terça-feira, 17 de julho de 2018

INTERPRETAÇÕES DOS SONHOS DE DOM BOSCO (III)


No cenário do segundo sonho de Dom Bosco, são descritas as seguintes visões:

(i) o aparecimento de uma 'luz esplendoríssima' numa noite escura.
(ii) uma multidão, como uma procissão e tendo o Sumo Pontífice à frente, abandona o Vaticano.
(iii) um furioso temporal se abate sobre a multidão, obscurecendo a luz.

No limiar da noite escura (erros doutrinários, reforma da liturgia, ressurgimento do modernismo) que tende a se abater sobre a Igreja, as aparições e as mensagens da Mãe de Deus, particularmente em Fátima, constituem a 'luz esplendoríssima' (como um sol ao meio dia) que brilha sobre o mundo, como oráculo de bênçãos e graças derramadas para um mundo destinado à paz e à conversão. Mas a mensagem não é seguida e nem sequer ouvida; o mal impera e se espalha como o joio nas vinhas do Senhor. A Igreja, ofuscada e entorpecida pelos apelos humanos, abandona o porto seguro de suas origens para se aventurar em saída para os campos do mundo. Abandona e perde o porto seguro da graça. O Pontífice torna-se, então, refém de um exílio imposto e se afasta de Roma (Dom Bosco interpretou esta profecia, mais tarde, como se referindo ao exílio de um papa), à frente de uma grande procissão (é interessante observar a ordem como as pessoas se enfileiram nesta procissão). Nesse caminho de perdas e abandonos das primícias da Fé, a Igreja é afligida, cada vez mais com maior força, por um furioso temporal que obscurece por completo as mensagens de Nossa Senhora, a Profetisa dos Tempos Finais.

(iv) passado um tempo ('duzentos levantar do sol'), a multidão, agora muito mais reduzida, dá-se conta que estava 'fora de Roma'.
(v) a multidão chega a uma praça coberta de mortos e feridos.
(vi) dois anjos conclamam ao Pontífice apelar àquela 'que combate e dispersa os mais fortes exércitos da terra' e retornar à Roma, sendo instado a reunir todos os homens na Palavra de Deus e promover a conversão de toda a humanidade.

A Igreja (o papa e a multidão dos fieis remanescentes, o 'pequeno resto' que não abandonou a sã doutrina de Cristo) percebe, depois de algum tempo, que está 'fora de Roma' (em uma praça, lugar profano, símbolo do abandono do sagrado) e, estando fora de Roma, perdeu seu porto seguro (tal como a nave-mãe afastada das duas colunas no mar revolto, no contexto do primeiro sonho, representa o mesmo entorpecimento da Fé e a perda de referências da Igreja com a sua Cabeça, que é Cristo). Uma apostasia universal fez rarear enormemente a procissão dos penitentes. Esta percepção da perda da Fé e concessões aos interesses mundanos não foi imediata e nem abrangente, mas foi dilapidando continuamente os pilares da Igreja por um longo tempo ('duzentos levantar do sol'), o que resultou em culpa tremenda aos que obraram este exílio da graça e em terríveis consequências para toda a humanidade (a praça coberta de mortos e feridos). Nesta hora tremenda das trevas, em que a humanidade e a própria Igreja padecem como naus à deriva ou multidões sem rumo, a Providência Divina intervém decisivamente pela intercessão direta daquela 'que combate e dispersa os mais fortes exércitos da terra'. Quando tudo parecer perdido, eis chegada a hora do triunfo espetacular da Igreja por intermédio de Nossa Senhora. 

(vii) o Sumo Pontífice e uma grande multidão retornam, então, a uma Roma desolada.
(ix) o Pontífice entoa em Roma o Te Deum do triunfo da graça.
(ix) a escuridão é dispersada e se manifesta em plenitude o triunfo da Virgem Maria e da Igreja.

Inflamada então pela graça sobrenatural, a Igreja retorna à Roma eterna, de onde nunca deveria ter saído (tal como a nave-mãe ruma, enfim, ao encontro das duas torres de sustentação e ali firma as suas âncoras). O retorno à Roma significa a volta da Igreja às primícias e aos dogmas da autêntica fé cristã, à Igreja Cristocêntrica, à Igreja Santa, Católica, Apostólica, firmada na rocha nascida de Pedro. Nestes tempos de redenção, há de reflorescer a graça e se redescobrir os valores simples dos Evangelhos, volvendo a criatura a se moldar ao Criador: a multidão se refaz em multidões (tal como o retorno inclusive dos navios que ficaram à margem da grande batalha no mar, após a vitória da Igreja, no cenário do primeiro sonho de Dom Bosco), reunida em torno do Pontífice e no louvor de glória a Deus, como levitas escolhidos para a reedificação do tabernáculo de Davi (At 17, 16): Te Deum aceito por Deus (confirmação dada pela resposta do coro dos anjos) que faz abrir os Céus, que dissipa todas as trevas do mundo e faz manifestar em plenitude o triunfo da Santíssima Virgem e com Jesus Cristo reinando sobre o trono de Davi (conforme Lc 1, 32). 

Em relação ao tempo de 'quatrocentos levantar do sol', representativo de todo o conjunto de fatos inseridos na profecia de Dom Bosco, há que se atentar que também essa cronologia é simbólica e, assim, 'um levantar do sol' corresponde a um dado período de tempo e não exatamente a um dia. Entretanto, este período de tempo estaria aparentemente mais associado a um intervalo de dias ou de estações (movimento do sol devido à rotação da Terra em torno de seu eixo) do que de meses (ciclo das fases da lua devido à sua translação em torno da Terra) ou de anos (translação da Terra em torno do sol), mas isso é apenas uma mera conjectura [se admitirmos, por exemplo, que 1 'levantar do sol' = 1 mês, 400 'levantar do sol' corresponderiam a um intervalo de 33 anos e 4 meses, período que pode ser considerado ainda pequeno quando inserido na dimensão histórica dos fatos narrados pela profecia; pelo que esse período deve representar um 'certo número de dias' superior a 30 dias].