sexta-feira, 10 de junho de 2022

SOBRE A INSUSTENTÁVEL FAMILIARIDADE COM DEUS

Amar a Deus é empresa audaciosa e árdua, mas a divina misericórdia fez um preceito daquilo que em si é inefável privilégio. E' difícil, porém, amar com ardor e ternura e, ao mesmo tempo, com reverência. E resulta daí que, para muitos, a familiaridade se prende ao amor e o contamina. A familiaridade na oração consiste em meditar sem preparação, em empregar certas palavras insuficientemente medidas, em adotar atitudes cômodas, em usar epítetos irrefletidos, em levantar queixas impertinentes, e em pedir levianamente aquilo que os santos pediram. 

Isso não passa de intolerável familiaridade para com a grande majestade de Deus. E vai sempre piorando. O hábito traz a negligência, e a negligência torna-nos profanadores. A familiaridade com os sacramentos consiste em confessarmo-nos após rápido exame, seguido de um simples ato de contrição, em omitir as ações de graça e não nos preocupar com a penitência, como se fôssemos pessoas privilegiadas e tivéssemos o direito de tomar liberdade com o precioso sangue de Jesus. 

Com a Santíssima Eucaristia, consiste em comungarmos frequentemente sem licença, ou com licença forçada; sem a menor preparação, com ações de graça negligentes (como se toda a vida fosse preparação e ação de graça adequadas); em aparentar liberdade de espírito, por meio de uma atitude livre e fácil para com o adorável sacramento. A familiaridade com as tentações consiste em perdermos o horror que tínhamos ao seu caráter corrupto, em repeli-las frouxa e lentamente, em amortecer o ódio que lhes temos, em não as receiar, certos de que tal virtude está tão firme, que não nos é possível cair.

Tais familiaridades estendem-se sobre nós, qual sono que se aproxima insidiosamente. Sentimos aumentar a repugnância em afastá-las e sacudi-las de nós. O pensamento do inferno e do purgatório, por mais salutar que seja, far-nos-á menos bem que a meditação dos adoráveis atributos de Deus. Se a nossa carne fosse sempre traspassada pelas flechas do santo temor, quão angélica tornar-se-ia a nossa vida!

(Excertos da obra 'Progresso na Vida Espiritual', do Pe. Frederick Faber)