quarta-feira, 31 de maio de 2023

ORAÇÃO: SPIRITUS SANCTUS

Hildegarde Von Bingen, uma das grandes místicas da Igreja, compôs também diversas orações e hinos religiosos, incluindo 77 sinfonias em estilo similar ao gregoriano. O hino Spiritus Sanctus de sua autoria constitui uma curta oração de louvor ao Espírito Santo, tomada do texto do Salmo 110 (111).


Spiritus Sanctus vivificans vita,
movens omnia,
et radix est in omni creatura,
ac omnia de immunditia abluit,
tergens crimina,
ac ungit vulnera,
et sic est fulgens ac laudabilis vita,
suscitans et resuscitans omnia.

Espírito Santo vivificante,
que tudo move
fonte de todas as criaturas,
que lava as impurezas,
redime as culpas
e cura todas as feridas;
eis a luminosa e gloriosa vida
que sublima e ressuscita a todos.

terça-feira, 30 de maio de 2023

'SÃO AS OBRAS QUE FALAM...'


Quem está repleto do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, a saber: a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamos estas línguas quando os outros as veem em nós mesmos. A palavra é viva quando são as obras que falam. Cessem, portanto, os discursos e falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras. Por este motivo o Senhor nos amaldiçoa, como amaldiçoou a figueira em que não encontrara frutos, mas apenas folhas. Diz São Gregório: 'Há uma lei para o pregador: que faça o que prega'. Em vão pregará o conhecimento da lei quem destrói a doutrina por suas obras.

Os apóstolos, entretanto, falavam conforme o Espírito Santo os inspirava (cf At 2,4). Feliz de quem fala conforme o Espírito Santo lhe inspira e não conforme suas ideias! Pois há alguns que falam movidos pelo próprio espírito e, usando as palavras dos outros, apresentam-nas como suas, atribuindo-as a si mesmos. Destes e de outros semelhantes, diz o Senhor por meio do profeta Jeremias: 'Terão de se haver comigo os profetas que roubam um do outro as minhas palavras. Terão de se haver comigo os profetas, diz o Senhor, que usam suas línguas para proferir oráculos. Eis que terão de haver-se comigo os profetas que profetizam sonhos mentirosos, diz o Senhor, que os contam, e seduzem o meu povo com suas mentiras e seus enganos. Mas eu não os enviei, não lhes dei ordens, e não são de nenhuma utilidade para este povo – oráculo do Senhor' (Jr 23,30-32).

Falemos, portanto, conforme a linguagem que o Espírito Santo nos conceder; e peçamos-lhe humilde e devotamente que derrame sobre nós a sua graça, a fim de podermos celebrar o dia de Pentecostes com a perfeição dos cinco sentidos e na observância do decálogo. Que sejamos repletos de um profundo espírito de contrição e nos inflamemos com essas línguas de fogo que são os louvores divinos. Desse modo, ardentes e iluminados pelos esplendores da santidade, mereceremos ver o Deus Uno e Trino.

(Dos Sermões de Santo Antônio de Pádua)

segunda-feira, 29 de maio de 2023

7 DIMENSÕES DA CARIDADE CRISTÃ


1. 'Amarás o próximo como a ti mesmo'. 

(Mt 22, 39)

2. 'De muito boa vontade darei o que é meu e me darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, amando-vos eu mais, seja por vós menos amado'.

(II Cor 12, 15)

3. 'Que no meu pensamento, nas minhas palavras, nas minhas obras para com o próximo – seja ele quem for –  nunca deixe de praticar a caridade, nunca dê entrada na minha alma à indiferença'. 

(São Josemaria Escrivá)

4. 'A verdadeira caridade é paciente na adversidade e comedida na prosperidade; é forte no sofrimento doloroso, alegre nas boas obras, perfeitamente segura na tentação; é suave com os verdadeiros irmãos e paciente com os falsos; é inocente nas armadilhas; chora na maldade; respira na verdade... É humilde na obediência de Pedro e livre na argumentação de Paulo. É humana no testemunho dos cristãos, divina no perdão de Cristo. Porque a verdadeira caridade, queridos irmãos, é a alma de todas as Escrituras, a força da profecia, a moldura do conhecimento, o fruto da fé, a riqueza dos pobres, a vida dos moribundos. Conservai-a pois com fidelidade; amai-a com todo o vosso coração e com toda a força do vosso entendimento'.

(São Cesário de Arles)

5. 'Não ignoreis nenhuma destas verdades, se tiverdes por Jesus Cristo uma fé e uma caridade perfeitas. Estas duas virtudes são o princípio e o fim da vida: a fé é o seu princípio, a caridade, a sua perfeição; a união das duas, o próprio Deus; todas as outras virtudes as seguem em procissão para conduzir o homem à perfeição'.

(Santo Inácio de Antioquia)

6. 'Se queremos uma solidariedade universal, é necessária a união dos espíritos na verdade, a união das vontades na moral, a união dos corações no amor de Deus e de seu filho Jesus Cristo. Ora, esta união só poderá ser realizada pela caridade católica, que é a única, por consequência, que pode conduzir os povos no caminho do progresso, para o ideal da civilização'.

(São Pio X)  

7. 'Ensinai-me, Senhor, a amar o próximo sem ser amado por ele, a amá-lo sem olhar à minha utilidade, mas só porque Vós me amais, só para pagar o Vosso amor gratuito. Assim cumprirei o mandamento da lei: amar-Vos sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesma'.

(Santa Catarina de Sena)

domingo, 28 de maio de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai!(Sl 103)

Primeira Leitura (At 2,1-11) - Segunda Leitura (1Cor 12,3b-7.12-13)  -  Evangelho (Jo 20, 19-23)

 28/05/2023 - Solenidade de Pentecostes

27. Solenidade de Pentecostes 


Emitte Spiritum tuum et creabuntur et renovabis faciem terrae

'Enviai, Senhor, o vosso espírito criador e será renovada toda a face da terra'

Originalmente, Pentecostes representava uma das festas judaicas mais tradicionais de 'peregrinação' (nas quais os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no Templo), sempre celebrada após 50 dias da Páscoa e na qual eram oferecidas a Deus as primícias das colheitas do campo. No Novo Pentecostes, a efusão do Espírito Santo torna-se agora o coroamento do mistério pascal de Jesus Cristo, na celebração da Nova Aliança entre Deus e a humanidade redimida.

Eis que os apóstolos encontravam-se reunidos, com Maria e em oração constante, quando 'todos ficaram cheios do Espírito Santo' (At 2, 4), manifestado sob a forma de línguas de fogo, vento impetuoso e ruídos estrondosos, sinais exteriores do poder e da grandeza da efusão do Novo Pentecostes. Luz e calor associados ao fogo restaurador da autêntica fé cristã; ventania que evoca o sopro da Verdade de Deus sobre os homens; reverberação que emana a força da missão confiada aos apóstolos reunidos no cenáculo e proclamada aos apóstolos de todos os tempos.

O Paráclito é derramado numa torrente de graças, distribuindo dons e talentos, porque 'Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos' (1 Cor 12, 4-6). Na simbologia dos vários membros de um mesmo corpo, somos mensageiros e testemunhas de Cristo no meio dos homens, na identidade comum de Filhos de Deus partícipes e continuadores da missão salvífica de Cristo: 'Como o Pai me enviou, também Eu vos envio' (Jo 20, 21).

No Espírito Consolador, não somos mais meros expectadores de uma efusão de graças e dons tão diversos, mas apóstolos e testemunhas, iluminados e portadores da Verdade, pela qual será renovada a face da terra e pelo qual será apagada a mancha do pecado no mundo: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23).

sábado, 27 de maio de 2023

A DEMOCRACIA PODE SER CRISTÃ?


Para São Tomás, as formas possíveis de uma sociedade são três: monarquia, aristocracia e democracia. A monarquia é o governo exercido por uma única pessoa; a aristocracia é a administração da sociedade por um grupo limitado de pessoas e a democracia é o governo do Estado por uma classe numerosa de pessoas (que expressam a 'vontade soberana' de um povo). Qual seria a melhor forma de governo dentre estas três opções ou, em outras palavras, o que seria mais proveitoso para uma dada sociedade, submeter-se ao governo de um só ou ao governo de muitos?

Em primeiro lugar, há que se considerar que não existe um regime social perfeito pois estamos falando de homens e dos pecados dos homens, que tendem a corromper todas as coisas e todos os cenários possíveis. A monarquia pode se aviltar como tirania; a oligarquia seria a corrupção direta da aristocracia e a demagogia conspurca e envilece quaisquer espasmos de democracia. A tirania, porém, representa também o fruto mais podre da corrupção da aristocracia e da democracia e tende a ser mais dolorosa e brutal sob o regime de alguns ou de muitos. Em quaisquer circunstâncias, entretanto, a tirania - seja de um só, de poucos ou de muitos - é o arbítrio mais monstruoso e o cenário mais pervertido da opressão e de usurpação dos direitos e deveres de qualquer povo ou sociedade. 

'Tudo para nós mesmos e nada para os demais parece ter sido, sempre e em qualquer lugar, a máxima vil dos seres humanos'

(Adam Smith)

Neste contexto, a premissa de refrear mais sólida e efetivamente a viabilização ou a implantação de um regime tirânico deveria constituir as bases e diretrizes de qualquer forma de governo. No altar das oferendas democráticas, vende-se o oráculo de que o equilíbrio entre os três poderes - executivo, legislativo e judiciário - modelados por princípios constitucionais de autonomia, independência e harmonia - garantem plenamente a sanidade e o livre exercício do regime. É bastante estúpido acreditar em quaisquer oráculos, mormente um de tal solicitude: se a tirania é, nesse caso, propiciada por muitos, é evidente que a mesma somente poderia ser exercida pelo conluio de muitos, engajados e aliciados pela mesma causa comum, com origens e atuações específicas nos três poderes constitucionalmente instituídos.

Quando este cenário se impõe, a corrupção da sociedade tende a ser sistêmica. E a decantada democracia das falsas liberdades e dos direitos ilimitados - seja qual for o seu apelido ou o seu engodo - mostra a real expressão da sua mímica brutal: uma sociedade em que alguns se governam sem restrição alguma; governam para si, para outros iguais, para a manutenção de um sistema completamente dominado pela imposição sem tréguas de suas ideias, interesses e perspectivas. E o povo, amordaçado e passivamente controlado, é um tributo sem vez e sem voz.

'O poder do homem para fazer de si mesmo o que bem quiser significa o poder de alguns homens para fazer dos outros o que bem quiserem'

(C. S. Lewis)

E dois elementos - siameses em sua gestação - alimentam e reforçam esse estado de coisas. O primeiro resulta da ideia de que a 'soberania popular' (?) é concretizada pelo sufrágio universal e pelo voto direto para a escolha dos seus governantes e representantes. Qualquer princípio de avaliação segura é baseada no critério inconteste de mérito: quem decide e delibera é o mais capaz. É a competência do cidadão comum que molda a escolha pelo voto? São os mais qualificados que assumem os cargos mais relevantes de governo? Na hierarquia dos poderes, são os mais preparados que ditam as normas e as prescrições aos demais? Na maioria das vezes, estes valores de referência tendem a ser exatamente o oposto, ditados por imposições de ordem econômica, ideológica ou corporativista e, quase sempre, pela associação extrema de todas elas.
  
'O que nós devemos respeitar é a vontade do povo e não os votos do povo; dar a um homem o direito de voto contra a sua vontade é fazer do direito de voto uma coisa mais valiosa do que a democracia que esse direito expressa'

(G.K.Chesterton)

O segundo elemento é traduzido pelo solapamento das instituições e pelo adensamento crônico do modelo que é sempre repetido, cada vez mais corrompido e corruptor. O sistema é sempre gerido pelo domínio da maioria sob quaisquer preços e medidas. As forças econômicas e ideológicas impõem toda sorte de tributos ou serventias aos poderes vigentes, dependendo do interesses imediatos. O que era apanágio, vira direito pronto e estabelecido. A reação intempestiva passa a ser refém do indiferentismo. O odor de esgoto se espalha e, de repente, torna-se tolerável. As regras e as leis, infringidas e conspurcadas, são meros fetiches de uma realidade que tende a se tornar extrema e tenebrosa. Os que a dominam, a exaltam como democracia. E ai de quem ousar confrontar suas sequelas e infortúnios... 

A democracia [este modelo falacioso de liberdade plena e do progresso do relativismo como forma de conduta permissiva e generalizada] não tem nada de cristã; não pode ser cristã alguma coisa que, irremediavelmente sujeita às vicissitudes humanas, tende a descambar em tirania [uma democracia cristã somente seria possível se fosse um regime de todos governado, em caráter irrevogável, exclusivamente pela Lei de Deus; fora isso, seria meramente mais um lugar comum das democracias de fachada]. Tais modelos de democracia não podem nunca fomentar a paz e a concórdia porque resultam sempre na imposição de ideologias, a ferro e a fogo, de muitos homens sobre outros tantos. Nenhuma democracia assim pode prosperar. Nenhuma democracia assim pode acabar bem. 

'É mais que evidente que o povo não pode conferir a outro um poder que ele próprio não possui; o verdadeiro poder só pode vir do alto, e é por isso que só pode ser legitimado pela sanção de alguma coisa superior à ordem social, ou seja, uma autoridade espiritual. Se for de outra maneira, será apenas uma contrafação de poder, um estado de fato que é injustificável por defeito de princípio, e em que não pode haver senão desordem e confusão'.
(René Guénon)

Mas, seria realmente a democracia um sistema assim tão intrinsecamente mau, a ponto de não constituir uma alternativa cristã de regramento social? É relevante destacar, nesse contexto, que a única manifestação democrática inserida nas Sagradas Escrituras refere-se a uma escolha, por parte da turba ensandecida, pela libertação de um certo Barrabás. Isso diz muito sobre 'democracia' e a civilização cristã, como abismos intransponíveis, mesmo porque a barbárie da democracia é o comunismo:

'O comunismo precisa da democracia
como o corpo humano precisa de oxigênio'

(Leon Trotsky)

sexta-feira, 26 de maio de 2023

OS GRANDES SINAIS PRECURSORES DO JUÍZO FINAL (IV)

  

Erunt sigma in sole et luna et stellis 

'Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas' (Lc 21, 25)

Segunda Parte

Suponha que uma cidade turca - digamos, Constantinopla - na qual muitos cristãos são mantidos cativos e gemem acorrentados, seja sitiada por um potentado cristão; o rugido e o estrondo da artilharia ressoam o dia inteiro de modo que mal se ouve a própria voz; as paredes e as torres são atacadas e derrubadas pelas balas de canhão; bombas e granadas com estilhaços de fogo estão voando incessantemente no ar, queimando e destruindo tudo em todas as direções e, por toda a cidade, nada se ouve a não ser o rugido da artilharia, o estrondo das paredes caindo e uivos e lamentações terríveis. 

Os homens rastejam e se escondem nos porões mais escuros para evitar as balas de canhão; os soldados em desespero gritam: 'Ai de nós, temos que nos render, a cidade foi sitiada!' O que vocês acham, meus queridos irmãos, que seriam os sentimentos dos cristãos cativos nesta ocasião? Verdadeiramente, no que diz respeito à visão e à audição, eles estão tão mal quanto os turcos; eles também devem se esconder para evitar as bombas e as granadas; mas como eles se sentem no coração? Não há dúvida de que eles se regozijam e exultam quanto mais vigorosamente o cerco prossegue. Quanto maior o desespero dos soldados engajados na defesa, maior a alegria e a esperança dos cristãos. Por que? Ó, eles pensam, agora é chegada a hora em que a cidade deve se render a um poder cristão e seremos libertados do cativeiro e da escravidão. Aí, meus queridos irmãos, vocês têm, em algum grau, uma caricatura e uma imagem do estado de espírito dos justos e dos ímpios ao verem os terríveis portentos que anunciarão o fim do mundo. Os ímpios, aqueles que têm um má consciência, de fato murcharão de medo e consternação e procurarão se esconder sob a terra; eles vão uivar e gemer e lamentar como os turcos sitiados.

Dirão então: 'Ai de nós, estamos perdidos! Devemos agora nos render; eis o fim de todos os prazeres e delícias que desfrutamos na terra; honra e cargos importantes não mais existem; devemos deixar nossa riqueza para trás pois o último dia está próximo; em pouco tempo a terrível trombeta soará em nossos ouvidos as palavras: levantai-vos, mortos, eis o dia do juízo! Em breve compareceremos diante de nosso irado Juiz, a quem desprezamos e tornamos nosso inimigo por causa dos nossos pecados! Agora se aproxima o tempo em que as coisas vergonhosas que escondemos dos homens e não ousamos mencionar nem mesmo no tribunal da penitência serão declaradas abertamente perante todo o mundo! Em breve ouviremos as terríveis palavras: 'Afastem-se de mim, malditos, para o fogo eterno'¹⁵. E teremos que nos despedir eternamente de Deus, nosso bem supremo; de Maria, a Mãe de Deus, de todos os anjos e eleitos, e descer ao inferno com os demônios! Ai de nós!' Quão grande será o terror e a angústia dos ímpios ao verem os sinais e portentos do último dia!

Mas quais serão os sentimentos daqueles justos servos de Deus que mantiveram inviolável fidelidade ao seu Criador ou que, por um verdadeiro arrependimento, lavaram seus pecados, e que viveram, neste vale de lágrimas, em meio a tantos perigos da alma e do corpo, suspirando como prisioneiros por seu lar e lugar de descanso eterno? Como, eu pergunto, será com eles? Ouvi o que Cristo lhes diria, depois de ter falado dos terríveis sinais precursores do último dia: 'quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima'¹⁶. 'Estar de cabeça baixa é um sinal de tristeza e de medo que, meus queridos filhos, não é para vós, mas para os ímpios que se recusaram a amar-me e a honrar-me. Deixai-os definhar de medo, porque não têm parte no meu Reino eterno; mas vós, almas justas que guardastes a minha Lei e em tudo tentastes fazer a minha vontade, 'olhai para cima e levantai as vossas cabeças'; regozijai-vos e alegrai-vos 'porque a vossa redenção está próxima!'. Este é o tempo pelo qual tendes suspirado durante tanto tempo; o tempo para a vossa libertação do cativeiro, de todos os perigos e aflições; o tempo para entrardes no repouso eterno dos filhos de Deus. Este é o dia em que os meus e os vossos inimigos, que vos perseguiram e oprimiram de tantas maneiras - este é o dia em que eles ficarão tremendo e gemendo sob os vossos pés. Este é o dia em que Eu darei a conhecer ao mundo a vossa humildade e vossas virtudes que os homens desconheciam e que os mundanos vaidosos desprezavam! Alegrai-vos, meus filhos! A vossa redenção está próxima; o Reino dos Céus abrir-se-á em breve para vós. Vinde, ó bem-aventurados, possuí o Reino que meu Pai e vós mesmos preparastes para vós! Vinde comigo para as alegrias eternas!'

'Olhai para a figueira e para todas as árvores' - continuaria a falar Nosso Senhor - 'quando agora brotam os seus frutos, sabeis que o verão está próximo e que o frio do inverno já passou. Assim também vós, quando virdes sucederem estas coisas, sabereis que está próximo o reino de Deus'¹⁷. O que Ele quer dizer é que, no inverno, as árvores estão nuas, sem folhas e nem frutos, e cobertas de neve como por um manto de luto; mas quando chega a bela primavera, que mudança ocorre nelas! Adornam-se com os botões frescos, com folhas verdes e frutos, e os pássaros cantam melodias alegres nos seus ramos. 'Assim é também convosco, servos fieis. Até aqui passastes pelo frio do inverno; fostes odiados e desprezados pelo mundo, que desprezastes em favor do meu nome; muitas vezes tivestes de gemer sob a pressão da adversidade mas, quando virdes os sinais da primavera e do verão eterno, 'olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima'. Ficai atentos! Levantai os vossos corações e mentes para o alto! A vossa redenção está próxima; as obras de virtude que realizastes para mim estão agora prestes a dar frutos, e sereis coroados com uma coroa de alegrias eternas'.

Foi este pensamento que trouxe tanta consolação de espírito a São Paulo nas suas múltiplas provações e perseguições, como escreve ao seu discípulo Timóteo: 'Quanto a mim, estou a ponto de ser imolado e o instante da minha libertação se aproxima. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua vinda'¹⁸. É por isso que devemos ansiar incessantemente, como o próprio Nosso Senhor nos ensinou a rezar diariamente: 'Pai nosso, que estais no céu, venha a nós o vosso reino!' Ou, como nos diz São Pedro: 'Uma vez que todas essas coisas se hão de desagregar, considerai qual deve ser a santidade de vossa vida e de vossa piedade, enquanto esperais e apressais o dia do Senhor, esse dia em que se hão de dissolver os céus inflamados e se hão de fundir os elementos abrasados! Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça. Portanto, caríssimos, espe­rando essas coisas, esforçai-vos em ser por ele achados sem mácula e irrepreensíveis na paz''¹⁹. Apressai-vos em vossos desejos, com alegria, para encontrar o dia do Senhor.

Meus queridos irmãos, qual deve ser o nosso pensamento sobre este assunto? Se esses horríveis presságios fossem visíveis nos céus, no dia de hoje, para nos anunciar o fim do mundo, teríamos todos ocasião de erguer a cabeça e de esperar a vinda do nosso Juiz com alegria e exultação? Alegrar-te-ias, ó homem ambicioso, que agora valorizas mais a estima dos homens do que a graça e o favor do teu Deus? Alegrar-te-ias, ó homem avarento, cuja maior e única preocupação todos os dias da tua vida é acumular riquezas de todas as maneiras possíveis; cujas mãos e cofres ainda estão fechados em bens mal adquiridos? Alegrar-te-ias, ó homem sem valor, que até agora te entregaste às tuas paixões imundas e, com as tuas importunações perversas, seduziste muitas almas inocentes ou que ainda continuas a viver em intimidade ilegal com alguém que cativou o teu coração nas malhas do amor impuro? Alegrar-te-ias, ó homem vingativo, que ainda alimentas a ira contra o teu próximo e te entregas a sonhos de vingança? Alegrar-te-ias, ó bêbado, que em todas as ocasiões que se apresentam te roubas a razão e te arruínas a ti e aos que te cercam? Alegrar-te-ias, ó vaidoso filho do mundo, que ainda estás tão apegado ao mundo e não conheces outra lei senão as suas falsas máximas, levando uma vida ociosa e morna? Em suma, todos vós que tendes um pecado mortal na consciência, exultaríeis com a vinda do vosso Juiz? Haveria motivo para vos animar com as palavras de Nosso Senhor: 'Olhai e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima', quando se vissem no céu estes sinais terríveis? Ai de vós! É fácil falar-vos de alegria! O medo, a angústia, o terror, o definhamento por medo, eis os tristes efeitos que esses sinais terão sobre vós. Ah, então por que não tememos ofender a Deus? Como ousar passar uma hora sequer em estado de pecado mortal, pois se a morte nos surpreendesse então, nada mais teríamos a esperar senão um julgamento sem misericórdia e um inferno sem fim?

Ó almas justas que têm uma boa consciência! Para vós seria tudo alegria, uma esperança exultante! Permanecei firmes em apenas servir ao vosso Deus com fidelidade e zelo! 'Vivemos sóbria, justa e piedosamente neste mundo' - eis a exortação que nos dá São Paulo - 'aguardando a bem-aventurada esperança e a vinda da glória do grande Deus e Nosso Salvador Jesus Cristo'²⁰. Cristãos aflitos, que tendes de sofrer toda a espécie de provações e contradições, o que pensais? Tremendos serão os sinais que então vereis, impostos tão severamente pela mão de Deus; quão tremendos serão! Mas consolai-vos! Porque, assim como os sinais terríveis que anunciam o fim do mundo são precursores da redenção próxima para os justos e, portanto, fonte de alegria e consolação para eles, assim também as dores, por maiores que sejam, que agora vos afligem, se as suportardes com boa consciência e resignação à vontade divina, são para vós sinais infalíveis da glória futura no céu, como vos mostrarei em ocasião futura. 

Para vos consolardes e aliviardes de vossas penas, dizei a vós mesmos: o que agora sofro há de acabar; não durará muito; cada dia me aproxima mais da minha libertação. Se sou pobre e destituído por pouco tempo, essa pobreza é um sinal seguro de futuras riquezas no céu. Se eu for desprezado, perseguido pelo mundo e abandonado pelos homens, essa humilhação é um sinal da minha próxima glória e honra na sociedade dos eleitos no céu. Se agora sofro danos e perdas nos meus bens terrenos, essa perda é um sinal do meu ganho futuro, de um tesouro que me espera no céu. Se agora choro de tristeza e angústia, é sinal da minha futura alegria no Céu. Se agora estou doente e fraco, é sinal do futuro bem estar eterno no Céu. Se agora sou obrigado a trabalhar arduamente todos os dias para me sustentar e aos que dependem de mim, é sinal e precursor do futuro repouso eterno no reino dos céus. Por isso, meu Deus, resigno-me à vossa vontade e à vossa providência: com a ajuda da vossa graça, sofrerei tanto tempo, quanto e como quiseres que eu sofra! Por maiores que sejam as minhas tribulações, elas não serão nada em relação às alegrias do céu que me prometeste, 'aguardando a bem-aventurada esperança e a vinda da glória do grande Deus e Nosso Salvador Jesus Cristo'²⁰. Com esta consolação, regozijar-me-ei em todas as minhas provações, esperando o cumprimento dessa bem venturada esperança e a vinda do dia da grande glória do meu Deus e Salvador. 'Eu sei' - direi como Jó - 'que o meu Redentor vive, e que no último dia ressuscitarei da terra... e que na minha carne verei o meu Deus; eu mesmo o contemplarei, meus olhos o verão e esta esperança está guardada em meu peito'²¹. Esta única esperança é o único conforto suficiente para mim. Amém.

15. Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum (Mt 25,41).
16. His antem fieri incipientibus, repicite, et levate capita vestra, quoniam appropinquat redemptio vestra (Lc 21,28).
17. Videte ficulneam, et omnes arbores. Cum producunt jam ex se fructum, scitis quoniam prope est aestas. Ita et vos cum videritis haec fieri, scitote quoniam prope est regnum Dei (Lc 29, 30-31).
18. A resolução do Tempus é meae instantânea. Bonum certamen certavi, cursum consummavi, fidem servavi. In reliquo reposita est mihi corona justitiae, quam reddet mihi Dominus in illa die justus judex; non solum autum mihi, sed et iis qui diligunt adventum ejus (2Tm 4, 6-8).
19. Cum igitur haec omnia dissolvenda sint, quales oportet vose esse in sanctis conversationibus et pietatibus, exspectantes et properantes in adventum diei Domini. Novus vero caelos, et novam terram secundum promissa ipsius expectamus. Propter quod, carissimi, haec exspectantes, satagite immaculati et inviolati ei inveniri in pace (2 Pd 3, 11-14).
20. Sobrie, et juste, et pie vivamus in hoc saeculo; expectantes beatam spem, et adventum gloriae magni dei, et Salvatoris nostri Jesu Christi (Tt 2, 12-13).
21. Scio enim quod Redemptor meus vivit, et in novissima die de terra surrecturs sum….et in carne mea videbo Deum meum. Quem visurus sum ego ipse, et oculi mei conspecturi sunt; reposita est haec spes mea in sinu meo (Jó 19, 24-25).

(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 27, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 25 de maio de 2023

DOUTORES DA IGREJA (XI)

   11Santo Anselmo, Bispo (†1109)

Doutor Magnífico
Concessão do título: 1720 - Papa Clemente XI

Celebração: 21 de abril (Memória Facultativa)

 Obras e Escritos 

  • De Grammatico - O Gramático
  • De Veritate - A Verdade
  • De Libertate Arbitrii - Sobre a Liberdade de Arbítrio
  • De Casu Diaboli - Sobre a Queda do Demônio
  • De Incarnatione Verbi - Sobre a Encarnação do Verbo
  • Cur Deus Homo - Por que Deus feito Homem
  • De Conceptu Virginali et de Originali Peccato  - Sobre a Imaculada Conceição e o Pecado Original
  • De Processione Spiritus Sancti - Sobre a Processão do Espírito Santo
  • De Sacrificio Azymi et Fermentati - Sobre o Sacrifício Ázimo e o Fermentado
  • De Sacramentis Ecclesiae - Sobre os Sacramentos da Igreja
  • De Concordia
  • Monologion ou Monologium - Monológio
  • Proslogion ou Proslogium - Proslógio