sexta-feira, 25 de maio de 2018

QUARENTENÁRIO DA SANTIDADE


(Quarenta chamadas ou instruções para se alcançar a santidade)

O conhecimento de Deus

1. Quando nos é dito que Jesus é seu Filho bem-amado, o Pai nos revela sua Vida; e quando nós cremos nesta revelação, nós participamos do conhecimento do próprio Deus (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.504)

A adoção filial

2. O Santo, o mais elevado nos céus é aquele que, aqui em baixo, foi mais perfeitamente criança de Deus, que fez frutificar abundantemente nele a graça de sua adoção sobrenatural em Jesus Cristo (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.375)

3. É para todas as crianças a adoção, para todos aqueles que são os irmãos de Jesus pela graça santificante, que o Espírito Santo foi dado. E porque este dom é divino e contêm todos os dons mais preciosos de vida e de santidade, sua efusão em nós é 'uma fonte de alegria que preenche o mundo inteiro' (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.574)

4. Seremos santos se formos 'crianças de Deus' e se vivermos como verdadeiras 'crianças' do Pai Celeste, dignas de nossa adoção sobrenatural (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.60)

O Espírito forma Jesus em nós 

5. Pela sua ação infinitamente delicada e soberanamente eficaz, o Espírito Santo forma Jesus em nós (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.575)

A humanidade de Jesus

6. Quando assistimos com espírito de fé a esta cena deliciosa de Betânia, sentimos em nossos corações que Jesus é verdadeiramente um de nós. Deus vivo por nós, em nós, conosco (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.492)

A humanidade de Jesus como uma Via

7. A Santa Humanidade de Jesus é a 'Via'. Sua potência para nos unir ao Verbo é infinita. Sejamos santos para a sua glória (Um Mestre da Vida Espiritual, Thibaut*, 1932, p.372)

A união do Cristo e a Fé

8. Quando se tem uma fé viva no Cristo, não se tem medo nem das dificuldades, nem das contradições, porque se sabe que o Cristo habita em nós pela fé e que nos apoiamos sobre Ele (O Cristo, Ideal do Monge, 1922, p.707)

A imitação do Cristo

9. A Vida espiritual consiste, sobretudo, em contemplar o Cristo para reproduzir em nós seu estado de Filho de Deus e suas Virtudes (O Cristo, Vida da Alma, 1917, p.85)

10. O Cristo é mais que um modelo, mais que um pontífice que nos obteve a graça de imitá-lO; é aquele que, por seu Espírito, age no íntimo da alma para nos ajudar a imitá-lo (O Cristo, Vida da Alma, 1917, p.85)

11. O Cristo é o modelo perfeito de nossa santidade. Deus encontra nEle todas as suas delícias. Ele as encontra em nós segundo o grau de nossa semelhança com Jesus (A união com Deus, Thibaut*, 1938, p.42)

O discípulo, outro Cristo: morto e ressuscitado

12. Tornar-se discípulo de Jesus na fonte sagrada, por um ato que simbolize sua morte e sua ressurreição: devemos reproduzir esta morte e esta ressurreição durante os dias que temos de passar aqui embaixo (O Cristo, Vida da Alma, 1917, p.158)

A união ao Cristo pela Eucaristia

13. É o sonho da alma de ser um com Aquele que ela ama. A comunhão, na qual a alma recebe o Cristo, realiza este sonho, transformando pouco a pouco a alma no Cristo (O Cristo, Vida da Alma, 1917, p.249)

14. Se o quisermos, a mudança admirável ainda continua, pois é também por Sua Humanidade que na Mesa Santa, o Cristo nos infunde a Vida divina. É comendo sua Carne e bebendo seu Sangue, nos unindo à Sua Humanidade, que chegamos à própria fonte da Vida eterna (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.429)

A Eucaristia compartilhada e o próximo

15. Quando comungamos, devemos sempre estar prontos a abraçar numa mesma caridade o Cristo e tudo é a Ele unido; pois a medida da doação do Cristo às nossas almas é aquela de nossa própria doação aos nossos irmãos (Cristo, Ideal do Monge, 1922, p.961)

16. Não tenho medo de dizer que uma alma que se entrega sobrenaturalmente, sem reservas, ao Cristo na pessoa do próximo, ama muito o Cristo e é por Ele infinitamente amada; ela fará grandes progressos na união com Nosso Senhor (Cristo, Vida da Alma, 1917, p.306)

17. O Cristo se tornou próximo, ou melhor, nosso próximo; é o Cristo que se apresenta a nós sob tal ou tal forma (O Cristo, Vida da Alma, 1917, p.304)

O amor

18. A Via mais certa, a mais curta, a mais luminosa, a mais doce também, é a Via do Amor. Mas, para andar nesta Via, é necessária uma coerência muito grande (A União com Deus, Thibaut*, 1938, p.20-21)

19. O amor é o que mede, em última instância, o valor de todos os nossos atos, mesmo os mais ordinários (Cristo, Ideal do Monge, 1922, p.737)

20. Tudo aquilo que Deus faz por nós tem o amor como motivação. O amor está no fundo da criação e de todos os mistérios da Redenção (Cristo, Ideal do Monge, 1922, p.931)

21. Nosso amor deve ser sobrenatural; a Verdadeira caridade é o amor de Deus que inclui num mesmo abraço, Deus e tudo o que está unido a Ele (Cristo, Vida da Alma, 1917, p.309)

22. Se entregar ao próximo, ou melhor, se entregar ao Cristo na pessoa de seus membros, é a Verdadeira prova de amor (A União com Deus, Thibaut*, 1938, p.256)

A espiritualidade beneditina e o Evangelho

23. A espiritualidade de São Bento procede diretamente do Evangelho; é isto que dá a ela este selo de grandeza e de simplicidade, de força e de suavidade que a caracteriza acima de tudo (Cristo, Ideal do Monge, 1922, p.725)

A Lectio Divina e o Evangelho

24. O conhecimento de Jesus e de seus estados se apoiam no Evangelho. Feliz a alma que se abre a cada dia! Ela bebe da própria fonte das águas vivas (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.352-353)

A oração

25. A oração é como uma expressão de nossa vida íntima de ‘crianças’ de Deus, o fruto de nossa filiação divina no Cristo, desenvolvimento espontâneo dos dons do Espírito Santo (Cristo, Vida da Alma, 1917, p.282)

26. Quando a graça e o amor ocupam toda nossa Vida, toda a nossa existência é como um hino perpétuo à glória do Pai celeste (Cristo, Vida da Alma, 1917, p.222)

A humildade

27. A humildade é a confissão prática e contínua de nossa miséria, e esta confissão atrai a atenção de Deus (Cristo, Vida da Alma, 1917, p.799)

28. A verdadeira humildade não nega os dons de Deus; ela os utiliza, mas ela os devolve com toda a glória Àquele que os cedeu (Cristo, Ideal do Monge, 1922, p.818)

O perdão, a pobreza, a fraqueza

29. Quanto mais nos empobrecemos, mais as riquezas inefáveis do Cristo encontram seu lugar em nós. Nossa miséria conhecida e confessada atrai generosidade (A União com Deus, Thibaut*, 1938, p.156)

30. Nada desarma a justiça de Deus a nosso respeito como a misericórdia que temos pelos outros (A União com Deus, Thibaut*, 1938, p.182)

31. Somos miseráveis e nossas misérias unidas àquelas de Jesus gritam ao nosso Pai celeste (A União com Deus, Thibaut*, 1938, p.111).

32. Adoro pensar após a comunhão que o Verbo eterno que está ‘no seio do Pai’ está igualmente em mim ‘no seio de um pecador’. Tal pensamento desencadeia em mim adoração e ação de graças (Um Mestre da Vida Espiritual, Thibaut*, 1932, p.412)

A santidade

33. Ninguém pode dizer: a santidade não é para mim. O que pode torná-la impossível? Deus a deseja para nós (Cristo, Ideal do Monge, 1922, p.617)

34. Para nós é uma ambição legítima tender com todas as nossas forças na busca por esta glória que Deus colocou em nossa santidade (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.608)

Maria

35. Maria participa de alguma forma, na autoridade do Pai eterno sobre a humanidade de ser Filho. Jesus poderia dizer de Sua Mãe o que ele disse de seu Pai dos Céus: 'Cumpro sempre o que Lhe agrada' (Cristo, Vida da Alma, 1917, p.317).

36. Vejo hoje que Maria foi perfeita em sua fé sublime aos pés da Cruz. Oh! Que Ela nos obtenha esta graça, símbolo de uma fé perfeita, mesmo na nudez da provação! (Um Mestre da Vida Espiritual, Thibaut*, 1932, p.397)

37. Devemos ser como Jesus 'Filhos de Deus' e 'Filhos de Maria'. Se nós queremos reproduzir sua imagem em nós, devemos ter esta dupla qualidade (Cristo, Vida da Alma, 1917, p.313)

38. Que pediremos nós a Maria? Senão, antes de tudo e acima de tudo, que Ela forme Jesus em nós, nos comunicando sua fé e o seu amor? (Cristo, Vida da Alma, 1917, p.324)

39. Os que não conhecem a Virgem, os que não a tem pela Mãe de Jesus um amor verdadeiro, arriscam a não compreender frutuosamente os mistérios da humanidade do Cristo (Cristo em Seus Mistérios, 1919, p.444)

Consagração à Trindade Santa 

40. Ó Pai eterno, prostrados em humilde adoração aos vossos pés, nós consagramos todo nosso ser à glória de vosso Filho Jesus, o Verbo encarnado. Vós o constituístes Rei de nossas almas; submeta a Ele nossas almas, nossos corações, nossos corpos, e que nada em nós não se mova sem a sua ordenação, sem sua inspiração. Que unidos a Ele, nós sejamos levados ao vosso Seio e consumidos na unidade de vosso Amor. 

Ó Jesus, nos una a vós na vossa vida toda santa, toda consagrada ao vosso Pai e às almas. Seja a nossa sabedoria, nossa justiça, nossa santificação, nossa Redenção, nosso tudo. Santificai-nos na verdade. Santo Espírito, Amor do Pai e do Filho, estabeleça-vos como uma fornalha de amor no centro de nossos corações e elevai sempre - como chamas ardentes - nossos pensamentos, nossas ações e nossas afeições, para o alto; até o interior do Seio do Pai. Que a nossa vida inteira seja uma Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Ó Maria, Mãe do Cristo, Mãe do Santo Amor, conformai-nos vós mesma segundo o coração de vosso Filho (Consagração de Dom Columba Marmion à Trindade Santa, em 25 de dezembro de 1908).

* Dom Raymond Thibault foi secretário de Dom Columba Marmion e reuniu os seus escritos, homilias e pregações em três obras: 'Cristo, Vida da Alma' (1917); 'Cristo em seus Mistérios' (1919) e 'Cristo, Ideal dos Monges' (1922). 'Um Mestre da Vida Espiritual' (1932) e 'A União com Deus' (1938) são obras de sua autoria sobre Marmion.

(Quarenta chamadas ou instruções para se alcançar a santidade, extraídas dos escritos do Beato Columba Marmion (1858 - 1923), abade irlandês do Mosteiro de Maredsous, na Bélgica e beatificado pelo papa João Paulo II em 3 de setembro de 2000)

quinta-feira, 24 de maio de 2018

CATEQUESES SOBRE O BATISMO (III)


Catequeses Mistagógicas ('de Formação') para Recém-Batizados

(São Cirilo de Jerusalém)

Terceira Catequese: A Unção dos Óleos no Batismo

1. Batizados em Cristo e dele revestidos, vos tornastes conformes ao Filho de Deus. Em verdade, Deus, predestinando-nos à adoção de filhos, nos fez conformes ao corpo glorioso de Cristo. Feitos, pois, partícipes de Cristo, não sem razão, sois chamados cristos e é de vós que Deus disse: 'Não ouseis tocar nos que me são consagrados' (Sl 104,15). Ora, vós vos tornastes cristos, recebendo o sinal do Espírito Santo, e tudo se cumpriu em vós em imagem, pois sois imagens de Cristo. Ele, quando banhado no rio Jordão e comunicando às águas a força da divindade, delas saiu e se produziu sobre ele a vinda substancial do Espírito Santo, pousando igual sobre igual. Também a vós, ao sairdes das águas sagradas da piscina, se concede a unção, figura daquela com que Cristo foi ungido. Refiro-me ao Espírito Santo, do qual o bem-aventurado Isaías, na profecia a respeito dele, disse, na pessoa do Senhor: 'O espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor consagrou-me pela unção' (Is 61,1).

2. Na verdade, Cristo não foi ungido com óleo ou unguento material por um homem. Mas foi o Pai que, estabelecendo-o com antecedência como Salvador de todo o universo, o ungiu com o Espírito Santo, conforme está dito: 'Jesus de Nazaré, a quem Deus ungiu com o Espírito Santo' (Lc 4,18). E o profeta Davi exclamou: 'Vosso trono, ó Deus, é eterno, de equidade é vosso cetro real. Amais a justiça e detestais o mal, pelo que o Senhor, vosso Deus, vos ungiu com óleo de alegria, preferindo-vos aos vossos iguais' (Sl 44,7-8). E como Cristo foi verdadeiramente crucificado e sepultado e ressuscitou, e vós, pelo batismo, fostes, por semelhança, tidos por dignos de com ele ser crucificados, sepultados e ressuscitados, assim também na unção do crisma. Ele foi ungido com o óleo espiritual da alegria, isto é, com o Espírito Santo, chamado óleo de alegria, por ser causa da alegria espiritual. Vós fostes ungidos com o óleo, feitos, partícipes e companheiros de Cristo.

3. Vê, porém, que não imagines ser um simples unguento. Pois, como o pão da Eucaristia, depois de epiclese do Espírito Santo, já não é simples pão, mas o corpo de Cristo, assim também este santo unguento, com a epiclese, já não é puro e simples unguento, mas é dom de Cristo e obra do Espírito Santo, pela presença de sua divindade. Com ele se unge simbolicamente tua fronte e os outros sentidos. Se, por um lado, o corpo é ungido com o unguento sensível, por outro, a alma é santificada pelo santo e vivificado Espírito.

4. E primeiro sois ungidos na fronte para serdes libertados da vergonha que o primeiro homem transgressor levou por toda parte e para que, de face descoberta, contempleis a glória do Senhor. Depois nos ouvidos, para terdes ouvidos conforme disse Isaías: 'o Senhor Deus abriu-me o ouvido' (Is 50,4) e o Senhor no Evangelho: 'Quem tem ouvidos para ouvir que ouça' (Lc 8,8). Em seguida nas narinas, para que, ao receberdes este divino unguento, possais dizer: 'Somos para Deus o perfume de Cristo entre os que se salvam' (Hb 2,15). Depois no peito, a fim de que atender o pedido: 'revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio' (Ef 6,11). Como na verdade o Salvador, após seu batismo e a descida do Espírito Santo, saiu a combater o adversário, assim também vós, depois do santo batismo e da mística unção, revestidos da armadura do Espírito Santo, resistis à força inimiga e a venceis dizendo: 'Tudo posso naquele que me conforta, Cristo'.

5. Feitos dignos desta santa unção, sois chamados cristãos. Assim, pela regeneração, mostra ser de direito o nome [de cristãos]. Antes, pois, de serdes declarados dignos do batismo e da graça do Espírito Santo, não éreis dignos deste nome, mas estáveis a caminho de serdes cristãos.

6. É necessário que saibais que há ó símbolo desta unção na Escritura Antiga. E na verdade, quando Moisés comunicou ao irmão a ordem de Deus e o estabeleceu sumo sacerdote, depois de lavar-se com água, o ungiu e foi ele chamado Cristo, em virtude, evidentemente, da unção figurativa. Do mesmo modo, o sumo sacerdote, ao elevar Salomão à dignidade de rei, o ungiu, depois de lavar-se no Gion. Mas essas coisas lhes aconteceram em figura. A vós, porém, não em figura, mas, em verdade. Isso, já que o começo de vossa salvação remonta àquele que foi ungido pelo Espírito Santo. Cristo é realmente as primícias, e vós sois a massa: mas se as primícias são santas, é evidente que a santidade também passa à massa.

7. Guardai imaculada esta unção: ensinar-vos-á todas as coisas, se permanecer em vós, como ouvistes há pouco dizer o bem-aventurado João, explicando muitas coisas sobre a unção. Esta unção é a salvaguarda espiritual do corpo e a salvação da alma. Foi isto que desde tempos antigos o santo Isaías profetizou, dizendo: 'o Senhor dos exércitos dará nesta montanha para todos os povos um banquete' (Is 25, 6). Por montanha ele designa a Igreja, como outras vezes quando diz: 'E nos últimos dias será visível a montanha do Senhor. Beberão vinho, beberão a alegria, serão ungidos de unguento'. E para que mais te assegures, ouve o que diz sobre este unguento em sentido místico: 'Transmite tudo isso às nações, pois o desígnio do Senhor se estende sobre todos os povos. Assim, pois, ungidos com este santo crisma, guardai-o sem mancha e irrepreensível em vós, progredindo em boas obras e tornando-vos agradáveis ao autor de nossa salvação, Cristo Jesus, a quem a glória pelos séculos dos séculos. Amém'.

('Terceira Catequese Mistagógica aos Recém-iluminados', de São Cirilo de Jerusalém, século IV)

quarta-feira, 23 de maio de 2018

A SANTIDADE DA CONVIVÊNCIA DIFÍCIL

'Há na comunidade uma irmã que tem o talento de me desagradar em todas as coisas; os seus modos, as suas palavras, o seu caráter eram-me muito desagradáveis. No entanto é uma santa religiosa que deve ser muito agradável ao bom Deus; assim, não querendo ceder à antipatia natural que sentia, disse a mim própria que a caridade não devia ser composta por sentimentos, mas por obras. 

Decidi então fazer por esta irmã aquilo que faria pela pessoa que mais amasse. Cada vez que a encontrava rezava ao Senhor por ela, oferecendo-lhe todas as suas virtudes e méritos. Sentia que isso agradava a Jesus, pois não existe artista que não goste de receber louvores pelas suas obras e Jesus, o artista das almas, fica feliz quando não nos detemos no exterior mas, penetrando até ao santuário íntimo que Ele escolheu para morar, admiramos a sua beleza. Não me contentava em rezar muito pela irmã que me suscitava tantos combates, obrigava-me a fazer-lhe todos os favores possíveis e, quando tinha a tentação de lhe responder de modo desagradável, contentava-me em lhe fazer o meu sorriso mais amável e fazia por desviar a conversa. 

E também muitas vezes, tendo algumas relações de trabalho com essa irmã, quando os embates eram demasiado violentos, fugia como um desertor. Como ela ignorava totalmente o que eu sentia por ela, nunca desconfiou dos motivos da minha conduta e continua persuadida de que o seu caráter me agrada. Um dia, no recreio, disse-me mais ou menos estas palavras com um ar muito contente: 'Pode dizer-me, irmã Teresa do Menino Jesus, o que a atrai tanto em mim, pois de cada vez que olha para mim vejo-a sorrir?' Ah, o que me atraía nela era Jesus, escondido no fundo da sua alma, pois Jesus torna doces as coisas mais amargas'.

(Santa Teresa de Lisieux)

terça-feira, 22 de maio de 2018

DA VIDA ESPIRITUAL (96)


Qual é o valor do ouro escondido no fundo da terra? De que vale ser ouro se ouro realmente não pode ser, uma vez enterrado como um inútil tesouro? A virtude vale muito mais que o ouro, mas a virtude escondida é também um tesouro inútil. De que adianta a virtude manter-se enterrada no coração humano e não brilhar muito mais que o ouro? 

O ouro escondido na terra precisa ser escavado, moído, tratado e fundido, para virar ouro de verdade. A virtude também precisa ser achada, vivida, cuidada e igualmente polida. No cadinho de metal, o ouro é finalmente ouro ao ser tocado pelo fogo. No cadinho da alma, a virtude é finalmente virtude ao ser incensada pelo fogo da caridade. Porque a caridade é a mãe de todas as virtudes.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

CATEQUESES SOBRE O BATISMO (II)


Catequeses Mistagógicas ('de Formação') para Recém-Batizados

(São Cirilo de Jerusalém)

Segunda Catequese: A Celebração do Batismo

1. Úteis vos são as cotidianas mistagogias e os novos ensinamentos que vos anunciam novas realidades, e isto tanto mais a vós que fostes renovados do passado para a novidade. Por isso é necessário que vos proponha o que se segue à instrução mistagógica anterior, a fim de que compreendais a significação simbólica do que foi realizado por vós no interior do edifício.

2. Logo que entrastes, despistes a túnica. E isto era imagem do despojamento do velho homem com suas obras. Despidos, estáveis nus, imitando também nisso a Cristo, nu sobre a cruz. Por sua nudez despojou os principados e as potestades e no lenho triunfou corajosamente sobre eles. As forças inimigas habitavam em vossos membros. Agora já não vos é permitido trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o homem velho corrompido pelas concupiscências falazes. Oxalá a alma, uma vez despojada dele, jamais torne a vesti-la, mas possa dizer com a esposa de Cristo, no Cântico dos Cânticos: 'Tirei minha túnica, como irei revesti-la?'. Ó maravilha, estáveis nus à vista de todos e não vos envergonhastes. Em verdade éreis imagem do primeiro homem Adão, que no paraíso andava nu e não se envergonhava.

3. Depois de despidos, fostes ungidos com óleo desde o alto da cabeça até os pés. Assim, vos tornastes participantes da oliveira cultivada, Jesus Cristo. Cortados da oliveira bravia, fostes enxertados na oliveira cultivada e vos tornastes participantes da abundância da verdadeira oliveira. O óleo era símbolo, pois, da participação da riqueza de Cristo. Afugenta toda presença das forças adversas. Como a insuflação dos santos e a invocação do nome de Deus, qual chama impetuosa, queima e expele os demônios, assim este óleo recebe, pela invocação de Deus e pela prece, uma tal força que, queimando, não só apaga os vestígios dos pecados, mas ainda põe em fuga as forças invisíveis do maligno.

4. Depois disto fostes conduzidos pela mão à santa piscina do divino batismo, como Cristo da cruz ao sepulcro que está à vossa frente. E cada qual foi perguntado se cria no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E fizestes a profissão de fé, e fostes imersos três vezes na água e em seguida emergistes, significando também com isto, simbolicamente, o sepultamento de três dias de Cristo. E assim como nosso Salvador passou três dias e três noites no coração da terra, do mesmo modo vós, com a primeira imersão, imitastes o primeiro dia de Cristo na terra, e com a imersão, a noite. Como aquele que está na noite nada enxerga e ao contrário o que está no dia tudo enxerga na luz, assim vós na imersão, como na noite, nada enxergastes; mas na emersão, de novo vos encontrastes no dia. E no mesmo momento morrestes e nascestes. Esta água salutar tanto foi vosso sepulcro como vossa mãe. E o que Salomão disse em outras circunstâncias, sem dúvida, pode ser adaptado a vós: 'Há tempo para nascer e tempo para morrer' (Ec 3,2). Mas para vós foi o inverso: tempo para morrer e tempo para nascer. Um só tempo produziu ambos os efeitos e o vosso nascimento ocorre com vossa morte.

5. Oh! fato estranho e paradoxal! Não morremos em verdade, não fomos sepultados em verdade, não fomos crucificados e ressuscitados em verdade. A imitação é uma imagem; a salvação, uma verdade. Cristo foi crucificado, sepultado e verdadeiramente ressuscitou. Todas estas coisas nos foram agraciadas a fim de que, participando por imitação de seus sofrimentos, em verdade logremos a salvação. Oh! amor sem medida! Cristo recebeu em suas mãos imaculadas os pregos e padeceu, e a mim, sem sofrimento e sem pena, concede graciosamente por esta participação a salvação.

6. Ninguém, pois, creia que o batismo só obtém a remissão dos pecados, como o batismo de João só conferia o perdão dos pecados. Também nos concede a graça da adoção de filhos. Mas nós sabemos, com precisão, que como é purificação dos pecados e prodigalizador do dom do Espírito Santo, é também figura da Paixão de Cristo. Por isso clama a propósito Paulo, dizendo: 'Ou ignorais que todos nós, que fomos batizados para Cristo Jesus, fomos batizados para [participar da] sua morte? Com ele fomos sepultados pelo batismo' (Rm 6,3). Talvez dissesse estas coisas por causa de alguns, dispostos a ver o batismo como prodigalizador da remissão dos pecados e da adoção, mas não como participação, por imitação, dos verdadeiros sofrimentos de Cristo.

7. Para que aprendêssemos que tudo o que Cristo tomou sobre si foi por nós e pela nossa salvação, tudo sofrendo em verdade e não em aparência e para que nos tornássemos participantes dos seus sofrimentos, exclamava veementemente Paulo: 'Se fomos plantados com [Ele] pela semelhança de sua morte, também o seremos pela semelhança de sua ressurreição' (Rm 6,5). Boa é a expressão 'plantados com Ele'. Logo que foi plantada a verdadeira vida, nós também pela participação do batismo da sua morte 'fomos plantados'. Fixa a mente com toda a atenção nas palavras do Apóstolo. Não disse: Fomos plantados com Ele pela morte, mas, pela semelhança da morte. Deveras, houve em Cristo uma morte real, pois a alma se separou do corpo. Houve verdadeiramente sepultamento, pois seu corpo sagrado foi envolvido em lençol limpo e foi verdadeiro tudo o que nele ocorreu. Para nós há a semelhança da morte e dos sofrimentos. Quando se trata da salvação, porém, não é semelhança e sim realidade.

8. Todas estas coisas foram ensinadas suficientemente: retende tudo em vossa memória, rogo-vos, para que eu, ainda que indigno, possa dizer-vos: 'Amo-vos porque sempre vos lembrais de mim e conservais as tradições que vos transmiti'. Ademais, poderoso é Deus que de mortos vos fez vivos, para conceder-vos que andeis em novidade de vida. A Ele a glória e o poder, agora e pelos séculos. Amém.

('Segunda Catequese Mistagógica aos Recém-iluminados', de São Cirilo de Jerusalém, século IV)

domingo, 20 de maio de 2018

'RECEBEI O ESPÍRITO SANTO'

Páginas do Evangelho - Domingo da Festa Litúrgica de Pentecostes

 

Emitte Spiritum tuum et creabuntur. Et renovabis faciem terrae

'Enviai, Senhor, o vosso espírito criador e será renovada toda a face da terra'

Originalmente, Pentecostes representava uma das festas judaicas mais tradicionais de 'peregrinação' (nas quais os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no Templo), sempre celebrada 50 dias após à Páscoa e na qual eram oferecidas a Deus as primícias das colheitas do campo. No Novo Pentecostes, a efusão do Espírito Santo torna-se agora o coroamento do mistério pascal de Jesus Cristo, na celebração da Nova Aliança entre Deus e a humanidade redimida.

Eis que os apóstolos encontravam-se reunidos, com Maria e em oração constante, quando 'todos ficaram cheios do Espírito Santo' (At 2, 4), manifestado sob a forma de línguas de fogo, vento impetuoso e ruídos estrondosos, sinais exteriores do poder e da grandeza da efusão do Novo Pentecostes. Luz e calor associados ao fogo restaurador da autêntica fé cristã; ventania que evoca o sopro da Verdade de Deus sobre os homens; reverberação que emana a força da missão confiada aos apóstolos reunidos no cenáculo e proclamada aos apóstolos de todos os tempos.

O Paráclito é derramado numa torrente de graças, distribuindo dons e talentos, porque 'Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos' (1 Cor 12, 4-6). Na simbologia dos vários membros de um mesmo corpo, somos mensageiros e testemunhas de Cristo no meio dos homens, na identidade comum de Filhos de Deus partícipes e continuadores da missão salvífica de Cristo: 'Como o Pai me enviou, também Eu vos envio' (Jo 20, 21).

No Espírito Consolador, não somos mais meros expectadores de uma efusão de graças e dons tão diversos, mas apóstolos e testemunhas, iluminados e portadores da Verdade, pela qual será renovada a face da terra e pelo qual será apagada a mancha do pecado no mundo: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23).

sábado, 19 de maio de 2018

A PROFECIA DE PIO XII

Testemunho registrado* de uma conversa, mantida em 1936, entre o então Cardeal Eugênio Pacelli (futuro Papa Pio XII e, à época, Secretário de Estado do Vaticano durante o pontificado de Pio XI com o Conde Enrico Pietro Galleazzi):


'Suponha, meu caro amigo, que o comunismo seja apenas o mais visível dos órgãos de subversão contra a Igreja e contra a tradição da revelação divina, então nós vamos assistir à invasão de tudo o que é espiritual, a filosofia, a ciência, o direito, o ensino, as artes, a imprensa a literatura, o teatro e a religião.

Estou obcecado pelas confidências da Virgem à pequena Lúcia de Fátima. Essa obstinação de Nossa Senhora, diante do perigo que ameaça a Igreja, é um aviso divino contra o suicídio que representaria a alteração da fé, na sua liturgia, sua teologia e sua alma [a crise da fé, o desmantelamento moral, a derrocada da Igreja e da civilização cristã, mantidos escondidos aos homens pela não revelação do Terceiro Segredo]. 


(...)

Ouço em redor de mim os inovadores que querem desmantelar a Capela Sagrada, destruir a chama universal da Igreja, rejeitar os seus ornamentos, dar-lhe remorso do seu passado histórico. Pois bem, meu caro amigo, estou convicto que a Igreja de Pedro deve assumir o seu passado ou então ela cavará a sua sepultura. 

(... diante uma objeção do seu interlocutor):

Um dia virá em que o mundo civilizado renegará o seu Deus, em que a Igreja duvidará como Pedro duvidou. Ela será tentada a crer que o homem se tornou Deus, que o seu Filho é apenas um símbolo, uma filosofia como tantas outras, e nas igrejas os cristãos procurarão em vão a lâmpada vermelha em que Deus os espera [Jesus presente no Santíssimo Sacramento]. Como Maria Madalena, chorando perante o túmulo vazio, perguntarão: ‘Para onde O levaram?’

*('Pie XII devant l´Histoire', de Mons. Georges Roche e Philippe St. Germain, 1972)