BREVE HISTÓRIA DA RELIGIÃO
(do Catecismo Maior de Pio X)
Princípios e Noções Fundamentais
1. Deus, sapientíssimo Criador de todas as coisas, ordenou-as todas a Si como a último fim, ou seja, para que lhe dessem glória manifestando as divinas perfeições nos bens que lhes comunicou. O homem, criatura principal deste mundo visível, devia também promover e realizar este fim conforme a sua natureza racional, com os atos livres de sua vontade, conhecendo, amando e servindo a Deus, para alcançar depois desta sorte o galardão que do mesmo Senhor havia de receber. Este vínculo moral ou lei universal, com que o homem obtém naturalmente ligado a Deus, chama-se religião natural.
2. Mas, havendo a bondade divina preparado para o homem uma recompensa muito superior do que ele pudesse pensar e desejar, isto é, querendo torná-lo partícipe de sua mesma bem-aventurança, como já não bastasse para fim tão elevado a religião natural, era necessário que Deus mesmo lhe instruísse nos deveres religiosos. Disto se segue que a religião, desde o início, teve que ser revelada, ou seja, manifestada por Deus ao homem.
3. Na verdade, Deus revelou a religião a Adão e aos primeiros Patriarcas, os quais sucedendo-se uns aos outros e vivendo juntos muitíssimo tempo, podiam transmiti-la facilmente, até que Deus nosso Senhor formou um povo que a guardasse até a vinda de Jesus Cristo, nosso Salvador, Verbo de Deus encarnado, mas que a cumpriu, aperfeiçoou e confiou à guarda da Igreja por todos os séculos. Tudo o que é demonstrado pela história da religião, confunde-se assim, pode-se dizer, com a história da humanidade. Que é coisa manifesta, que todas as que se chamam religiões, fora da única verdadeira revelada por Deus, da qual falamos, são invenções dos homens e desvios da Verdade, algumas das quais conservam uma parte, mista, porém com muitas mentiras e absurdos.
4. Enquanto as seitas ou divisões que fizeram da Igreja Católica, Apostólica, Romana, suscitaram-nas e promoveram, ou os homens presunçosos, que abandonaram o sentir da Igreja universal por se afastarem voluntária e obstinadamente após algum erro próprio ou alheio contra a fé, e são os hereges, ou homens orgulhosos e cobiçosos de mando, que acreditando-se mais iluminados que a santa Igreja, arrancaram-lhe uma parte de seus filhos, para rasgar, contra a palavra de Jesus Cristo, a unidade católica, separando-se do Papa e do Episcopado a Ele unido, e são os cismáticos. Enquanto isso, o fiel cristão católico, que inclina sua razão para a palavra de Deus, pregada em nome da santa Igreja por legítimos Pastores, e cumpre fielmente a santa divina lei, caminha com segurança pelo caminho que lhe guia a seu último fim, e quanto mais se instrui na religião, adquire uma visão sempre mais razoável da santa fé.
5. Este foi totalmente o modo estabelecido por Deus para a perpétua tradição da religião: a sucessiva e contínua comunicação dos homens entre si, de modo que a verdade ensinada pelos maiores se transmitisse em igual forma aos descendentes; que durou até depois que, no curso do tempo, o Espírito Santo moveu diversos escritores para colocar em livros, compostos sob sua inspiração, uma parte da lei divina. Estes livros, escritos com a inspiração de Deus, chamam-se Sagrada Escritura, Livros Santos ou Bíblia Sagrada. Chamam-se livros do Antigo Testamento os que se escreveram antes da vinda de Jesus Cristo, e os que foram escritos depois chamam-se do Novo Testamento.
6. Aqui Testamento é o mesmo que Aliança ou Pacto feito por Deus com os homens, a saber: salvá-los por meio de um Redentor prometido, com a condição de que prestassem fé à sua palavra e obediência às suas leis. O Antigo Pacto primeiro Deus estabeleceu com Adão e Noé, e depois mais especialmente com Abraão e seus descendentes; pacto que exigia a fé no Messias e no futuro Redentor e a guarda da lei dada por Deus no início e, posteriormente, promulgada a seu povo através de Moisés. O Novo Pacto ou Nova Aliança, após a vinda de Jesus Cristo, Redentor e Salvador nosso, Deus a estabelece com todos os que recebem o sinal que Ele próprio determinou, que é o Batismo, e que nEle creem e guardam a lei que o mesmo Jesus Cristo veio aperfeiçoar e completar, pregando-a em pessoa e ensinando-a em palavras aos Apóstolos. Estes receberam de seu divino Mestre o mandato de pregar por toda parte o santo Evangelho e, na verdade, pregaram-no realmente em palavras, antes de ter sido escrita por inspiração divina, como era então. Mas, nem todos, nem apenas os Apóstolos escreveram, e, certamente, nem escreveram tudo o que tinham visto e ouvido.
7. Porquanto acabamos de dizer e pelo que indicamos no número 5, compreende-se a suma importância da Tradição divina, que é a mesma palavra de Deus, declarada por Ele mesmo de viva voz a seus primeiros ministros. Nela também se estriba nossa fé, em base muito sólida.
8. Essa Tradição Divina, junto com a Sagrada Escritura, ou seja, toda a palavra de Deus escrita e transmitida de viva voz, foi confiada por Nosso Senhor Jesus Cristo a um depositário público, perpétuo, infalível, ou seja, a santa Igreja Católica e Apostólica; a qual, fundada no tempo nesta divina Tradição, apoiada pela autoridade que Deus lhe deu e reforçada com a prometida assistência e direção do Espírito Santo, define quais livros contêm a divina revelação, interpreta as escrituras, corrige o significado em dúvida que sobre elas ocorrem, decide as coisas que pautam a fé e os costumes, e julga com sentenças inapeláveis sobre quaisquer matérias relativas a estes pontos de suprema importância para que, de forma alguma, possam confundir as mentes e os corações dos crentes fieis.
9. Mas note-se que este julgamento compete àquela parte escolhida da Igreja que se denomina docente ou ensinante, formada, primeiro, pelos Apóstolos, e depois, por seus sucessores - os bispos, com o Papa à sua cabeça, que é o Romano Pontífice, sucessor de São Pedro. O Sumo Pontífice, dotado por Jesus Cristo da mesma infabilidade de que está adornada a Igreja, e que lhe é necessária para conservar a unidade e pureza da doutrina, pode, quando fala ex cathedra, isto é, como Pastor e Doutor de todos os cristãos, promulgar os mesmos decretos e pronunciar os mesmos juízos que a Igreja no que toca a fé e os costumes, aos quais ninguém pode desafiar sem comprometer a sua fé. Além disso, pode exercer sempre a suprema autoridade em todas as questões relativas à disciplina e ao bom governo da Igreja e os fiéis devem obedecer-lhe com sincero obséquio da mente e do coração. Em obediência a esta suprema autoridade da Igreja e do Sumo Pontífice - por cuja autoridade propõem-se-nos as verdades da fé, impõem-se-nos as leis da Igreja e se nos manda tudo quanto o bom governo dela é necessário - consiste a regra de nossa fé.
PRIMEIRA PARTE
RESUMO DA HISTÓRIA DO ANTIGO TESTAMENTO
Criação do mundo
10. No princípio, Deus criou o céu e a terra, com tudo o que no céu e na terra contém, e embora pudesse terminar esta grande obra em um momento, quis usar seis períodos de tempo, o que a Sagrada Escritura chama de dias. No primeiro dia disse Ele: Faça-se a luz, e houve luz; no segundo fez o firmamento e no terceiro separou as águas da terra e mandou que produzisse ervas, flores e toda sorte de frutos; no quarto fez o sol, a lua e as estrelas; no quinto criou os peixes e as aves; no sexto criou todos os outros animais e finalmente criou o homem. No sétimo dia, Deus deixou de criar, e neste dia, que chamou de sábado, que quer dizer descanso, mandou mais tarde, através de Moisés, ao povo hebreu que fosse a Ele santificado e consagrado.
Criação do homem e da mulher
11. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, e assim o fez: formou o corpo da terra e depois soprou em seu rosto, infundindo-lhe uma alma imortal. Deus impôs ao primeiro homem chamado Adão, que significa formado da terra, e o colocou em um lugar cheio de delícias, chamado Paraíso terrestre.
12. Mas Adão estava só. Querendo, pois, Deus associar-lhe uma companheira e consorte, infundiu-lhe um profundo sono, e enquanto dormia tirou-lhe uma costela, da qual formou a mulher que apresentou a Adão. Ele a recebeu com agrado e a chamou Eva, que quer dizer vida, porque havia de ser mãe de todos os viventes.
Dos Anjos
13. Antes do homem, que é a criatura mais perfeita de todo o mundo sensível, Deus havia criado uma multidão infinita de outros seres mais elevados, de natureza mais elevada do que o homem, chamados Anjos.
14. Os Anjos, sem forma ou figura alguma sensível, porque são puros espíritos, criados para subsistir sem estar unidos a corpo algum, haviam sido feitos por Deus à sua imagem, capazes de conhecer-lhe e amar-lhe, e livres para fazer o bem e o mal.
15. No momento da prova, muitos desses espíritos permaneceram fiéis a Deus; mas muitos outros pecaram. Seu pecado foi de soberba, querendo ser semelhantes a Deus e não depender dEle.
16) Os espíritos fiéis, chamados Anjos bons ou Espíritos celestes, ou simplesmente Anjos, foram recompensados com a eterna felicidade da glória.
17. Os espíritos infiéis, chamados Diabos ou Demônios, com seu cabeça, chamado Lúcifer ou Satanás, foram expulsos do céu e condenados ao inferno por toda a eternidade.
Pecado de Adão e Eva e seu castigo
18. Deus havia posto Adão e Eva em estado de perfeita inocência, graça e felicidade, isentos, portanto, da morte e de todas as misérias de alma e corpo.
19. Ele havia permitido que comessem de todos os frutos do Paraíso terrestre, proibindo-lhes provar somente do fruto de uma árvore que estava no meio do Paraíso, e que a Escritura denomina árvore da ciência do bem e do mal. Chamou-se-lhe assim porque por meio dela Adão e Eva, em virtude de sua desobediência, conheceram o bem e o mal, isto é, teriam aumento de graça e de felicidade ou, como pena por sua desobediência, eles e seus descendentes ficariam privados daquela perfeição experimentando o mal, tanto espiritual como corporal. Deus queria que Adão e Eva, com a homenagem desta obediência, reconhecessem que era o Senhor e Mestre. O demônio, invejoso de sua felicidade, tentou Eva, falando por meio da serpente e instigando-a quebrar o mandamento recebido. Eva tomou do fruto proibido, comeu, levou Adão a dele comer também, e ambos pecaram.
20. Este pecado acarretou a eles e a toda a raça humana os mais desastrosos efeitos. Adão e Eva perderam a graça santificante, a amizade com Deus e o direito à bem-aventurança, tornando-se escravos do diabo e merecedores do inferno. O Senhor pronunciou sobre eles a sentença de morte, desterrou-os daquele lugar de delícias e os lançou fora para que ganhassem o pão com o suor de seu rosto, entre inúmeros trabalhos e fadigas.
21. O pecado de Adão propagou-se em seguida a todos os seus descendentes, exceto Maria Santíssima, e é aquele com que todos nascemos e se chama pecado original.
22. O pecado original mancha nossa alma desde o primeiro instante de nosso ser, faz-nos inimigos de Deus, escravos do demônio, desterrados para sempre da bem-aventurança, sujeitos à morte e a todas as demais misérias.
22. O pecado original mancha nossa alma desde o primeiro instante de nosso ser, faz-nos inimigos de Deus, escravos do demônio, desterrados para sempre da bem-aventurança, sujeitos à morte e a todas as demais misérias.
Promessa do Redentor
23. Mas Deus não abandonou Adão e sua descendência em tão miserável sorte. Em sua infinita misericórdia, então, prometeu um Salvador (Messias) que viria libertar a humanidade da escravidão do pecado e do diabo e merecer-lhes a glória. Esta promessa foi repetida por Deus seguidas vezes para os outros Patriarcas, por meio dos Profetas, ao povo hebreu.
Os filhos de Adão e os Patriarcas
24. Adão e Eva, depois que foram lançados do Paraíso terrestre, tiveram dois filhos, a quem deram os nomes de Caim e Abel. Já crescidos, Caim dedicou-se à agricultura, e Abel ao pastoreio. Tendo Deus mostrado que estava satisfeito com os sacrifícios de Abel que, piedoso e inocente, ofereceu o melhor do seu rebanho, e desdém para o sacrifício de Caim, que lhe oferecia os piores frutos da terra, este, cheio de raiva e inveja contra seu irmão, levou-o consigo ao campo para se entreterem, arrojou-se sobre ele e o matou.
25. Para consolar Adão e Eva da morte de Abel, o Senhor deu-lhes outro filho, que chamaram Seth, que foi bom e temente a Deus. Adão, durante sua longa vida de novecentos e trinta anos, teve muitos outros filhos e filhas, que se multiplicaram e pouco a pouco povoaram a terra.
26. Entre os descendentes de Seth e os outros filhos de Adão, os anciãos, pais de imensa descendência, estavam à frente das tribos das famílias de seus filhos e netos, e foram príncipes, juízes e sacerdotes. A história os honra com o venerando nome de Patriarcas. A Providência deu-lhes vida muito longa para ensinar seus filhos a religião revelada e que, velando a verdadeira tradição das promessas divinas, perpetuassem a fé no futuro Messias.
O dilúvio
27. Ao longo dos séculos os descendentes de Adão perverteram-se e toda a terra estava repleta de vícios e desonestidades. Por tanta corrupção, em primeiro lugar ameaçou, depois Deus puniu o gênero humano com um dilúvio universal. Então choveu quarenta dias e quarenta noites, até que as águas cobriram as montanhas mais altas. Morreram afogados todos os homens; não se salvaram mais que Noé e sua família.
28. Noé, por ordem de Deus, recebida cem anos antes do dilúvio, havia começado a construir sua Arca, ou um tipo de navio, na qual depois entrou ele com sua mulher e seus filhos, Sem, Cam e Jafet, com as três mulheres destes e com os animais que Deus lhe indicara.
28. Noé, por ordem de Deus, recebida cem anos antes do dilúvio, havia começado a construir sua Arca, ou um tipo de navio, na qual depois entrou ele com sua mulher e seus filhos, Sem, Cam e Jafet, com as três mulheres destes e com os animais que Deus lhe indicara.
A torre de Babel
29. Os descendentes de Noé multiplicaram-se rapidamente e cresceram em tão grande número, que não podendo estar juntos, começaram a pensar em separar-se. Mas antes determinaram levantar uma torre tão alta que chegasse ao céu. O trabalho seguia em frente a passos largos, quando Deus, ofendido de tanto orgulho, baixou e confundiu as línguas dos soberbos construtores, que não entendendo uns aos outros, tiveram de se dispersar sem concluir o seu ambicioso projeto. A torre foi chamada de 'Babel', que significa confusão.
O povo de Deus
30. Os homens após o dilúvio não permaneceram fiéis a Deus por muito tempo, mas logo caíram nas maldades do passado, e foram tão longe a ponto de perderem o conhecimento do verdadeiro Deus e de entregar-se à idolatria, que consiste em reconhecer e adorar como divindade as coisas criadas.
31. Por isso, Deus, para preservar na terra a verdadeira religião, escolheu um povo e tomou a si governá-lo com especial providência, preservando-o da corrupção geral.
Princípio do Povo de Deus - Renova-se com Abraão o antigo pacto
32. Para pai e tronco do novo povo de Deus escolheu um homem da Caldeia, chamado Abraão, descendente dos antigos Patriarcas pela linhagem de Héber. O povo que dele teve origem chamou-se povo hebreu. Abraão conservou-se justo em meio do seu povo, entregue ao culto dos ídolos, e para que preservasse na justiça, Deus lhe ordenou que saísse de sua terra e se dirigisse para Canaã, também chamada Palestina, prometendo-lhe que lhe faria cabeça de um grande povo e que de sua descendência nasceria o Messias. Em confirmação à palavra de Deus, Abraão teve com sua esposa Sara, embora de idade avançada, um filho, que se chamou Isaac.
33. Para testar a fidelidade e obediência de seu servo, Deus ordenou-lhe que lhe sacrificasse este seu único filho, a quem tanto amava e em quem recaíam as divinas promessas. Mas Abraão, seguro dessas promessas, não hesitou na fé e, como está escrito na Sagrada Escritura, esperou contra toda a esperança; dispôs tudo conforme deveria ser o sacrifício e estava para executá-lo. Mas um anjo deteve sua mão, e como recompensa por sua fidelidade, Deus o abençoou e anunciou que daquele seu filho nasceria o Redentor do mundo.
34. Isaac, chegado aos quarenta anos, casou-se com Rebeca, sua prima, mãe depois a um mesmo tempo de dois filhos: Esaú e Jacó. Como primogênito, tocava a Esaú a bênção paternal; mas o Senhor dispôs que, pela solicitude de Rebeca, Isaac abençoasse Jacó, a quem anteriormente Esaú dera o direito de primogenitura por uma mísera compensação.
35. Jacó, então, para escapar da ira de Esaú, teve que fugir para Haran, a casa de seu tio Labão, que lhe deu por esposas suas duas filhas, Lia e Raquel, e depois de vinte anos regressou para sua casa muito rico e com numerosa família. De volta pelo caminho, antes que se reconciliasse com seu irmão, em uma visão que teve, foi mudado o nome de Jacó pelo de Israel.
36. Jacó foi pai de doze filhos, dos quais os dois últimos, José e Benjamin, eram filhos de Raquel. Entre os filhos de Jacó, o mais discreto e reto era José, queridíssimo, mais que todos, de seu pai. Por esse motivo seus irmãos o aborreciam, e este aborrecimento os levou a tramar contra ele, primeiro a morte, e depois, sua venda a certos mercadores ismaelitas, que o conduziram ao Egito e venderam, por sua vez, a Potifar, ministro de Faraó.
36. Jacó foi pai de doze filhos, dos quais os dois últimos, José e Benjamin, eram filhos de Raquel. Entre os filhos de Jacó, o mais discreto e reto era José, queridíssimo, mais que todos, de seu pai. Por esse motivo seus irmãos o aborreciam, e este aborrecimento os levou a tramar contra ele, primeiro a morte, e depois, sua venda a certos mercadores ismaelitas, que o conduziram ao Egito e venderam, por sua vez, a Potifar, ministro de Faraó.
Jacó e seus filhos no Egito
37. José, no Egito, logo granjeou, com sua virtude, a estima e o afeto de seu amo; mas depois, caluniado pela mulher de Potifar, foi lançado no cárcere. Ali esteve durante dois anos, até que, por haver interpretado ao Faraó e rei do Egito dois sonhos e profetizado que depois de sete anos de fartura seguiriam sete anos de fome, foi retirado da prisão e nomeado vice-rei do Egito. No tempo de abundância José fez grandes provisões, de maneira que quando a fome começou assolar a terra, o Egito estava abastecido de mantimentos.
38. Gente de toda parte ia até lá para acudir ao trigo; Jacó também foi forçado a enviar os seus filhos, que a princípio não conheceram José; mas reconhecidos por ele, deu-se-lhes a conhecer, ordenou-lhes que trouxessem seu pai ao Egito com toda sua família. Jacó, ansioso por abraçar o seu filho amado, foi até lá, e o rei lhe assinalou a terra de Gessen para sua morada e dos seus.
39. Depois de 17 anos no Egito, Jacó, próximo da morte, reuniu em torno de si os seus doze filhos, e com eles os dois filhos de José por nome Efraim e Manassés; recomendou que voltassem para a terra de Canaã, mas sem deixar esquecidos seus ossos no Egito; abençoou a todos em particular, predizendo a Judá, que o cetro ou poder supremo não sairia de sua descendência até a vinda do Messias.
Servidão dos hebreus no Egito
40. Os descendentes de Jacó, chamados hebreus ou israelitas, foram por algum tempo respeitados e tolerados pelos egípcios. Mas multiplicaram-se em grande número, formando um grande povo; outro Faraó, que reinou mais tarde, oprimiu-os com o jugo da mais dura escravidão, chegando a ordenar que todos os filhos varões recém-nascidos fossem jogados no Nilo.
Libertação dos hebreus por Moisés
41. Na terrível escravidão do Egito teria perecido todo o povo hebreu sem ver a terra de Canaã, se Deus não viesse prodigiosamente tirá-los das mãos de seus opressores cruéis.
42. Um menino hebreu, de nome Moisés foi providencialmente salvo das águas do Nilo pela filha de Faraó, que o instruiu e o educou na mesma corte de seu pai. Deus se serviu dele para libertar seu povo e cumprir as promessas feitas a Abraão.
43. Moisés já crescido, ordenou-lhe o Senhor que, em companhia de seu irmão Aarão, fosse ao Faraó e lhe intimasse que permitisse aos hebreus saírem do Egito. O Faraó recusou. Moisés, para vencer o coração endurecido do rei, munido de um cajado, feriu o Egito com dez castigos prodigiosos e terríveis, denominados as Pragas do Egito, a última das quais foi que um Anjo, por volta da meia-noite, começando pelo filho do rei, matou todos os primogênitos do Egito, desde os homens até os animais.
44. Na mesma noite em que ocorreu este massacre, os hebreus, por ordem de Deus, celebraram pela primeira vez a festa da Páscoa, que quer dizer passagem do Senhor. Aqui o rito ordenado por Deus: que cada família sacrificasse um cordeiro sem defeito e rociasse com seu sangue a porta de sua casa, com o qual estaria segura durante a passagem do Anjo; que assasse a carne e a comesse logo em traje de caminhantes, com o báculo nas mãos, como pessoas prontas para partir. Esse cordeiro era uma figura do imaculado Cordeiro Jesus, que com o seu sangue havia de salvar todos os homens da morte eterna.
45. O Faraó e todos os egípcios, à vista de seus filhos mortos, sem mais tardança deram pressa aos hebreus para que partissem, entregando-lhes todo o ouro e prata e quanto pediram. Os hebreus partiram e, depois de três dias, encontravam-se junto à praia do Mar Vermelho.
Travessia do Mar Vermelho
46. Logo arrependeu-se o Faraó de ter deixado partir os hebreus e imediatamente seguiu atrás deles com seu exército, e alcançou-os junto ao mar. Moisés encorajou o povo, que estava aterrorizado com a visão dos egípcios; estendeu seu cajado sobre o mar e as águas foram divididas lado a lado até o fundo, deixando grande caminho aos hebreus, que passaram a pé enxuto.
47. O Faraó, obstinado em sua perversidade, lançou-se atrás deles por aquele caminho, mas apenas entrou, as águas caíram sobre ele, e todos, homens e cavalos, foram submersos.
Os hebreus no deserto
Os hebreus no deserto
48. Após a passagem do Mar Vermelho, os hebreus entraram no deserto, e em curto espaço de tempo poderiam ter chegado à terra prometida, a Palestina, se fossem obedientes à lei divina e às ordens de seu líder Moisés; mas havendo prevaricado e rebelando-se muitas vezes, Deus os entreteve quarenta anos no deserto, deixando morrer ali todos os que haviam saído do Egito, menos dois: Caleb e Josué. Durante todo esse tempo Deus os proveu para sua manutenção com uma espécie de geada branca em pequenos grãos, chamada maná, que todas as noites cobria a terra e de madrugada a recolhiam. Mas na noite anterior ao sábado, dia festivo para os judeus, o maná não caía, pelo qual recolhiam em dobro na madrugada de sábado. Para beber, Deus proveu-lhes de água, que muitas vezes brotou milagrosamente das rochas feridas pelo cajado de Moisés. Uma grande nuvem, que de dia os defendia dos raios do sol e de noite, transformando-se em coluna de fogo, iluminava e mostrava o caminho, acompanhava-os na viagem.
Os dez mandamentos da lei de Deus
49. No terceiro mês de sua saída do Egito, os hebreus chegaram ao pé do Monte Sinai. Foi lá, entre relâmpagos e trovões, que Deus falou e promulgou sua lei em dez mandamentos, escritos em duas tábuas de pedra, que entregou a Moisés no alto da montanha.
50. Mas quando desceu, depois de quarenta dias, falando com o Senhor, Moisés viu que os hebreus tinham caído em idolatria e adoravam um bezerro de ouro. Abrasado de santo zelo por tamanha ingratidão e impiedade, ele quebrou as tábuas da lei, reduziu o bezerro a pó e castigou com a morte os principais instigadores de tão grave pecado. Voltando a subir a montanha, ele implorou o perdão do Senhor, recebeu outras tábuas da lei, e quando desceu o povo caiu atônito ao ver que de seu rosto resplandeciam raios de luz que a transfiguravam de glória e esplendor.
O Tabernáculo e a Arca
51. Ao pé do Sinai, Moisés construiu, por ordem de Deus, e de acordo com as divinas prescrições, o Tabernáculo e a Arca. O Tabernáculo era uma grande tenda na forma de templo, que se erguia no meio do campo, quando os hebreus acampavam. A arca era um cofre de madeira preciosíssima, guarnecido por dentro e por fora de ouro puríssimo, onde foram colocados posteriormente as tábuas da lei, um vaso de maná do deserto e a vara florida de Aarão.
52. Muitas vezes os hebreus no deserto, por murmurações contra Moisés e contra o Senhor, atraíram para si graves castigos. Notável entre estes foi o das cobras venenosas, por cuja picada pereceu grande parte do povo; muitos, arrependidos depois, sararam das mordeduras mirando uma serpente de metal que, levantada por Moisés em uma haste, apresentava a figura da cruz. A virtude deste emblema era símbolo da virtude que havia de ter a Santa Cruz para curar as chagas do pecado.
Josué e a entrada na terra da promissão
53. Depois de os haver detido por quarenta anos no deserto, Deus introduziu os homens na terra da promissão. Moisés viu de longe, mas não entrou, Josué lhe sucedeu no governo do povo.
54. Precedidos pela Arca, atravessaram o rio Jordão, cujas águas tinham parado para deixar livre a passagem pelo rio: tomaram a cidade de Jericó, subjugaram os povos que habitavam a terra de Canaã e a dividiram em doze partes, segundo o número de tribos. Então, Deus castigou por meio de seu povo os gravíssimos delitos daquelas nações. Estas tribos tomaram o nome de Rúben, Simeão, Levi, Judá, Issacar, Zebulom, Dã, Naftali, Gade, Aser, Benjamim, filhos de Jacó, e Efraim e Manassés, filhos de José. Mas a tribo de Levi não tinha outro território. Deus a chamou ao ofício sacerdotal e quis ser Ele mesmo sua porção e sua herança. Da tribo de Judá, segundo profetizara Jacó na hora da morte, nasceria mais tarde o Redentor do mundo.
Jó
55. Por aqueles tempos vivia na Idumeia um príncipe muito rico e justo, por nome Jó, o qual temia Deus e guardava-se de praticar o mal. Quis o Senhor fazer dele um modelo de paciência nas maiores dificuldades da vida, permitindo que Satanás o tentasse com tribulações sem precedentes. Em poucos dias lhe arrebataram suas imensas posses, a morte o privou de sua numerosa família e ele mesmo viu-se ferido em todo o corpo de úlceras malignas. Jó atribulado com tantas desgraças, não pecou por impaciência; caiu com a face por terra, adorou o Senhor, e disse: 'O Senhor me deu, o Senhor me tomou; bendito seja o nome do Senhor'. Deus, em recompensa à sua submissão, abençoou-o e devolveu-lhe a saúde, dando-lhe mais prosperidades do que antes. Tudo isso é descrito luminosamente em um dos livros sagrados intitulados Jó.
Os hebreus sob os juízes
56. Tendo os hebreus liderados por Josué apoderado da Palestina, não mais a abandonaram; sendo regidos segundo a lei de Moisés, ou pelos anciãos do povo, ou por juízes e, mais tarde, por reis. Os juízes eram pessoas (entre elas duas mulheres: Débora e Jael) suscitadas e escolhidas por Deus de tempos em tempos para livrar os hebreus, sempre que caíam sob a dominação de seus inimigos como punição por seus pecados.
57. Os dois juízes mais famosos foram Sansão e Samuel. Sansão, dotado de uma força extraordinária e maravilhosa, durante muitos anos molestou e causou mil estragos aos filisteus, inimigos de Deus muito poderosos. Traído depois e perdidas suas prodigiosas forças, reuniu as que lhe restavam para sacudir e derrubar um templo de seus inimigos, sob cujos escombros foi sepultado com muitos deles. Samuel, o último dos juízes, venceu os filisteus e, por ordem de Deus, reuniu o povo que se revoltou e exigiu um rei que, em sua presença, escolheu e consagrou Saul, da tribo de Benjamim, primeiro rei de todo o povo hebreu.
Os hebreus sob os reis
58. Saul reinou muitos anos mas, após os dois primeiros anos, foi rejeitado por Deus por causa de uma gravíssima desobediência, e um jovem chamado Davi, da tribo de Judá, foi ungido e consagrado rei e, mais tarde, tornou-se célebre matando em um único combate um gigante filisteu chamado Golias, que insultou o povo de Deus posto em ordem de batalha.
59. Saul, derrotado pelos filisteus, foi dado a morte. Então, subiu ao trono Davi, que reinou sobre o povo de Deus por quarenta anos. Acabou por conquistar toda a Palestina, subjugando os infiéis que ali estavam, e, especialmente, assenhorou-se da cidade de Jerusalém, que ele escolheu para cadeira de sua corte e capital de todo o reino.
60. A Davi sucedeu Salomão, que foi o homem mais sábio que já existiu. Edificou o templo de Jerusalém e gozou de longo e glorioso reinado. Mas, nos últimos anos de sua vida, em razão das artes insidiosas de mulheres estrangeiras, caiu em idolatria, e alguns temem por sua salvação eterna.
Divisão do reino
61. Sucedeu ao Rei Salomão seu filho Roboão. Por não querer este aliviar a carga duríssima dos impostos cobrados por seu pai, dez tribos se lhe rebelaram, que tomaram por rei a Jeroboão, chefe dos rebeldes e somente duas tribos permaneceram fiéis a Roboão, as de Judá e Benjamim. O povo hebreu viu-se deste modo dividido em dois reinos, o reino de Israel e o reino de Judá. Estes dois reinos não se uniram mais, mas cada um teve a sua própria história.
Reino de Israel e sua destruição
62. Os reis de Israel, em número de 19, todos perversos e impregnados de idolatria, que arrastaram a maior parte do povo das tribos, governaram durante duzentos e cinquenta e quatro anos. Finalmente, em punição por suas enormes iniquidades, parte do povo foi disperso, parte levado cativo para a Assíria por Salmaneser, rei da Síria, e o reino de Israel caiu para não mais se levantar. (a.C 722). Para repovoar o país, foram enviadas colônias de gentios, que foram associados em tempos posteriores a alguns israelitas que retornaram do exílio e a alguns maus judeus, e juntos formaram depois um povo, que se chamou samaritano, inimigo acérrimo da nação judaica. Entre os israelitas levados cativos a Nínive, capital da Assíria, havia Tobias, varão santíssimo de quem se encontra nos Livros Sagrados uma história particular, própria para fazer-nos cobrar a alta estima do santo temor de Deus e das disposições de sua providência.
Reino de Judá e cativeiro na Babilônia
63. Os reis de Judá, em número de 20, dos quais alguns foram piedosos e bons e outros ímpios, reinaram durante trezentos e oitenta e oito anos.
64. No tempo de Manassés, um dos últimos reis de Judá, aconteceu o que está escrito no livro que se intitula de Judite, a qual, matando Holofernes, capitão general do rei dos assírios daquele tempo, livrou a cidade de Betúlia e toda a Judeia. Mais tarde, outro rei dos assírios, Nabucodonosor, pôs fim
ao reino de Judá; apoderou-se de Jerusalém e a destruiu totalmente, junto com o templo de Salomão; fez prisioneiro e arrancou os olhos de seu último rei, Zedequias, levando o povo cativo para a Babilônia.
Daniel
65. Durante o cativeiro babilônico viveu o profeta Daniel. Escolhido com outros jovens hebreus para ser educado e depois destinado ao serviço pessoal do rei, com sua virtude conquistou a estima e o afeto de Nabucodonosor, principalmente depois de ter interpretado um sonho que este tivera e que depois esquecera. Ele também foi muito amado pelo rei Dario, mas seus adversários acusaram-no de adorar o seu Deus, desobedecendo ao edito real que o proibia, e lograram que fosse arrojado ao fosso dos leões, dos quais Deus o livrou milagrosamente.
Fim do cativeiro da Babilônia e volta dos hebreus à Judeia
Fim do cativeiro da Babilônia e volta dos hebreus à Judeia
66. O cativeiro babilônico durou 70 anos, depois dos quais os judeus alcançaram a liberdade com Ciro. De volta à sua pátria, liderados por Zorobabel (539 a.C.), reedificaram Jerusalém e o Templo, encorajados por Neemias, ministro do rei, e pelo profeta Ageu.
67. Mas nem todos voltaram para casa. Entre aqueles que permaneceram em terra estrangeira, houve por divina disposição Ester, que, escolhida pelo rei Asuero para sua esposa, salvou depois seu povo da ruína a que fora condenado pelo rei, instigados pelo ministro Haman que abominava Mardoqueu, tio da rainha.
68. Os judeus, ao recuperarem a liberdade, eram doravante mais fiéis ao Senhor, vivendo sob os cuidados de suas próprias leis e reconhecendo por chefe de sua nação o Sumo Pontífice, com certa dependência, o rei da Pérsia, o rei da Síria ou do Egito, de acordo com o destino das armas.
69. Entre esses reis, alguns deixaram em paz os judeus e outros os perseguiram para reduzi-los à idolatria. O tirano mais cruel foi Antíoco Epifânio, rei da Síria, que publicou uma lei a que todos os seus súditos estavam obrigados, sob pena de morte, a abraçar a religião dos gentios. Muitos judeus então consentiram naquela impiedade, mas, muitos mais se mantiveram firmes e se conservaram fiéis a Deus, e muitos outros morreram com glorioso martírio. Assim sucedeu a um santo ancião que se chamava Eleazar e sete irmãos, que se diziam Macabeus, com a sua mãe.
Os Macabeus
70. Surgiram depois contra o ímpio e cruel Antíoco alguns intrépidos defensores da religião e da independência da pátria, à frente dos quais se pôs um sacerdote de nome Matatias, com seus cinco filhos, virtuosos e esforçados como ele. Primeiro retirou-se para os montes, e reunindo ali outros valentes, desceu e feriu seus opressores.
71. Judas, apelidado Macabeu, filho de Matatias, continuou a guerra iniciada por seu pai, e com o favor de Deus e com a ajuda de seus irmãos fundou o pequeno reino chamado dos Macabeus que, por um período de cento e vinte e cinco anos, governaram a Judeia como pontífices e capitães, e depois também como reis. Este grande capitão, chamado na Sagrada Escritura como varão fortíssimo, deu ilustre exemplo de piedade para com os defuntos e confirmou solenemente a fé no purgatório, ordenando uma grande coleta de dinheiro com destino a Jerusalém, para que ali se oferecessem dons e sacrifícios em sufrágio dos que haviam caído mortos na guerra santa. Foi abençoado do povo por suas muitas vitórias e tornou-se o terror de seus inimigos. Mas finalmente dominado por estes, e não apoiado pelos seus, morreu como herói com as armas em punho no ano de 161, antes da era cristã. A Judas Macabeu sucederam um após outro seus irmãos Jonathan e Simão, e depois o filho deste, João Hircano, que realizou um governo sábio, glorioso e feliz.
72. Mas os filhos e descendentes degenerados da virtude de seus mais velhos e outros dissidentes entre si entraram em desastrosos conflitos com seus poderosos vizinhos, e em breve a Judeia perdeu força e autoridade, vindo gradualmente a cair em mãos dos romanos.
Os romanos e o fim do reino de Judá
73. Os romanos primeiro a tornaram tributária, e logo depois lhe impuseram um rei de nação estrangeira, Herodes, o Grande, assim chamado por algumas empresas felizes, mas certamente não grande a juízo da história, que não calou as trapaças e vilezas que empregou para subir ao cobiçado poder, do qual se valeu mais tarde para perseguir a pessoa adorável de Jesus Cristo em sua infância. Afortunado no exterior, viveu e morreu desgraçadíssimo: fim comum dos perseguidores. Depois dele reinou, com mais ou menos extensão de poder, três filhos seus e dois netos, mas pouco durou sua glória, pois o reino foi rapidamente reduzido a província do Império Romano, que enviou um governador para governar em seu nome.
Os Profetas
74. Para conservar seu povo sob a custódia da lei, ou para fazê-lo voltar a ela de novo, quando prevaricava, e em especial para preservá-lo da idolatria, a que poderosamente pendiam, Deus suscitou em todos os momentos homens extraordinários chamados Profetas, que inspirados por Ele previam os eventos que estavam por vir.
75. Alguns desses Profetas, como Elias e Eliseu, não deixaram nada escrito, mas deles e de suas façanhas se faz menção na História Sagrada. Outros dezesseis deixaram escritas suas profecias, que foram conservadas entre os Livros Sagrados.
76. Quatro destes, Jeremias, Daniel, Ezequiel e Isaías, são chamados maiores, porque suas profecias são mais extensas; os outros doze se chamam menores, pela razão oposta.
77. A principal atribuição dos Profetas era manter viva a memória da promessa do Messias e preparar o povo para que o reconhecessem. Muitos séculos antes anunciaram o tempo preciso de sua vinda, e descreveram, com detalhes minuciosos seu nascimento, vida, paixão e morte que, lendo o conjunto de suas profecias, mais parecem historiadores do que profetas.
Algumas profecias relativas ao Messias
78. Eis aqui algumas profecias que se referem ao tempo da vinda do Messias. O profeta Daniel, para o fim do cativeiro babilônico, anunciou claramente que o Messias apareceria, viveria, seria negado e morto pelos judeus dali a setenta semanas de anos, e que, logo após, Jerusalém seria destruída e os judeus dispersos, já incapacitados de constituir uma nação.
79. Os profetas Ageu e Malaquias anunciaram aos judeus que o Messias viria no segundo templo, e, portanto, antes de sua destruição. O profeta Isaías, além de descrever muitas circunstâncias do nascimento e da vida do Messias, anunciou que, depois de sua vinda, os gentios seriam convertidos.
80. O que este e os outros Profetas anunciaram teve seu cumprimento. A saber: as setenta semanas foram cumpridas, Jerusalém foi destruída, destruído o segundo Templo, os judeus foram e permaneceram espalhados por toda a terra, e os gentios se converteram: então, o Messias veio. Acima de tudo essas profecias tiveram seu cumprimento na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, e somente nEle; portanto, Ele é o verdadeiro Messias prometido.
SEGUNDA PARTE
RESUMO DA HISTÓRIA DO NOVO TESTAMENTO
Anunciação da Virgem Maria
81. Reinando Herodes, cognominado o Grande, viveu em Nazaré, pequena cidade da Galileia, uma Virgem santíssima chamada Maria, desposada com José, a quem o Evangelho chama 'varão justo'. Embora ambos descendessem dos reis de Judá e, portanto, da família de Davi, viviam contudo pobremente e ganhavam o sustento com o seu trabalho.
82. A esta Virgem foi enviado o Arcanjo Gabriel, que a saudou cheia de graça e lhe anunciou que seria Mãe do Redentor do mundo. Ao ouvir estas palavras e tendo em vista o Anjo, Maria perturbou-se de início, mas, em seguida, assegurada por ele, respondeu: 'Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra'. No mesmo instante, o Filho de Deus, por obra do Espírito Santo, encarnou-se em seu puríssimo ventre, e sem deixar de ser verdadeiro Deus, começou a ser verdadeiro homem. Este foi o princípio da redenção da raça humana.
Visita a Santa Isabel e nascimento de São João Batista
83. No colóquio com o Arcanjo, Maria soube que sua prima Isabel, mulher de um sacerdote chamado Zacarias, apesar de idade avançada, estava para ter um filho. Com santa solicitude foi Maria visitar sua prima nas montanhas da Judeia, para congratular-se com ela e mais ainda para servi-la como humilde criada, como de fato o fez por três meses. Foi então que Maria, respondendo à saudação da prima, que, inspirada pelo Espírito Santo, saudou a Mãe de Deus, com aquele sublime cântico: Magnificat, muitas vezes cantado pela Igreja.
84. O filho de Isabel foi João Batista, o santo Precursor do Messias.
Nascimento de Jesus Cristo e circunstâncias daquele grandioso acontecimento
85. Naquele tempo publicou-se um edito através do qual o Imperador César Augusto ordenava um recenseamento a todos os súditos do Império Romano e, que, portanto, cada um se dirigisse para a cidade de sua origem. Maria e José, por serem da casa e família de Davi, tiveram que ir para a cidade de Belém, onde Davi havia nascido; mas não encontrando hospedagem, pelo grande número de pessoas que ia recensear-se, foram forçados a se recolherem dentro de uma espécie de caverna, que servia como estábulo, não muito longe da cidade.
86. Foi ali, à meia-noite, que nasceu o Filho de Deus, feito homem para a salvação dos homens, nascido da Virgem Maria, a qual, enrolando-O em panos, deitou-o numa manjedoura, ou cocho de animais. Nesta mesma noite, um Anjo apareceu a uns pastores que velavam naquela região e guardavam o seu rebanho, e anunciou-lhes que nascia o Salvador do mundo. Os pastores correram atônitos ao estábulo, encontraram o Menino Jesus e foram os primeiros a adorá-lo.
Obediência de Jesus e de Sua Mãe Santíssima à Lei
87. No oitavo dia após o nascimento, em obediência à Lei, o menino foi circuncidado e lhe dado o nome de Jesus, como havia indicado o Anjo a Maria, quando anunciou-lhe o mistério da Encarnação. Além disso, em conformidade com a lei, a Santíssima Virgem, embora não fosse obrigada, apresentou-se no Templo no quadragésimo dia, oferecendo por si o sacrifício das mulheres pobres, que era um par de rolas ou pombos, e pelo Menino Jesus o preço do resgate.
88. Havia no Templo um santo ancião chamado Simeão, que teve a revelação do Espírito Santo de que não morreria sem primeiro ver o Cristo Senhor. Tomou em seus braços o divino Menino e reconhecendo-O por seu Redentor, abençoou-O com grande alegria e o bendisse com grande alegria, saudando-o com aquele terno canto Nunc dimitis que a Igreja canta ao terminar o ofício de cada dia. Ao mesmo tempo, acudiu uma piedosa viúva idosa, que vendo o divino Menino regozijou-se em seu coração, e assim dizia maravilhas dEle a todos os que esperavam a redenção de Israel.
Os Magos
89. Algum tempo depois do nascimento de Jesus, vieram a Jerusalém três Magos ou sábios, vindos do Oriente, e perguntaram onde havia nascido o rei dos judeus. Estando em sua terra, eles haviam observado uma estrela extraordinária, e por ela, segundo uma antiga profecia conhecida no Oriente, entenderam que devia ter nascido na Judeia o Desejado das gentes, e inspirados por Deus, seguindo o caminho indicado pela estrela, vieram adorá-lo. Reinava naquele tempo em Jerusalém Herodes, o Grande, homem ambicioso e cruel. Grandemente perturbado com as palavras dos Magos, informou-se dos príncipes dos sacerdotes em que lugar havia de nascer o Messias. Tendo sabido que o local indicado pelos profetas era Belém, despachou os Magos recomendando-lhes que retornassem rapidamente, fingindo que queria ir lá também para adorar o Menino recém-nascido.
Os Magos partiram, e imediatamente, a estrela que tinham visto no Oriente apareceu-lhes, guiando-os até a morada do Divino Menino, em Belém. Entraram e encontraram o Menino com Maria sua Mãe; prostrados O adoraram e, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe ouro, incenso e mirra, reconhecendo-O como rei, como Deus e como homem mortal. À noite, avisados em sonho para não voltarem a Herodes, regressaram por outro caminho para sua terra.
Morte dos inocentes e fuga para o Egito
90. Herodes esperou em vão pelos Magos. Vendo-se ridicularizado, encolerizou-se ao extremo, e esperando em sua bárbara astúcia matar Jesus, ordenou a morte de todos os meninos abaixo de dois anos que havia em Belém e seus arredores. Antes, porém, um Anjo apareceu em sonhos a José para avisá-lo e lhe dar ordens para que fugisse para o Egito. José obedeceu imediatamente e com Maria e Jesus fugiu para o Egito, onde permaneceu até a morte de Herodes; depois da qual, avisado novamente pelo Anjo, ele não retornou a Belém, na Judeia, mas para Nazaré, na Galileia.
90. Herodes esperou em vão pelos Magos. Vendo-se ridicularizado, encolerizou-se ao extremo, e esperando em sua bárbara astúcia matar Jesus, ordenou a morte de todos os meninos abaixo de dois anos que havia em Belém e seus arredores. Antes, porém, um Anjo apareceu em sonhos a José para avisá-lo e lhe dar ordens para que fugisse para o Egito. José obedeceu imediatamente e com Maria e Jesus fugiu para o Egito, onde permaneceu até a morte de Herodes; depois da qual, avisado novamente pelo Anjo, ele não retornou a Belém, na Judeia, mas para Nazaré, na Galileia.
Debate de Jesus no Templo
91. Tendo Jesus completado doze anos, seus pais o levaram a Jerusalém para as festas de Páscoa, que duravam sete dias. Terminadas as celebrações, José e Maria partiram para Nazaré, mas Jesus, sem que eles percebessem, permaneceu em Jerusalém. Depois de um dia de caminho procuraram-no em vão entre os parentes e conhecidos, regressando em seguida aflitos para Jerusalém. Encontrando-o ao terceiro dia no Templo, sentado entre os doutores ouvindo-os e interrogando-os, a Mãe docemente lhe perguntou por que havia feito se procurar assim. A resposta de Jesus foi a primeira declaração de sua divindade: 'E por que me procuráveis? Não sabíeis que preciso tratar das coisas de meu Pai?' Depois disso, voltou com eles para Nazaré. Deste ponto até a idade de trinta anos, nada de particular nos conta o Evangelho sobre Ele, resumindo toda a história desse tempo nestas palavras: 'Jesus vivia obediente a Maria e José, e crescia em idade, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens'. Pelo fato de Jesus ter passado em Nazaré o tempo de sua vida privada, foi chamado mais tarde: Jesus de Nazaré.
Batismo de Jesus e seu jejum no deserto
92. João, filho de Zacarias e Isabel, destinado por Deus, como se disse para ser o Precursor do Messias e preparar os judeus para que o recebessem, havia se retirado para o deserto para viver uma vida de penitente. Chegado o tempo de dar início à sua missão, vestido de peles de carneiro e um cinto de couro na cintura, chegou às margens do Jordão e começou a pregar e batizar. Sua voz era: 'Fazei penitência, pois o Reino dos céus está próximo'. Tendo chegado a idade de trinta anos, um dia Jesus se apresentou entre a multidão do povo, pois devia começar a manifestar-se ao mundo. João, que o reconheceu, quis primeiramente escusar-se, mas logo vencido pela ordem de Cristo, batizou-o. Tendo Jesus saído da água os céus se abriram, e o Espírito Santo em figura de pomba desceu sobre Ele, e uma voz se ouviu, dizendo: 'Este é meu filho muito amado'. Recebido o Batismo e guiado pelo Espírito Santo, Jesus foi para o deserto, onde passou quarenta dias e quarenta noites em vigílias, jejuns e orações. Foi quando quis ser tentado pelo demônio de várias maneiras, para nos ensinar a vencermos as tentações.
Primeiros discípulos de Jesus e seu primeiro milagre
93. Depois desta preparação, Jesus deu início à sua vida pública, voltou para as margens do Jordão, onde João continuava pregando. Este, ao vê-lo, exclamou: 'Eis aqui o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira os pecados do mundo'. Por este e por outros testemunhos em favor de Jesus, repetidos no dia seguinte, dois discípulos de João resolveram seguir o divino Mestre, que os manteve com Ele naquele dia. Um deles, de nome André, encontrando-se com seu irmão chamado Simão, levou-o até Jesus, que olhando-o no rosto lhe disse: 'Tu és Simão, filho de João, de agora em diante te chamarás Pedro'. E estes foram os seus primeiros discípulos.
94. Muitos outros, ou chamados por Ele, como Tiago, João, Felipe e Mateus, ou movidos por sua palavra, resolveram segui-lo. A princípio não eram contínuos em seu empreendimento mas, depois de ouvir seus argumentos, retornavam para suas famílias e tarefas, e somente algum tempo depois deixavam tudo para não abandoná-lo jamais. Com alguns deles foi uma vez convidado para um casamento em Caná da Galileia. Sua Mãe Maria também havia sido convidada. Esta foi a ocasião em que, por intercessão de sua Mãe Santíssima, transformou uma grande quantidade de água em requintado vinho. Este foi o primeiro milagre de Jesus pelo qual expressou a sua própria glória e confirmou na fé seus discípulos.
Eleição dos doze Apóstolos
95. Entre esses discípulos escolheu depois doze, chamados Apóstolos, para que estivessem sempre com Ele e para enviá-los a pregar, a saber: Simão, a quem ele havia dado o nome de Pedro e seu irmão André; Tiago e João, filhos de Zebedeu; Felipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Tadeu, Simão, o cananeu e Judas Iscariotes, aquele que o traiu. Para chefe dos Apóstolos escolheu Simão Pedro, que seria, naturalmente, seu Vigário na terra.
Pregação de Jesus
96. Acompanhado dos Apóstolos e, outras vezes, precedido por eles, percorreu por três anos toda a Judeia e Galileia, pregando seu Evangelho, e confirmando sua doutrina com um número infinito de milagres. Normalmente, no sábado entrava nas sinagogas e ensinava; mas, apresentando-se a oportunidade, não desdenhava dar seus ensinamentos em qualquer lugar. Lemos, com efeito, que as turbas o seguiam, e que Ele não só pregava nas casas e praças, mas também ao ar livre, nos montes e desertos, na orla do mar e até mesmo no mar, subindo na barca de Pedro. O célebre sermão das oito bem-aventuranças é chamado cabalmente sermão do monte, pelo lugar onde o pronunciou. Pregava mais pelo exemplo do que por palavras. Admirados de sua grande oração, os discípulos pediram-lhe um dia para que lhes ensinasse a orar, e Jesus lhes ensinou a sublime oração do Padre Nosso.
97. Por várias razões, incluindo a capacidade para acomodar-se à maioria de seus ouvintes e a índole dos povos orientais, Jesus servia-se ordinariamente de parábolas ou ensinamentos semelhantes. São simples e sublimes as do filho pródigo, do samaritano, do bom pastor, dos dez talentos, das dez virgens, do homem rico, do administrador infiel, do servo que não perdoa, dos ramos da vinha, dos convidados às bodas, do grão de mostarda, do semeador, do fariseu e do publicano, dos trabalhadores, da cizânia e outras atualmente bem conhecidas dos bons cristãos que assistem a explicação do Evangelho que se faz nos domingos nas paróquias.
Efeitos admiráveis da palavra e do poder do Redentor
98. Comumente, após seus discursos, enfermos de toda classe eram-lhe apresentados: mudos, surdos, aleijados, cegos, leprosos e Ele a todos lhes devolvia a saúde. Não apenas nas sinagogas Ele derramava suas graças e favores, mas onde quer que estivesse, apresentando-lhe a ocasião, socorria os desgraçados que, em grande número, levavam-lhe de toda a Palestina e aldeias da região, espalhando até a Síria a fama de seus milagres. Levavam-lhe especialmente possuídos pelo demônio, dos quais não havia poucos naquela época e Ele os livrava dos espíritos malignos, que saíam gritando: 'Tu és o Cristo, o Filho de Deus!'
99. Por duas vezes, com alguns poucos pães milagrosamente multiplicados, deixou fartas e saciadas as multidões que o seguiam pelo deserto; às portas da cidade de Naim, ressuscitou o filho de uma viúva que levavam para enterrar e, pouco antes de sua Paixão, ressuscitou Lázaro, que já cheirava mal na sepultura, pois estava morto há quatro dias.
100. Infinito é o número de milagres, muitos deles famosíssimos, que operou nos três anos de sua pregação, para mostrar que falava como enviado de Deus, que era o Messias esperado pelos Patriarcas e profetizado pelos Profetas, que era o mesmo Filho de Deus. Tal se manifestou em sua transfiguração pelo resplendor de sua glória e pela voz do Pai que o proclamava seu Filho muito amado. Em vista de tais milagres, muitos se converteram e seguiram-no, muitos o saudaram e, alguma vez, pretenderam fazê-lo rei.
100. Infinito é o número de milagres, muitos deles famosíssimos, que operou nos três anos de sua pregação, para mostrar que falava como enviado de Deus, que era o Messias esperado pelos Patriarcas e profetizado pelos Profetas, que era o mesmo Filho de Deus. Tal se manifestou em sua transfiguração pelo resplendor de sua glória e pela voz do Pai que o proclamava seu Filho muito amado. Em vista de tais milagres, muitos se converteram e seguiram-no, muitos o saudaram e, alguma vez, pretenderam fazê-lo rei.
Guerra aberta contra Jesus
101. Estes triunfos de Jesus desde o início despertaram a inveja dos escribas e fariseus, dos príncipes e sacerdotes e dos chefes do povo, inveja que se intensificou em extremo quando Ele começou a desmascarar sua hipocrisia e a reprovar seus vícios. Logo passaram a persegui-lo e a desacreditá-lo até acusá-lo de endemoninhado, procurando maneiras de fazê-lo cair em contradição, para desautorizá-lo diante do povo, e acusá-lo ao governador romano. Esta inveja foi sempre crescendo e se agravou ainda mais quando, depois da ressurreição de Lázaro, o número de judeus que creram nEle aumentou enormemente. Então, deliberaram matá-lo, e o pontífice Caifás terminou com estas palavras: 'É necessário que morra um homem pelo povo para que não pereça toda uma nação', confirmando assim, sem saber, uma profecia, porque, na verdade, através da morte de Jesus, o mundo seria salvo.
Causa de ódio extremo - Traição de Judas
102. Finalmente, o seu ódio veio à tona quando, perto da Páscoa (era a quarta que celebrava em Jerusalém depois de iniciada sua vida pública), a cidade estava repleta de visitantes de toda a parte para a festa. Jesus, sentado sobre um jumentinho, entrou triunfante e foi aclamado pelo povo que, com palmas e ramos de oliveira, havia saído a seu encontro, enquanto alguns estendiam suas vestes no chão e outros cortavam ramos de árvores e os espalhavam pelo caminho.
103. Então os anciãos do povo, os príncipes dos sacerdotes e os escribas, reunindo-se em casa do pontífice Caifás concordaram em prender Jesus às escondidas, com medo de que a multidão se revoltasse. A ocasião não se fez por esperar. Judas Iscariotes, possuído pelo demônio da avareza, ofereceu-se para entregar-lhes o divino Mestre pela quantia de trinta moedas de prata.
Última ceia de Jesus Cristo e instituição do sacramento da Eucaristia
104. Era o dia em que se deveria sacrificar e comer o cordeiro pascal. Chegando a hora marcada, veio Jesus para a casa onde Pedro e João, instruídos por Ele, haviam organizado todo o necessário para a ceia e sentaram-se à mesa.
105. Nesta última ceia, Jesus deu aos homens a maior prova de seu amor, instituindo o Sacramento da Eucaristia. Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
106. Terminada a ceia, nosso divino Redentor deixou a cidade acompanhado de seus Apóstolos, dizendo-lhes pelo caminho as coisas mais ternas e dando-lhes os ensinamentos mais sublimes, foi, segundo seu costume, para o jardim do Getsêmani, onde, pensando em sua paixão próxima, orando e oferecendo seu sacrifício ao Pai Eterno, suou sangue vivo e foi confortado por um Anjo.
107. Veio Judas, o traidor, à frente de um esquadrão de bandidos armados com paus e espadas, e deu um beijo em Jesus, que era o sinal combinado para que fosse reconhecido. Jesus, abandonado pelos Apóstolos, que haviam fugido de medo, viu-se, em seguida, preso e amarrado por aqueles carrascos e, com todo tipo de maus tratos, foi arrastado primeiramente à casa de um príncipe dos sacerdotes chamado Anás, e depois à de Caifás, pontífice que naquela mesma noite reuniu o grande Sinédrio, declarando Jesus réu de morte.
108. Dissolvido o conselho de juízes, Jesus foi entregue aos carrascos, que durante aquela noite O injuriaram e O ultrajaram com bárbaros tratamentos. Nessa mesma dolorosa noite, Pedro também amargurou o Coração de Jesus negando-O três vezes. Mas tocado pelo olhar de Jesus, caiu em si e chorou seu pecado por toda a vida.
109. Depois do amanhecer, havendo mais uma vez se reunido o Sinédrio, Jesus foi levado para o governador romano Pôncio Pilatos, a quem o povo pediu, aos gritos, que o condenasse à morte. Pilatos reconheceu a inocência de Jesus e a perfídia dos judeus, e tentou salvá-lo; e devendo dar liberdade a um malfeitor por ocasião da Páscoa, deixou ao povo que escolhesse entre Jesus e Barrabás. O povo escolheu Barrabás. Sabendo, então, Pilatos que era galileu, enviou-o a Herodes Antipas, de quem foi desprezado e tratado como louco, e depois devolvido vestido em uma túnica branca por escárnio. Por fim, Pilatos o fez flagelar pelos algozes, que depois de haver feito dEle todo uma chaga, com insulto atroz cravaram-lhe em sua cabeça uma coroa de espinhos, sobre os seus ombros um pano de cor púrpura, uma cana na mão, e dEle escarneciam saudando-o por rei. Mas não sendo nada disto suficiente para abrandar a fúria de seus inimigos e da multidão amotinada, Pilatos condenou-o a morrer na cruz.
110. Jesus, então, teve que carregar sobre as costas o duro madeiro da cruz e levá-lo até o Calvário, onde, despido, regado com fel e mirra, cravado na cruz e elevado entre dois ladrões, mergulhado num mar de angústias e dores, depois de três horas de penosíssima agonia, expirou rogando por todos que o crucificavam, que nem por isso cessavam sua crueldade para com Ele. Mesmo morto, traspassaram-lhe cruelmente o coração com uma lança.
111. Nenhuma mente humana pode conceber, nenhuma língua é capaz de dizer o que Jesus teve que padecer na noite de sua prisão, nos diversos caminhos de um e outro tribunal, na flagelação e na coroação de espinhos, na crucificação, e, sobretudo, em sua prolongada agonia! Somente o amor, que foi a causa, pode despertar uma pálida imagem de tudo isso nos corações agradecidos. Maria Santíssima assistiu com sobre-humana fortaleza a morte de seu Filho, e uniu o martírio de seu coração às dores dEle para a redenção da raça humana. O Pai celestial fez que a divindade de Jesus Cristo resplandecesse em sua morte, como tinha feito em sua vida; estando na cruz o sol escureceu e a terra cobriu-se com espessíssimas trevas, e ao expirar, a terra tremeu com espantoso terremoto, rasgando-se de cima abaixo o véu do templo, e muitos mortos, saídos dos sepulcros, foram vistos em Jerusalém e apareceram a muitos...
111. Nenhuma mente humana pode conceber, nenhuma língua é capaz de dizer o que Jesus teve que padecer na noite de sua prisão, nos diversos caminhos de um e outro tribunal, na flagelação e na coroação de espinhos, na crucificação, e, sobretudo, em sua prolongada agonia! Somente o amor, que foi a causa, pode despertar uma pálida imagem de tudo isso nos corações agradecidos. Maria Santíssima assistiu com sobre-humana fortaleza a morte de seu Filho, e uniu o martírio de seu coração às dores dEle para a redenção da raça humana. O Pai celestial fez que a divindade de Jesus Cristo resplandecesse em sua morte, como tinha feito em sua vida; estando na cruz o sol escureceu e a terra cobriu-se com espessíssimas trevas, e ao expirar, a terra tremeu com espantoso terremoto, rasgando-se de cima abaixo o véu do templo, e muitos mortos, saídos dos sepulcros, foram vistos em Jerusalém e apareceram a muitos...
Sepultura de Jesus, sua Ressurreição e sua Ascensão aos céus
112. Jesus foi crucificado e morreu num dia de sexta-feira e, na mesma tarde, antes do por-do-sol, descido da cruz, foi sepultado em um sepulcro novo, ao qual puseram selos e guardas, por medo de que seus discípulos O roubassem. Na madrugada do dia seguinte ao sábado, sentiu-se um grande terremoto; Jesus havia ressuscitado e saído glorioso e triunfante do sepulcro. Depois de aparecer para Maria Madalena, deixou-se ver pelos Apóstolos para alentá-los e consolá-los, e alguns Santos Padres pensam que primeiro apareceu à sua Santíssima Mãe.
113. Quarenta dias esteve ainda Jesus sobre a terra depois de sua ressurreição, mostrando-se em várias aparições a seus discípulos e conversando com eles. Assim, fortalecia por meios milagrosos os Apóstolos, confirmando-os na fé, comunicava-lhes coisas elevadíssimas e dava-lhes as últimas instruções, até que, aos quarenta dias, reuniram-se no Monte das Oliveiras, e tendo-os abençoado, diante de seus olhos ascendeu da terra e subiu aos céus.
Vinda do Espírito Santo - Pregação dos Apóstolos
114. Os Apóstolos, seguindo as ordens de seu divino Mestre, recolheram-se em seguida no Cenáculo em Jerusalém. Ali, durante dez dias, esperaram em oração a vinda do Espírito Santo que Jesus havia prometido, e que desceu sobre eles em forma de línguas de fogo na manhã do décimo dia, chamado Pentecostes.
115. Eles, então, transformaram-se em outros homens, começaram de repente a falar em outras línguas, conforme o mesmo Espírito os impelia a falar. Naqueles dias, estavam visitando Jerusalém judeus de todas as nações; uma multidão deles veio para testemunhar o prodígio, e em um sermão que fez São Pedro sobre as profecias cumpridas na pessoa de Jesus Cristo e os milagres operados por Ele, três mil ouvintes foram convertidos. Alguns dias depois, o mesmo Pedro, junto com o Apóstolo São João, depois de uma cura milagrosa de um aleijado de nascimento, falando para a multidão de judeus, trouxe a fé para outros cinco mil. Não só em Jerusalém, mas por toda a Judeia, onde pregavam os Apóstolos, crescia o número de crentes.
116. Mas, então, os anciãos do povo e os príncipes dos sacerdotes começaram a perseguir os Apóstolos e, repreendendo-os duramente, ordenaram-lhes para que não falassem de Jesus. Eles responderam: Não podemos nos calar sobre o que temos visto e ouvido; julgai por vós mesmos se é lícito obedecer a homens, desobedecendo a Deus. Foram presos, contudo, e maltratados; mataram apedrejado o diácono Santo Estêvão; e os Apóstolos, alegres por se virem dignos de sofrer por Jesus Cristo, mais ainda encorajaram-se a pregar, e o número dos que se convertiam crescia ainda mais.
O Apóstolo Paulo
117. Os mais célebres dos convertidos ao Evangelho foi Saulo, chamado depois Paulo, natural de Tarso, que foi primeiro inimigo furioso e perseguidor dos cristãos, e depois, tocado pelo poder divino, tornou-se o vaso de eleição, e o trabalhador mais zeloso dos Apóstolos. Inacreditáveis são os meios, provações e tribulações deste milagre da graça para dar a conhecer o nome e a doutrina de Jesus Cristo aos gentios: pelo que é chamado Doutor dos Gentios. Pregando a fé, não com o aparato da sabedoria humana, mas com a virtude de Deus que era confirmada com milagres, convertia os povos, embora fosse constantemente acusado pelos inimigos da cruz de Cristo. Estas acusações providencialmente o levaram para Roma, onde pôde pregar o Evangelho aos judeus, que ali residiam, e aos gentios. Depois de outras peregrinações, retornou a Roma, e lá coroando sua vida apostólica com o martírio, foi decapitado sob Nero, o mesmo que fez crucificar São Pedro.
118. Deixou-nos 14 cartas, escritas a maior parte para as várias igrejas que fundara, e que são outro sinal da missão apostólica a ele confiada por Jesus Cristo, pois, como observou Santo Agostinho, estão escritas com tanta elevação, lucidez, profundidade e unção que revelam o espírito de Deus.
Dispersão dos Apóstolos por todo o mundo
119. Depois de ter pregado o Evangelho na Judeia, segundo o mandamento de Jesus Cristo, os Apóstolos se separaram e foram pregar por todo o mundo: São Pedro, chefe do Colégio Apostólico, dirigiu-se para Antioquia, onde os que criam em Jesus Cristo começaram a ser chamados Cristãos. De Antioquia foi para Roma, e ali estabeleceu sua sede, sem trasladá-la para outro lugar. Ele foi Bispo de Roma, e na mesma cidade terminou sua vida como indicado acima, com um glorioso martírio, sob o imperador Nero. Os sucessores de São Pedro na Sé de Roma herdaram o supremo poder de Mestre infalível da Igreja que o Senhor lhe conferira, fonte de toda jurisdição, protetor e defensor de todos os cristãos. Por esta razão são chamados pelo nome de Papas, que quer dizer Pais, e sucedem-se ininterruptamente na Cátedra de Pedro até os dias atuais.
120. Todos os Apóstolos, concordes e unânimes em comunhão com Pedro, pregavam por todas as partes a mesma fé; os povos se convertiam e abandonavam a idolatria, de modo que em breve o mundo estava cheio de cristãos, para cujo governo os Apóstolos foram nomeando Bispos para continuarem seu ministério.
120. Todos os Apóstolos, concordes e unânimes em comunhão com Pedro, pregavam por todas as partes a mesma fé; os povos se convertiam e abandonavam a idolatria, de modo que em breve o mundo estava cheio de cristãos, para cujo governo os Apóstolos foram nomeando Bispos para continuarem seu ministério.
TERCEIRA PARTE
UMA BREVE HISTÓRIA DA IGREJA
As perseguições e os mártires
121. Mas a fé cristã teria que passar por duríssimas provas para que se manifestasse claramente que vinha de Deus e que somente Deus a sustentava. Nos três primeiros séculos de sua existência, a saber, no transcurso de trezentos anos, muitas perseguições terríveis levantaram-se contra os discípulos de Jesus Cristo, por ordem dos imperadores romanos. A guerra suscitada contra os cristãos não era contínua, mas recrudescia após intervalos curtos, e então era necessário que dessem razão à sua fé; constrangia-os a oferecer incenso aos ídolos, e se recusavam a isso, sujeitavam-nos a todo tipo de ultrajes, penas e tormentos que a malícia humana era capaz de inventar, e até mesmo a própria morte.
122. Eles não davam nenhum motivo de ódio para seus inimigos; reuniam-se para suas devoções e para assistir ao divino Sacrifício comumente em lugares subterrâneos, escuros e solitários que ainda subsistem em Roma e em outros lugares, chamados cemitérios ou catacumbas. Mas nem por isso evitavam o perigo de morte. Inumeráveis multidões deles deram testemunho, com o derramamento de seu sangue, da fé em Jesus Cristo, por cuja confirmação os Apóstolos e seus imitadores haviam morrido. Por isso são chamados de mártires, que significa testemunhas. A Igreja reconhecia estas preciosas vítimas da fé, recolhia seus cadáveres, dava-lhes sepultura honrosa nos lugares santos da Dormição e os admitia às honras dos altares.
123. A Igreja não teve paz sólida até que o Imperador Constantino que, vencedor de seus inimigos, favorecido e alentado por uma visão do céu, publicou editos dando a todos liberdade de abraçar a religião cristã; os cristãos voltavam a tomar posse dos bens que lhes foram confiscados; ninguém poderia perturbá-los por causa de sua fé; não deviam ser mais excluídos dos cargos e posições do Estado; podiam erguer igrejas; e, por vezes, o próprio imperador custeava-lhes os gastos. Os confessores da fé que estavam na prisão foram libertados, os cristãos começaram a celebrar suas reuniões com esplendor e os mesmos gentios sentiam-se atraídos a glorificar o verdadeiro Deus.
124. Constantino derrotou seu último concorrente, tornou-se senhor do mundo romano, e viu-se a cruz de Jesus Cristo tremular resplandecente nas bandeiras do império. Em seguida, dividiu o império em oriental e ocidental, fazendo de Bizâncio no Bósforo, uma nova capital, que embelezou e chamou Constantinopla (d.C. 330). Esta metrópole rapidamente transformou-se numa nova Roma, em função da nova autoridade imperial que nela residia. Então o espírito de orgulho e novidade se apoderou de alguns eclesiásticos constituídos ali em alta dignidade, que ambicionavam o primado do Papa e de toda a Igreja de Jesus Cristo. A partir dali surgiram gravíssimos conflitos durante muitos séculos e, finalmente, o desastroso Cisma, com que Oriente se separou do Ocidente (século IX) subtraindo em grande parte a divina autoridade do Pontífice Romano, que é o sucessor de Pedro, Vigário de Jesus Cristo.
As heresias e os concílios
125. Quando saía vitoriosa da guerra exterior do paganismo e vencia a prova de ferozes perseguições, a Igreja de Jesus Cristo, assaltada por inimigos interiores, entrou em guerra intestina, muito mais terrível. Guerra longa e dolorosa que, iniciada e alimentada por maus cristãos, seus filhos degenerados, ainda não chegou ao fim, mas da qual emergirá a Igreja triunfante, conforme a palavra infalível de seu divino Fundador a seu primeiro Vigário na terra, o Apóstolo São Pedro: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela' (Mt 16, 18).
126. Já nos tempos apostólicos, havia homens perversos que, por interesse e ambição, perturbavam e corrompiam no povo a pureza da fé com erros abomináveis. Foram combatidos com a pregação dos Apóstolos, com os escritos e com as infalíveis sentenças do primeiro Concílio que celebraram em Jerusalém.
127. Desde então não parou o espírito das trevas em seus ataques venenosos contra a Igreja e as divinas verdades de que é depositária indefectível; e suscitando constantemente novas heresias, tem estado a atacar, um após outro, todos os dogmas da religião cristã.
128. Entre outras, são tristemente notórias as heresias de Sabellius, que desafiou o dogma da Santíssima Trindade; de Manes, que negou a unidade de Deus e admitiu duas almas no homem; de Ário, que não quis reconhecer a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo; de Nestório, que recusou à Santíssima Virgem a excelsa dignidade de Mãe de Deus e distinguiu em Jesus Cristo duas pessoas; de Eutiques, que não admitiu em Jesus Cristo mais do que uma só natureza; de Macedônio, que combateu a divindade do Espírito Santo; de Pelágio, que atacou o dogma do pecado original e da necessidade da graça; dos Iconoclastas, que rejeitaram o culto das Sagradas Imagens e das Relíquias dos Santos; de Berengário, que se opôs à presença real de nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento; de João Huss, que negou o primado de São Pedro e do Romano Pontífice, e finalmente a grande heresia do Protestantismo (século XVI), forjada e propagada principalmente por Lutero e Calvino. Estes inovadores, ao rejeitar a Tradição divina, reduzindo toda a revelação à Sagrada Escritura, e subtraindo a mesma Sagrada Escritura ao legítimo magistério da Igreja para entregá-la insensatamente à livre interpretação do espírito privado, demoliram todos os fundamentos da fé, expuseram os Livros Sagrados às profanações da presunção, da ignorância e abriram a porta a todos os erros.
129. O Protestantismo ou religião reformada, como orgulhosamente a chamam seus fundadores, é o compêndio de todas as heresias que houve antes dele, que houve depois e que podem ainda nascer para a ruína das almas.
130. Com uma luta incansável que dura vinte séculos, a Igreja Católica não cessou de defender o depósito sagrado da verdade que Deus lhe deu e de amparar os fiéis contra o veneno das doutrinas heréticas.
131. À imitação dos Apóstolos, que sempre exigiu a necessidade pública, a Igreja, congregada no Concílio ecumênico ou geral, definiu com toda clareza a verdade católica, dogma da fé que ela propõe a seus filhos e arrojado de seu seio os hereges, lançando contra eles a excomunhão e condenando seus erros. O Concílio Ecumênico ou geral é uma augusta assembleia, por meio da qual o Romano Pontífice convoca todos os Bispos do mundo e outros Prelados da Igreja, presidida pelo mesmo Papa em pessoa ou por seus legados. A esta assembleia que representa toda a Igreja docente, está prometida a assistência do Espírito Santo, e suas decisões em matéria de fé e de costumes, depois de confirmadas pelo Sumo Pontífice, são seguras e infalíveis como a palavra de Deus.
132) O Concílio que condenou o Protestantismo foi o Sacrossanto Concílio de Trento, denominado assim por causa da cidade onde se celebrou.
133. Ferido com esta condenação, o Protestantismo viu desenvolver-se os gérmens da dissolução que levava em seu organismo viciado: as discussões o dilaceraram, multiplicaram-se as seitas que, dividindo-se e subdividindo-se, reduziu-se a pequenos fragmentos. No presente, o nome protestantismo já não significa uma crença uniforme e generalizada, mas um acúmulo, o mais monstruoso, de erros privados e individuais, que recolhe todas as heresias e representa todas as formas de rebelião contra a santa Igreja Católica.
134. No entanto, o espírito protestante, que é o espírito de liberdade desenfreada e oposição a toda autoridade, não deixou de se espalhar, e muitos homens que, inchados com uma ciência vã e orgulhosa, dominados pela ambição e interesse, não hesitaram em forjar ou dar incentivo a transtornadoras teorias da fé, da moral e de toda autoridade divina e humana.
135. O Sumo Pontífice Pio IX, depois de ter condenado no Syllabus muitas das proposições capitais desses irresponsáveis cristãos, para aplicar o machado à raiz, havia convocado em Roma um novo Concílio ecumênico. Começou felizmente sua obra ilustre e benéfica nas primeiras sessões, que se celebraram na Basílica de São Pedro, no Vaticano (de onde veio o nome de Concílio Vaticano I), quando em 1870, pelas vicissitudes dos tempos, teve que suspendê-las.
136. É de esperar que, acalmada a tempestade que agita momentaneamente a Igreja, o Romano Pontífice organize e leve adiante o trabalho providencial do Santo Concílio e que, desfeitos os erros que agora combatem a Igreja e a sociedade civil, possamos ver em breve a verdade católica brilhar com nova luz e iluminar o mundo com seus eternos resplendores*.
* Em 25 de dezembro de 1961, através da bula papal Humanae Salutis, o Papa João XXIII convocou o XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, ou Concílio Vaticano II, que foi realizado em 4 sessões e terminou no dia 8 de dezembro de 1965, sob o pontificado de Paulo VI. Em quatro sessões, mais de 2 mil prelados convocados de todo o mundo discutiram e regulamentaram vários temas da Igreja Católica. As suas decisões estão expressas em 4 constituições, 9 decretos e 3 declarações elaboradas e aprovadas pelo Concílio. Embora a intenção fosse a de atualizar a Igreja, adaptando-a ao mundo de hoje, os frutos deste Concílio, que foi pastoral e não dogmático, para muitos estudiosos, ainda não foram totalmente compreendidos, resultando por isso vários problemas complexos de serem solucionados, uma vez que algumas das propostas, posteriores interpretações e aplicações, pareceram levar a Igreja a um estado de contradição com seu passado de 2 mil anos de existência.
* Em 25 de dezembro de 1961, através da bula papal Humanae Salutis, o Papa João XXIII convocou o XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, ou Concílio Vaticano II, que foi realizado em 4 sessões e terminou no dia 8 de dezembro de 1965, sob o pontificado de Paulo VI. Em quatro sessões, mais de 2 mil prelados convocados de todo o mundo discutiram e regulamentaram vários temas da Igreja Católica. As suas decisões estão expressas em 4 constituições, 9 decretos e 3 declarações elaboradas e aprovadas pelo Concílio. Embora a intenção fosse a de atualizar a Igreja, adaptando-a ao mundo de hoje, os frutos deste Concílio, que foi pastoral e não dogmático, para muitos estudiosos, ainda não foram totalmente compreendidos, resultando por isso vários problemas complexos de serem solucionados, uma vez que algumas das propostas, posteriores interpretações e aplicações, pareceram levar a Igreja a um estado de contradição com seu passado de 2 mil anos de existência.
Advertências e orientações para o estudo da religião na História da Igreja
137. Aqui termina este nosso resumo, pois não é possível seguir passo a passo os vários eventos da Igreja, complicados com os acontecimentos políticos, sem dizer coisas que sejam facilmente compreendidas ao entendimento comum, e sem se desviar do fim e do objetivo destas páginas. O cristão de boa vontade provê a si mesmo um bom Compêndio de História da Igreja de autor católico, e para escolhê-lo vale-se do conselho de seu pároco ou de seu douto confessor. Leia com espírito de simplicidade e humildade cristã, e verá resplandecer em sua mãe, a Igreja, os caracteres com que Nosso Senhor Jesus Cristo tem distinguido a única verdadeira Igreja que Ele mesmo fundou, a saber: Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana.
138 UNA – Verá resplandecer a unidade da Igreja em exercício ininterrupto de fé, de esperança e de caridade. Verá, em vinte séculos de vida, sempre jovem e florescente, contando com tantas gerações, tantas multidões de homens de natureza diversa, nacionalidades e línguas, unidas em uma sociedade governada sempre por uma mesma e perpétua hierarquia, professar as mesmas crenças, confortar-se com as mesmas esperanças, participar de orações comuns e dos mesmos sacramentos, sob a direção dos legítimos pastores. Verá a hierarquia eclesiástica, formada de milhares de bispos e sacerdotes, conservar-se estreitamente unida em comunhão e obediência ao Pontífice Romano, que é o chefe divinamente estabelecido, e receber dele os divinos ensinamentos para comunicá-los ao povo com perfeita unidade de doutrina. De onde vem tão maravilhosa união? Da presença e assistência de Jesus Cristo, que disse aos seus Apóstolos: 'Eis que estou convosco até a consumação dos séculos'.
139. O fiel que ler com retidão de coração a História da Igreja, verá resplandecer a santidade da Igreja, não apenas na santidade essencial de sua cabeça invisível Jesus Cristo, na santidade dos sacramentos, da doutrina, das Corporações religiosas, dos muitos de seus membros, mas também na abundância dos dons celestiais, dos sagrados carismas, das profecias e milagres com que o Senhor (negando-os às demais sociedades religiosas) faz resplandecer no rosto do mundo o dom da santidade, de que está exclusivamente adornada sua única Igreja.
Quem lê com ânimo desapaixonado a História da Igreja, sente-se atônito ao contemplar a ação visível da divina Providência, que comunicou à Igreja a santidade e a vida, e vela por sua conservação. Ela foi a única que, desde os primeiros séculos, suscitou os grandes homens, glória imortal do Cristianismo que, cheios de sabedoria e virtude sobre-humana, combateram vigorosamente as heresias e erros que foram aparecendo: Santos Padres e Doutores que brilharam como estrelas por perpétuas eternidades, na frase bíblica; de cujo unânime consentimento podemos deduzir e reconhecer a Tradição e o sentido das Sagradas Escrituras.
É impressionante ver providencialmente levantar-se, em tempo e lugar oportuno, aquelas Ordens regulares, aquelas famílias religiosas, aprovadas e abençoadas pela Igreja, nas quais, já no século IV, florescia a vida cristã e aspirava-se à perfeição evangélica, praticando os divinos conselhos pelos santos votos de castidade, pobreza e obediência. Veja-se pela história que essas famílias religiosas, no transcurso dos séculos, têm sempre surgido e ainda agora continuam sucedendo-se e renovando-se com um fim sempre santo, servindo-se dos meios acomodados às épocas; ora a oração, ora a educação, ora o exercício do ministério apostólico, ora ao cumprimento múltiplo e variado das obras de caridade. Como sua Santa Madre Igreja, estão sujeitas a grandes perseguições, que frequentemente e por algum tempo as oprimem. Mas, à medida que tais institutos pertencem à essência da Igreja, pela adequação dos conselhos evangélicos, por isso não podem perecer completamente. E é coisa comprovada pela experiência, que atribulação as purifica e rejuvenesce, e renascendo em toda parte, multiplicam-se e produzem copiosos frutos, permanecendo sempre como uma fonte inesgotável de santidade da Igreja.
140. CATÓLICA – Verá com amargura o fiel que, fartas vezes, no curso dos séculos, grande multidão de cristãos, mesmo nações inteiras, são miseravelmente separadas da unidade da Igreja, mas verá também que Deus enviava sucessivamente a outros povos e a outras nações a luz do Evangelho por meio de homens apostólicos, encarregados por Ele, como foram os Apóstolos, de guiar as almas à salvação eterna. E se consolará ao reconhecer que o Senhor se digna confiar em nosso século este apostolado a centenas e milhares de sacerdotes, de religiosos de todas as ordens, de virgens consagradas, os quais correm as terras e os mares do velho e do novo mundo, para expandir o reino de Jesus Cristo. De onde seria um erro dar crédito às bravatas dos incrédulos: que o Catolicismo está se extinguindo no mundo, como se os homens já não atendessem a outra coisa senão ao progresso das ciências e das artes.
Pelo contrário, é evidente a partir das estatísticas que o número total de católicos nas cinco partes do mundo, apesar das perseguições e dificuldades de todos os tipos, cresce a cada ano, e espera-se que se tornando cada dia mais fáceis os meios de comunicação, e com o favor divino, não haverá então terra acessível onde em uma modesta igreja e ao redor de um pobre missionário não haja um grupo de cristãos unidos em pensamento e coração com seus irmãos de todo o mundo e, por meio dos Bispos e Vigários apostólicos legitimamente enviados pela Sé Romana, ligados à mesma em unidade de fé e comunhão. E é isto que é chamado de catolicidade da Igreja. Ela só pode ser chamada de católica universal, isto é, de todos os tempos e de todos os lugares.
141. APOSTÓLICA – Ao contemplar a História da Igreja, verá o fiel suceder-se, entre incríveis dificuldades, tantos Romanos Pontífices que, revestidos na pessoa de Pedro das mesmas prerrogativas que a ele concedeu Jesus Cristo, vão comunicando também a jurisdição aos sucessores dos outros Apóstolos, dos quais nenhum jamais se separou de Pedro, como ninguém poderá separar-se da Sé Romana sem deixar de pertencer à Igreja, que por isto se diz e realmente é Apostólica.
142. Na História da Igreja, o fiel aprenderá a conhecer e evitar os inimigos da Igreja e de sua fé. No transcurso dos séculos se encontrará associações ou sociedades tenebrosas e secretas que, com vários homens, foram se organizando, não para glorificar o Deus eterno, onipotente e bom, mas para derrubar seu culto e substituir (coisa incrível, mas verdadeira) pelo culto do demônio. Não se admirará de que os legítimos sucessores de São Pedro, sobre quem Jesus Cristo fundou sua Igreja, foram e ainda são atualmente objeto de ódio, escárnio e aversão por parte dos hereges incrédulos, devendo tornar-se mais semelhantes ao divino Mestre, que disse: 'Se perseguiram a Mim, também a vós perseguirão'.
Mas a verdade a ser inferida a partir da história é esta, que os primeiros Papas por vários séculos foram justamente exaltados às honras dos altares, havendo muitos entre eles que derramaram o seu sangue pela fé, que quase todos os demais brilharam por seus egrégios dons de sabedoria e virtude, sempre atentos para ensinar, defender e santificar o povo cristão, sempre prontos, como seus predecessores, a perder a vida para dar testemunho da palavra de Deus. Que importa (desgraçadamente também entre os doze houve um Apóstolo do mal), que importa que entre tantos tenha havido muitos poucos menos dignos de ascender à Suprema Sé, onde todo pequeno defeito parece muito grave? Deus o permitiu para dar a conhecer seu poderio para sustentar a Igreja, conservando um homem infalível no ensino, embora falível em sua conduta pessoal.