Capítulo IV
Consolação das Almas - Santa Catarina de Ricci e as Consolações pela Alma de um Príncipe
Relatemos um outro exemplo das consolações interiores e do misterioso contentamento que as almas experimentam em meio aos sofrimentos mais excruciantes: encontramo-lo na Vida de Santa Catarina de Ricci, religiosa da Ordem de São Domingos, falecida no Convento de Prato, em 2 de fevereiro de 1590. Esta serva de Deus tinha tão grande devoção pelas almas do Purgatório que sofreu no lugar delas nesta terra o que elas teriam de suportar no outro mundo. Entre outras coisas, ela libertou das chamas expiatórias a alma de um príncipe e sofreu por ele os mais terríveis tormentos por quarenta dias.
Este príncipe, cujo nome não é mencionado na história, em consideração sem dúvida a sua família, havia levado uma vida mundana, e a santa ofereceu muitas orações, jejuns e penitências para que Deus a iluminasse sobre a condição de sua alma e para que não fosse condenado. Deus se dignou ouvi-la e o infeliz príncipe, antes de sua morte, deu provas evidentes de uma conversão sincera. Morreu com bons sentimentos e assim alcançou o Purgatório. Catarina apreendeu isso por revelação divina em oração e se ofereceu para satisfazer a Justiça Divina por aquela alma.
Nosso Senhor atendeu a sua oferta de caridade e, assim, recebeu a alma do príncipe na glória, submetendo Catarina então a sofrimentos totalmente incomuns pelo período de quarenta dias. Ela foi afetada por uma doença que, de acordo com o julgamento dos médicos, não era natural e que não tinha possibilidade de cura e nem de alívio. De acordo com o depoimento de testemunhas oculares, o corpo da santa ficou coberto de bolhas cheias de um fluido aquecido e inflamado, como água fervente. Isso causou tanto calor que a sua cela parecia um forno e exposta ao fogo, de tal maneira que era impossível permanecer ali por alguns instantes sem sair para respirar. A carne da paciente estava fervendo e sua língua parecia um pedaço de metal em brasa. A intervalos, a inflamação cessava e então a carne parecia assada, para logo em seguida reaparecerem as bolhas e o mesmo calor excruciante.
No entanto, em meio a essa tortura, a santa não perdeu a serenidade de seu semblante e nem a paz de sua alma, mas, ao contrário, parecia se alegrar com os seus tormentos. Às vezes, os sofrimentos aumentavam a tal ponto que ela perdia a fala por dez ou mais minutos. Quando uma irmã religiosa lhe disse que ela parecia estar em chamas, ela respondeu simplesmente: 'Sim', sem acrescentar mais nada. Quando, em outra ocasião, manifestaram a ela que tal zelo havia ido longe demais e que não deveria pedir a Deus um sofrimento tão excessivo, ela respondeu: 'Perdoem-me, minhas queridas irmãs se eu não lhes atendo, mas é que Jesus tem tanto amor pelas almas, que tudo o que fazemos pela salvação delas lhe é infinitamente agradável; por isso suporto de bom grado qualquer dor, seja ela qual for, tanto pela conversão dos pecadores como pela libertação das almas detidas no Purgatório'. Ao final dos quarenta dias, Catarina voltou ao seu estado normal. Os parentes do príncipe perguntaram a ela onde estava a sua alma. 'Não tenham medo' - respondeu ela - a alma dele já está no gozo da glória eterna'. Assim se soube finalmente que era pela alma dele que ela tanto sofrera.
Este exemplo nos ensina muitas coisas, mas o citamos para mostrar que os maiores sofrimentos não são incompatíveis com a paz interior. Nossa santa, enquanto suportou visivelmente as penas do Purgatório, experimentou nisso uma paz admirável e um contentamento sobre-humano.
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)