quinta-feira, 22 de setembro de 2016

VIDA DE ORAÇÃO (II)

Orar, orar tanto quanto possível, faz também parte da perseverança na oração. Urge orar muito, porquanto de tudo carecemos, e é dever nosso interceder também por tantos outros. Pedir unicamente para si, e só advogar seus mesquinhos interesses, não é preencher sua missão na Terra; é desconhecer o poder e a eficácia da oração. Nossa oração deve ser a de um filho de Deus, isto é, estender-se a todas as necessidades da Igreja e da humanidade inteira.

A cada momento, quantas graves e importantes questões, das quais dependem em grande parte a salvação das almas e a glória divina, estão perante o tribunal de Deus à espera das respectivas soluções! Incluir em nossas preces os interesses do mundo, apresentá-los ao Senhor, recomendando-os a Ele, é isto orar de modo apostólico, católico, divino, e ao mesmo tempo humano. Assim o fez o Salvador, e é o que nos ensina na oração dominical. Se, por acaso, acontecer que não tenhamos intenção precisa ou particular, percorramos em espírito as diferentes regiões da Terra, a fim de confiar à proteção divina os interesses que nelas se debatem; todos reclamam o auxílio de nossas preces.

Do mesmo modo como aprendemos a andar, a ler e a escrever - andando, lendo e escrevendo - assim também aprendemos a orar bem exercitando-nos na prática da oração. Se esta nos parece enfadonha e insípida, é porque não recorremos a ela com assiduidade. No entanto, quanto importa o gosto da prece, a facilidade de orar! Se prezarmos a oração, seremos engenhosos em achar tempo para o exercício dela, pois encontramos sempre ocasião propícia para aquilo que nos apraz. 

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As palavras são imagens e símbolos. Postas em vibração pela vara mágica da memória, elas nos descortinam magníficas perspectivas no reino da verdade e fazem brotar mananciais da mais suave consolação. O Espírito Santo compôs para nosso uso, no livro dos Salmos, as mais belas orações vocais que se conhecem, e o Salvador levou a condescendência a ponto de nos dar uma fórmula precisa desse gênero de prece. Na celebração de seu culto oficial, a Igreja só emprega orações vocais que, por via de regra, são muito breves. A maior parte da humanidade só conhece esse modo de orar, e nele encontra a salvação eterna. É, pois, essa forma de oração a estrada real que conduz ao Céu, a escada de ouro por onde sobem e descem os anjos, levando a Deus as mensagens da Terra e trazendo aos homens as graças divinas. Enfim, graças à oração vocal, a prece da Cristandade em todo o mundo é simultaneamente particular e comum.

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Há um grande número de orações que constituem excelentes modelos, dignos de todo acatamento, não somente pelo valor intrínseco, mas ainda em razão do seu autor, que é ou o Espírito Santo ou a Igreja. Os Salmos são as mais antigas orações de que temos notícia. Inspirados por Deus, e destinados na maior parte ao culto do Antigo Testamento, nem por isso deixam de pertencer à Igreja, pela estreita conexão que têm com o Messias. São eles uma prece essencialmente nossa, porquanto só no Tabernáculo Eucarístico encontram seu significado próprio e sua completa realização. O objeto desses cantares são Deus e o homem, as relações que entre eles existem por meio da Revelação e da Lei, assim como as bênçãos, esperanças, recompensas e castigos que delas dimanam... Todas as comoções e sentimentos que fazem pulsar o coração humano acham eco nesses admiráveis cânticos. 

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A Oração Dominical goza do particular privilégio de ser composta por palavras saídas dos lábios do Divino Salvador. Recitando-as, podemos dizer em toda a realidade: vivemos e oramos mediante o Filho de Deus. Aquele a quem dirigimos nossas súplicas houve por bem ensinar-nos pessoalmente o modo de formulá-las. Ainda que prescindisse dessa prerrogativa, a Oração Dominical não deixa de ser, por si mesma, a prece por excelência. É explícita, breve, completa. Neste último ponto de vista, ela possui a essência do que constitui a prece: a invocação e a súplica. O título de 'nosso Pai', que damos a Deus, implica tanto a honra do mesmo Deus como a utilidade nossa, porquanto traz à memória as relações que a Ele nos unem como a um pai; inspira-nos os mais reconfortantes sentimentos de respeito, amor e confiança; mostra-nos no gênero humano, a que pertencemos, a grande família do Pai celeste. 

As súplicas contêm tudo o que razoável e oportunamente poderíamos solicitar, e a ordem em que estão dispostas é a mais adequada. Referem-se ao fim a que devemos tender ou aos meios de alcançá-lo. O fim é duplo: consiste na glorificação de Deus e em nossa salvação pela posse do Céu. Os dois primeiros pedidos relacionam-se com esse intuito. Dispostos em duas séries, acham-se depois concatenados os meios de obtermos o nosso fim. Na primeira, solicitamos os bens necessários à alma ou à vida material — terceiro e quarto pedidos; na segunda, imploramos a preservação dos males que possam ameaçar ou impossibilitar a realização de nossos desígnios — os três últimos. Nossa ambição não poderia ir mais longe, nem almejar coisa melhor. Tudo se acha sumariado nessa prece divina. 

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Outra excelente maneira de orar é o uso das jaculatórias. No que concerne à oração, é isto uma indústria pessoal. Consistem as jaculatórias em aspirações ou atos de virtude muito breves, os quais, no decurso do dia, segundo as circunstâncias e sem preparação especial, desprendem-se de nosso coração e se elevam a Deus. Tudo pode dar ocasião a esses impulsos da alma: o sofrimento ou o prazer; uma graça obtida ou uma tentação que nos assalte; o desejo de renovar nossos bons propósitos ou a lembrança do que constitui o ponto do exame particular; uma igreja ou a imagem de um santo; ou ainda a presença de tal pessoa a quem desejamos qualquer bem ou queremos preservar de algum mal; finalmente, o cuidado de aproveitar os instantes de lazer, assaz numerosos se neles atentarmos. 

(Excertos da obra 'A vida Espiritual - Reduzida a Três Princípios' do Pe. Maurício Meschler)