recompensar mais do que recebe?
Deve procurar fazê-lo, para se igualar com o benfeitor (CVI, 6).

XXXV

DA VINDITA

Que conduta devemos observar com os que nos agravam e fazem mal?
Seguir o ditame de uma virtude especial chamada vindita, que aconselha não deixar impunes os agravos, quando assim o exige a obrigação de conservar e olhar por algum bem (CVIII).

XXXVI

DA VERDADE — VÍCIOS OPOSTOS: MENTIRA, SIMULAÇÃO OU HIPOCRISIA

Que outra virtude, da mesma ordem que a anterior, é necessária para o bem estar social, não em atenção aos outros, mas a nós mesmos?
A virtude da verdade (CIX).

Que entendeis por virtude da verdade?
A que nos ensina a mostrar-nos tanto nas palavras como nas ações, tais como na realidade somos (CIX, 1-4).

Quais são os vícios opostos a esta virtude?
Os da mentira, simulação ou hipocrisia (CX-CXIII).

Que entendeis por mentira?
Qualquer dito ou fato destinado a manifestar ou a afirmar uma coisa falsa (CX, 1).

É a mentira essencialmente má?
É má em tal grau que não há nenhum fim ou pretexto que possa justificá-la (CX, 1).

Logo, estamos sempre obrigados a dizer a verdade toda?
Não, Senhor; porém estamos obrigados a não dar a entender e a nunca dizer mentiras (Ibid).

Quantas classes há de mentira?
Três: jocosa, oficiosa e perniciosa (CX, 2).

Em que se distinguem?
Em que a jocosa tem por fim divertir os outros; a oficiosa ser-lhes útil e a perniciosa causar-lhes algum detrimento ou prejuízo.

Qual é a pior?
A perniciosa; e assim como as duas primeiras podem não exceder de pecados veniais, esta, por sua natureza, é sempre pecado mortal, e se algumas vezes é venial, o será em atenção à parvidade da matéria ou prejuízo causado (CX, 4).

Que entendeis por simulação ou hipocrisia?
Consiste a simulação em aparentar exteriormente o que interiormente não somos; e a hipocrisia, em simular virtudes que não temos (CXI, 1, 2).

Estamos obrigados, para não cairmos nestes vícios, a descobrir e declarar publicamente os nossos defeitos e más qualidades?
De nenhum modo; estamos, pelo contrário, obrigados a encobri-los para não perder o crédito na opinião dos outros, e para não dar-lhes mau exemplo e nem motivo de escândalo; a verdade ou sinceridade somente exigem que não tenhamos intenção de dar a conhecer feitos e qualidades, boas ou más, que realmente não possuímos (CXI, 3,4).

Obriga a virtude da verdade a alguém abster-se de toda manifestação que pode admitir diversas interpretações e a prevenir e evitar as falsas?
Não, Senhor; exceto nos casos em que a má interpretação acarretasse prejuízos que estivéssemos obrigados a evitar (CXI, 1).

Existem modos de cometer pecados de mentira, simulação e hipocrisia que constituam faltas especificamente distintas?
Sim, Senhor; pode o homem cometer faltas atribuindo a si mesmo excelências que não possui e temos o pecado da jactância, ou dando a conhecer que carece de qualidades e merecimentos que, na verdade, tem e isto constitui o pecado da falsa humildade (CXII-CXIII).

XXXVII

DA AMIZADE — VÍCIOS OPOSTOS: DESPREZO E ADULAÇÃO

Existe algum outro dever moral necessário para a pacífica convivência, ainda que não seja tão necessário como a vindicta, a gratidão e a bondade?
Sim, Senhor; os deveres da amizade (CXIV, 2)*.

Que entendeis por amizade?
A virtude que nos impele a por em nossas palavras e ações exteriores quanto possa contribuir para fazer amável e prazenteiro o trato com os nossos semelhantes (CXIV, 1).

É virtude de grande estima no trato social?
É a virtude social por excelência, ao ponto de podermos chamar-lhe a flor e aroma das virtudes da justiça e da caridade.

De quantas maneiras se pode faltar a ela?
De duas: por defeito, quando não se repara nem se toma em conta o que pode agradar ou molestar ao próximo; por excesso, adulando-o ou não o contradizendo, oportunamente, quando o mereçam as suas palavras e atos (CXV, CXVI).

XXXVIII

DA LIBERALIDADE — VÍCIOS OPOSTOS: AVAREZA E PRODIGALIDADE

Qual é a última virtude conexa à virtude da justiça particular e destinada, como as anteriores, a satisfazer as obrigações morais dos homens uns para com outros?
A virtude da liberalidade (CXVII, 5).

Que entendeis por liberalidade?
Uma disposição de ânimo, em virtude da qual o homem não tem apego excessivo às coisas exteriores de utilidade comum, e está disposto sempre, com regra e medida, a desprender-se delas e especialmente do dinheiro que as representa, em bem da sociedade (CXVII, 1-4).

É virtude de grande importância?
Classificando-a pelo seu objeto, que são as riquezas, é a ínfima das virtudes, mas dignifica-se com a nobreza das outras quando contribui para que consigam os seus respectivos fins (CXVII, 6).

Que vícios se lhe opõem?
Os de avareza e prodigalidade (CXVIII, CXIX).

Que entendeis por avareza?
O amor desordenado às riquezas (CXVIII, 1-2).

É pecado grave?
Atendendo ao fim humano a que se propõe, é pecado ínfimo, porque se limita a introduzir a desordem no amor aos bens exteriores ou riquezas; porém, considerando a desproporção existente entre o espírito e os bens materiais de que se faz escravo, é o vício mais degradante e vergonhoso (CXVIII, 4,5).

É, além disso, vício muito pernicioso?
Sim, Senhor; porque é insaciável e, com o afã de amontoar riquezas, o avarento não se detém às vezes em cometer crimes e atropelos contra Deus, contra o próximo e contra si mesmo (CXVIII, 5).

É a avareza pecado capital?
Sim, Senhor; porque a abundância das riquezas, às quais todos obedecem, promete o que todos os homens desejam - a felicidade, e serve de estímulo a todas as suas ações boas e más (CXVIII, 7).

Quais são as filhas que a avareza tem?
As seguintes: avareza ou falta de misericórdia e compaixão, inquietação, violência, astúcia ou dolo, perjúrio, fraude e traição, porque o amor das riquezas leva consigo o afã de retê-las, a cobiça de aumentá-las e o emprego de meios ilícitos, como a violência, o engano, o perjúrio, a fraude e a traição, para adquiri-las (CXVIII, 8).

A prodigalidade, vício contrário à liberalidade, opõe-se também à avareza?
Sim, Senhor; porque se o avarento, por amor desmedido das riquezas, não está disposto a desprender-se delas para que frutifiquem em bem e proveito de todos, o pródigo, pelo contrário, não sabe olhar convenientemente por elas e tem propensão excessiva para dissipá-las (CXIX, 3).

Qual é destes dois vícios o mais pernicioso?
O da avareza, porque se opõe mais diretamente à liberalidade, cuja norma é: melhor é dar do que guardar.

Poderíeis fazer um resumo do número, ordem e nobreza das virtudes agregadas à justiça particular, tendendo aos seus objetos e fins?
Sim, Senhor. Ocupa o primeiro lugar a religião, que tem por objeto o culto e serviço de Deus, considerado como Criador e Soberano Dominador de todas as coisas; vem depois a piedade para com os pais e para com a pátria, em agradecimento pelo benefício de nos terem dado o ser; a seguir, a observância para com os superiores em autoridade, dignidade e excelência; em continuação, a gratidão para com os benfeitores particulares, e a vindicta contra os que nos agravaram em matéria que exija reparação; por último, a verdade, a amizade e a liberalidade para com todos os nossos semelhantes por motivo de respeito a nós mesmos.


XXXIX

DA EQUIDADE NATURAL OU EPIQUEIA

Não dissestes que existia também uma virtude anexa à Justiça geral ou legal?
Sim, Senhor; a que poderemos chamar com o nome genérico de equidade natural, conhecida também com o de epiqueia (CXX).

Qual é o seu objeto?
O de conferir à vontade o privilégio e o desejo de distribuir a Justiça em contraposição ou à margem das leis, quando a razão natural ou a luz dos primeiros princípios de caridade declaram inaplicável a lei escrita ou consuetudinária (CXX, 1).

Tem grande importância esta virtude?
Ela está à frente e, de certo modo, governa e mantém em sua própria esfera todas as que são destinadas a dirigir e consolidar as relações sociais (CXX, 2).

XL

DO DOM DE PIEDADE CORRESPONDENTE À JUSTIÇA

Qual dos dons do Espírito Santo corresponde à justiça ?
O dom de piedade (CXXI).

Em que consiste o dom de piedade?
Em certa preparação habitual da vontade que dispõe o homem para receber uma moção direta e pessoal do Espírito Santo, que o impele a tratar com Deus na ordem sobrenatural, como com um pai a quem com ternura se ama, reverencia e obedece, e com todas as criaturas racionais, como filhas de Deus e membros da grande família divina (CXXI, 1).

Logo, o dom da piedade põe o último e mais delicado toque nas relações do homem com Deus e com os seus semelhantes?
Sim, Senhor; é o complemento da virtude da Justiça e de todas as suas agregadas, e se os homens, correspondendo à moção do Espírito de Deus, o reduzissem à prática, o gênero humano se converteria em uma grande família divina, imagem fiel da que reina no céu.

XLI

DOS PRECEITOS RELATIVOS À JUSTIÇA CONTIDOS NO DECÁLOGO: DOS TRÊS PRIMEIROS E DOS QUATRO ÚLTIMOS

Existem preceitos relativos à virtude da Justiça e suas anexas e com o seu complemento, o dom de piedade?
Sim, Senhor; todos os preceitos do Decálogo (CXXXII, 1)*.

Logo, o Decálogo limita-se a preceituar estas virtudes?
Sim, Senhor; e os mandamentos referentes a outras são posteriores e à maneira de complemento e explicação dos primeiros (CXXII, 1).

Por que?
Porque, sendo os mandamentos do Decálogo primeiros princípios da lei moral, devem ter por objeto matérias de justiça, e a justiça se encarna no conceito da coisa devida e na vontade de dá-la, chave das relações humanas fundadas na virtude (Ibid).

Como se classificam os preceitos do Decálogo?
Em dois grupos, chamados Tábuas da Lei.

Quais são os que compreende a primeira tábua?
Os três primeiros, referentes à religião ou às relações do homem com Deus.

Em que ordem estão dispostos?
Os dois primeiros removem os principais obstáculos que se opõem ao culto divino; a superstição ou o culto dos falsos deuses e a irreligião ou falta de acatamento ao verdadeiro Deus; o terceiro indica o único culto digno de Deus (CXXII, 2, 3).

Que obrigações impõe o terceiro mandamento do Decálogo?
As de abster-se de trabalhos servis e dedicar-se aos do serviço de Deus (CXXII, 4 ad 3).

Que entendeis por abster-se de trabalhos servis?
A obrigação de abandonar qualquer trabalho manual dispensável para a manutenção da vida material ou não imposto por uma necessidade urgente e inadiável, em um dia da semana que, na atual disciplina, é o domingo, e nas festas de preceito que são em toda a Igreja, as da Natividade, Circuncisão, Epifania, Ascensão, Festa de Corpus Christi, a Imaculada Conceição, a Assunção, festa de São José, São Pedro e São Paulo e Todos os Santos (CXXII, 3, ad 3; Código, 1247).

A que obriga o mandamento de empregar-se nas obras do serviço divino?
Obriga a estar desimpedido para ouvir missa aos domingos e dias de festa, sob pena de pecado mortal (Ibid).

Aquele que, em dia de preceito, não pode ouvir missa, fica obrigado a praticar algum outro exercício de piedade?
Não, Senhor; porém, certamente faltará à obrigação de santificar as festas o que desejasse passar estes dias sem exercitar ato algum de religião.

Quais são os mandamentos que contem a segunda tábua?
Os que se referem à virtude da piedade para com os pais e aos deveres de estrita justiça para com o próximo (CXXII, 5, 6).

XLII

DA FORTALEZA COMO VIRTUDE E COMO ATO: O MARTÍRIO  VÍCIOS OPOSTOS: COVARDIA, INDIFERENÇA E TEMERIDADE

Qual é a terceira virtude cardeal?
A fortaleza (CXXII-CXL).

Que entendeis por fortaleza?
Uma perfeição moral da parte afetiva sensível cujo objeto é afrontar com denodo e intrepidez os grandes riscos ou moderar os ímpetos da audácia nos perigos de morte em guerra justa, mantendo sempre o homem no cumprimento do dever (CXXIII, 1-6).

Tem esta virtude algum ato em que se condense toda a sua perfeição?
Sim, Senhor; o martírio (CXXIV).

Que entendeis por martírio?
Um ato da virtude da fortaleza mediante o qual não teme o cristão a morte, para dar testemunho da verdade, nesta espécie de guerra privada que deve sustentar contra os perseguidores do nome de Cristo (CXXIV, 1-5).

Que vícios se opõem à virtude da fortaleza?
De um lado, a covardia, própria de quem desmaia e se aterra nos transes da morte; e a impassibilidade diante do perigo, vício de quem não o evita, podendo e devendo fazê-lo. De outro lado, a temeridade, pecado dos que postergam os conselhos da prudência para ir ao encontro do perigo (CXXV-CXXVII).

Logo, é possível pecar por excesso de valor?
Não, Senhor; é, porém, possível pecar por excesso nesta matéria, nos arrebatamentos de ousadia não refreados pela razão, executar atos que pareçam de valor e em realidade não o sejam (CXXVII, 1 ad 2).

XLIII

DAS VIRTUDES ANEXAS À FORTALEZA: A MAGNANIMIDADE — VÍCIOS OPOSTOS: PRESUNÇÃO, AMBIÇÃO, VANGLÓRIA, PUSILANIMIDADE

Existem virtudes parecidas com a da fortaleza na maneira de obrar, ainda que em matéria menos difícil?
Por um conceito, parecem-se a magnanimidade e a magnificência, e, por outro, a paciência e a perseverança (CXXVIII).

Em que se distinguem estes dois grupos de virtudes?
Em que, as duas primeiras, têm semelhança com a fortaleza, porque os seus atos são árduos e difíceis, e as duas últimas porque têm por objeto conservar alentos e serenidade nas grandes aflições e situações violentas (Ibid).

Qual é o objeto próprio da magnanimidade?
Infundir no ânimo alento e esperanças para levar ao fim empresas ilustres e gloriosas (CXXIX, 1, 2).

Logo, tudo é grande na magnanimidade?
Sim, Senhor; é a virtude própria dos grandes corações.

Opõe-se-lhe algum vício?
Sim, Senhor, muitos; uns por defeito, outros por excesso.

Quais são os que se lhe opõem por excesso?
A presunção, a ambição e a vangloria (CXXX -CXXXII).

Em que se diferenciam?
Em que a presunção nos arrasta a iniciar empresas superiores às nossas forças; a ambição, a procurar honras indevidas ao nosso estado e merecimentos; e a vanglória, a procurar fama e nomeada sem objeto, ou por falta de méritos em que apoiá-las ou por não serem ordenadas para o seu verdadeiro fim, que é a glória de Deus e o bem do próximo (Ibid).

A vanglória é pecado capital?
Sim, Senhor; porque é a grande propensão dos homens e arrasta-os a cometer uma multidão de pecados, o prurido de alardear a sua própria valia e excelência (CXXXII, 4).

Quais são as suas filhas ou os vícios que dela se derivam?
São os de jactância, hipocrisia, pertinácia, discórdia, emulação e desobediência (CXXXII, 5).

Que vício se opõe por defeito à magnanimidade?
A pusilanimidade (CXXXIII).

Por que é pecado a pusilanimidade?
Por ser contrária à lei natural que obriga a todos os seres a desenvolver a sua atividade, contribuindo para isso com todos os meios e energias de que estejam dotados (CXXX, 1).

Logo, é censurável a conduta dos que, por desconfiança em si mesmos ou por humildade mal entendida, não fazem frutificar todos os talentos que receberam de Deus?
Sim, Senhor (Ibid).

XLIV

DA MAGNIFICÊNCIA — VÍCIOS OPOSTOS: MESQUINHARIA E DESPERDÍCIO

Em que consiste a virtude da magnificência?
Em projetar e empreender obras de difícil execução, sem recuar diante da grandeza do trabalho nem dos gastos necessários para levá-las a cabo (CXXXIV, 1, 2).

Logo, o exercício desta virtude supõe grandes riquezas e ocasião propícia para empregá-las no culto de Deus ou em proveito e utilidade dos nossos concidadãos?
Sim, Senhor (CXXXIV, d).

É por conseguinte, a virtude própria dos ricos e poderosos?
Sim, Senhor.

Que vícios se lhe opõem?
A mesquinharia ou avareza, que obriga a mesurar e cercear, mais do que é justo, os gastos necessários para as obras em projeto ou execução e o vício do desperdício ou dos gastos supérfluos e injustificados, em relação com a obra construída (CXXXVI, 1-3).

XLV

DA PACIÊNCIA, LONGANIMIDADE E CONSTÂNCIA

Qual é a característica da virtude da paciência?
Suportar as tristezas e tribulações que o decorrer da vida, a cada momento, nos proporciona e de uma maneira especial as que nos ocasiona o trato com os nossos semelhantes, com olhos postos na vida futura, objeto da caridade (CXXXVI, 1-3)*.

Identifica-se a paciência com a longanimidade e a constância?
Não, Senhor; porque, se bem que estas virtudes nos dispõem a suportar as tribulações da vida, a paciência nos sustém nas contrariedades ocasionadas pelo trato diário com os homens, a longanimidade nos sustém contra a tristeza de ver como se afasta ou desvanece um bem intensamente desejado e a constância contra o desgosto e desfalecimento que podem assaltar-nos na prática continuada do bem (CXXXVI, 5).

XLVI

DA PERSEVERANÇA — VÍCIOS OPOSTOS: MOLEZA OU DESÂNIMO E PERTINÁCIA

Tem alguma coisa de comum a perseverança com as virtudes de que acabamos de falar?
O fim da perseverança não é entrar em reação contra a tristeza, senão contra a fadiga e o desânimo que, em determinadas ocasiões, nos assaltam na prolongada prática da virtude (CXXXVII, 1, 3).

Opõe-se a ela algum vício?
Sim, senhor; o desânimo ou moleza que faz perder o ânimo e desistir das empresas diante das dificuldades e fadigas que se preveem; e a pertinácia, vício dos que se obstinam em não ceder quando seja útil e razoável (CXXXV-III, 1, 2).

XLVII

DO DOM DA FORTALEZA CORRESPONDENTE À VIRTUDE DO MESMO NOME

Existe algum dom do Espírito Santo correspondente à virtude da fortaleza?
Sim, Senhor; o dom conhecido com o mesmo nome (CXXXIX).

Em que se diferençam o dom e a virtude da fortaleza?
Ambos têm por objeto o temor e, de certo modo, a audácia; porém; ao passo que o temor e a audácia, que a virtude da fortaleza modera, dizem respeito aos perigos que o homem pode com suas forças afastar, o temor e a confiança, que o dom correspondente excita, consideram males e perigos que de maneira alguma podem evitar-se; tal é, por exemplo, a dolorosa separação que a morte impõe entre o homem e os bens da vida presente; sem dar por isso a única dádiva que poderia supri-los ou compensá-los seria a posse efetiva da vida eterna. A ação própria e exclusiva do Espírito Santo é dar a vida eterna em troca das misérias da vida temporal, apesar de todos os inconvenientes e dificuldades que se interponham, inclusive a morte. A Ele, por conseguinte, incumbe infundir no homem desejos desta troca e permuta, inspirando-lhe tal confiança que o faça desprezar os maiores perigos e, de certo modo, desafiar a morte, não para sucumbir na luta, senão para obter o triunfo definitivo sobre ela. Este é o efeito do dom de fortaleza e, se quisermos declarar qual o seu objeto próprio, poderemos dizer que é a vitória sobre a morte (CXXXIX, 1).

XLVIII

DOS PRECEITOS RELATIVOS À FORTALEZA

Existem na lei divina preceitos relacionados com a virtude da fortaleza?
Sim, senhor; e estão dados na forma mais conveniente, porque, suposto que a lei divina e especialmente a Nova, está destinada a fixar a alma em Deus, vemos que convida o homem com preceitos negativos a não temer os males terrenos e, com mandatos positivos, a combater sem trégua nem descanso o seu mortal inimigo (CXL, 1).

São tão sábios como estes os preceitos das demais virtudes relacionadas com a fortaleza?
Sim, senhor; porque, a respeito da paciência e da perseverança que têm por objeto as lutas ordinárias da vida, há preceitos positivos; porém, tratando-se da magnificência e da magnanimidade, virtudes que moderam atos perfeitos, não existem mandatos, senão conselhos (CXL, 2).

XLIX

DA TEMPERANÇA, ABSTINÊNCIA E JEJUM — VÍCIO OPOSTO: A GULA

Qual é a quarta virtude moral necessária para não nos extraviarmos no caminho de retorno a Deus?
A virtude da temperança (CXLI-CLXX).

Que entendeis por virtude da temperança?
Aquela que mantém o apetite sensitivo sujeito aos ditames da razão, para evitar que se exceda nos prazeres, especialmente do tato, nos atos necessários à conservação da vida corporal (CXLI, 1-5).

Que prazeres são estes?
Os da mesa e os do matrimônio (CXLI, 4).

Que nome recebe a virtude da temperança quando se aplica a por em ordem os prazeres da mesa?
Chama-se abstinência ou sobriedade (CXLIX).

Em que consiste a abstinência?
Em governar conforme a razão o desejo imoderado de manjares e bebidas (CXLVI, 1).

Qual é a maneira própria de praticar a virtude da abstinência?
O jejum (CXLVII).

Em que consiste?
Em suprimir parte da alimentação normal (CXLVII, , 1, 2).

Não será ilícito e prejudicial?
Pelo contrário, pode ser de grandes benefícios, porque serve para reprimir a concupiscência, de modo que o espírito se eleve com maior liberdade à contemplação das mais sublimes verdades e serve também para satisfazer pelos pecados.

Que condições há de reunir o jejum para ser salutar e meritório?
As de ser dirigido e ordenado pela prudência e discrição, não comprometendo a saúde e nem sendo obstáculo para o cumprimento das obrigações do próprio estado (CXVII, 1, ad 2).

Estão obrigados a jejuar todos os que chegam ao uso da razão?
Nem todos os homens estão obrigados ao jejum eclesiástico, porém todos são obrigados a privar-se de alimento, na medida que o exija a prática das virtudes morais (CXLVII, 3, 4).

Que entendeis por jejum eclesiástico?
O prescrito pela Igreja, em determinados dias e a partir da idade por ela marcada (CXLVII,5-8).

Em que consiste?
Em não fazer mais que uma só refeição no dia (CXLVII, 6).

É necessário fazê-la na hora fixa?
Não, Senhor; pode fazer-se no meio dia ou à noite.

Pode tomar-se alimento fora da comida?
Pode tomar-se uma quantidade módica, pela manhã, como desjejum, e outra à noite como complementar (Código, 1251).

Quem está obrigado ao jejum eclesiástico?
Todos os batizados, desde a idade de vinte e um anos até os cinquenta e nove completos (Código, 1254).

Que causas dispensam do jejum?
Motivos de saúde ou de trabalho e, em caso de dúvida, a dispensa concedida pela autoridade legítima (CXLVII, 4).

Quem pode dispensar?
Praticamente basta a dispensa do superior eclesiástico imediato.

Em que dias há obrigarão de jejuar?
No Brasil, a Santa Sé costuma conceder que sejam os seguintes: todas as sextas-feiras da quaresma e quarta-feira de cinzas, jejum com abstinência de carne; todas as quartas-feiras da quaresma, quinta-feira da semana Santa e sexta-feira das têmporas do advento, jejum sem abstinência de carne.

Em que consiste a lei eclesiástica da abstinência?
Em abster-se de carnes e caldos preparados com elas.

Em que dias obriga?
No Brasil, segundo costuma conceder a Santa Sé, só na quarta-feira de cinzas e em todas as sextas-feiras da quaresma e nas vigílias do Espírito Santo, Assunção de Nossa Senhora, de todos os Santos e do Natal.

Quem está obrigado à lei da abstinência?
Todos os fiéis que tenham completado sete anos (Código 1254).

Que vício se opõe à abstinência?
O da gula (CXLVIII).

Que entendeis por gula?
O apetite desordenado de comer e beber (CXVIII, 1).

Contém este vício várias espécies?
Sim, senhor; pode cometer-se, umas vezes, atendendo à natureza, quantidade ou qualidade dos manjares, modo de condimentá-los e, outras vezes, na maneira de consumi-los, já antecipando a hora sem necessidade, já tomando-as com excessiva avidez e glutoneria (CXLVIII, 4).

É a gula um vício capital?
Sim, senhor; visto que facilita os prazeres que com mais força solicitam e arrastam o homem (CXLVIII, 5).

Quais são as filhas da gula?
Torpeza e estupidez do entendimento, alegria injustificada, intemperança na linguagem, chocarrice e impureza (CXLVIII, 6).

Por que estes vícios repugnantes provêm especialmente da gula?
São repugnantes porque degradam e quase extinguem a razão e provêm da gula porque o entendimento, obscurecido e adormecido com os vapores dos manjares, perde o governo e abandona a direção dos nossos atos (Ibid).

L

DA SOBRIEDADE — VÍCIO OPOSTO: A EMBRIAGUEZ

Existe, além da abstinência, alguma outra virtude que ajude o homem a evitar tão desastrosos resultados?
Sim, Senhor; a virtude da sobriedade (CXLIX)*.

Que entendeis por sobriedade?
Uma virtude cujo fim é moderar o uso das bebidas alcoólicas (CXLIX, 1, 2).

Como se peca contra ela?
Excedendo-se no uso desta classe de bebidas até chegar ao estado de embriaguez (CL).

Que entendeis por estado de embriaguez?
O estado físico no qual, por abusar da bebida, se chega a perder o uso da razão (CL, 1).

Constitui sempre pecado?
Quando provém, como consequência de não se tomarem precauções, nem reparar nos resultados que podia trazer o excesso da bebida, sim, Senhor (CL, 2).

Quando será pecado mortal?
Quando, previsto o resultado, se prefere o estado de embriaguez ao de privar-se do prazer da bebida (CL, 2).

É a embriaguez um vício repugnante e embrutecedor?
Sim, Senhor; porque priva o homem do uso da razão e o rebaixa a um nível inferior ao dos animais que sempre conservam expedito o instinto para se governarem. (CL 3).

LI

DA CASTIDADE E VIRGINDADE — VÍCIO OPOSTO: A LUXÚRIA

Além da abstinência e sobriedade, qual é a outra grande virtude de que forma por si só uma das espécies da temperança?
A virtude da Castidade (CLI).

Que entendeis por virtude da castidade?
A que faz o homem senhor de todos os movimentos do apetite sensitivo em matéria venérea (CLI, 1).

Em que virtude se compendiam e resumem todas as perfeições da castidade?
Na Virgindade (CLII).

Que entendeis por virgindade?
O propósito firme, confirmado com voto, de renunciar para sempre aos prazeres do matrimônio (CLII, 1-3).

Que vício se opõe à castidade?
O vício da luxúria (CLIII).

Em que consiste?
Em procurar, por obras, desejos ou pensamentos consentidos, os prazeres dos atos destinados à propagação da espécie, prescindindo do que exige a honestidade ou impõe a natureza (CLIII, 1-3).

Tem a luxúria várias espécies?
Sim, Senhor; tantas quantas as maneiras de cair nela (CLIV).

Quais são?
A simples fornicação, contrária ao fim do matrimônio, que é a criação e educação dos filhos; os pecados contra a natureza, os mais graves nesta matéria, opostos ao fim primário do matrimônio, isto é, à procriação; o incesto, adultério, estupro e rapto, que consistem: o primeiro, em abusar dos parentes próximos; o segundo, de pessoas casadas; o terceiro, dos que vivem sob a tutela de seus pais ou encarregados e tutores e o quarto, em enganar ou violentar a qualquer pessoa com fins libidinosos (CLIV, 1-12).

O vício da luxúria, base e trama de todos os enumerados, é pecado capital?
Sim, Senhor; por ser o que, com maior força e veemência, fustiga os homens (CLIII, 4).

Quais são as filhas da luxúria?
A cegueira do espírito, a precipitação, a inconsideração, a inconstância, o amor de si mesmo, o ódio a Deus, o apego a esta vida e o horror à futura (CLIII, 5).

Têm estes vícios alguma qualidade ou traço comum?
Sim, Senhor; concordam na propensão para sobrepor a carne ao espírito, como para aniquilá-lo; e a sua torpeza, como a de sua mãe, a luxúria, consiste em degradar o homem, reduzindo-o à condição dos brutos (CLIII, 5).

LII

DAS VIRTUDES ANEXAS À TEMPERANÇA: A CONTINÊNCIA  VÍCIO OPOSTO: A INCONTINÊNCIA

Além das virtudes que constituem espécies da temperança, não há outras que se relacionam com ela na qualidade de agregadas?
Sim, Senhor; aquelas cujos atos são análogos aos da temperança, ainda que elas sejam diferentes, não só por terem objetos mais dóceis e fáceis, mas também porque os seus atos não se lhe igualam em perfeição (CLV).

Quais são?
A continência, a clemência, a mansidão e a modéstia (CLV-CLXX).

Que entendeis por continência?
A virtude, ainda que como tal imperfeita, de resistir às cadeias e encantos das paixões, com os olhos postos no dever (CLV, 1).

Por que dizeis que como virtude é imperfeita?
Porque a virtude perfeita avassala e domina as paixões e a continência delimita-lhes a ação (Ibid).

Opõe-se-lhe algum vício?
Sim, senhor; a incontinência (CLVI).

Em que consiste?
Em ceder à paixão e deixar-se por ela dominar e arrastar (CLVI, 1).

Qual é o pecado mais grave, o da intemperança ou o da incontinência?
O da intemperança, porque assim como a temperança é virtude mais perfeita do que a continência, o vício oposto a ela é mais grave pecado (CLVI, 3).


LIII

DA CLEMÊNCIA E DA MANSIDÃO — VÍCIOS OPOSTOS: A IRA, A CRUELDADE OU FEROCIDADE

Que entendeis por clemência e mansidão?
São duas virtudes, uma destinada a moderar os castigos que hajam de impor-se, para que não excedam os limites da Justiça, e a outra destinada a moderar os movimentos interiores da ira (CLVII, 1)*.

A clemência opõe-se à severidade e a mansidão à vindita?
De maneira alguma, porque não têm o mesmo objeto e também porque, por caminhos distintos, propendem para o mesmo fim (CLVIII, 2 ad 1).

Que vícios se opõem à clemência e à mansidão?
A ira, a crueldade e a ferocidade (CLVIII, CLIX).

Que é a ira?
Um movimento do apetite irascível, que nos arrasta a tirar vingança, sem motivo ou contra a ordem e a razão (CLVIII, 2).

Quantas espécies compreende?
Três: a cólera dos violentos, que se irritam pelo motivo mais insignificante; a dos rancorosos, que guardam por muito tempo a recordação das injúrias; a dos obstinados, que não descansam enquanto não tiram vingança (CLVIII, 5).

A ira é pecado capital?
Sim, Senhor; porque o seu fim, a vingança, com a aparência de justa reparação, seduz e arrasta com facilidade os homens (CLVIII, 7).

Quais são as suas filhas?
A indignação, o orgulho, a vociferação, a blasfêmia, a injúria e a rixa (CLVIII, 7).

Existe algum vício contrário ao vício da ira?
Sim, Senhor; a apatia e a indolência, que se revelam em deixar impunes faltas que merecem corretivo (CLVIII, 8).

Que entendeis por crueldade?
A dureza de alma, que se manifesta na imposição de castigos ou penas injustas e irracionais (CLXI, 1).

Em que consiste a ferocidade?
Numa alegria e complacência selvagens, brutais e desumanas, nos sofrimentos do próximo, não os considerando como castigos merecidos, senão como meios de satisfazer rancores ou objeto de diversão. A ferocidade opõe-se diretamente à virtude da piedade (CLIX, 2).

São possíveis tais excessos?
Ainda que pareça incompreensível, aí está a história para demonstrá-lo. Povos houve, e se contam entre os mais civilizados em aparência, que achavam o mais saboroso prazer nas horripilantes cenas do anfiteatro.

LIV

DA MODÉSTIA E DA HUMILDADE — VÍCIO OPOSTO: O ORGULHO — PECADO DOS NOSSOS PRIMEIROS PAIS — NATURALISMO E LAICISMO

Qual é a última virtude agregada à temperança?
A modéstia (CLX, CLXX).

Que entendeis por modéstia?
Uma virtude que serve para refrear e moderar o apetite em matérias mais fáceis do que as da temperança, da continência, da clemência e da mansidão (CLX, 1, 2).

Logo, sobre que coisas exerce o seu influxo?
Sobre o desejo imoderado de grandezas, de saber e aprender; sobre os ademanes e movimentos do corpo e a maneira de vestir (CLX, 2).

Que nomes têm as virtudes deputadas para regular os movimentos afetivos relacionados com cada uma destas matérias?
As de humildade, estudiosidade e modéstia (Ibid).

Que entendeis por humildade?
Uma virtude que inclina o homem a reprimir e disciplinar a ambição de honras e grandezas, de forma que não queira nem procure senão as correspondentes à hierarquia em que Deus o colocou (CLXI, 1, 2).

Que consequências práticas devemos tirar desta definição?
A convicção íntima de que, prescindindo dos dotes que Deus graciosamente nos concedeu, a nada temos direito, já que, de colheita própria, só recolhemos como frutos, pecados; e pelo contrário, todas as honras e excelências pertencem aos outros, na proporção da medida com que a Deus aprouve fazê-los participantes das suas perfeições; além disso, ao reconhecermos em nós mesmos as boas qualidades e dons de Deus, devemos procurar que os outros homens honrem em nós a Deus, como neles nós O honramos (CLXI, 3).

Logo, a humildade é inseparável da verdade, e apoiado na verdade, pode um homem considerar-se inferior a todos os outros?
Com as preditas delimitações, sim, senhor (Ibid).

Que nome tem o vício oposto à humildade?
O de soberba ou orgulho (CLXII).

Que entendeis por soberba?
Um vício especial e, em certo modo, também geral, por cujo impulso, esquecendo e desprezando a lei, o homem se inclina a dominar e submeter tudo ao seu capricho, considerando-se superior a tudo quanto o rodeia (CLXII, 1, 2).

Por que dizeis que, sendo um vício especial, também é de alguma maneira geral?
É especial porque tem como fim próprio o desejo de dominar e sobressair-se, sem levar em consideração a subordinação e o respeito devidos a Deus; e é geral, porque este mesmo desejo é aproveitado por todos os outros pecados.

É muito grave o pecado da soberba?
É o mais grave de todos os pecados, porque envolve desprezo direto de Deus e, neste conceito, aumenta a gravidade de todos os outros, qualquer que seja a que tenham por si mesmos (CLXII, 6).

É e tem sido sempre a soberba o primeiro pecado?
Sim, senhor; porque envolve primária e essencialmente desprezo, aversão e separação de Deus, que nos outros pecados não é elemento constitutivo, mas simplesmente resultado; portanto, não pode existir pecado mortal que não pressuponha o da soberba ainda que dele se distinga (CLXII, 7).

É pecado capital?
É mais do que pecado capital; é o chefe e rei de todos os vícios e pecados (CLXII, 8).

Qual foi o pecado dos nossos primeiros pais?
O da soberba, como antes o tinha sido dos anjos rebeldes (CLXIII, 1).

Não seria antes o pecado da gula, da desobediência, da curiosidade ou da falta de fé na palavra de Deus?
Todos estes pecados, que, com efeito, acompanharam a primeira falta, foram consequência do pecado de soberba, antes do qual não podiam ter-se cometido (CLXIII, 1).

Por que dizeis que, antes de se ter cometido o pecado de soberba, não se podia cometer nenhum outro?
Porque o estado de inocência era acompanhado do dom da integridade, em virtude do qual todas as potências e faculdades guardavam perfeita subordinação, enquanto o espírito permanecesse sujeito a Deus; logo, para romper o equilíbrio foi necessário que a razão sacudisse o jugo divino, obtendo uma independência que não lhe pertencia, e nisto consiste o pecado da soberba (CLXIII, 1, 2).

Os pecados do naturalismo e laicismo, tão difundidos depois da reforma protestante, da renascença pagã e da revolução francesa, são pecados de soberba?
Sim, senhor; e daí provém a sua gravidade, por serem a reprodução do grito de rebelião que proferiram, primeiro, Satanás e os seus anjos, e, depois, os nossos primeiros pais.

LV

DA ESTUDIOSIDADE — VÍCIO OPOSTO: A CURIOSIDADE

Que entendeis por estudiosidade, segunda virtude anexa à temperança, sob a influência da modéstia?
A que preside e modera a afeição ao estudo e ao desejo de saber (CLXVI, 1).

Como se chama o vício oposto?
Curiosidade (CLXVII).

Em que consiste?
No desejo imoderado de saber o que nos não interessa ou o que nos pode ser prejudicial (CLXVII, 1, 2).

Comete-se este pecado com muita frequência?
Sim, senhor; quer na aquisição de toda classe de conhecimentos, quer na daqueles que só podem servir para procurar prazeres para os sentidos e fomentar as paixões (Ibid).

Logo, é pecado de curiosidade a afeição desmedida à leitura, sobretudo à leitura de novelas e romances, o assistir a festas profanas e espetáculos como teatros, cinematógrafos e outros do mesmo gênero?
Sim, senhor; e costuma ser também pecado de luxúria e sensualidade.

LVI

DA MODÉSTIA EXTERIOR

Qual é a última das virtudes anexas à temperança e conhecidas com o nome geral de modéstia?
A propriamente chamada virtude da modéstia (CLXVII - CLXX).

Que entendeis por virtude da modéstia?
O ápice da perfeição nos movimentos afetivos, cujo resultado é que todas as ações exteriores, como sejam movimentos, gestos, palavras, tom de voz, atitudes, etc, convenham ao decoro da pessoa e se acomodem às suas circunstâncias, estado e situação, de forma que nada destoe, senão que resplandeça em tudo a mais perfeita harmonia. Neste conceito se relaciona a modéstia com a amizade ou afabilidade e com a verdade (CLXVIII, 1).

Pertencem também à virtude da modéstia os atos relacionados com o jogo, as diversões e os recreios?
Sim, senhor; e neste caso, toma a virtude o nome de eutrapélia, ou virtude que preside às diversões e aos recreios, evitando que se peque seja por excesso, seja por defeito (CLXVIII, 2-4).

Está a cargo da modéstia o que se refere à maneira de vestir?
Sim, senhor; e neste sentido, rigorosamente, se chama modéstia (CLXIX).

Que normas prescreve?
Não ter afeição desmedida aos vestidos caros e faustosos, nem fazer ostentação de pobres e desalinhados (CLXIX, 1).

Logo, pecam contra a virtude da modéstia as pessoas mundanas, escravas dos exageros a que chamam moda, incentivo e frequente ocasião de pecado?
Pecam contra a modéstia e contra a castidade e são dignas de severa repreensão (CLXIX, 2).


LVII

DO DOM CORRESPONDENTE À VIRTUDE DA TEMPERANÇA

Existe algum dom do Espírito Santo correspondente à virtude da temperança?
Sim, Senhor; o dom do temor (CLI, 1 ad 3)*.

Porém, não dissestes que o dom de temor corresponde à virtude teologal da esperança?
Corresponde às duas, porém, sob distintos aspectos (Ibid).

Quando pertence a uma e quando à outra?
Corresponde à virtude teologal da Esperança, quando o homem reverencia a Deus e evita as suas ofensas em consideração à sua grandeza infinita; e pertence à virtude cardeal da temperança quando, por consequência do grande respeito devido à Majestade divina que o dom inspira, procura não incorrer nos pecados com que se ofende a Deus com maior frequência, como é o abuso dos prazeres sensuais (Ibid).

Não basta a virtude da temperança para evitá-los?
Sim, Senhor; porém, em muito menor eficiência, porque não dispõe de outros meios além dos próprios do homem guiado pela luz da razão e da fé; enquanto que o dom do temor o auxilia com a moção pessoal e onipotente do Espírito Santo, permitindo-lhe, em virtude do respeito e reverência devidos à majestade divina, manter refreados os prazeres dos sentidos e os incentivos de pecar.

LVIII

DOS PRECEITOS RELATIVOS À TEMPERANÇA

Existe na lei divina algum preceito relativo à temperança?
Sim, Senhor; há dois (CLXX).

Quais são?
O sexto e nono preceitos do Decálogo: 'Não cometerás adultério' e 'Não desejarás a mulher do teu próximo'.

Por que os preceitos falam só do adultério e por que há no Decálogo dois preceitos nesta matéria?
O primeiro porque, entre os pecados contra a temperança, é o que mais profundamente perturba as boas relações entre os homens em matéria de justiça, objeto principal do Decálogo e o segundo, para dar-nos a entender a grande necessidade de combater o funesto pecado do adultério (CLXXI).

Existem no Decálogo mandamentos relativos às virtudes agregadas à temperança?
Não, Senhor; porque, consideradas em si mesmas, não moderam diretamente as relações com Deus, nem com o próximo; porém, tendo em consideração os seus efeitos, abrangem preceitos da primeira e da segunda tábua; como, por exemplo, o de honrar a Deus e aos pais, dever que o homem esquece por consequência do pecado de soberba; o que proíbe o homicídio, extremo a que o homem chega pela ira (CLXX, 2).

Deviam ter-se dado no Decálogo mandamentos e normas positivas para exercitar a virtude da temperança e suas agregadas?
Não, Senhor; porque os mandamentos do Decálogo devem ser aplicáveis a todos os homens em todas as épocas, e o exercício positivo destas virtudes, tais como a maneira de apresentar-se, vestir, falar, etc, varia com os tempos, lugares e costumes (CLXX, 1 ad 3).

Quem tem autoridade para regulamentar estas ações?
A Igreja.

Há na Sagrada Escritura alguma passagem em que somos convidados a pedir a Deus o dom de temor correspondente à virtude da temperança?
Sim, Senhor; aquele belo texto do Salmo 118, 120: Confige timore tuo carnes meas - 'O vosso temor extermine as rebeliões da minha carne'.

LIX

DE COMO SÃO SUFICIENTES AS VIRTUDES ENUMERADAS PARA CONSEGUIR A VIDA ETERNA — DA VIDA ATIVA, DA VIDA CONTEMPLATIVA E DO ESTADO DE PERFEIÇÃO — DA VIDA RELIGIOSA: AS CONGREGAÇÕES RELIGIOSAS NA IGREJA

Já temos conhecimento suficiente de todas as virtudes que o homem deve praticar para alcançar a glória, e dos vícios de que se deve precaver para se não expor a perdê-la?
Sim, Senhor; porque aprendemos a conhecer e a amar o fim sobrenatural e a tomá-lo por norte da vida, nas grandes virtudes da fé, esperança e caridade; estudamos as quatro virtudes morais cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança, consideradas não só na ordem natural e como hábitos adquiridos, mas também como virtudes infusas em proporção com as teologais; e, conjuntamente com elas, as normas práticas para governar a nossa vida em harmonia com o fim sobrenatural; por conseguinte, basta praticar o estudado e de resto corresponder à inspiração dos dons do Espírito Santo, para alcançarmos um dia a bem aventurança eterna da glória. E, se, por desgraça, cairmos em algum pecado, dispomos de meios para satisfazer por ele e para aplicar em nós o valor satisfatório da paixão de Cristo, mediante outra virtude, a da penitência, que estudaremos na Terceira Parte desta obra.

Quantos métodos de vida existem para praticar o conjunto das virtudes enunciadas, objeto principal, ou para melhor dizer, único de nossa passagem pela vida?
Dois, chamados, vida ativa e vida contemplativa (CLXXLX - CLXXXII).

Que entendeis por vida contemplativa?
Aquela em que o homem, vencidas e sossegadas as paixões, isento e livre de cuidados e negócios temporais, passa a vida, na medida que lhe permite a pobre condição humana, sem outros afãs nem ocupações e nem deleites, do que os de meditar e contemplar a beleza e perfeições de Deus e as da natureza, obra de suas mãos; em conhecer estas verdades encontra a sua perfeição, e em amar o que contempla encontra tão delicado deleite que foge de tudo mais, parecendo-lhe vão tudo o que não seja Deus (CLXXX, 1 - 8).

Logo, a vida contemplativa supõe todas as virtudes?
Supõe-nas todas, como disposições, e, além disso, aperfeiçoa-as, porque consiste numa atuação em que intervém todas, as intelectuais e as morais, dispostas para que nelas se exerça a ação pessoal do Espírito Santo, mediante os seus dons (CLXXX, 2).

Em que consiste a vida ativa?
No exercício das virtudes morais, especialmente da prudência, porque o seu objeto não é a contemplação, mas a ação neste mundo e, para regular as ações, se necessitam as virtudes morais (CLXXXI, 1-4).

Qual destes dois gêneros de vida é mais perfeito?
Indubitavelmente, a contemplativa, porque é na terra uma imagem da do céu (CLXXXI, 1-4).

A prática das virtudes, em que se constitui a vida ativa e contemplativa, é compatível com todos os estados e condições, ou está ligada a algum em especial?
Pode encontrar-se em todos os estados ordinários ou desenvolver-se no estado de perfeição.

Que entendeis por estado de perfeição?
Um gênero de vida fixo e permanente em que o homem, livre dos laços com que o escravizam às necessidades da vida, pode, sem prisões nem estorvos, dedicar-se ao serviço de Deus (CLXXXIII, 1,4).

Perfeição é o mesmo que estado de perfeição?
Não, Senhor; porque a perfeição é interior, e no estado de perfeição se considera principalmente um conjunto de atos exteriores (CLXXXIV, 1).

Podemos ser perfeitos sem viver em estado de perfeição ou viver em estado de perfeição e não ser perfeitos?
Sim, Senhor (CLXXXIV, 4).

Logo, para que ingressar no estado de perfeição?
Porque facilita a sua aquisição, e é ali que ordinariamente se encontra.

Logo, que é que constitui o estado de perfeição?
A obrigação perpétua e adquirida em forma solene de levar uma vida interior em conformidade com o que a perfeição exige (Ibid).

Quem vive em estado de perfeição?
Os bispos e os religiosos (CLXXXIV, 5).

Por que se acham os bispos no estado de perfeição?
Porque no momento de receberem a consagração e tomarem o ofício e cargo pastorais, se obrigam solenemente a dar a vida por suas ovelhas (CLXXXIV, 6).

Por que o estão os religiosos?
Porque se obrigam, com votos perpétuos, feitos com a solenidade que a profissão ou a benção requerem, a por de parte os bens deste mundo que licitamente poderiam usufruir, para mais livremente se consagrarem ao serviço de Deus (CLXXXIV, 5).

Qual destes dois estados é o mais perfeito?
É o dos bispos (CLXXXIV, 7).

Por que?
Porque, tendo em devida conta o aforismo, é mais nobre quem dá do que quem recebe, os bispos têm obrigação de ser perfeitos, e os religiosos a obrigação de aspirar à perfeição (Ibid).

Por que dizeis que os religiosos, pelo seu estado, propendem para a perfeição?
Porque, em virtude, dos três votos de pobreza, castidade e obediência, encontram-se felizmente impossibilitados de pecar e obrigados a fazer bem todas as coisas (CLXXXVI, 1 - 10).

São essenciais os três votos no estado religioso?
São tão essenciais que, sem eles, não poderia existir (CLXXXVIII).

Em que se distinguem?
Nos diferentes ministérios em que o homem pode consagrar-se totalmente ao serviço de Deus e nas diversas práticas e exercícios com que se dispõe para exercê-los (CLXXXVIII, 1).

Como se classificam as Ordens religiosas?
Em dois grupos ou famílias. segundo o gênero de vida que observem (CLXXXVIII, 2-6).

Logo, há Congregações de vida ativa e Congregações de vida contemplativa?
Sim, Senhor.

Que entendeis por congregações de vida ativa?
Aquelas em que a maior parte das ocupações de seus membros se ordenam a servir ao próximo pelo amor de Deus (CLXXXVIII.2 ad 2).

E por congregações de vida contemplativa?
Aquelas cujos religiosos se dedicam exclusivamente ao culto e serviço de Deus (Ibid).

Quais são as mais perfeitas?
As da vida contemplativa; apesar disso, ainda as excedem aquelas que têm por objeto principal os estudos sagrados e o culto divino, para comunicar aos povos o fruto de suas meditações e estudos, e atraí-los, por este meio, ao serviço de Deus (CLXXXVIII, 6).

É conveniente que haja Congregações religiosas em contato com a sociedade? 
É muito conveniente e sumamente útil porque, além de serem asilo de todas as virtudes e constituírem santuários onde elas se praticam com maior perfeição, contribuem para o bem estar do próximo com obras de caridade, de apostolado e de sacrifício.

Por que é própria e característica das congregações religiosas a prática de todas as virtudes em grau excelente?
Porque os seus membros se consagram, por dever e vocação, a marchar pelo único caminho que devem percorrer os homens, a fim de praticarem as virtudes e alcançarem a bem aventurança.

Qual é este caminho fora do qual não é possível ir ao encontro de Deus ou praticar as virtudes?
É Nosso Senhor Jesus Cristo ou o Mistério do Verbo feito carne; dele vamos tratar e o seu estudo será objeto da Terceira Parte desta obra.

referências aos artigos da obra original


('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

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